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Flexibilização dos direitos sociais:

remédio para a cura do desemprego no Brasil ou simples placebo jurídico?

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Um dos temas mais em voga na atualidade jurídica brasileira, tanto pela complexidade dos elementos que se incorporam ao mesmo quanto pelos supostos efeitos no ambiente obreiro pátrio, o Projeto de Lei n. 5483/2001, que, alterando ao Art. 618, da Consolidação das Leis do Trabalho, visa a flexibilizar a aplicação dos chamados "direitos sociais", ora em tramitação no Congresso Nacional, tendo sido aprovado, recentemente, pela Câmara dos Deputados, pretende muito mais ao atendimento de promessas eleitoreiras do que propriamente aprimorar ao trato dos relacionamentos laborais no solo de nosso País. O assunto enovela, sem que haja quaisquer válvula de escape, à capacitação de nosso sistema sindical, onde, é de meridiana sabença, as distorções de objetos e objetivos, não rara vez, conduzem ao verdadeiro descrédito, tanto por parte dos trabalhadores afeitos às categorias profissionais representadas quanto pelos próprios organismos encarregados de preservar a higidez dos pactos de emprego em curso no Brasil. Assim, como aliás em todos as plagas onde teve figuração, a flexibilização dos direitos adstritos ao hemisfério operário não é a panacéia para destruir a muralha do emprego informal que – diga-se de passagem – não representa o câncer que carcome a proteção individual do operário, apenas o luzeiro fronteiriço entre o capital e o trabalho voltado para a sobrevivência às próprias custas, ante a retração econômico-financeira, transformando-o em formal, aumentando, assim, as frentes de trabalho protegido, mas sim, um placebo no trato de questões sérias e imprescindíveis, que merecem maior acuidade por parte dos que trazem a si a obrigação de defesa da estratosfera social que dirigem.


Após treze anos de vigor, o Art. 7., da Lex Legum, que determina, ainda que impropriamente, já que o tema, longe de ser adstrito ao âmago constitucional, pertence, indelevelmente, ao hemisfério da legislação ordinária, quais são os direitos mínimos dos trabalhadores em território nacional, sofre, talvez, a maior retaliação de que se possa ter notícia, quando se adentra ao cerne do Projeto de Lei que visa a tornar fléxil a aplicação das normas ali contidas, ou, em outras palavras, que o disposto seja desacatado pelas partes contratantes, em favor de sua suposta manifestação volitiva (o pacto sobrepuja à lei).

Os apologistas de tais mudanças, como Cássio Mesquita de Barros, que defende que "o discurso necessariamente favorável à flexibilização das relações de trabalho e da reforma radical da legislação trabalhista é combatido pelas idéias antigas de proteção, temor da modernização de que parecem possuídos os Juízes do Trabalho" ("A tercerização". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, v. 22, p. 85-94, 1999), e Antônio Bonival Camargo, que preleciona que "as leis inflexíveis mais cedo ou mais tarde serão desrespeitadas. Daí a necessidade da flexibilização, até mesmo permitida e admitida em lei" ("Flexibilização garantidora do emprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, v. 23, p. 3-7, 1999), apostam todas as suas palavras na tentativa, um tanto quanto inexplicável, de transmudar a economia informal em tratados laborais propriamente ditos, já que o algoz pretendido para a existência mansa e pacífica do Contrato Individual do Trabalho seria a rigidez das normas que catalogam os direitos primordiais da classe trabalhadora, o que, não rara vez, delapidaria o poderio econômico dos empresários, tornando impossível a contratação legal dos laboristas, em face da excessiva onerosidade do ato.

Esta abominável maleita estaria formando, no Brasil, a enorme febre dos operários sem Carteira de Trabalho e Previdência Social anotada, sem depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, sem Seguro-Desemprego, sem repouso semanal remunerado, sem sobrejornada assalariada (mas cumprida), enfim, sem que quaisquer dos capitais consectários do vínculo de emprego fosse respeitado.

Há, também – não se pode permitir o olvido – a longa e estafante carga tributária que faz com que um empregado brasileiro custe o preço de dois (engodo daqueles que, de tanto divulgado, ganhou denominação honorífica de verdade), apesar de ser uma das mais baratas mãos-de-obra do mundo.

Arnaldo Süssekind, ao discorrer sobre o mesmo tema, elucida que a participação dos salários nos custos empresariais brasileiros é das mais baixas do mundo, esclarecendo que, no item encargos sociais, costuma-se incluir verbas já contempladas no salário mensal, tais como férias e repousos semanais, multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a indenização do aviso prévio, decorrentes de ato ilícito do empregador e elucida o fato demonstrando que, em verdade, os ditos encargos correspondem, apenas e tão somente, a 55,71 % (cinqüenta e sete vírgula setenta e um por cento) do assalariamento mensal ("Contratos provisórios de trabalho – constitucional e eficaz ?", In: Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 60, n. 10, p. 1246- 1258, Outubro de 1996).

