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A competência da Justiça do Trabalho na execução das contribuições previdenciárias.

Emenda Constitucional nº 20/98; art. 114, § 3º da Constituição Federal e Lei nº 10.035/2000

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01/11/2002 às 00:00
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6 – A execução previdenciária trabalhista, os efeitos anexos da sentença e o título executivo.

De início, a questão a ser levantada refere-se ao momento em que o crédito previdenciário se constitui, no universo jurídico, a favor do INSS.

No caso, as "contribuições sociais" ( entenda-se, no caso específico, previdenciárias ) a que se refere o § 3º do artigo 114 da CF/88, surgem na esfera jurídica, em decorrência da sentença trabalhista, frutos de seu efeito anexo, reflexo ou secundário.

Com efeito, uma é a eficácia da sentença em relação às partes ( a qualidade de coisa julgada, cf. art.467 do CPC ) e outros os efeitos que dela decorrem e repercutem no mundo jurídico, em relação a terceiros.

O Juiz do Trabalho Paulo Gustavo de Amarante Merçon, da 3ª Região, discorrendo acerca da "Anexação de Efeitos às Sentenças", citando PONTES DE MIRANDA, discorreu, com muita propriedade, sobre a matéria :

PONTES DE MIRANDA tratou ainda dos efeitos anexos da sentença de mérito, definindo-os como efeitos do fato da sentença, não pertencentes à eficácia própria da mesma, e configurando pressuposto de direito, pretensão, ação ou poder, que se crie com eles. Ressaltou que os efeitos anexos não pertencem à coisa julgada material, e que é possível mesmo que o beneficiado não tenha sido parte na demanda principal. Ainda, segundo o i. processualista, os efeitos anexos da sentença dependem sempre de lei, e independem da vontade das partes. Como exemplo de efeito anexo, PONTES DE MIRANDA mencionava o pagamento das taxas pós-processuais da sentença, efeito anexo de direito fiscal.

E reforçando tal entendimento, no mesmo tópico, reproduziu a lição de LIEBMAN a respeito:

EURICO TULLIO LIEBMAN já abordara o mesmo tema, apenas adotando o termo secundário, em lugar de efeito em anexo: "Produz a sentença, às vezes, ao lado de seus efeitos principais, efeitos secundários que se distinguem dos primeiros (...) por sua falta absoluta de autonomia ; são simplesmente acessórios e conseqüentes aos efeitos principais e ocorrem automaticamente por força de lei, quando se produzem os principais (...) Quando o exame da causa autoriza a prolação da sentença com determinados efeitos (principais), dever-se-ão, só por isso, produzir, e logo se produzirão, também os secundários, os quais, portanto, não deverão ser pedidos pelas partes na demanda judicial, nem estar contidos e indicados na decisão ( e por isso é exato dizer que não fazem parte do objeto da sentença); e assim como não poderiam ser produzidos separadamente dos principais, não podem, tampouco, ser denegados quando se pronunciam aqueles." [16]

A clareza dos ensinamentos dispensa maiores questionamentos, podendo-se concluir com o culto magistrado e os mestres citados, que o efeito anexo atribuído por lei à sentença – da qual é sempre dependente e nunca autônomo -, independe, para a sua materialização no mundo jurídico, de qualquer manifestação das partes - pois não faz parte do objeto do pedido -, podendo, inclusive - e geralmente o faz - beneficiar terceiros, no caso específico, o INSS.

E em virtude desse efeito anexo da sentença, em conclusão, pode-se afirmar, no tocante às contribuições previdenciárias devidas, ser a própria decisão o título executivo no qual fundar-se-á a execução ( arts. 583 e 584, I, CPC ). E como tal ele é certo ( porque o crédito é gerado pela sentença, em virtude de seus efeitos anexos, de conformidade com a lei - art. 585, I, CPC) e exigível ( porque, decorrente de lei e imposto coativamente ao contribuinte, pode ser exigido a partir do trânsito em julgado da decisão que o constituiu, independentemente de quaisquer outras condições). Já a sua liquidez decorre da verificação de ser o crédito exequendo, certo quanto à sua existência e determinado quanto ao seu objeto ( art. 1533, CCB), ainda que os valores correspondentes necessitem ser apurados na fase prévia de liquidação da sentença.


