Resumo: O constituinte dos oitenta outorgou ao Ministério Público a honrosa missão de proteger o patrimônio público. Outorgou aos Tribunais de Contas a indispensável missão de aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, incumbindo-lhe, ainda, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. Para cumprir tal desiderato, dotou as duas instituições de garantias mínimas, com o fito de afastar qualquer tentativa de fragilizar o regular desempenho das atividades de controle. Ocorre que, não obstante diversos sejam os instrumentos postos à disposição desses órgãos, não se pode desprezar a necessidade de observância do arcabouço legal, ainda que excessivamente “protetivo”, sob pena de as ações ministeriais e as decisões das cortes de contas não se revestirem de legitimidade, comprometendo, ao final, todo o esforço despendido para efetivamente punir os que se valem da res pública para explorar benefícios de interesses pessoais.
Palavras-chave: Administração. Fiscalização. Controle. Ministério Público. Tribunal de Contas.
Sumário: Introdução – 1. O controle da Administração Pública pelo Ministério Público – Instrumentos de controle postos à disposição do Parquet – 2. O controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas – Considerações Finais – Referências.
INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido, recentemente, acerca da ineficiência estatal na prestação de serviços públicos considerados relevantes, como saúde, educação, segurança pública, aí incluída, nesse último, a ineficácia do Sistema Prisional, enquanto instrumento ressocializador.
É cediço que as matérias jornalísticas que versam sobre casos de corrupção, veiculadas pela mídia televisiva e escrita, e reproduzidas pelas redes sociais, cuja abrangência é de um potencial indiscutível, têm causado no cidadão mantenedor da estrutura estatal um sentimento de revolta, o que, talvez por falta de esclarecimento de parcela significativa da população, tem desencadeado num descrédito nas instituições a quem foi atribuído o ônus punitivo, corretivo, pedagógico.
Não raras vezes, a sociedade, no afã de identificar o elemento motivador das mazelas sociais, tenta transferir o ônus de quem tem o dever de bem prestar os serviços públicos para aquele a quem a Constituição outorgou competências e/ou atribuições para fiscalizar e controlar, delimitando o exercício desse controle.
Não obstante ser esse o quadro revelado por alguns segmentos da sociedade, reputa-se equivocada e desprovida de sustentação a ideia fixa daqueles que atribuem a inoperância dos entes estatais à omissão dos órgãos de controle, no exercício dos seus misteres.
Diante dessa clarividente realidade, propõe o presente trabalho uma abordagem do papel dos órgãos fiscalizadores no controle da administração pública, demonstrando, em linhas gerais, a missão das instituições no combate à malversação do dinheiro público, visando à efetiva e regular prestação de serviços públicos considerados indispensáveis à garantia da tão almejada paz social.
1 – O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – INSTRUMENTOS DE CONTROLE
Inicialmente, incumbe-nos a conceituação do vocábulo “controle”, para que, a partir de tal definição, perscrutemos as reais limitações a que estão sujeitos os órgãos fiscalizadores.
A etimologia da palavra controle é revestida de controvérsias. Para o administrativista Giannini, o vocábulo tem origem no “latim fiscal medieval”. Da contração de contra e rotulum surge, em francês, o termo contrerole, significando rol, relação de contribuintes a ser verificada pelos exatores.²
Sobre tal conceito, consideramos esclarecedora a lição de Cezar Miola, in verbis:
Do ponto de vista semântico, nenhuma grande dificuldade é capaz de trazer esta expressão. Porém, não interessa limitar o exame a uma mera questão gramatical. É preciso que se compreenda o controle como princípio, como dogma ínsito e inato da atividade estatal. Mas será o caso, propriamente do controle do Estado, no Estado ou dos agentes e dos atos que estes praticam no exercício dos seus misteres governamentais? Eduardo Lobo Botelho Gulazzi, no concerto da sua valiosa obra considera: Assim, em consonância com a doutrina e o jus positum, conceitua-se controle como o princípio administrativo material, tutelar e autotutelar, de contrasteamento, supervisão e gestão integral da Administração, por meio de sistema horizontal de coordenação central, com o escopo de vigilância, orientação e correção, prévia ou posterior, de atos administrativos e de atos, decisões e atividades materiais de administração (MIOLA, Cezar. Regime Constitucional dos Tribunais de Contas, São Paulo, Ed. RT, 1992, p. 26)
Qualquer que seja a definição que reputemos ser a mais adequada, o certo é que é ínsito à natureza humana negar o controle, ser refratário aos instrumentos de controle, seja na vida pessoal, seja na vida laboral. Enfim, ninguém gosta de ser controlado.
