Do direito ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada, proibição de interpretação retroativa e segurança juridica
Trata-se princípio geral, um apotegma do Direito. O ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada são institutos corolários da segurança jurídica.
O art. 2º da Lei nº 9.784/99 estabelece que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Segurança jurídica nada mais é do que o respeito às situações consolidadas.
Nos termos do art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, a lei em vigor, ou seja, aquela publicada e que já tenha exaurido o vacio legis, terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Conforme a lei, ato jurídico perfeito é o já consumado, segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Direito adquirido é aquele que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Coisa julgada é a decisão judicial de que já não caiba recurso.
O inciso XXXVI do art. 5ª da Constituição estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Não só a lei, mas todo e qualquer ato ou fato que tem base legal também deverá respeitar esses institutos.
A criação de lei e atos normativos infralegais deve observar aos institutos.
Interessante o final da redação do inciso XIII do art. 2º da Lei nº 9.784/99: vedação da aplicação retroativa de nova interpretação. O intuito é garantir a segurança jurídica das situações já consolidadas e decididas no âmbito administrativo. Situação que deve ser vista com muita cautela por parte da Administração Pública.
A divergência de entendimento quanto à interpretação e aplicabilidade das regras administrativas é demasiada. A entidade ou órgão administrativo não pode se valer da vedação à aplicação retroativa de nova interpretação quando, por exemplo, em situações assemelhadas com interstício curto de tempo julga uma mesma situação de forma distinta, uma favorecendo e outra prejudicando determinado empresário-licitante.
Verificamos que a mudança de entendimento pelo órgão ou entidade somente deve ocorrer quando houver mudança na própria estrutura normativa que serviu de base à decisão. Caso contrário, a Administração teria o poder de decidir situações idênticas de forma distinta, argumentando a irretroatividade de nova interpretação.
É plenamente viável o pleito judicial de decisão administrativa contraditória quando houver mesma situação fática. O fundamento da segurança jurídica não é este. Prejudicar um interessado quando decisão anterior tenha favorecido outro em mesma situação, ao invés de contribuir para a segurança jurídica, fortalece a arbitrariedade.
A coisa julgada administrativa aplicada a um caso exaure o processo administrativo, mas não impede o interessado em ingressar judicialmente, principalmente quando a Administração julga de forma distinta casos idênticos sem mudança no fundamento jurídico. Somos pelo entendimento de que, ainda que o Ministério do Planejamento, por exemplo, faça uma interpretação distinta de lei ou ato normativo que, porventura, altere decisão posterior antes julgada de uma forma, tal situação não pode se consolidar. O interessado efetivamente deve buscar o Poder Judiciário.
Não há qualquer segurança jurídica no fato de se interpretar distintamente e decidir de forma distinta nas situações assemelhadas. Opinamos que mudar a interpretação sem mudança de uma estrutura normativa que a embase, a ponto de que a discrepância estabeleça uma concessão de direito e a outra negatória do mesmo direito seria gritantemente desproporcional.
A Lei nº 9.784/99, nos termos do art. 1º, visa a proteção dos direitos dos administrados. Vedar a aplicação retroativa de nova interpretação ou a ultratividade de decisões favoráveis devem ter por base lei, em observância ao princípio da legalidade e, inclusive ao direito adquirido.
Se for concedido um direito a um dado administrado, opinamos que, automaticamente, ainda que não haja pleito de outro, este estaria assegurado pelo direito adquirido. Se a decisão, por exemplo, se embasou no perfazimento dos requisitos para a aquisição de determinado direito, o interesse que estiver em minha situação, em princípio, teria o mesmo direito, bastaria o requerimento. Onde estaria a segurança jurídica se assim não pensarmos?
O efeito imediato de nova interpretação só poderá ocorrer com novo embasamento legal, e mesmo assim, a partir de então. Situações já consolidas não podem ser prejudicadas.
Concordamos que restaria tão somente a via judicial após a coisa julgada administrativa. Contudo, afirmamos que a mudança de entendimento deve ser baseada em base legal nova, sob pena de ferir, inclusive, o princípio da isonomia.
