A responsabilidade civil no direito brasileiro
A responsabilidade civil é tema que ganha foro de amplitude em nosso direito, o que de certo modo já ocorria em países como a França e Alemanha desde tempos mais remotos.
Com efeito, a criação da teoria da responsabilidade civil deve ser creditada, indiscutivelmente, ao direito francês, donde nossos legisladores sempre buscaram inspiração e mesmo auxílio para exercer o poder legiferante, valendo o mesmo para os pretórios, quando da solução dos casos concretos.
Obviamente que para efeito de escorço histórico, em tempos antigos, o que prevalecia era a vingança generalizada, onde toda a coletividade se sentia lesada pelo ilícito a outrem, e por sua vez, causava dano de igual magnitude ao que foi provocado.
Posteriormente, houve a vingança pessoal, onde a vítima poderia, em defesa da sua honra ou de seus direitos, fazer o que julgasse adequado com o devedor da obrigação inadimplida, ou ainda, com o causador do ato danoso.
Com a evolução das relações sociais, notadamente a revolução industrial, o modelo até então utilizado não mais era satisfatório, razão pela qual se fez necessária a intervenção do Estado (Lei Aquilia), que avocou para si o direito de punir os infratores da lei.
Inicialmente, a regra geral era da responsabilidade subjetiva, em que a prova da culpa era incumbência da vítima, partindo-se ao depois para a aceitação, em determinadas hipóteses, de uma presunção de culpa (que era a idéia original do artigo 1521 e incisos, combinada com a interpretação que em um primeiro momento poderia ser dada ao artigo 1523 do Código Civil de 1916), para modernamente falar-se na responsabilidade objetiva, onde o responsável somente se exime do dever de ressarcir se provar a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou força maior. Há ainda aqueles que preconizam, como Aguiar Dias, a teoria do risco-criado, uma espécie de responsabilidade objetiva ainda mais pujante.
Por certo que existe a tendência, até certo ponto extremamente consonante com o ideal de justiça que informa o instituto, de se conceder a mais ampla indenização possível, levando-se ao ápice a aplicação do princípio de que nenhum direito lesado deve ficar sem a correspondente reparação.
Vários são os exemplos criados, mas a própria orientação dada pela doutrina e seguida pela jurisprudência, no que diz respeito a interpretação dos dispositivos legais do Código de 1916 que tratam da responsabilidade civil, levam a crer que o caminho da reparabilidade plena e da responsabilidade objetiva como regra era inevitável.
Tal assertiva é corroborada pela reforma implantada na atual sistemática, onde restou sacramentado, a contrario sensu do Código Civil de 1916, que a regra geral pode ser considerada como da responsabilidade objetiva, o que aliás já constava do Código de Defesa do Consumidor.
De fato, referida tendência já se mostrava irreversível, de modo claro e insofismável, quando os doutrinadores e julgadores, diante da inexistência em nosso ordenamento jurídico de um dispositivo como o artigo 1384 do Código de Napoleão, por exemplo, tiveram de buscar amparo no artigo 17 Código das Estradas de Ferro, para impor a responsabilidade objetiva em acidente ocorridos nessa modalidade de transporte.
A ousadia, para a completa satisfação de Aguiar Dias (ferrenho defensor da aplicação irrestrita da reparabilidade civil), restou caracterizada de forma incontroversa quando passou-se a invocar o artigo 17 do Código das Estradas de Ferro não somente em casos de acidente ocorridos em ferrovias, mas também em rodovias e nos mais variados meios de transporte, sendo uma demonstração de qual patamar pode ser atingido pelo exercício teleológico para a satisfação do direito dos jurisdicionados.
Aceita-se, inclusive, como dá a entender Rui Stoco, dentre outros, que nos casos de acidente de trabalho, ainda que se trate de responsabilidade contratual (artigo 186 da Lei 10.402/02, portanto, que depende da prova de culpa ou dolo), deva tratar-se objetivamente a obrigação de indenizar. Da mesma maneira na responsabilidade médica, em caso de intervenções cirúrgicas estéticas.