7 – A Lei 10.035, de 25 de outubro de 2000 e os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução das contribuições previdenciárias.

A Lei 10.035, de 25 de outubro de 2000, em vigor desde 26 de outubro de 2000, data de sua publicação no Diário Oficial da União, regulamentando o disposto no § 3º do artigo 114 da CF/88, estabeleceu, no âmbito da Justiça do Trabalho, os procedimentos da execução das contribuições devidas à Previdência Social. Trata-se de modalidade especial e "sui generis" de execução fiscal que se desenvolve perante esta Justiça Especializada.

Esta execução de valores acessórios, derivados, como se viu, dos efeitos anexos da sentença, processa-se nos mesmos autos da ação trabalhista, correndo paralelamente com aquela que visa a satisfação dos créditos principais devidos ao reclamante.

Inicialmente, quando do advento da EC 20/98, o dispositivo constitucional inserido no artigo 114 da CF/88 ( o § 3º ) - que ampliou a competência da Justiça do Trabalho legitimando-a a executar, de ofício, as contribuições sociais decorrentes de suas sentenças -, como novidade legislativa de grande repercussão, gerou, no espírito dos julgadores e dos operadores de direito, perplexidade e apreensão, visto que, a par da mencionada norma, não se estabeleceu um procedimento próprio e adequado para o processamento da execução das referidas contribuições. Muitas dúvidas surgiram quanto às normas processuais a serem seguidas para se alcançar esse objetivo. Seriam, pura e simplesmente, as da Lei 6.830/80 ? Ou seria a própria CLT, a partir de seu artigo 880, adaptada, de forma improvisada, e buscando supletividade na Lei de Execuções Fiscais e no CPC ?

Face à inexistência, à época, de regulamentação própria quanto à forma de se processar dita execução, dever-se-ia concluir pelo caráter auto-aplicável do dispositivo constitucional incipiente ou, ao contrário, aguardar-se tal providência ?

Apesar das apreensões surgidas, o entendimento que prevaleceu entre os Tribunais do Trabalho foi o de que a norma constitucional era auto-aplicável e que, a partir de sua vigência, as contribuições previdenciárias previstas em lei e decorrentes das sentenças proferidas em primeira instância deveriam ser executadas de ofício (impulsionadas pelo juiz da causa), utilizando-se, em princípio, adaptadas às circunstâncias, as normas processuais relativas à execução trabalhista, contidas no Capítulo V do Título X da CLT ( artigos 876 a 902 ), muito embora não se tratasse de execução estritamente trabalhista, mas de natureza fiscal, processada entre o INSS e o empregador, este na condição de devedor principal e depositário das contribuições devidas pelo empregado.

Para os Juízes da 3ª região, a qual pertencemos com muito orgulho, essa atuação improvisada se estendeu de janeiro, após o recesso da Justiça do Trabalho, até abril de 1999. Após esse período, sensível aos anseios da magistratura trabalhista mineira, o TRT da 3ª Região, em resposta às muitas consultas dos magistrados, elaborou, através de sua Corregedoria, o Provimento 01/99, estabelecendo o modus procedendi em relação ao processo de execução das contribuições previdenciárias decorrentes das decisões trabalhistas, que julgamos necessário incorporar a esse trabalho, para reflexão e oportuna análise em comparação com as normas posteriormente editadas em virtude da Lei 10.035/00, que vieram suprir a lacuna legislativa até então existente (na íntegra, em apêndice, juntamente com a mencionada lei).

