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O que é direito para você, meu amigo?

22/07/2015 às 17:08
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Como os grandes pensadores definem o Direito?

Uma pergunta simples cuja resposta é tão complexa! Não devemos ficar desesperados com as várias respostas que encontramos para tão problemática pergunta, já que definições é o que não nos faltam.

Se essa famosa questão fosse feita em sala de aula, certamente teríamos inúmeras respostas diferentes, isso se deve ao fato de que o conceito de direito varia de pessoa para pessoa e de época para época, conforme ideais filosóficos e políticos. Como nossos grandes pensadores responderam essa pergunta: O que é Direito[2]?

Platão afirma que “Direito consiste na busca de justiça, ou seja, é definido como regra que indica o justo. O princípio fundamental é dar a cada um aquilo que ele merece. Esse princípio deve ser garantido pelo Estado. Platão considera que o Estado deve se estruturar conforme os três tipos da natureza humana: há pessoas movidas pelo desejo, outras movidas pela coragem e outras movida pela razão” (DIMOULIS, 2011, p. 23). As pessoas movidas pelo desejo são o povo, as movidas pela coragem são os militares e os filósofos seriam os movidos pela razão, intelectualidade, estes deveriam concentrar o poder de decisão do Estado, e é por isso que, para Platão, “direito significa, então, dar a cada um aquilo que corresponde a sua natureza e função na sociedade” (DIMOULIS, 2011, p. 24).

Segundo Aristóteles, o direito só pode ser definido pelo Estado e deve ser empregado o critério de Justiça, “O Direito é justo quando protege os interesses gerais da sociedade e, em particular, quando trata de maneira igual as pessoas que se encontram em situação igual” (DIMOULIS, 2011, p. 24). Para Aristóteles, há duas formas de igualdade: aritmética, que exprime a justiça comutativa (sinalagmática), e a geométrica, que representa a justiça distributiva (ou atributiva).

A Justiça comutativa deve ser aplicada em caso de contratos ou danos. Segundo o princípio da igualdade aritmética, “um por um” (DIMOULIS, 2011, p. 24), todos devem cumprir suas promessas e indenizarem pelos danos causados na proporção de suas promessas ou danos causados a terceiros.

A justiça distributiva é uma forma elevada de justiça, fundamentada na proporcionalidade e aplica-se na distribuição de ofícios e das honrarias, a fim de determinar a posição social das pessoas. “O resultado da justiça distributiva é a desigualdade social. Cada um deve ter uma posição correspondente ao seu mérito e valor” (DIMOULIS, 2011, p. 24).

Na ótica de Aristóteles, o direito se confunde com a justiça. Mas, por haver duas formas, deve ser decidido em cada caso se é aplicada a justiça comutativa ou a distributiva, sendo os resultados muito diferentes, ou seja, ora a justiça será comutativa, ora distributiva.

Domitiu Ulpianus afirma que o direito é o mesmo para todos, “há um direito natural (ius naturale) que a natureza ensina a todos os animais, incluindo os seres humanos” (DIMOULIS, 2011, p. 25), ou seja, o direito natural dá um tratamento igual á todos. Para Ulpianos, há também o direito das gentes (ius gentium) que é aplicado especificamente aos seres humanos, o direito das gentes dá um tratamento diferenciado a determinado grupo, distinguindo, segundo a origem e a condição social da pessoa, e permitindo, por exemplo, a distinção entre os livres e os escravos. Temos, finalmente, o “direito civil” (ius civile), que é composto pelas normas específicas de determinada sociedade (DIMOULIS, 2011, p. 25).

A mais famosa definição sobre direito pertence a Celso que diz: “O direito constitui a arte do bem e do justo: ‘Ius est ars boni et aequi’. (DIMOULIS, 2011, p. 26) Celso indica que o direito vincula-se à busca pela justiça (o bem e o justo), isto é, aos princípios que permitem ordenar corretamente a sociedade (DIMOULIS, 2011, p. 26).

Tomás de Aquino afirma que as “leis são mandamentos da boa razão, formulados e impostos por aquele que cuida do bem da comunidade, isto é, pelo Monarca: ‘definitio legis, quae nihil est aliud quam quaedam rationis ordinatio ad bonum commune, ab eo qui curam comunitatis habet, promulgata’”.