Prova inconcussa de que a reparabilidade plena era o status buscado pelo nosso direito vem da interpretação dada pela jurisprudência e doutrina ao artigo 1521 e incisos, combinada com o artigo 1523 do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade por atos de terceiros.
Inegável que a interpretação literal desses comandos legais não deve ser outra a não ser de que se trata de responsabilidade subjetiva, especialmente pelo que diz o artigo 1523, ao estabelecer que "Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte."
Todavia, como a exegese literal dos artigos que tratam da responsabilidade por ato de terceiro mostrou-se de todo insatisfatória no campo prático, dado que era impossível em muitos casos fazer prova da culpa e da negligência (como se essa última não fosse parte integrante da primeira) do responsável pelo ofensor, e por conseguinte, não conceder a reparação almejada, não houve outra solução a não ser a criação de nova interpretação, transmudando a responsabilidade para objetiva, valendo lembrar o saudoso WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, que considerava não escrito o artigo 1523 do Código Civil.
Referido entendimento veio a ser consolidado pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 933 dispõe que "As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."
Os comentários feitos nos parágrafos acima são de relevo, pois torna-se necessário explicitar a clara tendência de nossa doutrina e jurisprudência em verter pela responsabilidade objetiva para regra geral, de forma a atingir a mais ampla reparabilidade, o que denota-se de maneira extremamente clara pela nova disposição dos artigos que tratam da responsabilidade civil no Código Civil de 2002.
Dano material e dano moral: noções gerais
Não mais se admite discussão a respeito da reparabilidade do dano moral, situação essa que vinha se firmando desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo ao depois positivada pela atual ordem constitucional e corroborada pelo Código de Defesa do Consumidor. O reconhecimento da indenizabilidade dessa modalidade de patrimônio foi definitivamente esposado pela legislação infraconstitucional, conforme se depreende da leitura do artigo 186 do Novo Código Civil, ao mencionar que "qualquer espécie de dano, ainda que meramente de natureza moral, é passível de indenização".
Quanto ao dano material, pode-se dizer que é qualquer lesão causada aos interesses de outrem e que venha a lhe causar diminuição patrimonial.
AGUIAR DIAS, autor que com mais afinco tratou da matéria ensina que "A idéia do interesse (id quod interest) atende, no sistema de indenização, à noção de patrimônio como unidade de valor. O dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente que existe após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não tivesse sido produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação. (Da Responsabilidade Civil, 7ª Edição, Editora Forense, Volume II, p. 798)
Quando se fala em dano patrimonial, é possível a divisão em duas subespécies, quais sejam, danos emergentes e o lucros cessantes, sendo o primeiro aquele efetivamente experimentado pela vítima, que pode ser aferido por simples operação aritmética, e o segundo pelo que ela razoavelmente deixou de ganhar em virtude do ato ilícito.
No caso dos danos emergentes, maiores dificuldades não devem existir para o operador do direito, posto que a simples verificação da diminuição patrimonial é suficiente para conceder a indenização, sendo que a prova também é de maior facilidade.
O mesmo não ocorre no que se refere aos lucros cessantes, pela própria impossibilidade de previsão quanto a fatos futuros, que independem da vontade das partes. Como forma de se conceder a mais ampla indenizabilidade, passou-se a aceitar, em casos que tais, a prova de perda de acréscimo patrimonial, baseada nas regras gerais da experiência comum, ou seja, em critérios flutuantes, cuja principal característica é a previsibilidade.
Portanto, quando o prejuízo a ser ressarcido referir-se a lucros cessantes, deve-se considerar a previsibilidade de ganho que a vítima deixou de auferir, ou como diz o artigo 1059 do Código de 1916 (sem alterações pelo novo diploma), o que "efetivamente deixou de ganhar e o que razoavelmente deixou de lucrar".
Quanto ao dano moral, maiores dificuldades encontraram doutrina e jurisprudência para a fixação de um conceito de ampla aceitação, especialmente em virtude do pensamento daqueles que entendiam pela impossibilidade da indenização desta modalidade de dano.
