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Testamento vital: declaração prévia de vontade de pacientes terminais à luz da autonomia da vontade e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro

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3 DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE E SUAS RAMIFICAÇÕES

Em um primeiro momento, é importante enfatizar que as diretivas antecipadas de vontade ramificam-se em dois núcleos principais:  a declaração prévia de vontade (testamento vital) e o mandato duradouro. Sendo assim, as diretivas antecipadas são gênero, uma vez que a declaração prévia de vontade é espécie.

Assim, com a criação da resolução 1.995, do Conselho Federal de Medicina, em 2012, foi possível uma melhor adequação ao objeto de análise. É sabido que as diretivas antecipadas de vontade não são objeto novo de estudo, tampouco de utilização no mundo, porém começam a ser discutidas no Brasil a partir da criação das resoluções 1.805/06 e 1.995/12 do Conselho Federal de Medicina.

A declaração prévia de vontade consiste em documento pelo qual o testador, no caso o paciente, irá descrever expressamente sua vontade ou rejeição em fazer ou deixar de fazer determinados procedimentos que seu juízo de valor considera desnecessários. Ressalta-se que somente poderá dispor da declaração prévia de vontade paciente que se encontrar em estado terminal ou tiver uma doença crônica incurável  que não ofereça  nenhuma possibilidade de cura.

A declaração prévia de vontade tem como principal firmamento a garantia da dignidade da pessoa humana, ao passo que concede ao individuo autonomia para decidir os tratamentos ou não tratamentos a que será submetido, caso no futuro seja diagnosticado com alguma enfermidade de cunho degenerativo ou terminal e, no momento da decisão, esteja impossibilitado de manifestar sua vontade. Dessa forma, a declaração prévia de vontade tem como principal intuito zelar sobre a vontade do paciente que no momento de seu tratamento avalia desnecessários determinados procedimentos.

É válido ressaltar que o indivíduo diagnosticado como paciente terminal poderá, em pleno gozo de suas faculdades mentais, expressamente fazer a declaração prévia de vontade para aceitar ou rejeitar determinados tratamentos. Porém, o mesmo não poderá negar-se a se submeter a tratamentos paliativos para aliviar sofrimentos e dores. Esses  são irrevogáveis.

3.1 Mandato duradouro

É uma das espécies das diretivas antecipadas de vontade o mandato duradouro, que consiste em um documento no qual o indivíduo constituiu um mandatário chamado de procurador de saúde. Este, por sua vez, recebe poderes expressos para atuar em nome do individuo doente. Assim, já com informações previamente obtidas pelo paciente em aceitar ou rejeitar determinados procedimentos, o mandatário poderá dirimir questões acerca dos tratamentos e cuidados com a saúde do paciente. Dessa forma, o mandatário irá proceder como um interlocutor entre paciente, procedimento e médico.

Ao passo que não existe legislação prévia amparando a declaração prévia de vontade, o mandato duradouro também está inserido nesse mesmo contexto, pois não há lei que proíba tal procedimento. Como há uma lei especifica que o defina, o indivíduo que pretende utilizar o mandato duradouro deverá empregar a mesma lógica jurídica utilizada na declaração prévia de vontade. Partindo desse pressuposto, Adriano Godinho diz que:

Se o paciente é livre para expressar seu sentimento quanto aos atos médicos que lhe pareçam adequados, não se pode recusar a validade de um instrumento que, lavrado pelo próprio interessado, nomeia um terceiro para manifestar-se sobre os cuidados futuros com a saúde.[22]

É necessário frisar que o mandato duradouro é um instrumento garantidor da autonomia da vontade do paciente nas questões inerentes aos procedimentos  médicos. É ele que descarta a possibilidade de indefinição nas relações legais em que se trata de responsabilidade de decisão. A partir do momento em que se estrutura o documento e nomeia o mandatário, fica a cargo deste a decisão a ser tomada sobre eventuais procedimentos aos quais o paciente deverá ou não submeter-se.  É essencial enfatizar que o mandatário tem o poder de decisão  em nome da pessoa que, no momento, encontra-se incapacitada para  tal deliberação, porém o mandatário somente fará jus a suas atribuições mediante documento  expressamente escrito  que contenha todas e quaisquer negação ou aceitação de eventuais procedimentos.

É livre a escolha do terceiro que será o mandatário do paciente em estágio terminal. Nesse sentido, Luciana Dadalto[23] sustenta a ideia de que o procurador deverá ser pessoa próxima, diz que o mais adequado seriam cônjuges ou pais ou até mesmo o médico pessoal do paciente. Ainda afirma que a pessoa que vai ser procurador deverá saber a real vontade do indivíduo.

