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Contrato de seguro por uma perspectiva histórica e atual

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25/12/2015 às 17:03
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3 - CONCLUSÃO

Após minucioso estudo, torna-se evidente a importância do tema Contrato de Seguro e a sua contribuição para a sociedade. Através da mutualidade, da divisão do risco entre os contratantes, o seguro tornou-se fundamental à vida em grupo no que tange à sua proteção e sua manutenção, uma vez que se tornou mais leve a carga que recaia sobre cada um dos indivíduos.

Ao analisar-se o tema, primeiramente fez-se necessária uma leitura da Codificação de 1916 e a noção de contrato a essa época. Percebeu-se, aqui, que o Código Civil de 1916 serviu como uma espécie de constituição do direito privado, valorando o sujeito pela sua capacidade patrimonial, pelo “ter” e silenciando no que dizia respeito à natureza humana do indivíduo.

Nesse período em que vigorou a teoria clássica do direito civil, o contrato visava a uma liberdade quase sem limites aos contratantes. Fundado no princípio da pacta sunt servanda, ele fazia lei entre as partes, não permitindo o descumprimento do que fora acordado nem a revisão do pacto pelo Poder Judiciário.

Esse distanciamento do Código Civil de 1916 dos direitos imanentes à natureza humana, levou ao surgimento de legislações especiais, os estatutos. O Código de 1916 - e seu viés individualista - resistiram até as legislações excepcionais, continuando aquele alheio à vida e aos interesses e necessidades dela decorrentes.

No entanto, esse panorama começou a alterar-se com o maior intervencionismo estatal, tendo como marco o ano de 1946, quando entrou em vigência a Constituição Federal, ocasionando a diminuição da autonomia privada sobre a propriedade, e, consequentemente, reduzindo o papel do Código Civil.

Não há como desconsiderar a grande importância do Código Civil para o ordenamento jurídico brasileiro; o seu afastamento, no entanto, das questões sociais levou a edição de diversas leis esparsas para suprir essas lacunas e, por fim, a promulgação da Constituição de 1988. Todo esse processo de renovação legislativa buscou restaurar a primazia do indivíduo por meio da valorização da dignidade da pessoa humana e da maior participação do Estado na esfera privada.

No que tange ao direito contratual, as mudanças não foram muito diferentes. Os contratos, que eram essencialmente assentados pela autonomia da vontade das partes e no princípio da pacta sunt servanda, com o declínio do Estado Liberal passaram a utilizar-se, não apenas dos princípios da liberdade contratual, mas também dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.

Passou-se a considerar que a vontade deveria servir a justiça e ao bem comum, buscando-se o fim dos desequilíbrios contratuais oriundos do excesso de individualismo e voluntarismo. O contrato sofreu duras modificações, uma vez que deixou de centrar-se na autonomia da vontade, passando a ceder espaço aos interesses sociais.

Em um segundo momento, analisou-se o Contrato de Seguro na visão clássica, o dirigismo contratual e o estado social democrático de direito. Notou-se neste capítulo que o contrato de seguro, apesar de inserido no contexto clássico do direito civil, construiu, para si, uma identidade própria.

Também regido pela influência dos tradicionais princípios da liberdade contratual e da pacta sunt servanda, o contrato de seguro possui características específicas, uma vez que está ligado às noções de risco e de previdência da sociedade humana. Por isso, trata-se de um contrato mutualístico, no qual se reparte o risco por um grande número de pessoas, diminuindo, assim, o prejuízo advindo do sinistro.

Desde os primórdios o contrato de seguro era regido pela boa-fé, apesar da pouca relevância desse princípio na doutrina civilista clássica. Para o contrato de seguro, o princípio é indispensável, pois a contratação e a aferição do prêmio se dão com base nas declarações das partes, que, portanto, devem ser verdadeiras.

Por intermédio do dirigismo contratual, nota-se a intervenção estatal nas relações contratuais, a fim de controlar a liberdade de contratar e visando a proteger os mais fracos em relação aos organismos empresariais economicamente mais fortes, buscando, assim, um maior equilíbrio contratual.

A intervenção do Estado no âmbito privado também ocorreu no direito securitário, o qual é submetido ao controle e fiscalização estatal, para manter o equilíbrio entre segurador e segurado.

Nesse novo contexto ditado pela Constituição Federal de 1988, e sob a ótica da proteção do indivíduo, o Estado sai do seu papel equidistante para intervir nas relações contratuais, buscando, na prática, a manutenção do Estado Democrático de Direito, organizando a sociedade de forma a minimizar as diferenças nela existentes.

Na esfera contratual, a principal contribuição do Estado para dirimir as diferenças entre as partes envolvidas foi o advento do Código de Defesa do Consumidor, especialmente na parte que regula os contratos de adesão - como é o caso específico do contrato de seguro.

Fechando o estudo, buscou-se uma visão contemporânea do contrato de seguro em face do Código Civil vigente e do Código de Defesa do Consumidor, partindo-se, para tanto, da análise do princípio da boa-fé objetiva.

A boa-fé trouxe ao direito uma nova perspectiva contratual, visando à primazia dos interesses sociais mediante a valoração da boa-fé das partes e, por seguinte, da confiança necessária à efetivação da contratação.