Vale novamente a menção ao ensinamento de AGUIAR DIAS, ao dizer que "Com os danos não patrimoniais, todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais." (ob. cit., p. 812)
YUSSEF SAID CAHALI, invocando lição de DALMARTELLO, aduz que "Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, ‘como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos"(Dano Moral, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 20).
Com efeito, aqueles que preconizavam a inviabilidade do dano moral, apegavam-se a argumentos que atualmente não mais encontram eco nem sustentação, tais como a inestimabilidade do patrimônio moral (devido a subjetividade dos critérios a serem observados), a situação vexatória de trazer a público assuntos de íntimo interesse, a possibilidade de locupletamento, extremado arbítrio concedido ao julgador para fixação do quantum, dentre outros, que restaram completamente soterrados pela nova concepção a respeito da responsabilidade civil, bem como pelos diplomas que atualmente tratam do assunto.
A aceitação do dano moral passou por vários momentos, valendo ressalva para o entendimento de que este dano somente poderia existir quando houvesse reflexos patrimoniais, o que seria o mesmo que negar sua existência.
Com efeito, referido posicionamento restou sufragado pela edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se, de forma definitiva, a independência entre o dano moral e material.
Assim, o dano moral é amplamente indenizável, valendo menção ao Código Civil de 2002, que em seu artigo 186 (Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito) reconhece expressamente sua existência, antes citada apenas no Código de Defesa do Consumidor, no que foi precedido pela Constituição Federal.
O artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916
Apesar da inexistência de diplomas legais que tratassem diretamente do dano moral antes do advento da Constituição Federal de 1988, doutrina e jurisprudência nunca se mostraram insensíveis à existência desse patrimônio que não se poderia reduzir a números através de simples operação aritmética, buscando a interpretação de dispositivos de lei que assegurassem a indenização em casos tais.
Exemplo clássico dessa situação é o artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade pela injúria e calúnia. Com efeito, o dispositivo alude, em seu caput, para a expressão dano, que será passível de ressarcimento, sem contudo, especificar de qual espécie de dano estaria a se referir.
A justificativa é óbvia, pois no momento em que foi produzido aquele diploma, não era reconhecida a possibilidade de indenização do dano meramente moral, sendo que essa espécie de patrimônio sequer era reconhecida pelo mundo jurídico, resguardando-se somente ao campo da moral.
Todavia, o parágrafo único do artigo 1547, em sua redação, delimita que "Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva", podendo-se dizer que se trata de conhecimento reflexo da existência do dano moral, como de resto se verifica em vários outros artigos do Código Civil de 1916 (1.537, 1.543, 1.548, 1.549 e 1.550).
Com efeito, ao autorizar que a parte poderia ser indenizada, ainda que não restasse provado o prejuízo material, intentou o legislador uma forma reflexa de conceder indenização por dano estritamente moral para alcançar a reparabilidade plena, pois havia casos em que a prova do dano se tornava extremamente difícil para a vítima, o que, em última instância, ocasionava a impossibilidade de pacificação social através da negativa da tutela jurisdicional.
Assim, doutrina e jurisprudência sempre foram categóricas em aceitar que o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil de 1916, era uma forma de reconhecimento, ainda que indireto, da possibilidade de indenização por dano moral, o que era plenamente aceitável, tendo em vista o princípio da reparabilidade plena e os ideais de justiça que norteiam a responsabilidade civil, segundo os quais não se poderá deixar uma lesão a direito alheio sem o devido ressarcimento.
J. M. CARVALHO SANTOS aduz que "Não seria possível tolerar que o dano material não fosse indenizado integralmente. Nem se poderia admitir que tamanho absurdo fosse acolhido conscientemente pelo legislador. Pelo que se impõe a conclusão: o intuito da lei foi determinar que a indenização, no caso de ter resultado prejuízo material, nunca poderia ser inferior ao valor da multa, ainda que efetivamente o valor do dano não atingisse a importância em que foi ela arbitrada na condenação. O excesso é concedido ao ofendido a título de indenização de dano moral." (Código Civil Brasileiro Interpretado, Editora Freitas Bastos, Volume XXI, p. 354)
Alguns autores, contudo, como é o caso de AGOSTINHO ALVIM, entendem o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil está a criar uma espécie de forfait, ou seja, criou um dano material presumido.
