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A disciplina jurídica das benfeitorias.

A indenização e o Direito de retenção à luz dos príncipios agrários

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01/11/2002 às 00:00
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Sumário: Introdução; Capítulo I- Diciplinas jurídicas das benfeitorias, 1- Conceitos, classificação e especificação, 2. Distinção entre benfeitorias e acessões, Posse agrária e princípios norteadores, 4. Contratos agrários e benfeitorias, 5. Benfeitorias no projetodo novo Estatuto da terra; Capítulo II- A indenização e o direito de retenção à luz dos princípios agrários, 1. Indenização por benfeitorias em Direito agrário, 2. Comnceito e referências sobre Direito de retenção, 3. Direito de retenção por benfeitorias posse de boa e má-fé, 4. Defesa processual dos embargos de retenção; Comnclusão; Bibliografia.


INTRODUÇÃO

Como o Direito Agrário busca a promoção social de quem trabalha a terra, almejando ajustar a propriedade rural à sua função social, o instituto jurídico a ser analisado é de grande valia.

Por conseguinte, o princípio maior em questão está unido pela busca do crescimento e produtividade. Logo, independente do domínio, aquele que está na posse direta do imóvel procura instrumentos capazes de tornar a propriedade imóvel (seu ‘habitat’ atual) mais útil, melhor, ou harmoniosa.

Destarte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel rural, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem tratamento especial.

Em havendo melhoramentos em propriedade alheia, ato contínuo, pressupõem-se os dispêndios, que são dignos de ressarcimento, observados os requisitos pertinentes. Portanto, o instituto das benfeitorias possui valoração calcada nos princípios comezinhos de direito, notadamente na equidade e na repulsa ao enriquecimento derivado do trabalho alheio. Nesse arrimo, o direito de retenção constitui uma exceção necessária para se evitarem injustiças, ensejando, ao possuidor, a faculdade de ficar com a coisa devida até ser satisfeito crédito conexo.

Não obstante o instituto ter raízes no direito privado, teve profunda aceitação agrarista, eis que este ramo estagia crescente, principado pela absoluta justiça social. Conseqüentemente, o objetivo desse singelo trabalho foi registrar, mesmo que superficialmente, a possibilidade de o possuidor de imóvel rural resguardar seus direitos à indenização e retenção das benfeitorias, realizadas com o cunho de implementar suas atividades agrárias, respeitando-se os princípios norteadores do direito agrário.


– Capítulo I – A Disciplina Jurídica das Benfeitorias

1 – CONCEITOS, CLASSIFICAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO

Como em todo e qualquer intróito, devemos definir e classificar as espécies do instituto a ser apreciado. Nesse espeque, inicialmente buscamos amparo na mais trivial das definições contidas no vernáculo, sob os auspícios de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, dispondo sobre o que seria benfeitoria, "De: benfeitor + ia; Obra útil realizada em propriedade, e que a valoriza; Obra feita em coisas móveis ou imóveis com o fim de as conservar, melhorar ou embelezar". [1]

Do conceito trazido à baila, não se extraem todos os elementos jurídicos identificadores, mas ab initio ao menos traça parâmetro para investigação. Buscando respaldo na doutrina civilista, identificamos conceito próprio por serem benfeitorias os melhoramentos promovidos em um prédio, com a intenção de torná-lo mais útil ou mais agradável. Melhoramentos lato sensu, entendendo-se por trabalhos executados no sentido de tornar melhor, mais eficiente, ou conservar a coisa, como também as próprias despesas decorrentes desses melhoramentos.

Entretanto, não temos a audácia de desprestigiar o magníloquo e erudito CLÓVIS BEVILÁQUA, que afirma que as benfeitorias "são as obras, ou despesas, que se fazem num móvel, ou num imóvel, de outrem para conservá-lo, melhorá-lo ou, simplesmente, embelezá-lo". [2] Por sua vez, a doutrina mais contemporânea de MARIA HELENA DINIZ não discrepa, afirmando constituir as benfeitorias "as obras e despesas que se fazem em bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo". [3] WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, aquiescendo Beviláqua, acrescenta ao conceito helenense, o fato do bem (móvel e imóvel), pertencer a outrem [4].