Ocorre que, no exercício da atividade pública, há um imperioso dever de prestar contas ao real titular do poder, o povo. É justamente lastreado nessa premissa que podemos iniludivelmente afirmar que o controle é corolário, também, do princípio da indisponibilidade do interesse público. Não há margem para discricionariedade. Todos, indistintamente, no Estado Democrático de Direito, estão sujeitos ao controle, na sua acepção ampla.
Pois bem, fixado o conceito de controle, necessário se faz esclarecer o que se entende por controle da administração pública.
Para Phillip Gil França, “Controle da Administração Pública é a força aplicada ao maquinário administrativo estatal com o objetivo de impedir sua atuação fora dos limites do sistema legal institucionalizado, contrariando os valores que conformam o direito. É, basicamente, a atividade que determina como a Administração deve se portar para cumprir sua missão constitucional.” (França, Phillip Gil, 2011. p. 83)
O preclaro José dos Santos Carvalho Filho define controle da Administração Pública como sendo o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder.
Seja qual for o ângulo por que se queira enxergar, o controle das atividades estatais é corolário lógico dos Estados de Direito.
Estabelecida a ideia a que se propõe, passemos a analisar o papel do Parquet no exercício do controle da administração pública.
De enceto, torna-se imperioso um retrato histórico sobre o Ministério Público, cujo surgimento nos conduz a caminhos doutrinários diversos. Alguns indicam ter o Parquet origem na Antiguidade Clássica, na Idade Média, ou até no direito canônico. Não obstante a divergência doutrinária, importa-nos esclarecer que a maioria da doutrina aponta como registro de nascimento do Ministério Público a Ordenança de Felipe, o Belo.
Como bem anota Carlos Roberto Jatahy, “a história do Ministério Público está vinculada à evolução do Estado moderno e à construção do aparelho estatal, notadamente às atividades relacionadas com a prestação da Justiça. Sendo o Ministério Público uma instituição voltada para a proteção da sociedade no Estado brasileiro instituído pela nova ordem constitucional, indispensável iniciar seu estudo reflexivo com uma digressão histórica, para melhor compreensão do contexto onde esta se encontra no Estado Democrático de Direito, de seus valores e de sua finalidade” (JATAHY, Carlos Roberto H. 2007. p.147)
Uma perfunctória leitura dos dispositivos das Constituições de 1824 até a de 1988 é o suficiente para se chegar à conclusão de que o Ministério Público, nos dias hodiernos, encontra-se indubitavelmente fortalecido. O legislador constituinte originário, de forma visionária e inteligente, garantiu ao Ministério Público previsão em título próprio – artigos 127 usque 130 da Bíblia Política brasileira, apartando dos Poderes, além de ter erigido o Parquet a uma das funções essenciais à Justiça.
Como bem anota Hugo Nigro Mazzili, “o Ministério Público é um órgão do Estado (não do governo, nem do Poder Executivo), dotado de especiais garantias, ao qual a Constituição e as leis remetem algumas funções ativas ou interventivas, em juízo ou fora dele, para a defesa de interesses da coletividade, principalmente os indisponíveis e os de larga abrangência social”
Depreende-se de tais argumentos que as garantias institucionais e dos membros do Ministério Público, que se encontram insculpidas na Lei Maior, não têm outra finalidade senão a de ser um conduto para que a Lei seja cumprida em sua plenitude, sem interferências externas indesejáveis e desprovidas de legitimação.