Como se poderá observar, dentre as "recomendações" e "determinações" constantes no referido Provimento, destinadas aos juízes de primeira instância, encontravam-se as de :

a) discriminação, nas decisões cognitivas ou nos acordos homologados, das parcelas de natureza salarial e indenizatórias, bem assim a delimitação da responsabilidade de cada parte em relação ao recolhimento das contribuições previdenciárias ( art. 1º ) ;

b) determinação de execução, de ofício, das contribuições previdenciárias incidentes, relativas às decisões proferidas, após o seu trânsito em julgado, e aos acordos homologados, com observância dos trâmites previstos no Capítulo V da CLT - "Da Execução", aplicáveis ao processo de execução trabalhista (art. 2º);

c) liquidação do processo, inclusive no tocante às verbas devidas à Previdência, com intimação das partes ( Reclamante e Reclamado ) para a apresentação da versão de seus cálculos, providência suprível, ante a omissão destas, através dos cálculos elaborados pelo "setor próprio" ( entenda-se, setor de cálculos do Foro ), com vistas ao INSS, por 10 dias, através de sua unidade local, com intimação via postal ( art. 3º e seu § 1º ) ;

d ) Após a ciência do INSS, homologados os cálculos, a determinação de expedição de mandado de citação do devedor para o pagamento do débito, inclusive aquele relativo à Previdência Social e, na ausência de quitação espontânea, a determinação de prosseguimento da execução na forma dos arts. 880 e seguintes da CLT, com os recursos e impugnações inerentes ( artigos 5º, 6º e 7º );

e) processamento, em autos apartados, do agravo de petição que versasse exclusivamente sobre as contribuições previdenciárias; ainda, o parcelamento do débito pelo INSS com efeito suspensivo da execução, orientações às Secretarias do Juízo quanto à remessa mensal de cópias das guias de recolhimento de contribuições previdenciárias efetivado nos autos e informação à Corregedoria do montante arrecadado. ( artigos 8º, 9º e 10º ).

Assim, face à lacuna existente no período de abril de 1999 a outubro de 2000 ( quando foi sancionada a Lei 10.035/00), as ações do Judiciário Trabalhista Mineiro, no tocante à execução das contribuições previdenciárias, foram ditadas pelo referido Provimento, adaptadas aos trâmites da execução trabalhista. Mas, ainda assim, apesar de todos os percalços, obteve-se resultado bastante favorável – e até certo ponto, surpreendente – relativamente ao montante dos valores arrecadados. E ao que parece, esse foi um dos motivos – senão o principal - que levaram à concepção do § 3º do artigo 114 da CF/88 pela E.C. 20/98.[17]

Após esse longo período de lassidão das autoridades competentes, finalmente, em outubro de 2000, editou-se a Lei 10.035/00, em vigor a partir de 26 de outubro do mesmo ano, que, promovendo alterações na estrutura da CLT, na parte relativa às decisões e ao processo de execução, veio preencher o vazio até então existente, estabelecendo regras próprias para a liquidação e execução das contribuições previdenciárias, no âmbito da Justiça do Trabalho.

Uma perfunctória análise de seu conteúdo revelará que muitas das disposições do Provimento 01/99-TRT- 3ª Região serviram-lhe de inspiração. Veja-se, por exemplo, a correspondência de seu artigo 1º com o § 3º do artigo 832 da CLT; ou de seu artigo 2º com o parágrafo único do artigo 879 da CLT; ou ainda, do artigo 3º, "caput" e seu § 1º, com os §§ 1º-B e 3º do artigo 879 da CLT; de seu artigo 6º, com o artigo 889-A da CLT ; da parte final de seu artigo 7º, no tocante ao julgamento dos embargos à execução e impugnações à conta de liquidação com a disposição do § 4º do artigo 884 da CLT; de seus artigos 8º, 9º e 10º, com, respectivamente, o disposto nos artigos 897, § 8º e 889, §§ 1º e 2º, ambos da CLT.