O Código Civil Brasileiro, tratou da matéria nos arts. 62 e seguintes, Livro II (dos bens), Capítulo II (dos bens reciprocamente considerados), ponderando que as benfeitorias possuem caráter acessório à coisa, independente de seu valor. A doutrina civilista italiana foi marcante nessa consideração, lembrando ROBERTO DE RUGGIERO que as benfeitorias "são empregos e os desembolsos que fazem numa ou por uma coisa, com relação à qual têm por isso caráter de acessórios". [5]

No tocante ao Direito Agrário, identificamos a definição calcada no efetivo labor da terra. Logo, compactuamos que benfeitorias são todos os melhoramentos introduzidos pelo possuidor na terra que a cultiva, tais como culturas permanentes e temporárias, galpões, currais, cercas, curvas de nível, poços, estradas, edificações rústicas, moradias, eletrificações, enfim, todo e qualquer trabalho executado no sentido de tornar a terra produtiva, inclusive as despesas decorrentes desses melhoramentos. Da mesma forma, entendemos que as edificações criadas com finalidade de propiciar lazer e educação às famílias residentes da propriedade também constituem benfeitorias.

Dos próprios conceitos formulados, identificamos as espécies de benfeitorias existentes em nosso ordenamento jurídico. Classicamente, sempre se mostraram de três formas: necessárias, úteis e voluptuárias.Vale lembrar, ainda, que a própria lei civil brasileira identificou-as e definiu cada uma, a saber:

Art. 63 - As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa. § 3º São necessárias as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que se deteriore.(deu-se destaque).

Necessárias dizem-se as que são feitas para conservação do prédio, sem as quais este se arruinaria. Úteis, quando aumentam ou facilitam o uso da coisa, melhorando-a ou valorizando-a, as quais, embora não se indicando indispensáveis para a conservação da coisa, se mostram de visível utilidade para o proprietário dela, resultando num enriquecimento em virtude da natural valorização trazida à propriedade. Voluptuárias, as que se fizeram para mero deleite ou recreio de quem as fez, não se mostrando necessárias ao uso habitual da coisa, nem de maior valia para seu dono, mesmo que por elas se tenha tornado mais agradável.

Tal qual no Direito Civil, as três espécies dantes descritas são contempladas pelo Direito Agrário. Entrementes, no meio rural abre-se um leque de opções, podendo-se considerar inúmeras obras e despesas como sendo benfeitorias. No entanto, não podemos confundir com o instituto da acessão, que pode ocorrer sem a intervenção do homem, conforme verificaremos a posteriori.

Seguindo essa seqüência, mister trazer à colação, a norma contida no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 84.685, de 6 de maio de 1980, que regulamentou a Lei nº 6.746/79, que trata do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Apesar do cunho tributário, o referido dispositivo tratou de excluir da área aproveitável do imóvel rural (área tributável) as benfeitorias, e, ao mesmo tempo, especificou quais obras seriam consideradas como tal, ipsis litteris:

Art 6º Para os efeitos deste Decreto, constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestas, não se considerando aproveitável: a) a área ocupada por benfeitorias; (...) omissis. § 1º Consideram-se benfeitorias as casas de moradia, galpões, banheiros para gado, valas, silos, currais, açudes, estradas de acesso e quaisquer edificações para instalações do beneficiamento, industrialização, educação e lazer.

Entendemos, todavia, que a especificação das obras e despesas descritas no § 1º, do art. 6º, do Decreto nº 84.685/80, é puramente exemplificativa, podendo ser agregadas outras formas de benfeitorias de natureza agrária, desde que traga melhoramentos à propriedade rural e ao homem que nela labora (possuidor ou detentor).

Mister lembrar, contudo, que a conservação dos recursos naturais é um dos requisitos ensejadores ao cumprimento da função social do imóvel, e de defesa do Direito Agrário, e, na hipótese de desrespeito, importa em mau uso da terra, atingindo preceito constitucional. Logo, tais benfeitorias que visem a proteção dos recursos naturais são consideradas necessárias.

2 – DISTINÇÃO ENTRE BENFEITORIAS E ACESSÕES

A expressão "acessão", é utilizada no ordenamento jurídico civil como forma de aquisição da propriedade. BEVILÁQUA [6] define a acessão como "o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem". Acrescendo o conceito, ORLANDO GOMES [7] entende que "a acessão é uma alteração quantitativa e qualitativa da coisa, ou melhor, é o aumento do volume ou do valor do objeto da propriedade devido forças externas".

A doutrina civil de melhor quilate não considera benfeitoria os melhora-mentos advindos à coisa sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor dela, tais sejam os acréscimos ou acessões que sobrevenham naturalmente. A benfeitoria denota sempre melhoramento artificial, ou seja, o que foi produzido pela vontade ou determinação do homem. A benfeitoria apenas objetiva a conservação, valorização ou maior deleite do imóvel, ao passo que a acessão altera a substância da coisa.

