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Comentários ao novo § 7º do art. 273, do Código de Processo Civil Brasileiro, acrescentado pela Lei nº 10.444/2002

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01/11/2002 às 00:00
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4. A mitigação advinda da atual reforma pontual processual e a fungibilidade de pedidos.

          Hoje, com a atual reforma processual advinda da Lei n. 10.444/02, pode-se afirmar que ocorrera uma certa mitigação entre satisfatividade e cautelaridade, sem, entretanto, confundir-se os requisitos essenciais que as viabilizam.

          A redação do novo § 7º do artigo 273, do Código de Processo Civil Brasileiro é a seguinte: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado."

          O Prof. Cândido Rangel Dinamarco (19) com a acuidade que lhe é peculiar, afirma que se possibilitou verdadeira fungibilidade entre pedidos cautelar e antecipatório.

          Imperioso deixar claro, que o autor não deverá sofrer os rigores de uma inapropriada utilização da técnica processual, ou seja, irrelevante será se o mesmo tiver proposto cautelar incidental ou tenha pedido antecipação da tutela, se fizer jus ao adiantamento de seu direito, o magistrado deverá aplicar o princípio da fungibilidade, afastando-se da faculdade indicada pela norma processual.

          Se presentes os requisitos da tutela de urgência, seja ela cautelar ou antecipada, o juiz deverá concedê-la.

          Quanto às hipóteses de fungibilidade de pedidos, convém antes delinearmos os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência.

          Em se tratando de tutela cautelar, os requisitos são o ‘fumus boni iuris’ e o ‘periculum in mora’. O primeiro indica aparência de um bom direito, ou seja, a plausibilidade do direito da parte que conduz a um juízo de certeza, como bem elucida o Prof. Ovídio A. Baptista da Silva. O segundo refere-se à temporariedade e indica perigo da demora, ou seja, uma determinada situação de perigo à viabilização da pretensão da parte. Por isso, pode-se dizer que a tutela cautelar familiariza-se com o processo e não com a realização do direito material.

          Há autores que qualificam o processo cautelar como sendo o instrumento do instrumento, conforme preconizou Calamandrei. Diverge de tal entendimento o ilustre processualista gaúcho Ovídio Baptista.

          Se tomarmos por base o entendimento de que a tutela cautelar não satisfaz, podemos, então, afirmar que o processo cautelar é um instrumento do instrumento, ou como bem adjetivou o Prof. Luiz Fux, "um instrumento ao quadrado". (20)

          De outro norte, a tutela antecipada vem carregada de requisitos mais rígidos do que os exigidos para a obtenção da tutela cautelar, quais sejam, ‘a prova inequívoca que leva à verossimilhança dos fatos alegados pela parte’, ‘fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação’, ou ‘caracterização do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte’, esse último requisito refoge ao estudo entabulado no presente trabalho, vez que não se trata de tutela de urgência, como bem delineou o Prof. Arruda Alvim (21).

          A prova inequívoca seria a certeza quanto ao direito a ser realizado e não uma mera probabilidade que permeia o fumus boni iuris, um dos requisitos caracterizadores da tutela cautelar. A verossimilhança seria, grosso modo, concernente a um juízo de veracidade.

          Pode-se depreender que o segundo requisito remete ao preceito constitucional previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, como dito alhures.

          Depois, de traçados perfunctoriamente os requisitos essenciais à concessão de ambas as tutelas, delineados por conceitos vagos, consoante os ensinamentos do Prof. Barbosa Moreira, tratar-se-á, a seguir, das hipóteses de fungibilidade de pedidos antecipatório e cautelar e vice-versa.

          A Lei n. 10.444/02, ao acrescentar o § 7º no art. 273, do Código de Processo Civil Brasileiro, previu a possibilidade de conversão de um pedido em outro.

          As hipóteses de fungibilidade de pedidos são as seguintes: a) pedido de antecipação de tutela em pedido de natureza cautelar; e b) pedido de natureza cautelar de caráter incidental em pedido de tutela antecipada.

          Quanto à primeira hipótese, caso a parte formule pedido de antecipação de tutela e se se constatar natureza cautelar no pedido formulado, o juiz deverá lançar mão do princípio da fungibilidade de pedidos e empreender a conversão, adequando um pedido no outro. E desde que presentes os requisitos essenciais ao pedido de natureza cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora).

          A recíproca também é verdadeira e reflete a segunda hipótese, em que a parte formula pedido de natureza cautelar de caráter incidental e, in casu, trata-se de pedido de tutela antecipada. Esses casos ocorrem quando evidenciadas as impropriamente propaladas ‘cautelares satisfativas’. Se presentes os requisitos essenciais da tutela antecipada, o juiz deverá promover a conversão. Nesse aspecto deverá tomar cuidado redobrado, eis que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são mais expressivos que os presentes na tutela cautelar.

          Convém analisarmos, por exemplo, os casos em que as partes utilizam-se de ações cautelares inominadas preparatórias, a fim de obstar protesto indevido de títulos de crédito. Nesse caso, o juiz deverá aplicar o princípio da fungibilidade, caso entenda ser pedido de tutela antecipada? Caso o magistrado não consiga vislumbrar os requisitos essenciais à conversão, o que fazer?