Sobre este mesmo aspecto, relevante o ensinamento de Benedito Calheiros Bonfim, ao expendir a seguinte opinião: "pretende-se que ‘os encargos sociais’ que recaem sobre a folha de pagamento dos empregados ascendem a 102 %. Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim não representaria demasiado peso, se se considerar que incidem sobre salários aviltantes" ("Globalização, reformas e desemprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 7-13, 1999).

Assim se posiciona Sérgio Pinto Martins, sobre a questão em escopo:

"Muitos dos encargos sociais mencionados são pagamentos feitos diretamente aos trabalhadores, como as férias e o 13.º salário, não sendo destinados a um fundo ou à Previdência Social. Não é o fato de as férias serem previstas em lei que as torna encargos sociais, pois a lei dispõe que têm natureza salarial. Logo, não podem ser consideradas encargos sociais.

O DSR não pode ser considerado como encargo social, pois, por exemplo, quem ganha por mês já tem incluído o respectivo valor no salário (§ 2.º do art. 7.º da Lei n. 605/49). Os feriados também estão incluídos no cálculo do salário mensal, pois o divisor será 30. Ao contrário, se o seu salário é semanal ou horário, o repouso semanal e os feriados serão custo para o empregador.

As férias não podem ser consideradas como encargo social, pois, se o trabalhador as gozou, têm natureza salarial. Se o trabalhador foi dispensado, têm natureza indenizatória, sendo uma das verbas rescisórias.

O aviso prévio não é custo para o empregador se o obreiro não for dispensado. Só será custo se for dispensado.

O auxílio-enfermidade não será custo para o empregador se o empregado não ficar doente. Ao contrário, se ficar doente ou afastado ou sofrer acidente do trabalho, terá de pagar os 15 primeiros dias de seu salário, sendo que a partir do 16.º dia há a concessão de benefício previdenciário" ("Custo do trabalho e desemprego". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 35-43, 1999).

Oportuna, também, a lição ministrada por Luiz Cláudio Portinho Dias, ao explanar que:

"opera-se, desta forma, tentativa de enganar a sociedade, através de medidas ludibriosas, que são apontadas como a solução para a crise do desemprego, como se a verdadeira causa deste fosse o alto custo do trabalhador brasileiro. Procura-se, assim, esconder os verdadeiros males da cadeia produtiva nacional, como, por exemplo, a exagerada quantidade de tributos; a estupenda taxas de juros; a ausência completa de programas governamentais nas áreas agrícola e educacional, que provocam o surgimento de trabalhadores desesperados e de baixa produção" ("Trabalho em regime de tempo parcial". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 4, n. 10, p. 11-12, 30 de Outubro de 1998).

Não se trata, entretanto, de repelir, sem qualquer exceção, à inevitável evolução do Direito, mormente na área juslaboral – onde a caminhada da normatização se faz sempre aliada do anseio geral da sociedade da qual emana – que se representa através da quebra do formalismo excessivo, já que, no magistério de Louis Josserand, "dicho formalismo produce lentitud, obra como freno em la vida jurídica; y, cada vez más, se tiende a desembarazar el derecho de su aparato protector demasiado férreo, a rechazar los impedimientos de antaño y a contentarse com la voluntad completamente desnuda" [1] ("Derecho Civil". Buenos Aires: Bosch & Cía, 1950, tomo I, v. 1., p. 67) e, como bem definiu Mauro Capelletti, "la demora excesiva és fuente de la injusticia social porque lo grado de resistencia del pobre és menor do que lo grado de resistencia del rico; este último, y no el primero, pode, sin daño grave, esperar una justicia lenta" (2) ("El proceso como fenómeno social de masa". In: Proceso, ideologias y sociedad, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, n. 32, p. 133-134, 1974).

Para Manoel Lopes Veloso Sobrinho, "faz-se necessário urgentemente adequação da legislação trabalhista ao processo econômico de globalização e desenvolvimento tecnológico, porém, afasto a idéia de liberar as partes para a ‘plena’ negociação. Seria o mesmo que lançar o empregado aos leões, como na antiga Roma se fazia com os cristãos, em espetáculo dantesco" ("Desemprego e flexibilização das leis trabalhistas". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 24, p. 35-39, 1999).

Todavia, longe de compartilhar um desproporcional festejo ao moderno, ao evoluído, ao futurístico, há que se agir com a devida cautela – tão amiga da proficiência – e, ante à mórbida letra do Projeto de Lei em estudo, saber expugnar das entrelinhas o verdadeiro raciocínio.