A boa-fé - em grande medida - pode ser considerada umas das respostas dadas ao problema surgido no período do pós primeira grande guerra de insustentabilidade de diversos contratos. Essa situação terminou por abalar a tradicional teoria contratual, e tornou evidente a urgência de estabelecimento de uma nova orientação na doutrina civilista contratual.

Como já referido, a boa-fé é característica intrínseca do contrato de seguro, diante da obrigatoriedade de as partes fornecerem informações corretas e verdadeiras a fim de se estabelecer os limites da cobertura securitária e o valor do prêmio.

Os efeitos do agir de boa-fé no contrato de seguro transcende à figura das partes contratantes, ele atinge a todos os segurados, face à natureza mutualística desse tipo de contrato.

Depreende-se deste estudo que, contemporaneamente no direito brasileiro, não se pode analisar a questão contratual sem a incidência da figura da boa-fé objetiva, sobremaneira na área do contrato securitário. A nova legislação civil brasileira, ao apresentar o princípio como cláusula geral, conduziu para abertura do sistema jurídico, permitindo que sejam localizadas com maior facilidade as fontes dos deveres dos contratantes e garantindo o equilíbrio contratual.


4 - BIBLIOGRAFIA

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Notas

[1] TUTIKAN, Cristiano. Sistema e codificação: O Código Civil e as cláusulas gerais. ZINN, Rafael Wainstein. O Contrato em Perspectiva Principiológica: Novos Paradigmas da teoria Contratual. Estudo de Direito Civil-Constitucional. Organizador Ricardo Aronne. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 42.

[2] ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à história do Direito Privado e da Codificação. Belo Horizonte: Del Rey , 2003, p. 57.

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[3] TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito civil: Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil.  Rio de Janeiro: Renovar. p 2.

[4] TEPEDINO, Maria Celina. Revista Estado, Direito e Sociedade: a caminho de um direito civil constitucional. V.1. Rio de Janeiro: Departamento de Ciências Jurídicas PUC/RJ, 1991,  p. 22.

[5] NORONHA, Fernando. O direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva,  p. 41. Nesse particular, “A concepção tradicional, ou clássica, é aquela que herdamos do século XIX, que foi o período das grandes codificações e, ao mesmo tempo, uma era de grandes construções doutrinárias, algumas delas, como as do direito subjetivo, de pessoa jurídica e negócio jurídico, tão fundamentais que hoje seria impensável a ciência jurídica sem elas. É essa concepção tradicional dos contratos que ainda hoje inspira os grandes compêndios universitários, tanto os nacionais como os estrangeiros, responsáveis pelo embasamento teórico da esmagadora maioria dos juízes, advogados e mais juristas do nosso tempo”.

[6] FACHIN, Luís Edson. Revista de Estudos Jurídicos: Limites e Possibilidades da Nova Teoria Geral do Direito Civil. Vol. II.  nº 1, 1995,  p. 102.

[7] TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 3.

[8] FACHIN, Luís Edson. Op. cit., p. 102.

[9] TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 5.

[10] TEPEDINO, Maria Celina. Op. cit. p. 28.

[11] ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Editora Forense: Rio de Janeiro,  2001,  p.173.

[12] ALVIM, Pedro. Op. cit., p.1.

[13] ALVIM, Pedro. Op. cit., p.137.

[14] ALVIM, Pedro. Op. cit., p. 43.

[15] SAVATIER in NORONHA, Fernando. Op. cit. P. 65.

[16] ASSIS, Olney Queiroz. Princípio da autonomia da vontade X princípio da boa-fé (objetiva). Uma investigação filosófica com repercussão na teoria dos contratos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9 n. 593, fev. 2005. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6349>. Acesso em 08 jul. 2014.

[17] LOUREIRO, Luiz Guilherme, Op. cit., p. 40.

[18] MORETTI, Luciana Biembegut; SILVA, Sirvaldo Saturnino. Do contrato de seguro no Direito brasileiro e a interpretação de suas cláusulas limitativas em face ao Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi. Teresina, a.3, n.27, dez. 1998. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=638>. Acesso em: 08 jul. 2014.

[19] WALD, Arnoldo, Obrigações e Contratos. 13ª edição. São Paulo: RT, 1998, p. 492.

[20] MORETTI, Luciana Biembegut; SILVA, Sirvaldo Saturnino. Do contrato de seguro no Direito brasileiro e a interpretação de suas cláusulas limitativas em face ao Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi. Teresina, a.3, n.27, dez. 1998. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=638>. Acesso em: 08 jul. 2014.

[21] HUBER, Fernanda Elaine; DETTMER, Brígida. O contrato de seguro e as implicações do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. Jus Navigandi. Teresina, a.8, n.274, abr. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5059>. Acesso em: 08 jul. 2014.

[22] NORONHA, Fernando. Op. cit., p.129.

[23] MARTINS- COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.22.

[24] art.422 CCB/02 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[25] Art.1443 cc/16 – O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

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Sobre o autor
Juliano De Angelis

Procurador Federal. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Canoas (RS). Ex-sócio da sociedade Bellini, Ferreira, Portal Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DE ANGELIS, Juliano. Contrato de seguro por uma perspectiva histórica e atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4559, 25 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34012. Acesso em: 26 abr. 2024.

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