Não por outra razão, o Ministério Público encontra-se inserido no rol das três instituições mais confiáveis, consoante pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas:
MP está entre as três instituições mais confiáveis
O Ministério Público está entre as três instituições mais confiáveis e honestas para a população brasileira, de acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada recentemente. A pesquisa, que avalia o chamado Índice de Confiança, vem sendo preparada desde 2009.
No levantamento, o MP aparece na 3ª posição, com 51% de índice de confiança, ficando atrás das Forças Armadas e da Igreja Católica. Grandes empresas ficaram em 4º lugar e a imprensa escrita, em 5º. A pesquisa foi realizada pela Escola de Direito da FGV de São Paulo e ouviu 1.550 pessoas de diferentes estados do país, entre eles Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal.
“É com imensa satisfação que constatamos o sentimento de credibilidade da população no Ministério Público brasileiro. Com certeza, é fruto da firme atuação de Procuradores e Promotores em todo o Brasil nas diversas áreas onde exercemos nossas atribuições”, disse o Presidente do CNPG, Cláudio Lopes, Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP.( http://www.conjur.com.br/2012-fev-25/populacao-mp-entre-instituicoes-confiaveis-pesquisa, acessado em 02 de setembro de 2014)
A nosso sentir, isso, por si só, reforça a tese de que a regular prestação da atividade ministerial depende incondicionalmente da blindagem dessas garantias, as quais não podem ser mitigadas ou flexibilizadas, sob pena de a sociedade ficar órfã de um imparcial órgão de controle.
Superada então a primeira tarefa, cabe-nos, doravante, tratar do papel do Ministério Público no exercício de controle da administração pública.
É indubitável a legitimidade do Ministério Público como guardião do Estado Democrático de Direito. Alguns questionamentos, todavia, precisam ser formulados, de modo que não pairem dúvidas acerca do extenso rol de prerrogativas do Parquet no efetivo exercício de controle da administração pública, tais quais: A determinação constitucional de que os atos administrativos estão sujeitos à revisão judicial impõe ao Ministério Público, no exercício de controle desses atos, atuar, tão somente, na esfera judicial? Pode o Parquet exercer esse controle mesmo antes do alcance da esfera judicial?
Quanto aos sobreditos questionamentos, é incontroversa a possibilidade de o MP atuar, mesmo antes do alcance da esfera judicial. Isso porque, como se sabe, ao Ministério Público foi conferido, em diversas passagens do texto constitucional, o poder de exigir explicações das atividades das pessoas públicas. Diversos são os instrumentos postos à disposição do MP, cite-se, a título de exemplo, o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública.
É do artigo 129, inciso II da Lei Maior que facilmente se extrai o dever do Ministério Público de exigir do Estado a irrestrita observância dos preceitos legais.
Mas não é só. A amplitude de atuação do Parquet encontra-se positivada em diversos diplomas legais, a exemplo do artigo 10 da Lei 7.347/85, que versa sobre a ação civil pública, cuja textualização preconiza que “constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público”.
Mas de que forma pode o Ministério Público agir fora da esfera judicial? A resposta é facilmente encontrada no artigo 24 da Resolução 87/2006 do Conselho Superior do Ministério Público Federal, que regulamenta o Inquérito Civil, no âmbito do MPF. Textualiza o sobredito dispositivo que o Ministério Público poderá, no exercício das funções, sugerir á esfera de poder competente a edição de normas, a alteração da legislação em vigor ou a adoção de medidas destinadas à efetividade dos direitos assegurados legalmente, nos termos do art. 6º, XX, da LC 75/93.