Destarte, nunca é demais aproveitar, neste momento, as palavras de Hugo Cavalcanti Melo Filho, ao expor que "a flexibilização à custa da restauração do princípio liberal da autonomia da vontade, com a total desregulamentação do Direito do Trabalho, constitui golpe fatal em dois séculos de conquistas dos trabalhadores. A idéia de que qualquer trabalho é melhor do que nenhum trabalho não pode ser levada a extremos" ("Relação de trabalho rural". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano V, n. 06, p. 7-8, 30 de Junho de 1999).

E a intenção dos criadores (não tão pais da idéia que, longe de alcançar o rótulo de novidade, existe há longo tempo em algumas sociedades laborais mais desenvolvidas, como a da França) outra não se nos afigura que não a de proporcionar vantagem eleitoreira (válida, expressamente, por apenas dois anos – Art. 2. – o que, coincidência ou não, acena ao final do mandato do então Presidente da República), desprovida de qualquer razoabilidade técnica ou prática que pudesse lhe servir de porta-voz, tão representativa do neoliberalismo que, segundo Benedito Calheiros Bonfim "por sua ideologia excludente e estrutura competitista, mercadológica, desumana, cega, perversa, está criando condições para sua própria ruína" (1999).

Mais do que isso, entendemos ser a mesma uma medida mendaz, que vantagem alguma traduz, nem para a classe patronal, muito menos para a trabalhadora.

Tal condição é perfunctoriamente desnudada quando, estudando as diversas facetas do dita Projeto, chegamos a impressionantes conclusões.

Afirma o texto proposto, em seu Art. 1., que não poderá haver supressão dos direitos alinhavados pelo preceito magno, que, cláusulas inamovíveis, fazem parte do patrimônio jurídico dos trabalhadores. E, nem poderia haver mesmo, em face do caráter de que se revestem, de perenidade absoluta.

Outrossim, é permitido o diluimento daqueles direitos em parcelas, ao longo do ano, como é o caso da Gratificação de Natal e das Férias, que poderiam ser deferidos em prestações durante o pagamento da mensalidade remuneratória aos obreiros.

Analisando tal possibilidade, entendemos que a mesma torna-se inócua e sem sentido, se nos ativermos ao fato de que, ao final do ano, o pagamento integral do direito deve ser implementado, sem qualquer desconto.

Entretanto, não se pretenda, de maneira simplória, como temos ouvido freqüentemente, que a vantagem reside no parcelamento.

Senão, vejamos:

Uma grande empresa, com mil funcionários, gasta, com sua folha mensal, uma soma equivalente à R$ 100.000,00 (Cem Mil Reais).

Com a folha de Dezembro, o dobro, ou seja R$ 200.000,00 (Duzentos Mil Reais), tendo que esforçar-se, durante todo o período produtivo, para auferir numerário suficiente para tanto.

Se a mesma parcelar em quatro vezes a Gratificação de Natal devida aos funcionários, terá que fazer, durante os quatro meses em que efetua o pagamento, o mesmo esforço, ou seja, ao invés dos R$ 100.000,00 (Cem Mil Reais) a que se obriga mensalmente, terá de arcar com R$ 125.000,00 (Cento e Vinte e Cinco Mil Reais), o que representa um reforço mensal no gasto de R$ 25.000,00 (Vinte e Cinco Mil Reais), o que significa a mesma coisa em termos financeiros.

Não se deve deixar longe do pensamento, a inevitável constatação de que, com o estilhaçamento do denominado décimo terceiro salário, em cápsulas homeopáticas, perde o mesmo seu objeto que, nenhum outro é, que o de permitir ao trabalhador um numerário para que possa participar, condignamente, dos festejos de final de ano, tornando-se, desta feita, em instituto inócuo.

Insta analisar a possibilidade de fragmentação do período de Férias em partículas de dez dias cada.

Pelos mesmos motivos acima encetados, vantagem alguma, no aspecto financeiro, advém desta distribuição ao empregador.

No entanto, quando se perscruta o impacto de tal medida junto aos laboristas, verifica-se que a mesma é desastrosa, causando danos irreversíveis ao mesmo.

A uma, porque o objetivo maior do assalariamento do período de descanso é permitir, ao empregado que, durante o mesmo, possa dele usufruir sem que haja diminuição de seu poderio financeiro e, até mesmo, com o advento do abono constitucional, permitir-lhe gastos superiores aos normais, já que deles depende, não rara vez, o merecido descanso.

Com a fragmentação do período, há a inevitável quebra desta força.

A duas, porque, talvez, o ponto mais importante, é que o interregno de férias destina-se, em essência, a promover o descanso do operário após um estafante lapso temporal de labor, fazendo com que recupere sua capacidade produtiva, delapidada pelo cotidiano alienante.