Logo, se as benfeitorias são as obras e despesas feitas pelo homem na coisa, fica claro que os melhoramentos sobrevindos sem a intervenção humana do proprietário, possuidor ou detentor, ou seja, se ocorrerem por um fator natural, constituem acessões, v.g., um desvio de um rio que aumentara uma área de terras.

A acessão é, pois, um aumento do volume ou do valor do bem devido a forças eventuais, não sendo passível de indenização, salvo a exceção do art. 541 do Código Civil, porquanto sua realização não adveio de esforços de seu possuidor, nem de seu patrimônio. Por conseguinte, por ser acessória segue o destino do principal.

Por sua vez, SERPA LOPES, trata a distinção de maneira estreita, afirmando que, ipsis litteris:

Há uma benfeitoria, quando quem a faz procede como dono ou legítimo possuidor, tanto da coisa principal como da acessória, a exemplo do locatário. Na acessão, ao contrário, uma das coisas não pertence a quem uniu a outra ou a quem a transformou, ou seja, o autor da acessão não procede com convicção que é dono ou legítimo possuidor de ambas as coisas unidas. [8]

Devemos levar em consideração as diversidades dos institutos quanto as suas conseqüências. O professor PAULO TORMINN BORGES, em sua obra de grande perspicácia, trouxe comentários de BEVILÁQUA, verbis:

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As benfeitorias levantam-se ou indenizam-se, em virtude do princípio de direito que proíbe o enriquecimento com a jactura alheia. Nas acessões naturais isso não se dá. O incremento do bem não foi produzido por ato daquele, em cujo poder o mesmo se achava. Nada há que indenizar. O acréscimo de valor da coisa é uma vantagem natural e fortuita; não representa esforço, trabalho ou despesa do possuidor. [9]

Pelo exposto, prepondera na diferença dos institutos, o exercício da atividade humana consciente e orientada. O crescimento do valor econômico pode até ser comum, mas no caso das benfeitorias, as obras ou melhoramentos possuem intenção dirigida a ensejar condições benéficas ao imóvel, vale dizer, possuem razão de ser.

3 – POSSE AGRÁRIA E PRINCÍPIOS NORTEADORES

A definição tradicional de posse, baseada nas teorias de Savigny e Ihering, depois de acurada reflexão agrarista, foi alterada pelos princípios e normas concernentes. Anteriormente o direito à propriedade era absoluto, e somente se reconhecia a posse aliada ao domínio.

Na concepção do Direito Agrário, a posse é um direito, e desde que o imóvel esteja exercendo atividade produtiva. Logo, a posse agrária caracteriza-se pelo uso produtivo do imóvel rural, exercida de forma imediata, direta e eficaz pelo possuidor. É a chamada posse-trabalho, de ânimo agrarista. Para sua constituição, ocorre, no caso, a interação dos elementos: sujeito, atividade agrária e imóvel.

Comungando com esse raciocínio, o professor GETÚLIO TARGINO LIMA, definiu o instituto de suma importância para o jusagrarismo:

Posse agrária é o exercício direto, contínuo, racional e pacífico, pelo possuidor, de atividade agrária desempenhada sobre um imóvel rural, apto ao desfrute econômico, gerando a seu favor um direito de natureza real especial, de variadas conseqüências jurídicas e visando ao atendimento de suas necessidades sócio-econômicas, bem como da sociedade. [10]

A relação fática preconizada que visa atingir resultados econômicos práticos, não obstante a ausência de titularidade da propriedade, gera conseqüências jurídicas, dando direito à permanência no imóvel e continuidade do exercício do labor. Esse princípio no qual a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial, entrelaça-se à função social do imóvel rural.

O princípio da função social do imóvel é o eixo de todo o estudo agrarista. Logo, não é demasiado asseverar que goza de amplo prestígio doutrinário e constitucional. Seria impossível abstermos desse princípio basilar e supremo do Direito Agrário, lembrando sempre que estará subordinado a um somatório de requisitos expressos, que diz respeito ao aproveitamento racional e adequado; a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e, que a exploração favoreça o bem estar dos proprietários e trabalhadores. Segundo ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA [11], esses requisitos configuradores da função social da terra se resumem em três ópticas: econômica, social, e ecológica.

Impende ressaltar ainda, dentro dos princípios norteadores do Direito Agrário, que as normas jurídicas de interesse público prevalecem sobre o individual. Quer dizer que, as regras do Direito Civil não se afeiçoam ao ideal agrarista, de cunho puramente social, e aspirante de crescimento econômico sustentável daqueles que laboram efetivamente a terra.

Vale lembrar ainda, todavia, que apesar da defesa da posse agrária, não foi excluído de nosso ordenamento vigente o direito de propriedade. Esse direito apenas ficou subordinado ao cumprimento da função social do imóvel, no caso, rural.