Todavia, esse não é o entendimento mais adequado, com o respeito que merece o jurisconsulto, no que nos acompanha parcela majoritária da doutrina, entrevendo na hipótese em comento uma indenização por dano moral, reconhecido de forma reflexa. É o que diz YUSSEF SAID CAHALI, invocando o escólio de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, ao aduzir que "com esse dispositivo prevê o Código a indenização do dano moral; em muitos casos, adotado referido critério, o ressarcimento não corresponderá à intensidade do mal. Na falta de outro, porém, adotou-se o referido critério, a fim de subtrair o aplicador da lei ao indeterminado e arbitrário." (ob. cit., p. 304)
Não é discrepante o entendimento de RUI STOCO ao prelecionar que com a letra do parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil "Estava consagrada a existência e a indenizabilidade do dano moral." (Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 690).
A razão pela qual o entendimento de que o parágrafo único trata de indenização por dano extrapatrimonial é por demais simples, podendo ser resumida da seguinte forma: o Código Civil de 1916 não previa a indenização pela dor moral, no que era acompanhado pelo maciço entendimento doutrinário e jurisprudencial da época, contemplando tão somente os atos ilícitos que provocassem diminuição no patrimônio da vítima. Como havia casos em que a prova do prejuízo era por demais difícil ao lesionado, o que acabava por conduzir ao julgamento de improcedência do feito, em absoluta dissonância com ideais que norteiam a responsabilidade civil, a solução foi criar uma possibilidade de se indenizar a vítima, em casos de calúnia e injúria, ainda que não houvesse efetiva comprovação do evento.
Deve-se esclarecer que a maioria, senão a totalidade, dos casos de indenização por calúnia ou injúria refere-se a lucros cessantes, ou seja, a perda de rendimentos que a vítima tenha experimentado em virtude do ato ilícito, verbi gratia, o profissional liberal que tenha sua clientela reduzida ou que não consiga ampliá-la em virtude de propagação de ofensas injustificadas que denigram sua imagem.
Vale a ressalva, neste caso, de que o lucro cessante, pela própria dificuldade natural de prova, admite a previsibilidade do dano, o que se pode extrair da leitura do artigo 1059 do Código Civil de 1916, quando utiliza-se da expressa "do que razoavelmente deixou de lucrar".
Portanto, não é necessária a prova inconcussa do prejuízo material para que se receba a correspondente indenização por lucros cessantes, bastando tão somente a demonstração, de modo razoável, do ganho que se deixou de auferir.
Outra situação de importância, ainda referente ao parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil, diz respeito ao fato de que é autorizada a indenização, mesmo que não exista prova do dano (sendo que nos lucros cessantes esse onus probandi é deveras amenizado), o que somente é aceitável em um sistema legal que visa o mais amplo ressarcimento, sem contudo contar com todos os meios necessários, que era o caso da sistemática antiga, no qual não existia a previsão para o dano moral.
Conclui-se, portanto, que no contexto do Código Civil de 1916, era plenamente justificável a manutenção do parágrafo único do artigo 1547, dado que se trata de uma forma de reconhecimento da possibilidade de indenizar-se o dano moral, sendo de se ressaltar que a reforma do Projeto de 1975 não andou bem na alteração que introduziu em nosso ordenamento positivo.
O artigo 953 do Código Civil de 2002 – atecnia do legislador e problemas para a fixação do quantum indenizatório
O novo Código Civil trouxe inovação ao artigo 1547 do diploma de 1916, que de fato encontrou muitos problemas para a fixação da indenização prevista no parágrafo único, posto que havia dificuldades para a aferição em decorrência da aplicação da multa no direito penal.
