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O controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal

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10/03/2016 às 16:01
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3. ALTERNATIVAS DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADEDE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL.

Vimos até aqui que o Município ganhou grande relevo na estrutura administrativa brasileira com o advento da Constituição Federal de 1988, passando a ser efetivamente ente federativo à semelhança dos Estados-membros, com autonomia política, administrativa e financeira.

Aliás, de acordo com o saudoso Celso Ribeiro Bastos[16] “no campo local propriamente dito prestigia-se o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez. Foi, sem dúvida nenhuma, a Constituinte mais municipalista que tivemos. Foram muitos os constituintes que se bateram pela causa. Lembremos aqui, exemplificamente, Ataliba Nogueira, grande combatedor do ideal municipalista. Procurou-se, enfim, dar uma competência certa e irrestringível ao município, centrada na idéia da autonomia em torno do seu peculiar interesse”.

Não obstante o legislador constitucional outorgar total autonomia aos Municípios como entes da federação, o fato é que a Constituição Federal, de acordo com o texto vigente, não permite o exame da constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal, seja pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelos Tribunais de Justiça.

Resta verificar, portanto, se além do controle difuso realizado conforme o caso concreto pelos juízos e Tribunais, haveria outras formas de impugnar a lei ou o ato normativo municipal contrário aos preceitos da C.F. Começaremos pelo Recurso Extraordinário.           

3.1 Recurso Extraordinário

Como vimos até aqui, a inconstitucionalidade da lei municipal poderá ser declarada incidenter tantum pelo Supremo Tribunal Federal à luz de um caso concreto e decorrente de uma decisão judicial quando há confronto com a Constituição Federal, nos termos dos incisos II e III, do artigo 102, da C.F.

Trata-se do controle difuso, também denominado via de exceção ou de defesa, que ocorre no curso de um processo comum. A lição de Celso Ribeiro Bastos[17] esclarece o assunto:

"O objeto da ação não é o próprio vício de validade, mas sim a reparação de um direito lesado ou prevenir a ocorrência desta lesão. O lesado quer subtrair-se dos efeitos da lei considerada inconstitucional. São meios hábeis: em princípio, qualquer ação, mais comumente o mandado de segurança, o "habeas corpus” e as defesas judiciais. No processo, a questão de inconstitucionalidade é chamada de "incidental” ou "prejudicial” e pode chegar ao Supremo através de recurso ordinário (art. 102, II, "a" e "b") ou do extraordinário (art. 102, III, "a”, "b” e "c”); a decisão faz coisa julgada apenas entre as partes, não vinculando outras decisões, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto a lei não tiver suspensa a sua executoriedade, o que compete ao Senado Federal (art. 52, XI)”.

Em sede de Recurso Extraordinário visando o controle da constitucionalidade de lei municipal, vale transcrever a decisão do STF relativa à Reclamação n° 0000383 - SP, julgada em 11.6.92, rel. Ministro Moreira Alves, por maioria, improcedente.

"Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente”.

Importa ressaltar que o Supremo Tribunal Federal não declinou de sua competência em razão do Tribunal de Justiça ter recebido a ação direta de inconstitucionalidade mesmo em se tratando de alegada ofensa a dispositivo constitucional estadual que reproduziu dispositivo constitucional federal.

3.2 Ação Popular

Dispõe o inciso LXXIII, do artigo 5°, da Constituição Federal, que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

O insigne administrativista Hely Lopes Meirelles[18] conceitua a Ação Popular como “meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos e contratos administrativos, ou a estes equiparados, ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público”.

Contudo, é pacifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a Ação Popular não pode servir de substituto da ação direta de inconstitucionalidade por não ser o meio adequado ao ataque de lei em tese.

Com efeito, a Ação Popular pode ser utilizada para reparar danos causados pela lei em seus efeitos concretos, que trás em si conseqüências imediatas de sua incidência por possuir destinatários certos e objeto particularizado. Se uma lei municipal, por exemplo, concede uma isenção fiscal individual com ofensa aos princípios da isonomia e da moralidade, tal ato poderá ser impugnado por meio da Ação Popular.

Todavia, o mesmo não ocorre com a lei em tese que regula uma situação genérica e abstrata. A lei, não produzindo efeitos concretos, ou seja, não violando direitos subjetivos, não poderá ser inquinada de inconstitucional pela via da Ação Popular. A Ação Popular não se presta para substituir a ação direta de inconstitucionalidade, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 434-1:

“O julgamento da lei em tese, em sede de ação popular, por juiz de primeiro grau, implica usurpação da competência do  Supremo Tribunal Federal para o controle concentrado, acarretando a nulidade do respectivo processo”.

3.3 Representação Interventiva

Está prevista na Constituição Federal uma alternativa interessante de realizar o controle de constitucionalidade das leis municipais que tem por objetivo fazer prevalecer os princípios e preceitos fundamentais esculpidos no texto fundamental.