Caso a Administração tenha verificado que a interpretação que fundamentou a decisão tenha ocorrido por erro, deve-se se utilizar do art. 54 da Lei nº 9.784/90, ou seja, o direito de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, com prazo decadencial de cinco anos. Retifique-se o erro e depois julgue. O que não pode é permanecer uma situação anti-isonômica, com decisões discrepantes para a mesma situação, salvo quando a base jurídica de motivação seja outra. O erro seria ocasionado por dissonância entre a decisão e a norma. Neste caso, proceder-se-ia à anulação. Seria o caso da autotutela (Súmula nº 473 do STF).
No caso de interpretação razoável da norma em um dado caso e posterior modificação de entendimento em casos outros semelhantes, a situação seria a que tecemos em momento anterior.
Conforme a Prof.ª Maria Sylvia Zanella di Prieto: “O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a conseqüente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública”.
Não é ilegal a mudança de interpretação, o é a inconsistência administrativa quanto a aplicabilidade da lei, prejudicando os administrados.
Não podemos olvidar que, para a efetivação da segurança jurídica, o administrado não pode depender eternamente da atuação estatal em se ver uma hora ou outra pego pela decisão administrativa que vai lhe restringir direitos. O interstício decadencial é fundamental. Do mesmo modo, não pode o Estado ter a arbitrariedade de ficar mudando de interpretação de normas, sem base jurídica ou apenas pelo simples fato de mudança de entendimento. Tudo isso gera efetivamente insegurança jurídica.
A lei deve reverência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Não é razoável que o administrado tenha seus direitos oscilando ao livre arbítrio das decisões administrativas. Essa oscilação de entendimento ou decisões disformes fere gritantemente toda a base estrutural do Estado de Direito.
Nos referindo à questão licitatório, temos visto bastante situações relacionadas às exigências desproporcionais nos certames que acabam por ferir o direito adquirido. Recentemente, em dado Edital, se fazia cobranças de qualificação técnica não relacionadas ao objeto da licitação. Ao contrário, o item constante no Edital nada se relacionava com o objeto da contratação. A sociedade empresária que logrou o melhor preço e classificada em primeiro lugar foi desclassificada por não apresentar referida exigência. Todas as demais exigências constantes em todos os editais vistos para o mesmo objeto eram semelhantes, tanto que a empresa prestava serviços para outros órgãos. A empresa recorreu administrativamente por não apresentar a documentação por não ser objeto de sua atividade empresarial e por não se relacionar ao objeto do certame. Contudo, o pregoeiro alegou vinculação ao edital para não prover o recurso e que foi exigência da área técnica. Entendemos que editais feitos nas coxas, sem verificar a relação entre o objeto e as exigências habilitatórias pode gerar, inclusive, responsabilidade por parte dos agentes, pois, tal ato fere direito e se torna tendenciosa à empresas que possuam mais de uma atividade empresarial concomitante.
Assim, opinamos que se o interessado perfez todos os requisitos relacionados ao objeto da contratação deve ser adjudicado, tendo em vista tratar-se de direito adquirido, não à contratação, mas à adjudicação.
No que concerne ao ato jurídico perfeito, as fases do certame vão progredindo no interstício temporal, encerrando umas e iniciando outras. Com isso, presumimos que com o inicio de uma fase a outra se torna perfeita.
Observemos que a finalidade do procedimento administrativo não é outra senão legitimar a atuação estatal por meio do respeito aos direitos dos administrados. Os interessados e os administrados possuem direitos que obstam a arbitrariedade como o prazo decadencial de cinco anos e o respeito às situações consolidadas: ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido.
O procedimento administrativo que se perfaz pelo devido processo legal é pressuposto de legitimação do ato administrativo. A legalidade do procedimento também é instrumento da segurança jurídica.
Voltando ao cerne da questão, a segurança jurídica é uma cláusula pétrea (inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal), pois constante no inciso XXXVI do art. 5º do mesmo diploma fundamental.