Ora, se considerarmos a possibilidade da transformação em pecúnia, de um decênio, prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art.143, que prevalecerá, restariam, apenas e tão somente, dois períodos de dez dias cada, o que se nos apresenta como inconsistente para o fim colimado.

Há, ainda, um aspecto relevante a ser discutido em relação ao tema ora desposado, que é o da previsão de inamovibilidade das cláusulas que visem à medicina e segurança do trabalho (Art. 1., do Projeto de Lei).

Se nos ativermos a este ponto nevrálgico, temos que nos quedar ante a enorme incoerência aqui encontrada, de sorte que o referido Projeto de Lei veda a flexibilidade aos preceitos que traduzem preocupação sistêmica com a higiene e a segurança do trabalho, esquecendo-se que, o disposto relativo às férias nada mais é que voltado à esta esfera de atuação, mormente se pesquisarmos seu primordial escopo, que seria o descanso com o fito de impedir o desgaste físico e mental, promotor, em mais de setenta por cento dos casos, dos acidentes do trabalho.

Desta forma, por ser o inciso XXII, da Carta Política de 1988, que enovela, entre os direitos dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", portador do status de "cláusula pétrea" , temos que a referida diluição do instituto de férias não pode prosperar.

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Outrossim, a ser permitido tal esfacelamento, há que entender-se possível, também, a diminuição dos percentuais inerentes aos adicionais de trabalho perigoso, insalubre e noturno, bem como, do patamar de depósito mensal na conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pertencente ao trabalhador, já que o substrato constitucional não lhes estabelece quantum minimo, estando o mesmo a cargo da ordinária norma, impotente contra tão amplo cerceio.

Insta dizer, neste momento, que é uma grande temeridade o fato de permitir-se a redução de ditos percentuais, que, nem nos patamares em que se encontram deferidos em lei, atingem a seu precípuo fim, qual seja, o de coibir a prática de atividades em ambientes inadequados e insalutíferos, quem dirá em estilhaços minimizados.

E esta possibilidade é cabal, indene de dúvidas, já que o texto do Projeto de Lei proíbe a supressão das parcelas argamassadas no Art. 7., da Constituição da República Federativa do Brasil mas, não veda a negociação em torno dos percentuais respectivos, uma vez que os mesmos estão adstritos a leis ordinárias, que não carregam em seus bojos capacidade de resistência como a que se encontra no mármore constitucional.

Em diferentes palavras, uma negociação coletiva poderá estabelecer, verbis gratia, que o valor do adicional de insalubridade em grau máximo, para aquela categoria profissional seja de 20 % (vinte por cento) e, não, os 40 % (quarenta por cento) enlaçados pelo Art. 192, da Consolidação das Leis do Trabalho, de sorte que não estaria agredindo à Lex Legum, já que esta limita-se, apenas e tão somente, a determinar, em seu Art. 7., XXIII, que haverá "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei". Continuaria, portanto, a haver o apêndice remuneratório previsto na Carta Política, sem qualquer embargo possível, o que legitimaria a atitude ceifadora.

Outras modificações desastrosas podem vir a lume, como o pagamento de verbas de rescisão em diversas parcelas, transação e renúncia quanto à multa do Art. 477, Consolidado, sempre que houver atraso naquela quitação, dispensa da estabilidade de emprego, desobrigação de proceder às anotações contratuais na Carteira de Trabalho e Previdência Social, o que delapidaria em substância ao patrimônio jurídico do trabalhador.

Acentua-se o problema quando adentramos ao excesso de poderio dado pela Lei Maior às Entidades de Classe que, no Brasil, além da incapacidade histórica que as desqualifica como tabula rasa da moderna relação de emprego, já que, ao contrário do que aconteceu em outros países, onde o sindicalismo aflorou de conflitos e revoltas obreiras, como as que originaram o "Dia do Trabalho", advindo das antigas corporações de ofício, mantenedoras dos anseios e pensamentos da parcela operária, no território pátrio o surgimento das entidades classistas deu-se com a ingerência castradora do Estado nas ações sindicais, desde a criação, manutenção e normatização até o custeio das atividades exercidas, o que resultou na ineficiência e no anacronismo insustentável das mesmas, cujo representante vivo é a inexplicável contribuição sindical – também conhecida como imposto sindical (Art. 578 usque 610, da Consolidação das Leis do Trabalho) – arcaísmo que teima em não ser extinto, resquício inabalável das ditaduras outrora dominantes – que, no entendimento de Valentin Carrion, "é o meio de atrelar os sindicatos ao status existente e é o indício de que a liberdade sindical não é completa, uma das más opções que os países podem adotar" ("Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho". 27. ed. atual. e rev., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 438), aliada à pouca ou nenhuma tendência associativa do trabalhador nacional, fato explicado por Eduardo Gabriel Saad, ao lecionar que "o que acontece é que o nosso Direito do Trabalho não criou as condições propícias ao desenvolvimento dessa sociabilidade, a ponto de enrijecer a estrutura da nossa organização sindical, tornando-a sólida e forte" ("CLT comentada". 33. ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 411), há, ainda, um abismo cultural que impede que os dirigentes, com raras exceções – que somente corroboram a regra – estejam aparelhados suficientemente para a disputa por melhores e mais dignas condições de trabalho.