Sobre o controle da administração pública pelo Ministério Público, impõe-nos transcrever, por demasiadamente elucidativos, os ensinamentos de Phllip Gil França, para quem:
O Ministério Público, na condição de guardião da sociedade, tem o dever de caminhar proximamente à Administração Pública. Não apenas, tem o dever de desconfiar da atuação da Administração. Esse caminhar desconfiado concede ao cidadão a tranquilidade de um leal aliado, estabelecido para que o seu bem seja incansavelmente promovido pelo Estado. Trata-se aqui, obviamente, de construtiva desconfiança como dever estatal e característica própria do regime democrático. Desconfiança que se realiza no permanente questionamento e verificação da conformidade jurídica de toda atuação da Administração Pública. Ou seja, afirma-se que o Ministério Público precisa desconfiar de seus deveres constitucionais de proteção dos valores democráticos e republicanos que sustentam o Estado nacional. (França, Phillip Gil, 2011. p. 112-113)
Como se vê, o Ministério Público, alicerçado nos seus deveres institucionais, valendo-se das garantias expressamente estatuídas pela CRFB/88, constitui órgão indispensável à fiscalização e controle da atividade estatal, tendo sido posto à sua disposição instrumentos como o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública, tudo com o fito de garantir a irrestrita proteção daqueles que esperam do Parquet efetiva atuação de combate aos maus gestores, que ocupam cargos públicos com o fim de tirar proveito da res pública – coisa do povo -, avolumando o patrimônio pessoal. Enfim, aqueles que não se identificam com a palavra cândido, cujo significado, como bem frisado pelo ministro Ayres Britto, traduz algo limpo, puro, e candidatura significa pureza ética.
Não demanda, portanto, tanto esforço de lógica, a conclusão incontroversa de que o Ministério Público é tido como indispensável máquina de monitoramento do irrestrito cumprimento dos princípios constitucionais norteadores da administração pública.
2 – O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELO TRIBUNAL DE CONTAS
Não tão conhecido pela sociedade como o Ministério Público, os Tribunais de Contas são de fundamental importância no controle dos gastos públicos.
Do ponto de vista histórico, os Tribunais de Contas têm sua origem no Erário Régio, na administração de D. João João VI, cuja atribuição era a de acompanhar a execução da despesa pública.
Por ser essencialmente didático e atingir o fim a que o presente trabalho se propõe, limitamo-nos a reproduzir o breve histórico sobre os Tribunais de Contas, assim como se encontra disponibilizado no site do Tribunal de Contas da União:
A história do controle no Brasil remonta ao período colonial. Em 1680, foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, jurisdicionadas a Portugal.
Em 1808, na administração de D. João VI, foi instalado o Erário Régio e criado o Conselho da Fazenda, que tinha como atribuição acompanhar a execução da despesa pública. Com a proclamação da independência do Brasil, em 1822, o Erário Régio foi transformado no Tesouro pela Constituição monárquica de 1824, prevendo-se, então, os primeiros orçamentos e balanços gerais.A idéia de criação de um Tribunal de Contas surgiu, pela primeira vez no Brasil, em 23 de junho de 1826, com a iniciativa de Felisberto Caldeira Brandt, Visconde de Barbacena, e de José Inácio Borges, que apresentaram projeto de lei nesse sentido ao Senado do Império.
As discussões em torno da criação de um Tribunal de Contas durariam quase um século, polarizadas entre aqueles que defendiam a sua necessidade – para quem as contas públicas deviam ser examinadas por um órgão independente –, e aqueles que o combatiam, por entenderem que as contas públicas podiam continuar sendo controladas por aqueles mesmos que as realizavam.
Somente a queda do Império e as reformas político-administrativas da jovem República tornaram realidade, finalmente, o Tribunal de Contas da União. Em 7 de novembro de 1890, por iniciativa do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, o Decreto nº 966-A criou o Tribunal de Contas da União, norteado pelos princípios da autonomia, fiscalização, julgamento, vigilância e energia.
A Constituição de 1891, a primeira republicana, ainda por influência de Rui Barbosa, institucionalizou definitivamente o Tribunal de Contas da União, inscrevendo-o no seu art. 89.