Trata-se do direito estatuído e escrito, do ius positivum. Porém, o príncipe não possui plena liberdade na criação do direito. Deve respeitar os mandamentos divinos, que constituem a lei eterna (lex aeterna). Essa lei eterna encontra-se nos ensinamentos da Igreja Católica e inclui o direito natural.

Assim sendo, o príncipe é obrigado a criar normas que derivem da Lei eterna e protejam o bem comum. Se houver conflito entre a lei positiva e a eterna, isso significa que a lei positiva é ‘corrupta’, ‘tirânica’, ‘perversa’ ou ‘simples violência’. Em tais casos, os súditos são liberados do dever de obediência à lei positiva.

Mas o filósofo católico se apressa em observar que tais casos são extremamente raros, já que o príncipe sempre cuida do bem comum e respeita os mandamentos divinos e, em todo caso, o respeito da lei ‘corrupta’ pode ser necessário para evitar as desordens e as revoltas. “Essa complacência com os governantes e o direito da época chega a ponto de o autor defender a legitimidade da escravidão” (DIMOULIS, 2011, p. 26).

Do ponto de vista de Baruch Spinoza, “o direito significa força, poder, potência (pontentia)” (DIMOULIS, 2011, p. 28). Spinoza diz que cada pessoa possui de alguma forma poder e direito, que é o que corresponde ao seu poder. Seria um absurdo a ideia de que o direito dependa do Estado ou da Justiça, “o direito indica somente uma relação de forças. O direito é o poder de cada um” (DIMOULIS, 2011, p. 28-29). Afirma, também, que o poder dos governantes encontra um contrapeso no poder/direito das massas (povo), certamente podem se rebelar se o governante impuser regras contrárias à natureza dos seres humanos.

Jean-Jacques Rousseau, com sua teoria de autolegislação, acredita que o mesmo direito desigual de Hobbes poderia ser igualitário, a fim de proteger o povo dos abusos do Estado. Rousseau fundamenta um pacto social democrático, no qual o direito deve expressar a soberania do próprio povo e garantir a ordem e a segurança sem abolir a liberdade dos membros da sociedade, em outras palavras, o direito deve resultar de decisões da própria coletividade e defender seus interesses. “O direito aparece, assim, como produto de uma vontade política de mudança. Os homens, que são desiguais por natureza, divididos em opressores e oprimidos, podem tornar-se iguais graças à criação de um direito igualitário e democrático” (DIMOULIS, 2011, p. 29). Isso evitaria que a classe rica dominasse a classe pobre e que, se o governo não fosse corrupto, o povo influenciaria nas decisões e o direito garantiria a harmonia social e a igualdade de todos.

Para Immanuel Kant, direito é o conjunto de regras estabelecidas pelo Estado para garantir a liberdade de todos os indivíduos, e não somente sua sobrevivência. Direito não é simplesmente o útil, mas o certo. O Direito é aceitável somente quando respeita a regra de outro e preserva a liberdade de todos. Para Kant o objetivo do direito é conciliar a liberdade de cada um com a liberdade dos demais, de forma que a liberdade possa prevalecer como regra geral, em outras palavras, “não devemos fazer aquilo que não gostaríamos que os outros fizessem conosco” (p. 29), essa é a grande regra de Kant que impõe limites aos indivíduos e cria uma ética universal, em que todos são respeitados como seres humanos dentro do que é certo ou errado.

Para Dante, direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, mantida, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a. O direito não é uma relação qualquer entre os homens, mas sim aquela relação que implica uma proporcionalidade, cuja medida é o próprio homem.

Hegel expõe que não é possível dar uma única definição ao Direito, pois cada época elabora um direito com finalidades e características diversas. O direito moderno é o mais elaborado de todos, porque exprime os valores supremos do gênero humano, “O Estado é a liberdade e a moralidade. Dessa forma, o direito moderno exprime o espírito de uma sociedade, que se realiza na história mediante contínuas conquistas e melhorias éticas. O direito moderno é a plena liberdade, definida e garantida pelo Estado” (DIMOULIS, 2011, p. 30).

Karl Magnus Bergbohm, assevera que “todo direito é positivo e somente o direito positivo é direito”, para ele somente as normas criadas pelo Estado têm poder, sob pena de sanção, caso não cumpridas. Assim, as normas criadas por outras autoridades sociais (igreja, família, etc.) não vinculam o indivíduo juridicamente.

