1 - Realmente, a ocorrência abaixo ultrapassa qualquer tolerância, quando por um acidente em que um ônibus atropelou uma menor que trafegava de bicicleta em pista de tráfego intenso, populares invadiram uma tradicional empresa, queimaram 41 ônibus de sua frota e depredaram 15 como noticiou a Folha de São Paulo e a imprensa em geral dia 21.08 em Porto Seguro, local outrora tranquilo da boa terra.
2 - Analiso esta ocorrência no aspecto jurídico, pois aqui no Rio de Janeiro, cidade também outrora maravilhosa, hoje totalmente dominada pelo tráfico e por marginais que detêm um poder paralelo, que chega ao cúmulo de ter um poder para fechar todo o comércio de uma praça das mais importantes da Tijuca, por ex., só porque um marginal foi morto pela polícia, aqui também, empresas que defendemos, têm seus ônibus queimados, geralmente após a ação da polícia.
3 - Preocupa-me tal fato, pelo que resolvi escrever este, porque ante a falta de segurança reinante, qualquer dia destes poderemos ter problema idêntico aqui no Rio de Janeiro, ou em outro Estado da Federação, porque as empresas não têm poder de polícia, e a SEGURANÇA e a garantia da ordem pública é dever e obrigação do Estado de direito, exatamente como está na Constituição Federal, no art. 6°, e é a segurança de todo cidadão que J. Cretella Jr. ensina:
A segurança do ser humano e dos bens é fato indispensável para o natural desenvolvimento do homem em sociedade. Sem a garantia constitucional e legal à segurança, o cidadão mal poderia exercer as mencionadas atividades. A inclusão da segurança no rol dos direitos sociais revela a intenção do legislador, cumprindo ao governante, por meio de medidas que têm a seu alcance, oferecer condição de segurança máxima ao cidadão brasileiro e ao estrangeiro, residente no país, bem como a todo aquele que visite o Brasil, com qualquer tipo de atividade que não perturbe a ordem jurídica, econômica e social.
Cabível como uma luva, a lição abaixo:
a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Dir. Adm. SP. Atlas, 3ª Ed. 1992, pág. 355).
A nossa Carta Constitucional garante a defesa da propriedade, e a teoria do acidente administrativo, sucessora da culpa administrativa, constitui o primeiro estágio da responsabilidade objetiva do Estado, e essa teoria centralizou a questão na falha do serviço, chamada pela jurisprudência francesa de faute du service publique, que se configura no serviço irregular, defeituoso, com retardo, ou ainda, do não funcionamento do aparelho administrativo (in Elcio Trugillo, A Responsabilidade do Estado, SP. Ed. De Direito, 1996).
José dos Santos Carvalho Filho, em sua consagrada obra Manual de Direito Administrativo, LJ, 7ª ed., p. 424, aborda a chamada responsabilidade do Estado pelos atos de multidões. E explicita Ocorre que, em certas situações, se torna notória a omissão do Poder Público, porque teria ele a possibilidade de garantir o patrimônio das pessoas e evitar os danos provocados pela multidão.
O Eminente Des. e Prof. Sérgio Cavallieri Filho, em seu festejado Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 2ª ed. pp. 177 e segs. alude a responsabilidade do Estado por fato de terceiro. E explana que a Administração Pública poderá vir a ser responsabilizada pelos danos por aquele provocados, se ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu decisivamente para o evento, deixando de adotar as providências devidas. Neste caso, a responsabilidade será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado pela maioria da doutrina e da jurisprudência. Refere ser esta a lição de Hely Meirelles: exige-se prova da culpa da Administração no caso de depredação por multidões, dentre outros. No mesmo sentido é o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello: Quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou insuficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
Mestre J. Cretella Júnior, in Curso de Direito Administrativo SP - 10ª ed. Pag. 1989, asseverou:
Observe-se, finalmente, que a indenização do dano quando cabível, deve ser a mais completa possível, compensando-se de forma integral os prejuízos sofridos pela vítima, incluindo-se, destarte, os danos emergentes, os lucros cessantes, os juros, as custas e emolumentos, os honorários advocatícios, bem como em países como o nosso, em que há grande variação no poder aquisitivo da moeda e mudanças constantes no padrão monetário, a atualização do valor via instituto da correção monetária que nada mais é do que a atualização do poder aquisitivo da moeda no tempo e no espaço, não representando, portanto, qualquer plus que se acresce, mas sim, repito, mera atualização.