4 VALIDADE DA DECLARAÇÃO PRÉVIA DE VONTADE DE PACIENTES TERMINAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O ponto crucial do presente artigo é o reconhecimento da validade da Declaração Prévia de Vontade no ordenamento jurídico brasileiro. É nesse instante que fica evidenciado o atraso na legislação brasileira no que diz  respeito aos conteúdos do mundo moderno, entretanto o Conselho Federal de Medicina preocupou-se em normatizar tal temática criando a resolução 1.995/2012. Nesse aspecto, propõe a resolução que o médico esteja atrelado à declaração de vontade do paciente, manifestada anteriormente, garantindo a devida condição do direito de decidir como pretende conduzir os últimos momentos de sua vida, sempre mantendo cautela para não ferir os princípios da autonomia e o princípio da dignidade humana.

É válido enfatizar que o Conselho Federal de Medicina não tem competência para legislar. Desta maneira, a resolução 1.995/12 não possui força de lei,  tampouco uma positivação em lei adequada.

 Apesar disso, nada impede que se reconheça a validade do Testamento Vital, pois representa um garantidor da autonomia da vontade de pacientes. Dessa forma, fica excluída por ora a ideia de que o Testamento Vital não poderia perdurar no Brasil pela falta de regulamentação, pois, de acordo com os autores trabalhados até o presente momento,  são unânimes as alegações  de que o testamento vital é instituto válido. Mesmo que não normatizado no ordenamento jurídico, a sua aplicabilidade é plena, de acordo com interpretações dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, autonomia e liberdade. [24]

Não somente a resolução, mas também a medicina vêm enfrentando um dos grandes problemas da humanidade: a relação de vida e morte, fatores esses naturais, pois não sabemos quando vamos nascer nem o dia de nossa morte.  No entanto, a medicina, com seus grande avanços, ainda não admite a morte como um fator natural do ciclo da vida, por isso tenta driblá-la com grandes avanços tecnológicos, como, por exemplo, máquinas que  prolongam a vida de pacientes terminais, mesmo daqueles pacientes que estão fora de possibilidade terapêutica. Por esse motivo, o testamento vital visa a proteger aqueles pacientes que  não têm o desejo de se submeter a tratamentos agressivos, o que, na concepção daquele que está doente, seria algo desnecessário.

O testamento vital ampara a rejeição de tratamentos pelos quais o paciente em estágio terminal prolonga sua vida artificialmente ou resultam em intervenções fúteis que não mostrarão resultados significativos. Nessa proposta, há divergências entre alguns doutrinadores que tratam da temática, quanto aos seus requisitos, uma vez que é um instituto que ainda não se encontra positivado em lei especifica no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, não há como estabelecer quais seriam suas reais necessidades e as condições para que isso ocorra.

A resolução 1.995/2012, de Conselho Federal de Medicina, não salienta se o testamento vital deverá ser por escrito, registrado em cartório ou simplesmente registrado no portuário médico. Em seu artigo 1º § 4º da resolução 1.995/2012, diz que: “ o médico registrará, no portuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente”, ao passo que não formaliza sobre prazo de validade, data em que começará a produzir efeitos, entre outros aspectos em que a resolução é omissa.

No entanto, ao seguir o relatório da ação civil pública do Ministério Público Nº 1039-86.2013.4.01.3500 [25], diz que a declaração prévia de  vontade de pacientes terminais deverá seguir os mesmos requisitos previstos no artigo 104 do Código Civil Brasileiro.

Ação essa interposta pelo Ministério Público Federal contra o Conselho Federal de Medicina, em janeiro de 2013, pela qual pleiteia pedido de inconstitucionalidade e ilegalidade da resolução 1.995/2012. Alega O Ministério Público que o Conselho Federal de Medicina não é órgão juridicante para proferir leis. Ocorre que, ao passar mais de um ano de tramitação da referida ação, em abril de 2014, os autos foram concluídos de forma exitosa em relação à normativa.  Profere a sentença de reconhecimento de constitucionalidade a resolução 1.995/2012 e ainda salienta o ilustríssimo desembargador em sua sentença a importância de uma legislação especifica para que o médico e paciente não precisem ficar atrelados somente à resolução ou interpretações éticas. Dessa forma, a decisão evidenciou de forma clara e objetiva que a resolução não usurpou a competência do poder legislativo. [26]

A normatização adequada da declaração prévia de vontade é um ponto que merece um olhar crítico e reflexivo, assim não podendo passar  despercebida pelo legislador. Dessa forma, é de suma importância uma legislação especifica que regulamente tais questões, esclarecendo pontos cruciais sobre tal assunto. Logo, Ana Carolina ressalta que:

[...] A validade do testamento vital é questionada diante da inexistência de norma especifica sobre o tema, entretanto esta lacuna não pode ser encarada como um obstáculo para que as pessoas manifestem sua vontade acerca dos tratamentos aos quais desejam ou recusam ser submetidos quando estiverem em situação de terminalidade da vida. Isto porque o testamento vital é um instrumento garantidor da autonomia do paciente, autonomia esta que não pode ser dissociada da dignidade da pessoa humana. [27]

Com o advento da resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina, pode-se mencionar que o ponto basilar de tal resolução é a autonomia de vontade do paciente em estágio terminal, esse, por sua vez, responsável por sua vida e seu destino. Assim, o lugar do médico deve ser sempre o de dirigente do processo terapêutico e não o responsável pelo destino e escolha do paciente.

Nesses casos de decisão do seu próprio destino, o princípio da  autonomia exerce também um papel fundamental, como o principio bioético. Dessa forma, confere ao paciente o direito de ser o protagonista da sua história, do seu tratamento médico, mediante prévia informação ao seu médico de confiança. Evidentemente, a relação entre paciente e médico deve ser de extrema confiança, pois é fundamental que toda a demonstração de vontade sobre os procedimentos seja conduzida juntamente com o médico, assim proporcionando ao paciente todo e qualquer tipo de acesso às informações sobre o real diagnóstico, prognósticos e os possíveis tratamentos, para que a decisão seja feita com consciência e  responsabilidade. Nesse pensamento, Gabriel Furtado afirma que:

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[...] o médico deve agir em proveito da saúde psicofísica do paciente, e respeitar a visão de mundo deste, cedendo á ponderação do doente terminal quanto á ultrapassagem, para este último, do limite entre uma vida boa e digna de ser vivida e uma sofrível e inglória. Assim, a regulamentação do testamento vital, pela resolução do Conselho Federal de Medicina 1.995/2012, tem considerável e importante cicerone pelo regramento disciplinar do Conselho Federal de Medicina.[28]

Em vista disso, é fundamental que os médicos e demais familiares levem em consideração a liberdade de escolha do paciente no aspecto em que desejou seu tratamento ou até mesmo sua morte de uma forma digna, sem o prolongamento artificial da vida. A resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina, desde sua criação, tem como principal objetivo tutelar sob os aspectos da liberdade e autonomia da vontade dos pacientes em estágio terminal.


5 RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA 1.805/2006 E 1.995/2012.

5.1 Resolução 1.805/2006

Em novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina criou a resolução 1.805, na qual trata de questões inerentes à prática da ortotanásia. Além de tratar sobre tal ponto, a resolução preocupava-se com o princípio da autonomia, fazendo o sujeito condutor de sua própria história de tratamentos médicos, assim permitindo ao médico limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida do paciente em estágio terminal. Tal resolução  garante uma morte digna e humana, não sacrificando o paciente em tratamentos que não geram absolutamente nenhum resultado significativo de cura ou de melhora. Preceitua somente administrar os tratamentos paliativos, que consistem nos tratamentos para que aquele paciente que está em estagio terminal não sinta dor, angústia ou qualquer outro tipo de sofrimento ocasionado pela doença. Assim descrevem o artigo 1º e o artigo 2º da Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. [29]

A resolução 1.805/2006 tem somente três artigos, sendo que os dois primeiros contemplam circunstância de norma e o terceiro e último possui natureza formal.

No entanto, após a sua publicação, a resolução foi alvo de ações do ministério público federal, que tinham como principal finalidade sua revogação e esclarecimento sob seu ato de legislar nas questões concernentes à ortotanásia.

A 14ª Vara Federal do Distrito Federal ajuizou ação civil pública nº 2007.34.00.014809-3[30], questionando a ação do Conselho Federal de Medicina  acerca da criação da resolução. Discute na ação que o Conselho não tem poder regulamentador para dispor sobre uma atuação da ortotanásia, que, na percepção do ordenamento jurídico, é uma conduta tipificada como crime.

Após três anos de árdua argumentação, em dezembro a ação civil pública teve parecer favorável ao Conselho Federal de Medicina, assim baseando-se na proposta original da Resolução, que ampara o médico nas decisões a ser feitas em relação ao paciente em estágio terminal. A decisão proferida pelo juiz Luís Luchi permite ao médico, com prévia anuência do paciente e seus familiares, suspender da melhor maneira tratamentos exagerados ou desnecessários que prolonguem a vida do doente em fase terminal. Na decisão proferida pelo magistrado, o mesmo salienta que: [31]

À convicção de a resolução, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto. Essa possibilidade está prevista, desde que exista autorização expressa do paciente ou de seu responsável legal.