Não é espanto algum, principalmente para quem teve oportunidade de participar da vida intestina de alguma entidade sindical, mormente das de menor expressão, tanto em porte quanto em capacidade postulatória, que os diretores eleitos, em sua maioria, têm certo comprometimento com a classe patronal que lhes antagoniza e, às vezes, foram plantados em seus postos para servi-la, ainda que veladamente.

Esta a tese de Ericson Crivelli, ao afirmar que "o nosso modelo trabalhista está atado a uma estrutura que, tudo leva a crer, não será beneficiada com a inovação, aparentemente pontual, como faz crer o discurso oficial. De forma diversa, será profundamente afetado por ela se for efetivamente aplicada pelos atores envolvidos no sistema, caso o aprofundamento da recessão econômica obrigue os sindicatos a utilizarem-se efetivamente do novo padrão que o projeto oficial propõe" ("Os novos caminhos da desregulamentação e flexibilização laboral no Brasil". In: Revista Genesis, Curitiba: [s. ed.], n. 33, p. 172-216, Dezembro de 2001).

É despiciendo aduzir que, numa sociedade capitalista (pseudo neo-liberal) como a nossa, o poder do capital sobre o trabalho é insuportavelmente grande, a ponto daquele esmagar a este, em nome de seus interesses.

Hodiernamente, temos presenciado a espúria formação dos mais diversos cartéis, quase sempre para atender aos anseios dos mais capacitados economicamente, até mesmo, nas fontes elaboradoras das normas vigentes (Congresso Nacional), o que resulta em legislações apartadas da realidade social, eunucas da vontade geral, decapitadas em sua gênese pela ingerência das castas dominantes.

E, quando num ato de benesse estonteante, nos deparamos com alguma atitude favorável às populações menos afortunadas, esta, em verdade, esconde alguma meta mais recôndita, mais avolumada que, se fosse pretendida em seu todo, poderia fazer cair por terra suas fontes.

É o que se nos afigura, por exemplo, com o tão anunciado "maior acordo do mundo", que visa à quitação de débito oriundo de, única e exclusivamente, ato do Governo Federal que, dolosamente, deixou de promover ao reajuste a que legalmente estava obrigado, no período dos famigerados planos Verão, Collor e Breser, nas contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, agora, reconhecendo, em um crocodilesco mea cupa, seu erro, tenta tomar ares de bom moço arrependido do delito cometido em instante insano, dando com uma mão e tirando com a outra, de sorte que, ao promover descontos nos montantes finais da dívida, acaba por deixar de corrigir aos valores, em ímpar prejuízo aos credores signatários ou, ainda, com a abusiva Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), que perdura por anos, a ponto de ser conhecida como contribuição permanente, que deveria melhorar ao atendimento sanitário da população carente e ninguém sabe onde vão parar os imensos somatórios arrecadados, já que o caos daquele setor amplia-se cada vez mais, principalmente, após sua municipalização.

E, nunca se diga que isto representa a "luta das classes" que faz alvorecer ao progresso e deleita aos olhos dos sociólogos, porque, no caso brasileiro, quer dizer o mesmo que a formiga lutar contra o elefante, o boi contra seus algozes no matadouro, a mosca contra a aranha em sua teia – o massacre é quase inevitável.

O atrelamento da vida sindical ao arregimentar de verbas provenientes dos pactos de labor firmados entre as empresas e os membros das categorias profissionais, como mensalidades, taxas assistenciais, taxas confederativas, e a obrigação de que tais numerários sejam descontados das remunerações dos empregados pelo empregador, para, somente depois, serem repassados aos sistemas pertinentes, fez surgir uma submissão dos dirigentes dos Sindicatos aos patrões que, ante a ameaça da retenção, adquirem vantagens que, dentro da normalidade das relações intersindicais, jamais conquistariam.

Se aliarmos a este fato, nefasto e pouco meritório, a ampla campanha contrária que vem sendo colocada, ao longo dos anos (principalmente após a Carta Política de 1988, quando o movimento sindical alcançou status de protegido irrestritamente), pela classe patronal, desestimulando a adesão de seus obreiros ao mesmo e, até, colocando a massa trabalhadora contra seus representantes quase nada pode ser tido como avanço nas relações de trabalho.