A nova redação, ao menos aparentemente, veio a resolver os problemas dantes verificados quanto ao arbitramento da indenização de acordo com o direito penal, ao estatuir, no parágrafo único, que "Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso."
A primeira questão que se verifica diz respeito ao fato de que no caput, do artigo 953 existe a expressão dano, da mesma forma como existia no artigo 1547 do Código de 1916.
Naquela época poderia se imaginar que estar-se-ia tratando tão somente de dano material, posto não existir aceitação quanto ao patrimônio moral. Todavia, este pensamento não mais é admissível atualmente, considerando-se que existe absoluta independência entre essas duas modalidades de patrimônio, a teor do que estabelece a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o artigo 186 do Código Civil de 2002.
Portanto, a interpretação adequada do caput do artigo 953 deve ser, inexoravelmente, de que está a se tratar tanto do dano moral como material, até porque as duas espécies de prejuízo podem-se verificar por ocasião da calúnia, injúria ou difamação, ainda que separadamente.
De outra mão, o parágrafo único deste dispositivo é categórico ao mencionar que o dano material, quando não puder ser provado, será fixado por eqüidade (forfait, como preconizava Agostinho Alvim), analisando-se as peculiaridades do caso concreto.
As críticas ao referido dispositivo são várias, mas devem centrar-se, para efeito deste artigo, em dois pontos fundamentais, a saber: a) possibilidade de indenização sem prova do dano; b) utilização de critérios subjetivos para a fixação do dano material, com a possibilidade de condenação em duplicidade do dano moral.
A questão da condenação sem a correspondente prova deve ser analisada à luz da sistemática atual. Como dito, no Código de 1916 a justificativa para a reparação sem a devida comprovação do evento danoso residia no fato de que não existia, à época, o reconhecimento explícito do dano moral, razão pela qual não se poderia deixar sem reparação um dano, ainda que de natureza material, mas que não pudesse ser provado.
Todavia, hodiernamente este entendimento não é mais passível de aceitação, posto existir, de forma inescondível, a possibilidade de condenação por dano moral, tão somente.
Assim, o caput do artigo 953 do Código Civil de 2002, ao utilizar a palavra dano deixa em aberto a possibilidade de ressarcimento a ambos os patrimônios, o moral e o patrimonial.
Dessarte, não mais existe justificativa para a utilização da expressão prejuízo material no parágrafo único deste artigo, pois sua mantença seria o mesmo que negar a existência do dano moral, situação inadmissível no atual estágio de desenvolvimento de nosso direito positivo.
Outrossim, quando se analisa a modalidade de dano prevista no parágrafo único, a aceitar-se que se trata de material, deve-se reconhecer que está a se falar de lucro cessante, haja vista a necessidade de demonstração da perda de rendimentos em virtude do ato calunioso, difamatório ou injurioso.
Ora, ainda que no caso dos lucros cessantes a necessidade de prova não se mostre tão contundente como no casos dos danos emergentes, é de se reconhecer que pelo menos a previsibilidade da redução patrimonial deve ser demonstrada pela vítima, sendo que da leitura da redação ao parágrafo único do artigo 953 extrai-se, de forma iniludível, de que a prova é prescindível.
FISCHER, citado por AGUIAR DIAS, pondera que "O direito seria demasiadamente severo se exigisse ao prejudicado a prova matemática irrefutável de que essa outra possível circunstância se não seria produzido, nem o lucro previsto deparado com qualquer obstáculo. Mas, por outro lado, a experiência constante ensina-nos que os mais exagerados, menos fundados pedidos de indenização, tem precisamente seu fundamento neste conceito imaginário dos lucros frustrados. Ao direito compete distinguir nitidamente estas ‘miragem de lucro’, como lhes chama DERNBURG, da verdadeira idéia de lucro." (ob. cit., p. 801)
Portanto, ainda que se admita, em linha de princípio, que os lucros cessantes, para que sejam comprovados, devam receber tratamento mais brando, é de se ter em mente que pelo menos o mínimo de prova deverá ser produzido, o que não se depreende da leitura do parágrafo único do artigo 953 do Código Civil de 2002.