Direito adquirido é aquele consolidado ao patrimônio da pessoa em virtude do preenchimento dos requisitos legais para o perfazimento do direito.
Referimos-nos, alhures, que, quando o empresário, após ter dado o melhor lance e perfeito os demais requisitos de habilitação em pregão eletrônico, terá o direito adquirido à adjudicação do objeto. O mesmo ocorreria quando por irregularidade da Administração verificasse exigência desproporcional que não tivesse relação entre a atividade empresarial e o objeto da contratação, com o fito de favorecer outras empresas. Nesse caso, se o empresário possuía toda a regularidade exigida para o objeto proposto pelo certame, acreditamos que tem o direito adquirido à adjudicação, ainda mais quando se comprova que a unanimidade de exigências iguais nos certames realizados pelos órgãos públicos com o mesmo objeto.
Porém, vemos que a via judicial é o caminho, em vista das respostas dos pregoeiros de que estariam agindo conforme o princípio da vinculação ao edital.
Recapitulando: se o licitante estiver com tudo regular no que concerne à melhor proposta e aos documentos exigidos correlacionados com o objeto da licitação, e comprovando unanimidade das exigências entre os órgãos, o judiciário deverá adjudicar o objeto ao empresário, anulando o ato de desclassificação, ainda que já tenha chamado a empresa classificada em segundo lugar. É direito subjetivo da empresa, perfeito e adquirido.
A Administração e o Judiciário não podem motivar com base no prejuízo administrativo uma contratação irregular. O que for irregular deve ser extirpado. Logo, deverá afastar a empresa contratada para fazer novo contrato com a efetiva vencedora do certame. Nesse caso não se pode falar em anulação do certame, mas em dar à verdadeira vencedora o seu direito.
Não podemos confundir o direito adquirido à adjudicação com a expectativa de direito em contratar, pois a Administração não está obrigada a esta. A obrigação da Administração é: caso contrate, deverá fazer com a vencedora do certame; e o direito do empresário será o mesmo: o direito de ser contratado caso seja esta a vontade da Administração.
O Supremo Tribunal Federal entende ser possível que norma posterior contemple a aquisição de direito com o perfazimento de requisitos anteriores por parte do particular. Assim, o direito pode ser tornar adquirido quando uma lei assim determinar de forma declaratória ou constitutiva. A lei ou o ato normativo retroage no tempo para garantir o direito. Outro posicionamento do STF que corrobora com as questões administrativas refere-se à incidência obrigatória do preceito previsto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição a todas as leis e atos normativos. Em verdade é uma conclusão lógica em se tratando de cláusula pétrea e princípio de índole constitucional.
No procedimento, como salientamos, deve haver respeito ao ato jurídico procedimental perfeito. Conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade, a lei processual tem aplicação imediata e alcança os processos em curso, observados os atos processuais já praticados e aperfeiçoados, que tem proteção constitucional, pois são atos jurídicos perfeitos. A lei processual não pode retroagir seus efeitos e atingir ato processual já praticado. Porém, se beneficiar o administrado não vislumbramos empecilho.
No que concerne a coisa julgada, no âmbito administrativo fala-se tão somente em coisa julgada forma, já que a lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal). Além dos procedimentos administrativos específicos constantes nas Leis e Decretos sobre licitação, existe o processo subsidiário na Administração Pública Federal que é o da Lei n 9.784/99. Em qualquer deles há tão somente a coisa julgada formal, decorrente sempre da viabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário – Princípio da Inafastabilidade.
A coisa julgada formal administrativa gera a imutabilidade da decisão na seara administrativa. Torna-se irrecorrível, limitando-se ao processo, impedindo novas teses. Apenas ao Judiciário é dada a prerrogativa de tornar a decisão irrecorrível no mérito, ou seja, coisa julgada material.
Quando o interessado, empresário, administrado sucumbir em dado procedimento administrativo, poderá valer-se do Poder Judiciário para tutelar o seu direito.