4 – CONTRATOS AGRÁRIOS E BENFEITORIAS. LEGISLAÇÃO

Remonta-se à antiguidade a necessidade de utilização da terra como fator de subsistência do homem. A própria doutrina agrarista informa que, já no Código de Hammurabi, se traziam dispositivos tratando da terra e do homem que a trabalhava.

Conforme já adiantamos, na concepção puramente agrarista, o que interessa é a posse trabalho, exercida direta e continuadamente. Destarte, a utilização efetiva da terra é fator preponderante para o crescimento e sustento do homem, a contrário sensu da especulação financeira dominial.

Nesse passo, o uso da terra é fato gerador. As formas colocadas à disposição do homem para atingir esse fim devem ser progressivas e úteis. Ato contínuo, temos que os contratos agrários, nominados (arrendamento e parceria) e inominados (comodato; empreitada; etc.), constituem uma forma de acesso à terra.

Os acordos de vontades celebrados com escopo de exercitar temporariamente a atividade agrária devem ser utilizados, na medida em que o poder público não cria condições de acesso à propriedade aos que buscam o cultivo da terra para seu sustento e de sua família. A relação jurídica deve ser respeitada e amparada, e ousamos discordar de eventuais opiniões que tais pactos seriam distorções da estrutura fundiária nacional.

O uso ou posse temporária da terra, assim considerado pelo Estatuto da Terra, em seu aspecto legislativo, merece recado que, as normas contidas no Código Civil, arts. 1.211 a 1.215 sobre arrendamento, e, arts. 1.410 a 1.423, acerca da parceria, estão praticamente derrogadas, sendo aplicadas somente subsidiariamente, eis que a Lei nº 4.504, de 30 de novembro 1964, em conjunto com a Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, e o Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966, passaram a disciplinar os Contratos Agrários. Não obstante essa ponderação, os fundamentos da legislação civil, relativo à capacidade das partes, licitude do objeto e forma prescrita ou não defesa em lei, são igualmente necessários nos pactos agrários.

Assim, nessa ordem de idéias, importa ressaltar a correlação das convenções aos princípios norteadores do direito agrário. Podemos afirmar, então, que o princípio civilista da autonomia da vontade, em Direito Agrário, não é absoluto, uma vez que se busca o crescimento social do sujeito que exerce a atividade rural, aplicando-se os demais princípios concernentes, notadamente a função social do imóvel.

O princípio pacta sunt servanda, bastante defendido pelo liberalismo econômico, segundo a maioria da doutrina agrarista, encontra-se a fenecer para o Direito Agrário, posto que as disposições contratuais agrárias não podem ficar totalmente a mercê da vontade das partes, em razão do caráter cogente da maioria das normas. Da mesma forma, não constitui destempero lembrar que existem cláusulas irrevogáveis, fixadas pela legislação, com a finalidade de proteger a terra e o hipossuficiente.

No que tange à posse derivada de um contrato agrário, a busca pelo crescimento e produtividade induz o possuidor direto a adquirir instrumentos capazes de tornar a propriedade imóvel útil, melhor, mais eficiente e quem sabe, formosa. A renovação da propriedade, via da aquisição de acessórios que a incorporam, constitui uma necessidade evidente, porquanto todo bem material necessita de reparos, cuidados e tratamento, e o imóvel rural não é diferente. Por conseguinte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem trato especial.

Nessa aspiração, as benfeitorias (úteis, necessárias ou voluptuárias), realizadas no plano agrário, harmonizam-se com a posse trabalho exercida temporariamente, devendo ser aplicados os permissivos legais com relação aos seus efeitos e direitos, principalmente pelo fato da posse ser efetiva e direta.

No que se refere às benfeitorias, foram tratadas no Estatuto da Terra na Seção II, do Arrendamento Rural, e na Seção III, da Parceria Agrícola, Pecuária, Agroindustrial e Extrativa, ambas do Capítulo IV, do Uso ou da Posse Temporária da Terra, do Título III, da Política de Desenvolvimento Rural. Segundo os dispositivos pertinentes do estatuto, o direito e as formas de indenização ajustadas quanto às benfeitorias realizadas, constaram obrigatoriamente dos contratos de arrendamento e de parceria – inteligência do art. 95, incisos VIII e XI, alínea "e"; e, art. 96, inciso V, alínea "e", da Lei nº 4.504/64. Entretanto, tais regras dependiam de regulamentação e complementação, tal qual mencionaram seus incisos.