A instalação do Tribunal, entretanto, só ocorreu em 17 de janeiro de 1893, graças ao empenho do Ministro da Fazenda do governo de Floriano Peixoto, Serzedello Corrêa.Originariamente o Tribunal teve competência para exame, revisão e julgamento de todas as operações relacionadas com a receita e a despesa da União. A fiscalização se fazia pelo sistema de registro prévio. A Constituição de 1891, institucionalizou o Tribunal e conferiu-lhe competências para liquidar as contas da receita e da despesa e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional.Logo após sua instalação, porém, o Tribunal de Contas considerou ilegal a nomeação, feita pelo Presidente Floriano Peixoto, de um parente do ex-Presidente Deodoro da Fonseca. Inconformado com a decisão do Tribunal, Floriano Peixoto mandou redigir decretos que retiravam do TCU a competência para impugnar despesas consideradas ilegais. O Ministro da Fazenda Serzedello Correa, não concordando com a posição do Presidente demitiu-se do cargo, expressando-lhe sua posição em carta de 27 de abril de 1893, cujo trecho básico é o seguinte:
"Esses decretos anulam o Tribunal, o reduzem a simples Ministério da Fazenda, tiram-lhe toda a independência e autonomia, deturpam os fins da instituição, e permitirão ao Governo a prática de todos os abusos e vós o sabeis - é preciso antes de tudo legislar para o futuro. Se a função do Tribunal no espírito da Constituição é apenas a de liquidar as contas e verificar a sua legalidade depois de feitas, o que eu contesto, eu vos declaro que esse Tribunal é mais um meio de aumentar o funcionalismo, de avolumar a despesa, sem vantagens para a moralidade da administração.
Se, porém, ele é um Tribunal de exação como já o queria Alves Branco e como têm a Itália e a França, precisamos resignarmo-nos a não gastar senão o que for autorizado em lei e gastar sempre bem, pois para os casos urgentes a lei estabelece o recurso.
Os governos nobilitam-se, Marechal, obedecendo a essa soberania suprema da lei e só dentro dela mantêm-se e são verdadeiramente independentes.Pelo que venho de expor, não posso, pois Marechal, concordar e menos referendar os decretos a que acima me refiro e por isso rogo vos digneis de conceder-me a exoneração do cargo de Ministro da Fazenda, indicando-me sucessor."Tenente-Coronel Innocêncio Serzedello Corrêa (http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/institucional/conheca_tcu/historia. acessado em 03 de setembro de 2014)
Sem o objetivo de exaurir o conteúdo, necessário se faz traçar apenas um panorama histórico acerca dos Tribunais de Contas, para que seja possível conhecer do seu surgimento e da evolução por que passou e tem passado as Cortes de Contas.
Conceitualmente, o Tribunal de Contas é um órgão de controle da administração pública, com atividade eminentemente fiscalizatória. Os Tribunais de Contas não estão em qualquer dos três poderes. Sua natureza é de órgão independente, que auxilia a todos os poderes da federação e, ainda, a comunidade, esta destinatária final do trabalho desempenhado pelas Cortes de Contas.
De mais a mais, o Tribunal de Contas é um órgão técnico, independente, a quem foi outorgado tratamento próprio, dentro da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo-lhe sido atribuída a indispensável missão de emitir pareceres prévios, além das atribuições diretamente ligadas ao exercício fiscalizatório. Aos Tribunais de Contas compete, ainda, julgar. Como dito pelo Ministro Ayres Britto, trata-se de uma “judicatura de contas” – ADI 4.190.
No que tange à autonomia institucional, valiosos são os argumentos do Ministro Celso de Mello, na ADI 4.190, j. 10.03.2010, para quem “os Tribunais de Contas ostentam posição eminente na estrutura constitucional brasileira, não se achando subordinados, por qualquer vínculo de ordem hierárquica, ao Poder Legislativo, de que não são órgãos delegatários nem organismos de mero assessoramento técnico. A competência institucional dos Tribunais de Contas não deriva, por isso mesmo, de delegação dos órgãos do Poder Legislativo, mas traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição da República”.