São os Mestres que continuam a nos ensinar como o constitucionalista português, um dos maiores do mundo na atualidade, José Joaquim Gomes Canotilho ao afirmar ter sido conquista lenta, mas decisiva do Estado de Direito, a responsabilidade estadual é, ela mesma, instrumento de legalidade. É instrumento de legalidade não apenas no sentido de assegurar a conformidade ao direito dos atos estaduais: a indenização por sacrifícios autoritariamente impostos cumpre uma outra função ineliminável no Estado de Direito Material a realização de uma justiça material, in Gomes Canotilho, José Joaquim. O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos. Coimbra, Liv. Almedina, 1974, p. 13.
Celso Antonio Bandeira de Melo, com o notável brilho de suas majestosas lições, define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
4 - É importante realçar o aspecto social das empresas de ônibus, eis que as mais expressivas que trafegam aqui no Rio de Janeiro, cada uma contabiliza cerca de 1.000 (um mil) empregos diretos, ou mais, e cerca de 6.000 (seis mil) indiretos.
Este prejuízo que aumenta a cada dia, não pode ficar sem o anteparo jurídico que o caso requer.
Por isso, a jurisprudência é firme:
O Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da AC n° 73.242-1 de São Paulo, já decidiu:
A responsabilidade civil do Estado constitui condição de segurança da ordem jurídica, em face do serviço público, de cujo funcionamento não deve resultar lesão a nenhum bem jurídico protegido. Restou fartamente comprovada a falha, no caso sub examine do serviço. Foi a Policia avisada da grave situação em curso. Mesmo quando do desencadear do ataque à propriedade dos autores, ainda, assim, inerte se manteve o órgão encarregado do serviço de segurança da ordem pública. A displicência no atendimento às súplicas por socorro impõe, não só a responsabilidade do Estado, mas que seja apurada a dos funcionários que falseavam prestação de serviço público. Isto porque além da culpa do Estado porque seu serviço devendo funcionar não o tenha há fortes elementos indiciários de, pela incompreensível inércia dos funcionários, cumular-se, no caso, culpa pessoal, o que permitira ao Estado agir regressivamente. Da inação do órgão policial resultou o ato danoso à propriedade dos autores. Vincula-se o prejuízo ocorrido à consequência de um ato falho do serviço, imputável, em resumo, ao Estado. Às vítimas do dano corresponde o direito público subjetivo de exigir a reparação, por inegável que ele decorreu da violação de um dever jurídico, que derivou da culpa do serviço.
(TJSP = Ap. Cív. 73.242-1 São Paulo Rel. Des. JORGE ALMEIDA J. em 17/09/86).
No mesmo sentido, ocorrendo danos a veículos:
os autos trazem ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda do Estado, com o intento de obter ressarcimento resultante da destruição de veículo por populares, causa que se desenvolve sob o rito sumaríssimo.
(...) o acontecimento que ensejou a revolta da população da cidade de Barrinha, foi amplamente noticiado, circunstância que, por sinal, determinou a designação de um delegado para presidir o inquérito policial. E, malgrado tal divulgação, nenhuma providência preventiva foi determinada, muito embora fosse previsível a revolta da população. Além disso, embora a ampla divulgação do caso evidenciasse a tomada de providências preventivas, nem mesmo houve a elementar cautela de remover os suspeitos para outra Delegacia de Policia. Evidente, assim, a falta de cautela dos agentes do Estado, a determinar a responsabilidade deste, tanto mais se considerar que a Delegacia de Polícia local estava desprovida de meios para o regular desenvolvimento de suas atividades, como ficou amplamente demonstrado.
(TJSP Ap. Cív. 78.101-1 São Paulo Rel. Des. NELSON SCHIAVI j. em 08/10/86).
E ainda:
Responsabilidade civil do Estado Depredação de estabelecimento comercial durante manifestação popular Omissão do Estado em seus deveres de prevenção na segurança e repressão à desordem Danos demonstrados, inclusive lucros cessantes Correção monetária desde o evento Procedência.