Dessa forma, a medicina e o sistema jurídico tiveram grandes avanços na seara ética e jurídica, mantendo a resolução 1.805/2006 em vigor, assim emitindo sentença improcedente ao pedido do Ministério Público Federal.

5.2 Resolução 1.995/2012

Criada recentemente, a resolução do Conselho Federal de Medicina 1.995 foi aprovada em agosto de 2012, com a principal finalidade de ser responsável por inserir a declaração prévia de vontade de pacientes terminais em nossos país.

A partir de sua criação, a resolução 1.995/2012 foi a primeira regulamentação sobre a temática no Brasil, ainda muito pouco conhecida pela população e até mesmo nos meios da medicina e jurídico. Tal resolução define as diretivas antecipadas de vontade que norteiam condutas dos médicos e pacientes acerca da sua vontade sobre fatos futuros e incertos. Após sua aprovação, o Conselho Federal de Medicina, em nota de esclarecimento, declarou, segundo apreciação de Luciana Dadalto que:“[...] esta resolução respeita a vontade do paciente conforme o conceito de ortotanásia e não possui qualquer relação com a prática de eutanásia[..]”[32].

 De maneira que é oportuno ressaltar que a resolução 1.995/2012 não legalizou as diretivas antecipadas de vontade, pois é sabido que o Conselho Federal de Medicina não possui competência para legislar no ordenamento jurídico brasileiro, somente é uma resolução que expõe a maneira como as diretivas são tratadas e interpretadas até o presente momento.

A temática ainda é pouco conhecida no Brasil, pois se trata de uma regulamentação recente. Muitos doutrinadores, médicos e pacientes ainda não estão totalmente familiarizados com suas características e sua forma de utilização. É notório que, para o Brasil, o avanço jurídico é vagaroso ao tratar-se de novas normas que regulamentem algo tão delicado como é a questão da terminalidade da vida humana. Há de mencionar que tal assunto já é muito debatido e utilizado em outros países nos quais já existe lei especifica que define as diretivas antecipadas de vontade. Infelizmente, no Brasil tal temática ainda não tem nenhuma norma jurídica especifica, não há uma lei definindo suas principais características.

É claro que não se pode desmerecer a resolução já criada, ainda é um dos pequenos avanços nas questões relacionadas às diretivas antecipadas de vontade, criada com o intuito de descrever algumas características pertinentes sobre o assunto, assim distingue alguns aspectos sobre o uso das diretivas antecipadas.

De acordo com a resolução, somente maiores de 18 anos ou os emancipados poderão usufruir de tal demanda. O registro deverá ser realizado no prontuário do médico[33] que está assistindo o paciente. Para uma efetividade no cumprimento da declaração, enfatiza Luciana Dadalto[34] que as diretivas antecipadas de vontade deverão ser registradas também em cartório; esse, por sua vez, deverá encaminhar ao Registro Nacional em prazo reduzido para assegurar o devido cumprimento da solicitação.

Seguindo por esses pressupostos, o médico e o paciente devem cuidar ao instituir declaração prévia de vontade como meio garantidor de sua autonomia no momento em que, por consequência de sua doença grave, não for mais detentor de sua plena capacidade. Assim, a resolução 1995/2012, em seu artigo 2º, expressa que: [35]

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente sua vontade, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

Todavia, a relação entre médico e paciente deve estar protegida pelos princípios éticos, pois cabe ao médico que está acompanhando o paciente esclarecer todos os fatos pertinentes no que diz respeito a futuros tratamentos e procedimentos pelo quais o paciente poderá ou não passar, para que ele de modo consciente determine o que deseja para o seu futuro em relação a manifestar sua vontade diante de um testamento vital ou um mandato duradouro.  Paciente autônomo é aquele bem informado.[36]

Nesse mesmo sentido, Gabriel Rocha Furtado salienta que:

A resolução está apoiada sobre os conceitos de autonomia e liberdade individuais e dignidade da pessoa humana. O médico deve agir em proveito da saúde psicofísica do paciente, e respeitar a visão do mundo deste, cedendo à ponderação do doente terminal quando a ultrapassagem é inglória. [37]

A declaração prévia de vontade, até o presente momento, não se encontra impedida de adentrar na ordem jurídica, visto que a temática em discussão trata-se de uma antecipação do consentimento a ser prestado sobre assuntos pertinentes no aspecto da aceitação ou rejeição dos atos médicos. Assim, cabe a consideração de que, apesar de as diretivas antecipadas de vontade não terem lei própria no ordenamento jurídico, isso não serve como obstáculo para o reconhecimento de sua validade e de sua prática.  Dessa forma, não deve o médico produzir juízo de valores ou ignorar ao tomar conhecimento da criação de um testamento vital ou de um mandato duradouro, deve esse atuar com conformidade, de acordo com prévia instrução contida na diretiva antecipada de vontade.