Conforme já adiantado, o Decreto nº 59.566/66 foi editado para regular os dispositivos concernentes aos contratos agrários, notadamente as cláusulas obrigatórias desses pactos. O art. 13, em seus incisos e alíneas, traz expressamente as cláusulas necessárias a assegurar a conservação dos recursos naturais e a proteger social e economicamente os arrendatários e parceiros-outorgados.

Quanto à realização das benfeitorias, foram tratadas no inciso VI, do art. 13. Nos pactos agrários celebrados deverão constar obrigatoriamente, verbis:

O direito e as formas de indenização quanto às benfeitorias realizadas, ajustadas no contrato de arrendamento; e, direitos e obrigações quanto às benfeitorias realizadas, com o consentimento do parceiro-outorgante, e quanto aos danos substanciais causados pelo parceiro-outorgado por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, instalações e equipamentos especiais, veículos, máquinas, implementos ou ferramentas a ele cedidos (art. 95, XI, c e art. 96, V, e do ET).

Da letra da norma, denota-se a preocupação do legislador em evitar litígios acerca das benfeitorias realizadas, impondo a presença das estipulações, a fim de evitar questionamentos sobre a destinação, indenização e direitos sobre aquelas, quando for colocado termo final nos contratos agrários.

Vale rememorar ainda, consoante tratado outrora, que as obras e despesas foram descritas de modo exemplificativo no § 1º, do art. 6º, do Decreto nº 84.685/80, podendo ser adicionadas outras formas de benfeitorias de caráter agrário, desde que traga melhoramentos à propriedade rural e ao homem que nela labora. Neste sentido, lembrou o professor BENEDITO FERREIRA MARQUES [12], esclarecendo que "para o direito agrário, o conceito de benfeitorias é mais amplo do que o do Direito Civil, pois abarca as obras consideradas verdadeiras acessões...".

Portanto, culturas permanentes e temporárias, galpões, currais, cercas, curvas de nível, poços, estradas, edificações rústicas, casas de moradia, eletrificações, enfim, todo e qualquer trabalho executado no sentido de tornar a terra produtiva, inclusive as despesas decorrentes desses melhoramentos, se enquadram como benfeitorias no meio rural. Na mesma opinião, defendemos que as edificações criadas com finalidade de propiciar lazer e educação às famílias residentes temporariamente na propriedade também constituem benfeitorias.

Essa amplitude deve ser assegurada, para respaldar o direito de indenização e retenção ao sujeito que labora efetivamente a propriedade imóvel rural, haja vista o respeito pela função social. Afirmar em contrário, com a devida vênia, é conspirar elementos de enriquecimento ilícito do trabalho alheio.

5 – BENFEITORIAS NO PROJETO DO NOVO ESTATUTO DA TERRA

O projeto de Lei Complementar nº 167/00, em tramitação na Câmara dos Deputados, segundo entendimento do 1º Seminário de Direito Agrário, realizado no auditório da Universidade Federal de Goiás – UFG., já merece alguns curativos, apesar de não ter iniciado sua jornada.

No que se refere ao trato da indenização e o direito de retenção por realização de benfeitorias, não trouxe o projeto grandes novidades para o mundo jurídico. Entrementes, vale registrar que no art. 22 do aludido esboço legal, que trata da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, asseverou que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. Logo, o dispositivo fez menção ao texto do parágrafo primeiro, do art. 184, da Carta Magna de 1988.

Seguindo-se mais adiante no projeto de lei complementar, no capítulo denominado "Política Agrícola", notadamente nos arts. 70 usque 75, fez menção a determinados programas de incentivos disponibilizados pelo governo federal, destinados à construção e recuperação de moradias na zona rural, implementação da eletrificação rural, melhorias das condições de armazenamento, processamento, embalagem e redução das perdas. Discorreu ainda sobre política de irrigação e drenagem, bem como de incentivos e subsídios para preservar a biodiversidade, vale dizer, os recursos naturais.

Pois bem. Oxalá que não seja letra morta, como tantos outros programas criados, que têm suas verbas desviadas. Contudo, se efetivamente destinadas todas essas perspectivas do projeto de lei ao homem do campo, possibilitariam desenvolvimento de suas atividades agrárias, através da criação de obras, melhoramentos e utilidades. Não é demasiado lembrar que além do acesso à terra, deve-se dar condições para o trabalhador se firme no campo.

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Sobre o autor
Giorgi Thompson de Souza

advogado, Pós Graduado em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás, procurador do Município de Gouvelândia-GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Giorgi Thompson. A disciplina jurídica das benfeitorias.: A indenização e o Direito de retenção à luz dos príncipios agrários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3407. Acesso em: 2 nov. 2024.

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