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No bojo dessas alterações, todo o procedimento administrativo-fiscal que se adotava anteriormente a dezembro de 1998, para fins de constituição, exigibilidade e recebimento desses mesmos créditos – resultantes das decisões trabalhistas – com vistas à formação do título executivo extrajudicial ( arts.39, § 1º da Lei 8212/91 e 585, VI, CPC ), foi simplificado. Anteriormente a 15 de dezembro de 1988, em havendo – decorrentes de decisões e acordos homologados - pagamento de "direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária", cumpria ao juiz da causa, tão somente, determinar " [...] o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social", e velar " [...] pelo fiel cumprimento..." desta determinação, fazendo notificar o INSS "[...] dos termos da sentença ou do acordo celebrado." ( artigos 43 e 44 da Lei 8212/91) ].

Na nova realidade, os juízes do trabalho de primeira instância ficam obrigados a "indicar " sempre, quando da prolação das decisões, "...a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado... ", delimitando, ao mesmo tempo e na oportunidade, a responsabilidade de cada parte no recolhimento da contribuição previdenciária decorrente, se houver ( art.832, § 3º, CLT ).

Visa essa medida, obviamente, tornar clara a natureza de cada parcela, de modo a propiciar, quando da liquidação da sentença, a verificação de sua adequabilidade às hipóteses de incidência previstas na Lei 8.212/91 ( art. 28 ), bem como a determinação das alíquotas aplicáveis e delimitação da responsabilidade de cada contribuinte em relação ao seu recolhimento ( art. 20, empregado ; art. 22, empregador ). E ela é bastante eficaz, pois de forma salutar elimina todos os trâmites burocráticos legalmente concebidos para a constituição e exigibilidade dos créditos previdenciários, mesmo os decorrentes de decisões trabalhistas, tal como ocorria anteriormente a 16 de dezembro de 1998.

Indicada, pois, a natureza jurídica de cada parcela objeto da condenação e transitada em julgado a decisão, nada há mais a discutir nesse particular ( arts.467,CPC e 879, § 1º, CLT ). Excetuam-se, aqui, contudo, as sentenças homologatórias de conciliação, que produzem, entre as partes, os efeitos de coisa julgada, salvo em relação à Previdência Social " (...) quanto às contribuições que lhe forem devidas." ( art. 831, parágrafo único, CLT ). Nesses casos - e tão somente, porquanto a lei não ordena que se intime o INSS das demais decisões, senão das homologatórias -, poderá esse recorrer ordinariamente da sentença homologatória, exclusivamente quanto à natureza jurídica das parcelas indicadas na ocasião. ( arts. 832, §§ 3º e 4º, 893, II e 895, "a", da CLT, no prazo de 16 dias, conforme o disposto no art.1º, inciso III, do Decreto-Lei n.º 779/69).

Ato contínuo, proceder-se-á à liquidação do processo, que abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas, concernentes às parcelas indicadas na decisão (ou acordo homologado), ônus das partes que integraram o processo principal ( art. 879, §§ 1º-A e 1º-B, CLT). Caso estas não o façam, como deflui do disposto no § 3º, primeira parte, do art. 879 da CLT e, no nosso entender, exclusivamente no caso de reclamações atermadas ( arts. 791, da CLT e 4º da Lei 5584/70 e mesmo assim para os cálculos simples, de menor complexidade ), fá-lo-á a Contadoria do Juízo. Em outras situações, o Provimento 03, de 17 de julho de 1991, da Corregedoria do TRT da 3ª Região, ainda em vigor, limita as atribuições do setor de cálculo do Juízo, atribuindo às partes, pena de ser determinada a realização de perícia para estes fins, com os ônus dos honorários periciais recaindo sobre as mesmas, a obrigação de apresentar os cálculos de liquidação, como se vê adiante :

Art. 1º - As partes deverão apresentar cálculo de liquidação das decisões sujeitas a execução, no prazo comum de dez dias, a contar do recebimento da intimação específica para tal fim.

§ 3 º - Inexistindo manifestação [...], o Juiz do Trabalho [...] nomeará, imediatamente, contador ou perito para elaborar laudo, em prazo prefixado segundo a complexidade do trabalho a ser executado.

Art. 2º - Os honorários do contador ou perito serão fixados o prudente arbítrio do Juiz do Trabalho [...] e deverão ser pagos pelo executado, ou pelo reclamante, quando este houver dado causa desnecessária à atuação do nomeado.