Por isso, assevera Ericson Crivelli, "não se compreende a proposta oficial como instrumento de ampliação da negociação coletiva, mas como mecanismo para permitir a prática generalizada da negociação como meio de redução de direitos" (2001).

Francisco Godoy Magalhães, com propriedade, afirma que "a sorte do operário, em matéria de globalização, continua indefesa. A simples substituição da tutela estatal pela intensificação da contratação coletiva, não resolve. A volta do Estado liberal, por meio do neoliberalismo, será um desastre. O liberalismo absenteísta baseado na livre concorrência, na privatização desorganizada, não será bom para o Direito do Trabalho pátrio" ("Globalização". In: Jornal Trabalhista, Brasília: Consulex, ano XIV, n. 630, p. 32, 1997).

É correto que a globalização, acelerada não só pelo enorme avanço tecnológico alcançado pelos povos do mundo inteiro, que transformou em pó as grandes distâncias outrora existentes, tanto pelo uso, hoje indiscriminado, dos meios de telecomunicação de massa, entre eles, a substancial entrada dos microprocessadores em quase todas as searas, por mais ínfimas que sejam no mapa mundi, mas, também, pela necessidade de ampliação da maravilha capitalista, impondo aos países menos desenvolvidos um cordão umbilical inquebrantável com os mais abastados, ávidos que se encontram aqueles em busca da fonte da tecnologia que só estes podem e ousam ter, foi o termômetro do desemprego e a causa mortis da aceleração econômica do chamado bloco em desenvolvimento.

À procura de um lugar entre as grandes nações, muitos países passaram a ouvir o canto de sereia do neoliberalismo, que tem como doutrina principal a permuta de um Estado voltado para o bem estar da população por um em que a falsa noção de liberdade desatrela, cada vez mais, aquele dos fenômenos econômicos e sociais, deixando, por trás de si, enormes e inapagáveis pegadas, como recessão, privatização predatória (mesmo sabendo que o Estado é péssimo patrão, em face do culto inseparável da política em detrimento da técnica e que, em nosso específico caso, privatizar é diminuir gastos astronômicos e sem motivação plausível) e desemprego, o que fulminou potências emergentes, como, caso recente, a vizinha Argentina (conforme Eduardo Duhalde, in: "Duhalde enterra cartilha do FMI". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: ano CXI, n. 269, p. 10, 03 de Janeiro de 2002).

No Brasil, permite-se, até mesmo, o desvario de pretender-se aniquilar uma das mais eficientes justiças de que se pode noticiar ao longo da história do Poder Judiciário nacional, que é a Especializada do Trabalho, marco ímpar na proteção dos desejos da sociedade, ainda que enferma por um procedimento justicial extenso e cheio de recursos meramente protelatórios, que lhe enferrujam as engrenagens e lhe impedem, vez ou outra, a célere prestação jurisdicional, já que, no pensar de João Oreste Dalazen, "a Justiça do Trabalho e o processo do trabalho brasileiros vivem uma crise estrutural sem precedentes: concebidos para outorgar justiça distributiva com agilidade e presteza, têm hoje, como tônica, paradoxalmente, uma dramática morosidade, exibindo pontos de estrangulamento insuportáveis à sociedade" ("Reforma do processo trabalhista". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano V, n. 10, p. 16-21, 30 de Outubro de 1998) fruto de mentes desarraigadas do caráter social pelo qual se justifica e enobrece a Justiça Laboral, afeitas, apenas e tão somente, aos interesses particulares que sempre pautaram suas atitudes e vidas.

É o que emana da reflexão de Júlio Cesar do Prado Leite, quando afirma que "não se pode pretender extinguir o aparelhamento judicial especializado em solver os conflitos trabalhistas. A ele se deve, efetivamente, a paz social. Aperfeiçoá-lo, porém, é atender aos reclamos dos necessitados" ("Justiça e paz social". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 5, n. 5, p. 32, 31 de Maio de 1999).

Para Arion Sayão Romita, "o defeito não está no Judiciário trabalhista nem no Direito Processual: o próprio direito material, que disciplina as relações individuais, exige uma reformulação" ("Justiça do Trabalho – necessárias distinções". In: Revista do Direito Trabalhista, Brasília: Consulex, ano 5, n. 6, p. 5-6, 30 de Junho de 1999).

É necessário dar um basta na expansão aviltante do ideal neoliberal antes que o afamado remédio termine por matar ao doente, de sorte que, no dizer de Benedito Calheiros Bonfim, "não é admissível que a evolução tecnológica, que deveria servir para reduzir a duração do trabalho, propiciar conforto, melhorar a qualidade de vida, proporcionar bem-estar, seja utilizada para provocar desemprego, causar sofrimento, multiplicar a pobreza" (1999).