Trata-se da Representação Interventiva prevista no inciso IV, do artigo 35 da Constituição Federal[19]. Essa intervenção do Estado em seus Municípios somente poderá ocorrer nas ocasiões em que o Tribunal de Justiça der provimento à Representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

Vale ressaltar que a Representação Interventiva não possui uma função ilimitada. Tem por finalidade apenas de fazer com que o Município observe os princípios constitucionais violados ou que seja cumprida a lei que sofreu resistência ou a ordem ou decisão judicial.

É legitimado para promover a Representação Interventiva junto ao Tribunal de Justiça, o Ministério Público, conforme dispõe o inciso IV, do artigo 129, da Constituição Federal.

3.4 Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental

A Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental de que trata o § 1°, do artigo 102 da Constituição Federal, regulamentada pela lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, oferece uma excelente alternativa de controle concentrado para aferição da constitucionalidade das leis e atos normativos municipais.

Essa argüição, prevista na lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999,  é um instrumento interessante que poder ser utilizado no controle concentrado de lei municipal ante a Constituição Federal, de forma que o controle pode ser realizado não só pela via difusa como também pela ADPF.

Esse dispositivo constitucional foi objeto de comentário do Ministro Célio Borja[20] do Supremo Tribunal Federal, que teceu as seguintes observações ainda na sua forma original que constava como parágrafo único do artigo 102, da C.F.:

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"Segundo abalizado comentador da Constituição (José Afonso da Silva, "Curso de Direito Constitucional Positivo", RT, 5ª edição, págs. 481 e 492), embora "não muito bem redigido", o parágrafo único do artigo 102, da Constituição, "poderá ser fértil como fonte de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório Excelso". Lembra José Afonso da Silva a definição que Cappelletti dá ao recurso constitucional instituído na República Federal da Alemanha: "meio de queixa jurisdicional perante o Tribunal Constitucional federal (....) a ser exercitado por particulares, objetivando a tutela de seus direitos fundamentais, assim como de outras situações subjetivas constitucionais lesadas por um ato de qualquer autoridade pública”.

De acordo com o inciso I, do parágrafo único do artigo 1°, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, a argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, cabendo também quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Por preceito fundamental devem ser entendidos os princípios e valores que ao longo da história foram alcançados como a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização social do trabalho, entre muitos outros e que se encontram relacionados de forma não taxativa no artigo 1°, da Constituição Federal e que fazem parte da consciência geral assim como os princípios da igualdade, da democracia representativa, do federalismo, do voto direto e secreto, da separação dos poderes e, principalmente, dos diretos e garantias fundamentais do cidadão.

Por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental poderá ser questionada a constitucionalidade, em controle concentrado no Supremo Tribunal Federal, de lei ou ato normativo Municipal em face da Constituição Federal.

Na lição de Gilmar Ferreira Mendes[21] a Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental é uma "solução que vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam resolvidas pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia geral e efeito vinculante".

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, o Supremo Tribunal Federal, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria de dois terços de seus membros, poderá restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme prevê o artigo 11, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

Como se vê, trata-se de um excelente instrumento colocado à disposição da sociedade como meio de controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo Municipal cujos legitimados, para propor a argüição, são os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade, de acordo com o inciso I, do artigo 2°, da referida lei.

Nesse sentido foram as decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF-AgR 75 / SP, e na ADPF-AgR 11 / SP:

Ementa: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Ilegitimidade Ativa ad causam. Idênticos Legitimados para a propositura de ação direta. Rol exaustivo. Dicção do art. 2º, I, da lei 9.882/99 c/c o art. 103 da CF. Não-conhecimento. Interposição de Agravo Regimental. Recurso não provido. I - Os legitimados para propor argüição de descumprimento de preceito fundamental se encontram definidos, em numerus clausus, no art. 103 da Constituição da República, nos termos  do disposto no art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99. II - Impossibilidade de ampliação do rol exaustivo inscrito na Constituição Federal. III - Idoneidade da decisão de não-conhecimento da ADPF. IV - Recurso de agravo improvido. Ag. Reg. na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Relator:  Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento:  03/05/2006

EMENTA: Agravo regimental em argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Ação proposta por particular. 3. Ausência de legitimidade. Somente podem propor ADPF os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade (art. 2º,I, da Lei nº 9.882/99). 4. Pedidos de suspensão de bloqueio de bens e de sentença. 5. Subsidiariedade da ação. Os pedidos que podem ser pleiteadas com eficácia pelas vias próprias. 6. Entendimento do relator do acórdão de que o critério há de se fazer quanto a uma relação de subsidiariedade entre processos de índole objetiva. 7. Agravo desprovido ADPF-AgR 11 / SP – São Paulo Ag.Reg. na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Relator:  Min. Sydiney Sanches Julgamento:  18/11/2004.         

Observa-se, todavia, que não será admitida Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, de acordo com o § 1°, do artigo 4º, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

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Sobre o autor
José Antonio de Resendes

Advogado, professor e consultor jurídico em São Paulo. Especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito Público e do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDES, José Antonio. O controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4635, 10 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34195. Acesso em: 23 abr. 2024.

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