O procedimento acima é adotado na 3ª Região, exceto quando se tratar do Poder Público, como disposto no Provimento 01, de 20 de setembro de 1993, oriundo do mesmo Órgão, verbis :

Art. 1º - Nas reclamações trabalhistas movidas contra entidades integrantes da Administração Pública Direta e Indireta, nesta incluídas as Autarquias como tal criadas em lei, e as Fundações Públicas da União, dos Estados e Municípios, os cálculos de liquidação serão elaborados pela Diretoria do Serviço de Cálculos Judiciais, relativamente aos processos em curso nesta Capital, e pelas Secretarias [...] no âmbito das demais Juntas de Conciliação e Julgamento desta Terceira Região.

Em face do exposto, para evitar-se qualquer interpretação equivocada a respeito, - como, por exemplo, a afirmação de que, a partir do advento da Lei 10.035/00, por força do disposto no § 3º do art. 879, omitindo-se as partes quanto à obrigação de apresentarem os cálculos de liquidação, consubstanciada no § 1º-B do mesmo dispositivo, seria tal omissão suprida pelo Setor de Cálculos Judiciais do Juízo, a quem incumbiria fazê-lo - melhor seria que o legislador tivesse sido mais explícito, utilizando na referida norma, entre as expressões "órgãos auxiliares", a conjunção alternativa "ou", caso em que o texto legal seria construído nesses termos : "Elaborada a conta pela parte, pelos órgãos ou auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação [...], etc. ". Nesse caso, todas as hipóteses que aventamos estariam contempladas, visto que, por "órgãos", entender-se-ia a Contadoria do Juízo, nas hipóteses previstas no Provimento 01/93-TRT-3ª Região e na Lei 5584/70, art. 4º ; por "auxiliares", o perito ou contador, em consonância com o Provimento 03/91-TRT-3ª Região e o disposto no art. 145 do CPC, subsidiário.

No entanto, da forma como se encontra redigido o texto legal, só se pode entender como "órgão auxiliar" da Justiça do Trabalho o setor de Cálculos Judiciais do Foro, e a hipótese de açambarcar esse, toda e qualquer responsabilidade pela elaboração de cálculos de liquidação em virtude da omissão das partes é absurda e inaceitável. Além de inexistir uma estrutura administrativa que suporte o volume dos serviços que resultaria, a prevalecer esse entendimento, ainda se estaria premiando a parte omissa, beneficiando-a, ao invés de puni-la. Mesmo sendo o INSS o maior interessado, tal não se pode admitir, porquanto não se espera que o Serviço de Cálculos Judiciais promova a liquidação parcial dos créditos previdenciários, sem fazê-lo em relação aos valores principais, dos quais aqueles dependem em face de seu caráter acessório. Assim, sub censura, o entendimento que manifestamos acima é o que melhor concilia os interesses do INSS e da Justiça do Trabalho.

Prosseguindo na caminhada, temos que, elaborada a conta, pelas partes, pelo Setor de Cálculos Judiciais do Juízo ou, na nossa realidade, através de perícia determinada na forma do Provimento 03/91-TRT- 3ª Região, proceder-se-á à intimação do INSS, por via postal, para que sobre ela se manifeste no prazo preclusivo de 10 (dez) dias, pena de preclusão. É só nesse momento que o INSS passa a falar nos autos e assume a sua posição no processo, visto que a execução é impulsionada, de ofício, pelo Juiz da causa ( art.876, parágrafo único, CLT).

Alegam alguns – e essa circunstância tem sido levantada em "exceções de pré-executividade" que vêm sendo interpostas – que talvez aqui se possa enxergar omissão por parte do legislador, lesiva aos interesses do Executado, porquanto, não tendo esse "vista" dos cálculos elaborados pelo Juízo e homologados eles à sua revelia, estar-lhe-ia sendo negado o contraditório, cerceando-lhe o direito de defesa.