É de se concluir que, ainda em casos de extrema dificuldade na produção da prova, como por exemplo os profissionais liberais (advogado), é possível, ou pelo menos plausível, que se consiga uma presunção dos lucros cessantes.
Assim, em última análise a possibilidade de condenação sem a devida prova somente era admissível quando do advento do Código de 1916, pois, neste caso, o que se pretendia, ainda que de forma reflexa, era proporcionar a reparação pelo dano moral experimentado.
Já na nova sistemática, onde o espectro de atuação da responsabilidade civil ganha inegável amplitude, e considerando-se a independência do dano moral em relação ao patrimonial, não se pode aceitar que a condenação do prejuízo material seja feita sem a devida prova, ou mesmo por eqüidade.
Neste momento ganha importância outro ponto deste estudo, qual seja a utilização da eqüidade para a fixação do dano material. Como dito, o desfalque patrimonial experimentado pela vítima do ilícito deve ser de pronto aferido (danos emergentes) ou ao menos presumivelmente concretizado (lucros cessantes), sendo que, em um ou outro caso, deve-se partir da prova produzida pelas partes.
Pode-se dizer, portanto, que a forma mais adequada é a perquirição do dano efetivamente verificado. Importante o aviso de AGUIAR DIAS quanto às tendências modernas de se estender o campo da indenização: "Deve-se concluir desde logo pela aplicação do dano consumado. Adotar alvitre oposto seria firmar tão importante ponto de partida em base flutuante, causa de erros e incertezas: esse critério jamais nos proporcionaria ‘uma idéia segura sobre o alcance dum dano nem nos garantiria, com firmeza, a qualidade danosa dum fato, já que o prejuízo inicial pode vir a ser, no fim de contas, atenuado ou mesmo compensado por um benefício equivalente, que igualmente provenha deste fato." (ob. cit., p. 796/797)
Mostra-se de todo injustificável, portanto, a mantença do parágrafo único tal como fora redigido, admitindo-se a indenização do prejuízo material ainda que inexistente a prova do evento, pois, em última instância, caberia à vítima o ressarcimento pelos danos morais, que inclusive poderiam ser majorados, ante a dificuldade da prova do dano patrimonial.
De outra mão, é de se considerar que a utilização da eqüidade para a fixação do dano material pode induzir a injustiças, pior, ao indesejado bis in idem, pois ao adotar o magistrado as circunstâncias de cada caso concreto, certamente deverá aproveitar-se dos critérios previstos para o arbitramento do dano moral, subjetivos por essência, o que não é concebível.
Como dito, para a fixação do dano material, ainda que se trate de lucros cessantes, deve partir de critérios objetivos, mesmo que presuntivos. Todavia, ao aceitar-se a utilização da eqüidade, aliada às circunstâncias do caso concreto, estar-se-á a autorizar o julgador a valer-se dos mesmos critérios para o arbitramento de danos que não se confundem, como muito bem salientou a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.
No caso do parágrafo único do artigo 953 do CC novo, é louvável a intenção de ampliar as hipóteses de indenização, mas tal desiderato não pode significar a violação aos princípios mais comezinhos para a caracterização do dever de indenizar e da fixação do quantum.
Assim, tem-se por irrefutável, salvo melhor entendimento, a afirmação de que ao aceitar-se a utilização da eqüidade para a fixação do dano material, quando este não puder ser provado, estar-se-ia condenando duas vezes pelo dano moral, dada a subjetividade que se faria necessária para a aferição da extensão do prejuízo e a devida reparação.
Pode-se dizer, portanto, que a atecnia existente na redação do artigo 953 e parágrafo único do Código Civil de 2002 não é compatível com a realidade jurídica que ora se apresenta, especialmente porque induz a erros que podem desvirtuar o instituto da responsabilidade civil, não proporcionando, por conseguinte, a pacificação social.