Apesar do empenho das Cortes de Contas em fazer divulgar a amplitude das competências/atribuições outorgadas pela Constituição, tem sido comum nos depararmos com várias pessoas que só conhecem a vertente repressiva dos Tribunais de Contas, nada sabendo acerca do caráter preventivo, educativo. É preciso que todos entendam que a finalidade maior das Casas de Contas, a missão institucional, é evitar que o dano ocorra. E é justamente por isso que ocorrem os controles concomitante, posterior, materializados pelas inspeções ordinárias e extraordinárias por que passam prefeituras, câmaras, órgãos, etc. Tudo com o objetivo de evitar que ocorra malversação de recursos públicos. Afinal, quando estamos gerindo dinheiro público, estamos agindo em nome do povo, real titular do poder, a quem devemos prestar contas das nossas ações.
Ocorre que, a atividade de controle não é algo ilimitado. Sobre ela incidem regras, as quais, se descumpridas, deslegitimam a atividade desenvolvida pelo controlador.
Nesse sentido são os ensinamentos do Professor Jacoby Fernandes, consoante abaixo transcrito:
O controlar, porém, precisa estabelecer-se em regras. Não pode ser uma função sem regramentos, sob pena de transformar o controlador em poder. Assim, há que ter função restrita e limitada a modelo previamente estabelecido, para que possa avaliar a regularidade da conduta que será controlada. (Jacoby, 2012, pág. 36)
Ademais, há que se frisar que os limites constitucionais e legais são impostos com o fito de evitar que o controlador seja confundido com o administrador. A este incumbe a tarefa de gerir a coisa pública. Àquele, diferentemente, é incumbida a missão de fiscalizar e controlar.
Sobre esse ponto, inclusive, interessante é o escólio do eminente doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, para quem “o poder de controle situa-se num movimento pendular: entre os que pretendem aniquilá-lo com as bandeiras da desburocratização e do abrandamento do rigor formal e os que vislumbram nesse instrumento a concepção necessária à correção de políticas públicas, à definição de limites, à conformação na aplicação de recursos tanto públicos (do Estado), quanto privados. Para os primeiros, o controle deve ser contido em fronteiras estreitas, sob pena de substituir, de confundir, o controlador com o administrador; para os segundos, até os novos paradigmas de fluxo de capital, público e privado, com reflexos nas políticas públicas, deveriam estar submetidos à ação do controle”. (JACOBY, 2012, p. 138)
Não obstante a controversa divergência se os Tribunais de Contas exercem ou não jurisdição, o certo é que o artigo 71 da Bíblia Política brasileira elenca um extenso rol de competências/atribuições constitucionais, o que, por si só, é o suficiente para se concluir acerca da incontroversa importância dos Tribunais de Contas para a manutenção do Estado Nacional e Democrático de Direito.
Lado outro, merece tratamento próprio a sedimentada discussão acerca da possibilidade de os Tribunais de Contas expedirem medidas cautelares. Sentido algum teria entender de forma diversa. É que, não apenas pautado na teoria dos poderes implícitos, mas, sobretudo, por uma questão de lógica, se aos Tribunais de Contas foi outorgada a honrosa missão de guardião dos valores e bens públicos, nada mais justo e coerente do que garantir o acesso aos meios para que esta proteção se operacionalize e se materialize, evitando, com isso, a malversação e dilapidação da res pública – coisa do povo. Nesse exato sentido foi o posicionamento do Ministro Joaquim Barbosa, em sede de MEDIDA CAUTELAR, nos autos da SUSPENSÃO DE SEGURANÇA 4.878 - RIO GRANDE DO NORTE.