Não entendemos assim.

O dispositivo sob análise contempla duas hipóteses : a da elaboração e apresentação dos cálculos liquidatórios – incluídos os relativos à contribuição previdenciária -, pelos próprios devedores, para posterior manifestação do INSS, o Credor, e aquela que contempla a omissão das partes, suprível pelo Setor de Cálculos do Juízo, como se viu, somente nos casos em que estiverem elas litigando ao abrigo do disposto no art. 791 da CLT.

Na primeira hipótese, não se vislumbra nenhuma dificuldade, porquanto os valores relativos ao crédito da Previdência Social são apresentados pelo próprio contribuinte/devedor, para análise e posterior manifestação do INSS no prazo de 10 dias, "[...] pena de preclusão", o que equivale dizer que, no silêncio desse, os cálculos serão tidos por corretos e como tal homologados. Se vão ser espontaneamente satisfeitos, isso é outra história !

Já na segunda - cálculos efetuados pela Contadoria do Juízo - embora a lei só determine a intimação do INSS para sobre eles se manifestar, não se pretendeu, nessas circunstâncias, privilegiar o credor em detrimento dos direitos e interesses do devedor. Pode-se afirmar, com convicção, que o dispositivo sob comentário não fere, em relação ao devedor, o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

Mesmo soando estranha tal afirmação, ela se faz com base no fato de que a lei assegura ao devedor, quando da interposição dos embargos à penhora ( ou à execução ) - o que deve ser feito no prazo de 5 (cinco) dias após garantida a execução ou penhorado os bens, na forma do § 3º do artigo 884 da CLT - o direito de impugnar "a sentença de liquidação" ( embora a lei use a terminologia "sentença", trata-se, na verdade, de uma "decisão interlocutória" ) e com ela, os cálculos elaborados pela Contadoria do Juízo, sejam os relativos aos autos principais, sejam aqueles concernentes às parcelas previdenciárias. E se a decisão dos embargos lhe for desfavorável, poderá ainda atacar o "mérito" daquela decisão homologatória, quando da interposição do Agravo de Petição ( arts. 893, inciso IV e § 1º e 897, letra "a", da CLT ).

Embora se estenda ao Exeqüente, - no caso o INSS - "...igual direito e no mesmo prazo", deve-se interpretar essa norma em consonância com o disposto no § 3º do artigo 879 da CLT, ou seja, se o INSS, com vistas dos cálculos, deixar de se manifestar no prazo de 10 dias de que fala a lei, não poderá fazê-lo em sede de impugnação, na forma do artigo 884, "caput", in fine" e § 3º, da CLT, porquanto precluso estará o seu direito. Admitindo-se o contrário, aí sim, estar-se-ia cerceando o direito de ampla defesa do devedor/executado e negando-lhe o contraditório, fazendo notório o tratamento desigual que se estaria dispensando às partes.

Vale a pena transcrever o que a respeito, em comentário ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, escreveu RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO :

Uma das decorrências desse princípio é o da igualdade entre as partes de uma relação processual. Não podem ser atribuídas a uma delas vantagens de que a outra não disponha. Deve existir paridade de forças. A ampla defesa constitui decorrência lógica do princípio do contraditório. Ao réu devem ser concedidas todas as oportunidades para ver respeitado o seu direito [...].[18]

Em seqüência, opostos os embargos à execução, se desfavorável a decisão, poderá o Executado interpor recurso próprio – Agravo de Petição -, que, se versar apenas sobre as contribuições previdenciárias, será autuado em apartado para remessa à Instância Revisora ( artigos 897, letra "a" e §§ 3º e 8º, da CLT). Aqui se revela, com mais nitidez, a total autonomia e independência do processo de execução das contribuições previdenciárias em relação àquele que se desenvolve visando o recebimento dos créditos derivados da relação principal. Em outras palavras, a interposição de recurso por parte do INSS, relativamente ao que se decidiu em sede de "impugnação à liquidação", não interrompe e nem prejudica o processamento da execução principal.