          Em casos de urgência, onde, de acordo com o Prof. Kazuo Watanabe, o advogado não possua condições e elementos para postular adequadamente a tutela de urgência (devido à escassez temporal), o magistrado deverá deferir in limine o pedido de natureza cautelar de sustação de protesto indevido de título de crédito, desde que presentes os requisitos essenciais à tutela cautelar, mesmo não conseguindo vislumbrar os requisitos essenciais à tutela antecipada para empreender uma possível conversão de pedidos, e, desde que respeitados os respectivos procedimentos. Isso, em consonância ao lúcido entendimento do Prof. Cândido Rangel Dinamarco, de que o processo civil moderno deverá ser tido como um processo civil de resultados para ambas as partes.

          De lege ferenda, propõe-se a realização de uma audiência, logo após a concessão da liminar em sede de ação cautelar inominada preparatória, para se constatar a presença dos requisitos da tutela antecipada, aplicando, destarte, o princípio da fungibilidade de pedidos, convertendo o pedido de natureza cautelar em pedido de tutela antecipada, respeitando-se, para tanto, os respectivos procedimentos e os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários de um devido processo constitucional.


5. Conclusão

          1 – As tutelas de urgência, no Brasil, são provenientes da garantia constitucional inserta no art. 5º, XXXV, onde consta preceituado o amplo e efetivo acesso à ordem jurídica justa.

          2 - Hoje, faz-se imprescindível a perfeita compreensão das características dimanadas das tutelas de urgência, quais sejam, satisfatividade e cautelaridade, a fim de se evitar o uso indiscriminado e anômalo de tutelas cautelares com natureza satisfativa.

          3 - A principal diferença entre uma característica e outra é que em uma, no caso, a satisfatividade, ocorre a realização de um direito material enquanto que na cautelaridade ocorre, tão-somente, a proteção à viabilização de um direito material instrumentalizado num processo dito principal, seja ele cognitivo ou executivo.

          4 - A confusão em relação à presença das características é, ainda, marcante. No caso, p. ex., do pedido de sustação de protesto indevido de título de crédito, tem-se verdadeira satisfatividade, entretanto, os operadores do direito (advogados) insistem em manejar ação cautelar inominada preparatória.

          5 – Na realidade, a prática, realmente, distancia-se da técnica, vez que em casos de exíguo lapso temporal, os advogados não possuem condições técnicas de postular a adequada tutela jurisdicional, portanto, nesses casos, totalmente viável a aplicação do princípio da fungibilidade de pedidos cautelar e antecipatório.

          6 – A recente reforma processual brasileira, trouxe inovações quanto à aplicação do princípio da fungibilidade de pedidos.

          7 - Com efeito, imprimiu-se ao magistrado o dever constitucional de promover a conversão entre pedidos antecipatório e cautelar e vice-versa, com as devidas ressalvas quanto à presença dos requisitos essenciais de cada pedido, evitando-se, assim, sua inviabilização, principalmente, em se tratando de conversão entre pedido de tutela antecipada e pedido de natureza cautelar em sede de ação cautelar inominada preparatória.

          8 – Diante da impossibilidade de se vislumbrar, ab initio, os requisitos da tutela antecipada, o juiz deverá em homenagem ao amplo e efetivo acesso à ordem jurídica justa, deferir liminarmente a pretensão cautelar, para, após, realizar uma audiência que lhe dê condições de constatar a presença de tais requisitos, possibilitando, destarte, a conversão entre os pedidos, respeitando-se, entretanto, os respectivos procedimentos e o devido processo constitucional.


NOTAS

           1. “Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer – arts. 273 e 461, CPC”, Revista de Direito do Consumidor, v. 19, p. 77.

           2. Tutela de Segurança e Tutela da Evidência (Fundamentos da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 50.

           3. Devido Processo Legal – Due Process of Law, Minas Gerais: Del Rey, 1996, p. 79.

           4. Manual do Processo de Conhecimento, SP: RT, 2001, p. 211.

           5. Op. cit., p. 212.

           6. Op. cit., p. 211.

           7. Op. cit., p. 210.

           8. Op. cit., p. 210.

           9. “L’attuazione della tutela d’urgenza”. La tutela d’urgenza. Rimini: Maggioli Editore, 1985, p. 92.

           10. Novas Alterações do CPC 2002, SP: Edipa, 2002, ps. 6 e 7.

           11. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, Adendo à 6ª ed., SP: RT, 2002, págs. 9 e 10.

           12. Comentários ao Código de Processo Civil, SP: RT, vol. 11, 2001, p. 48.

           13. Op. cit, págs. 48 e 49.

           14. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência (Fundamentos da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 22.

           15. Da Antecipação de Tutela, 3ª ed., RJ: Forense, 2002, p. 8

           16. Op. cit., p. 8.

           17. Elementos de Direito Processual Civil, SP: RT, vol. 2, 2000.

           18. “Tutela Antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e Não Fazer – arts. 273 e 461, CPC”, Revista de Direito do Consumidor, v. 19, p. 93.

           19. A Reforma da Reforma, 2ª ed., SP: Malheiros, 2002.

           20. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência (Fundamentos da tutela antecipada), SP: Saraiva, 1996, p. 44.

           21. Manual de Direito Processual Civil, 7ª ed., vol. 2, 2001.


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Sobre o autor
Bruno Campos Silva

advogado em São Paulo e Minas Gerais, pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária (CEU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Campos. Comentários ao novo § 7º do art. 273, do Código de Processo Civil Brasileiro, acrescentado pela Lei nº 10.444/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3392. Acesso em: 3 mai. 2024.

Mais informações

Texto publicado pela revista da "Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung" (Associacao de Juristas Brasil-Alemanha), outubro de 2002 (Heft 2/2002, Oktober 2002). Posteriormente, foram empreendidas pequenas alterações, sem, entretanto, modificar o conteúdo do texto.

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