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Hans Kelsen define direito como organização da força ou ordem de coerção. Segundo o autor, o direito é uma ordem normativa social, que regula a conduta humana em relação a outras pessoas e que pode prescrever ou proibir condutas. A conduta oposta àquela normativamente prescrita pressupõe uma sanção, uma punição para o agente que se comporta contrariamente aos interesses da comunidade jurídica.

Portanto a definição de direito varia de época para época e conforme movimentos políticos. Se vivemos em um período em que o Estado impõe mais obrigações, a definição do direito é tendenciosa para o lado da coerção e, se vivemos em um Estado humanitário, a definição tende a ser social. O que devemos ter certeza é de que a definição de direito nunca será a mesma para toda a humanidade e para todos os tempos, assim dizia um autor do início do século XX, “o ordenamento jurídico encontra-se em permanente fluxo” (Kohler, 1919, p.2).

Grande exemplo de que o pensamento sobre a definição direito muda de acordo com o momento vivido, bem como sua época, é a visão de Hans Kelsen que define o direito como organização da força ou ordem de coerção, provavelmente Kelsen tenha essa definição pelo fato de ter sido perseguido por ser judeu na época da segunda guerra mundial e, após várias aventuras, encontrou refúgio nos Estados Unidos, “as normas jurídicas são obrigatórias e aplicam-se mesmo contra a vontade dos destinatários por meio do emprego de força física” (DIMOULIS, 2011, p. 33).

Thomas Hobbes, por sua vez, Filósofo inglês e escritor de várias obras como Leviatã[3], tem opinião adversa ao conceito de Kelsen, acreditando que a imposição estatal do direito corresponde ao efetivo e racional interesse de todos, sendo ele requisito para evitar conflitos sociais, provando assim que a definição muda de acordo com a experiência vivida de cada um.

No início deste estudo, a pergunta que era tão complexa, nos parecia ser muito simples de ser respondida, de modo que não devemos nos equivocar sobre cada conceito aqui exposto, haja vista que foi somente uma explanação da definição a que almejamos chegar. Se estudarmos a fundo o que cada autor quis demonstrar com suas definições, iremos muito além do que esperamos.

O Direito, no meu ponto de vista, é a forma imposta pelo Estado de tratar igualmente os indivíduos, de modo que haja um tratamento desigual às relações jurídicas desiguais, em outras palavras, Direito é a forma de o Estado organizar e tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, de forma que todos sejam alcançados pela justiça garantida de forma subjetiva. Por exemplo: o direito de todos serem assistidos por um advogado, incluindo os pobres ao defensor público. O Estado equilibra esse direito de forma que a balança da Justiça sempre esteja em igual para todos e jamais seja tendenciosa a nenhum dos lados, a justiça deve ser cega para poder aplicar o correto e jamais desviar a atenção ao mal, seja o Estado ou o Povo o direito deve ser sempre justo e jamais ímpio, ou seja, ao passo que o Estado tem o dever de aplicar sanções a fim de coibir os excessos de direito, tem a obrigação de não cometer os erros da injustiça.


Referência:

DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.


Notas

[1] Geilton Gomes de Assis, aluno do curso de Direito do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB).

[2] Todas as páginas indicadas são do livro Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 4ª Edição, 2ª tiragem, Dimitre Dimoulis.

[3] Livro publicado por Thomas Hobbes no período da tomada do poder da Inglaterra por Oliver Cromweel, quando a Inglaterra deixa de ser uma monarquia e passa a ser uma república governada por um militar (1651). Hobbes identificava o "Leviatã" como um monstro bíblico, uma espécie de grande hipopótamo de que fala o livro de Jó, precisando "que não há poder sobre a terra que se possa comparar". Hobbes vivia numa época de grande instabilidade política, assim, toda a sua mecânica foi direcionada na busca da paz pessoal, social e política. Vale ressaltar que no livro, Hobbes faz um estudo do comportamento do homem no estado de natureza até seu encontro com o homem artificial.

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Sobre o autor
Geilton Gomes de Assis

aluno do curso de Direito do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Geilton Gomes. O que é direito para você, meu amigo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4403, 22 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33946. Acesso em: 29 mar. 2024.

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