Por outro prisma, a flexibilização não é nenhuma tentativa nova em nosso direito laboral, já que a própria Constituição Federal a permitiu, expressamente, quando inseriu no texto dos incisos VI, XI, XIII e XIV de seu Art. 7., a possibilidade da redução do salário, a compensação de horários, a diminuição da jornada de trabalho e o desprezo ao turno máximo de labor em regime de ininterruptibilidade laboral, através de disposição em convenção ou acordo coletivo de trabalho, além da participação nos lucros da empresa, que visa a integração entre o capital e o trabalho e um incentivo à produtividade, isenta de quaisquer encargos, que contribuiu para a negociação de percentuais como forma de ganho salarial.

Outros passos rumo a um universo jurídico flexível, foram dados pela desindexação salarial, que, segundo a elocução de Cláudia Ferreira Cruz, "ocorreu de forma geral em todos os setores da economia, contribuindo para obter a estabilidade de preços, enquanto no âmbito do direito do trabalho favoreceu a negociação por melhores salários e não mais apenas a reposição das perdas salariais, o que ocorria anteriormente, devido à inflação" ("Alterações na legislação trabalhista e combate ao desemprego no Brasil". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 14-23, 1999), com a transferência dos conflitos sindicais para o hemisfério da Justiça do Trabalho, que os tornou mais céleres e profícuos, ante a especialização das matérias ali contidas, e a não incorporação das cláusulas de acordos, convenções ou dissídios coletivos aos contratos individuais do trabalho, que aqueceu à negociação.

Ocorreu, ainda – fato de suma importância e derivado direto dos acima expendidos – a idealização do sistema de "banco de horas", em 1995, pela Ford do Brasil, através de acordo coletivo com seus trabalhadores, pelo qual estes laborariam em horas extraordinárias que seriam descontadas em dias posteriores (e não no mesmo interregno semanal, como ocorre, no caso da chamada "semana inglesa"), dentro de um mesmo ano, através da concessão de reduções no período ou de folgas, sempre que se atingisse um determinado número daquelas, visando, na inteligência de Valentin Carrion, "adaptar às necessidades do mercado suas curvas de aquecimento e esfriamento, sem despedidas coletivas" (2002, p. 107).

Lembra, com grande perspicácia, Sérgio Pinto Martins, que "o regime de compensação de horas poderá ser usado por empresas que têm acréscimo de produção sazonal ou para ciclos conjunturais. Nestes casos, a contratação e a dispensa do trabalhador eram mais onerosos para a empresa". ("Comentários à CLT". 2. ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 111).

A criação do Seguro-Desemprego que seria um mecanismo para amparar ao trabalhador dispensado até que o mesmo fosse reabsorvido pelo mercado, além de incentivar ao ócio remunerado, durante o período em que é concedido, não promoveu qualquer evolução no hemisfério laboral, já que não incentivou a reciclagem do obreiro, que lhe mantivesse o ritmo produtivo e acendesse o interesse empresarial no mesmo, apesar da criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A redução dos encargos sociais para o meio rural, que veio através da Lei n. 9300, de 29 de Agosto de 1996, retirou sua incidência sobre os benefícios concedidos aos laboristas, como alimentação e moradia, implementado vantagens diretas apenas à classe patronal, que viu-se livre de seu pagamento, mas manteve o número de trabalhadores empregados no setor, aliás deficitário de mão-de-obra, já que a cultura tradicional do empregado brasileiro prefere passar fome nas favelas do que promover seu próprio sustento na zona rurícola.

A Lei n. 9601, de 21 de Janeiro de 1998, regulamentou o contrato individual do trabalho por prazo determinado – avançando, pelo menos teoricamente, no trato do labor temporário, já previsto pelo Art. 443, da Consolidação das Leis do Trabalho – que, ao alcançar seu termo final, retira do operário o direito ao pré-aviso e à indenização fundiária. Cláudia Ferreira Cruz, ao meditar sobre a proposição, explica que "as empresas que dele se utilizarem serão beneficiadas por uma redução de aproximadamente 42% no pagamento, incidente sobre a folha de contribuições sociais, exceto a devida à Previdência Social" (1999, p. 19).

A terceirização, como bem salienta Cássio Mesquita Barros, "na verdade, não é um fenômeno novo, nem exclusivamente brasileiro" (1999). Já teve lugar em diversos países, sendo que, em alguns, como na Itália, a mesma é terminantemente proibida, enquanto que, em outros, como no caso do Japão, a mesma é utilizada em escala larga.