Verificado que a depredação do estabelecimento comercial decorreu da omissão do Estado, que descumpriu com seu dever de garantir a ordem, a segurança e o patrimônio público e particular, não pode, agora, esquivar-se ao dever de indenizar aos que sofreram os danos resultantes do vandalismo.
Ap. Civ. 87.296-1 São Paulo Recte. Juízo Ex Officio Apte. E reciprocamente Apdas: Fazenda do Estado e Forte & Filhos Ltda. Rel; Des. Olavo Silveira J. em 18/06/1987 TJSP.
Outro acórdão:
Responsabilidade civil do Estado Danos a veículos, estacionado em via pública, causados por conflito entre policiais militares e colonos sem terra - Impossibilidade de atribuir os danos a fato de terceiro ou a estado de necessidade Procedência CF/88, art. 37, § 6° (Cita doutrina).
Ementa oficial: Responsabilidade civil do Estado Teoria do risco administrativo.
A responsabilidade civil do Estado, com base na teoria do risco administrativo, é responsabilidade objetiva mitigada, cedendo, por isso, diante de causas exonerativas comprovadas.
Excludentes.
Não comprovadas as excludentes alegadas na contestação, a responsabilidade do Estado dependerá somente do nexo etiológico entre a conduta de agentes do Estado e o dano resultante. Apelação improvida.
Ap. Civ. 591.083.266 Porto Alegre Aprte: Dr. Juiz de Direito a 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre Apte: Estado do Rio Grande do Sul Apdo: Eugênio Alexandre Rudner Rel.: Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento J. em 26/11/1991 TJRS.
5 Vale a pena transcrever a lição de Maria Helena Diniz:
A tese da irresponsabilidade estatal está, na verdade, perdendo terreno, não só em razão do princípio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público, mas também porque os argumentos em que se baseia não são convincentes, pois: A) A soberania, no Estado de Direito, é reconhecida à nação e não a qualquer de seus poderes, em si mesmos. Mesmo que se admitisse a soberania do Judiciário, este fato não exoneraria o estado por ato jurisdicional, por não haver autonomia entre soberania e responsabilidade, pois soberania não quer dizer infalibilidade ou irresponsabilidade: B) A independência da magistratura não é argumento viável para afirmar a irresponsabilidade do estado, pois é precisamente porque a responsabilidade seria do estado e não do juiz que a independência deste estaria assegurada. Não há oposição entre a independência do juiz e a responsabilidade estatal, uma vez que esta não atinge, de modo algum, a independência funcional do magistrado. C) O termo agente empregado no Artigo 37 § 6° da Nova Constituição, abrange todos os que agem em nome do estado.
(Maria Helena Diniz, in Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol., 7, p. 443).
6 - Com as vênias de estilo, sustentamos que há o direito de se requerer em juízo e ser deferida a COMPENSAÇÃO dos prejuízos dos empresários, quando se faz a prova provada ou seja aquela prova que se referiu o Des. Fonseca Passos com o IPVA de sua frota, (pois a ação é proposta contra o Estado, e o único imposto geralmente compensável é o IPVA, a não ser quanto incide o ICMS) com base no ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco, ou seja, é o amparo que os juízes, no exercício da jurisdição, oferecem ao litigante que tiver razão (sempre Liebman), ou seja, é a concreta e efetiva oferta dos bens ou situações jurídicas que lhe favoreçam na realidade da vida. É, em outras palavras, a real satisfação de uma pretensão.
A propósito, Eurico Diniz Giovanni Mammone, na obra provvedimento d urgenza nel diritto processuale civile e nel ditto del lavoro, pág. 13:
Come già accennato, accanto alla tutela normativa o primaria si pone la tutela giurisdizionale del diritti non solo per linterpretazione del precetto primario, ma anche per lápplicazione delle sanzioni, preodinate alla possibile reintegrazione del diritto.
É como pensamos e neste caso relatado de Porto Seguro que, por enquanto, também acontece em menor escala em outros Estados da Federação, por uma questão de justiça, o Estado deverá suportar os ônus de sua omissão, pois certamente veremos, com um pouco de humor negro, muito em breve, não só churrasco de ônibus, como de seus passageiros, que não podem fugir da sanha criminosa desses marginais e vermes que infestam cidades outrora maravilhosas, que violam o direito à propriedade, um dos mais sagrados e garantidos constitucionalmente.