Como restou flagrantemente demonstrado, o elevado prestígio que vem sendo dispensado aos Tribunais de Contas não se alicerça em outro motivo senão naquele em que, cada vez mais, torna-se imperiosa a responsabilização daquele que se propõe a gerir, a cuidar do que é de todos. Isso decorre, dentre outros fatores, da escassez de recursos, o que exige a irrestrita atuação dos órgãos de controle, a fim de que a população não fique desassistida de serviços públicos cuja essencialidade é hialina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essas breves linhas demonstraram, ainda que superficialmente, que o Ministério Público e o Tribunal de Contas, como órgãos de controle da administração pública que são, estão atentos ao erário. Especificamente no que atine aos Tribunais de Contas, foram criados com o objetivo de questionar os gastos públicos, propondo soluções que melhor atendam aos interesses da coletividade. Ocorre que, no exercício da atividade fiscalizatória com o viés sancionatório, diversas garantias devem ser observadas, tais como aquelas que constituem corolário do devido processo legal, sob pena dessas atividades serem deslegitimadas, colocando em risco a credibilidade do próprio órgão fiscalizador. É pautado nessa premissa que afirmamos, nos parágrafos anteriores, que a existência de limitações no exercício das atividades dos órgãos de controle, seja Ministério Público, seja Tribunais de Contas, deve-se à necessidade de o controlador não se confundir com o administrador. Essa diferença é que precisa ser compreendida pela sociedade, de modo que aos órgãos de controle não seja debitada a ineficiência na prestação dos serviços públicos.
É preciso que os administrados entendam que as limitações impostas aos órgãos de controle militam no sentido de que os administradores fazem jus às garantias fundamentais mínimas, como o devido processo legal, já que suas razões de defesa devem ser analisadas à luz dos direitos e garantias previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, ainda que diante de um processo administrativo, como são os processos que tramitam nos Tribunais de Contas.
Por outra banda, necessário se faz ressaltar que, para ser atingido o fim almejado pelo legislador constituinte originário, torna-se imprescindível que a sociedade brasileira passe a enxergar as Casas fiscalizadoras como órgãos paradigmas. Urge, ainda, punição de todos os que desfilam pela passarela dos artigos do Código Penal, da Lei de Improbidade Administrativa, não somente dos detentores de mandatos eletivos, escolhidos pelo real titular do poder – o povo, como se apenas esses fossem os únicos transgressores, para os quais comumente são dispensados tratamento e orientação sob a égide da Teoria do Direito Penal do inimigo, como se meros objetos de investigação fossem, e não sujeitos de direitos.
À guisa de conclusão, a partir de tudo que restou consignado, não restam dúvidas de que o Tribunal de Contas e o Ministério Público são indispensáveis à manutenção do Estado Nacional e Democrático de Direito, sem a presença dos quais estaria a sociedade suscetível ao enfrentamento de crises de instabilidade nos pilares nos quais se escora a estabilidade social. É, portanto, irrefutavelmente ilógica a defesa de medidas que caminhem no sentido da fragilização dessas instituições, o que se deve, por óbvio, é defender o aperfeiçoamento do sistema vigente.
REFERÊNCIAS
GIANNINI, Massimo Severo. Direito administrativo. Milano: a. Guiffre, 1970, p. 55, nota 13.
JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 3. Ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
JATAHY, Carlos Roberto H. O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: Perspectivas Constitucionais da Atuação Institucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juirs, 2007, p. 147.
MIOLA, Cezar. Tribunal de Contas – controle para a cidadania. Revista do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 14, n. 25, p. 204, 2. sem. 1996.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-fev-25/populacao-mp-entre-instituicoes-confiaveis-pesquisa, acessado em 02 de setembro de 2014.
O controle da administração pública: discricionariedade, tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento/Phillip Gil França; prefácio Ingo Wolfgang Sarlet. – 3.ed. rev. e atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pag. 106.
Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/institucional/conheca_tcu/historia, acessado em 03 de setembro de 2014.