Seria ideal que o mesmo ocorresse em relação aos acordos homologados, na hipótese de interposição de recurso ordinário na forma prescrita no § 4º do artigo 832 da CLT. Esse, a nosso ver, deveria também ser processado em apartado e, nessa condição, remetido ao Tribunal para apreciação, exatamente para que não haja solução de continuidade quanto à regular tramitação do processo principal, mormente quando encontrar-se ele em fase de cumprimento da avença, nos casos de pagamento parcelado do valor respectivo, o que é muito comum na nossa realidade diária.

Julgado o Agravo de Petição, na hipótese acima, e proferido o acórdão respectivo – que não é recorrível, salvo se houver na decisão respectiva ofensa direta e literal à Constituição Federal, conforme dispõe o art. 896, § 2º, da CLT - uma vez transitado em julgado e baixados os autos, a execução prosseguirá em seus trâmites regulares.

Como se vê, o processo é simples e célere e nem por isso deixa de assegurar às partes – mais de uma vez - a oportunidade de discutir, amplamente, as questões que constituem o objeto da ação.

E nessa esteira de entendimento, pode-se afirmar com convicção, sem o temor de se estar cometendo alguma heresia jurídica, na situação sob análise, a inexistência de qualquer ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal ( que se revela na proteção outorgada pela Constituição, contra atitudes arbitrárias e opressoras por parte do Poder Público, inclusive através de leis dele emanadas, no sentido de subjugar e sujeitar o cidadão à sua vontade despótica e soberana ; art. 5º, LIV, CF/88). Não há, como se vê, nenhum vestígio de arbítrio por parte do Estado, através do Legislador, quando da implementação das alterações introduzidas na CLT pela Lei 10.035/00, em regulamentação do § 3º do artigo 114 da CF/88, que, como se pôde perceber, repise-se, teve o cuidado de resguardar os direitos do contribuinte/devedor, de impugnar e discutir, no processo de execução das contribuições previdenciárias, os cálculos, valores e até mesmo a existência do crédito respectivo. Como decorrência do primeiro princípio, estar-se-ia assegurando aqui ao executado, no mesmo processo, o contraditório e a ampla defesa.

Sob o aspecto jurídico, é incontestável a possibilidade de se exigir, através do processo de execução e nos mesmos autos em que foram proferidas as decisões trabalhistas, o pagamento dos créditos previdenciários delas decorrentes.

Antes mesmo do advento da EC 20/98, vale repetir, o direito aos créditos previdenciários, oriundos dos efeitos secundários ou anexos das decisões proferidas ou acordos homologados pela Justiça do Trabalho, já existia e era reconhecido e declarado por lei ( art. 43, Lei 8212/91 ), só que exigíveis – se não recolhidos espontaneamente nos autos do processo trabalhista - em relação previdenciária principal perante a Justiça Federal. O que a Emenda Constitucional n.º 20/98 fez, concedendo à Justiça do Trabalho a competência para executá-los diretamente, de ofício – procedimento que a Lei 10.035/00 regulamentou - foi otimizar o procedimento para a sua apuração, no sentido de, simplificando-o, suprimindo trâmites burocráticos desnecessários, agilizar a forma de sua exigibilidade e recebimento, mas sempre com o cuidado de resguardar, ao devedor, o direito de discuti-los, não só quanto aos valores apurados e formas de sua atualização, como também e até mesmo, em face da lei, quanto à sua própria existência.

Não se enxerga, assim, em conclusão, nenhuma eiva de inconstitucionalidade, seja no § 3º do artigo 114 da Constituição Federal em vigor, seja na Lei 10.035/00 que o regulamentou e adaptou ao processo de execução trabalhista.

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Sobre o autor
José Carlos Lima da Motta

juiz do Trabalho em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, José Carlos Lima. A competência da Justiça do Trabalho na execução das contribuições previdenciárias.: Emenda Constitucional nº 20/98; art. 114, § 3º da Constituição Federal e Lei nº 10.035/2000. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3378. Acesso em: 24 abr. 2024.

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