Assim, Adriano Marteleto Godinho menciona em seu artigo que:

A edição de uma lei neste domínio, contudo, teria o duplo mérito de levar ao conhecimento da população a existência daquelas figuras, fomentando a sua celebração, e de eliminar diversas das controvérsias que ainda pedem sobre o tema.[38]

É oportuno enfatizar que o presente assunto não se encontra estabelecido em norma jurídica especifica, como já mencionado anteriormente. É de suma importância acentuar que sua defesa de validade está diretamente elencada nos princípios norteadores constitucionais e infraconstitucionais, assim se pode referenciar o princípio da dignidade humana – artigo 1º, III Constituição Federal de 1998, princípio da Autonomia artigo 5º Constituição Federal e artigo 5º III Constituição Federal [39], que argumenta sobre tratamentos desumanos. Dessa maneira, Dalva Yuki Matsumoto enfatiza que “Pela Constituição, nós temos direito a uma vida digna e os cuidados paliativos dizem que a morte faz parte da vida. Então, se a morte faz parte da vida, o cidadão tem direito também a uma morte digna.”[40]

Partindo dos pressupostos norteadores, é argumento suficiente para a defesa da ideia principal das diretivas antecipadas de vontade ser um objeto válido no ordenamento jurídico, pois o principal foco do instrumento é garantir ao paciente a possibilidade de expor sua real vontade acerca de futuros e incertos tratamentos clínicos.

Ocorre que as diretivas antecipadas de vontade são um instrumento que protege os princípios elencados acima, uma vez que cuidadosamente tem o intuito de garantir ao paciente o direito de decidir pela própria vida, ou pela  morte. Defende ainda o cuidado para que o paciente não seja submetido a nenhum tipo de tratamento terapêutico [41] desnecessário.

Faz-se necessária uma ressalta sobre normas estaduais vigentes que abordam tal assunto, como, por exemplo, o estado de São Paulo, em março de 1999, criou a lei 10.241/99, chamada popularmente de “lei Mário Covas”, que aborda questões inerentes à saúde e, em seu artigo 2º XXIII [42], descreve que o paciente poderá negar-se a tratamentos que define como dolorosos ou extraordinários. Há também a lei estadual 14.254/03, do estado do Paraná, nos mesmos moldes da lei 10.241/99.

Nessa mesma projeção, um dos pioneiros em dirimir questões ainda não sancionadas por lei, considerado um dos tribunais mais inovadores nos assuntos contemporâneos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul recentemente negou provimento à Apelação Civil Nº 70054988266[43],  interposta pelo ministério público da cidade de Viamão, em face do senhor João Carlos Ferreira. Trata-se de um caso em que o enfermo encontra-se internado no hospital do município por motivo de necrose do pé esquerdo em estágio avançado, motivo pelo qual necessitava de amputação da área lesionada. Se tal procedimento não fosse realizado, o paciente correria eminente risco de vir a óbito.

No caso em tela, o senhor João Carlos negou-se a amputar seu membro, de forma que o excelentíssimo desembargador Irineu Mariani negou provimento ao apelante, alegando que o apelado estava em pleno gozo de suas faculdades mentais e que o estado, por sua vez, não poderia invadir seu corpo e realizar a cirurgia contra sua vontade, mesmo que dessa não atitude resultasse a morte do paciente. Referiu também sobre a ortotanásia e o papel do estado nas questões relacionadas a saúde. Assim falou o magistrado:

O caso sub judice se insere na dimensão da ortotanásia. Em suma, se o paciente se recusa ao ato cirúrgico mutilatório, o Estado não pode invadir essa esfera e procedê-lo contra a sua vontade, mesmo que o seja com o objetivo nobre de salvar sua vida[44]

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Sobre a autora
Ana Paula Souza de Albuquerque

Advogada. Formou-se em Direito pela Faculdade Cenecista de Osório - FACOS. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade IDC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Ana Paula Souza. Testamento vital: declaração prévia de vontade de pacientes terminais à luz da autonomia da vontade e sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4464, 21 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33396. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. Ma. Patricia Sampaio

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