Entretanto, além de ser mais uma tentativa de flexibilização, veio, apenas e tão somente, a se constituir num meio de fraude, onde as empresas prestadoras e tomadoras de serviços encontraram solo fértil para suas negociatas, livrando-se, não rara vez, de todos os encargos trabalhistas e deixando os empregados sem perceber a seus direitos, atados a um marasmo que a própria legislação lhes impingiu, mormente quando quem se utiliza do esforço laboral é um ente de Direito Público.

Outra vez, o que se rotulava de modernidade desmascara-se como mais um grande engodo, muito maior se, ao analisarmos o instituto pela ótica da jurisprudência, nos assustamos com o Enunciado n. 331, do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que determina:

"Enunciado n. 331.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial".

Ora, sabendo-se que a maior contratante de serviços terceirizados é o Poder Público e que os de vigilância, conservação e limpeza são a grande maioria, descobrimos, sem muito esforço, a enorme desproteção de que são vítimas os obreiros, nesta hipótese, posto que, ficarão à mercê de empresas inescrupulosas, muitas vezes, constituídas com o específico fito de participar das absurdas licitações promovidas pelos entes estatais, onde o objetivo é o ganho de dinheiro e, que, fato corriqueiro, desaparecem sem deixar nenhum vestígio, naufragando as pretensões remuneratórias dos que para elas se doam em labor.

E, isso, mesmo que se diga da inconstitucionalidade de tal partícula jurisprudencial, de sorte que a Carta Magna não recepciona qualquer desigualdade de tratamento.

Mister se faz atenção ao texto do Art. 71, da chamada "Lei das Licitações Públicas" (Lei n. 8666, de 21 de Junho de 1993), que determina in verbis:

"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1.º A inadimplência do contratado com referência a encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere ‘a Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

§ 2.º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991".

Conforme se verifica, as pessoas de Direito Público em nada são apenadas por sua pouca acuidade no trato licitatório, em prejuízo daqueles que, cotidianamente, lhes servem. A única obrigação inescusável é a previdenciária, posto que, desta, a União Federal não pode prescindir.

Torna-se necessário que se diga, sem medo de tolher grandes pensamentos que, todas estas tentativas acima arroladas, tinham um só objetivo: diminuir a horda incontrolável de desempregados que pululava em nossos conglomerados urbanos, além de, despiciendo dizer, melhorar as condições dos empregadores esmagados pelos já comentados "encargos sociais", arregimentados em verdadeiros cartéis com o fito de retirar do húmus político responsável pela elaboração das leis, todas as vantagens possíveis e imagináveis.

No entanto, como tudo o que é paliativo, não surtiram os desejados efeitos e a população de abortados do sistema produtivo cresceu assustadoramente, causando a insegurança social em que vivemos, ainda mais quando estamos num País onde, historicamente, não se tem a tradição de se cumprir normas, fruto da Carta Régia de 20 de Janeiro de 1745, onde D. João V, Rei de Portugal, adverte ao Corregedor do Crime da Corte que "as Leis costumam ser feitas com muito vagar e sossego, nunca devem ser executadas com aceleração, e que nos casos de crimes sempre ameaçam mais do que na realidade mandam, devendo os Ministros executores delas modificá-las em tudo o que lhes for possível, porque o Legislador é mais empenhado na conservação dos vassalos do que nos castigos da justiça" (apud ROSENN, Keith. "O jeito na cultura jurídica brasileira". Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 33).

Para Alvin Toffler, a sociedade em que nos encontramos enfrenta "a obsolescência mais perigosa, que é a da nossa vida política...É o campo mais atrasado, onde há menos imaginação, menos disposição para mudar. Tudo parece mover-se numa inacreditável confusão de idéias e de interesses" ("A terceira onda". 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 429).

O desemprego não se combate com atitudes políticas nem demagógicas mas, sim, com a estabilização da economia, com incentivos à produção, com a elaboração preventiva de programas sociais que visem à ampliação dos conhecimentos do trabalhador que, através deles, tornar-se-á especializado naquilo em que se propõe executar, tendo maior valor nos mercados de trabalho, já que – conforme evidencia Washington Luiz da Trindade – "as tentativas aventadas sugerem que o contigente jovem sem educação e preparo técnico aumenta o número dos chômeurs, isto é, dos que podem e querem trabalhar mas não chegam a bom termo" ("O combate ao desemprego passa pelo viés da dimensão do Estado". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 43-48, 1999), com uma meta de assalariamento justa e eficaz que permita a melhoria das condições de vida do operário, com dignidade e respeito.

Mesmo porque, de acordo com o juízo de José Paulo Zeetano Chahad, "os instrumentos tradicionais de ação governamental em proteger os desempregados têm dado sinais de fadiga, seja porque os dispêndios crescem muito mais rapidamente que as contribuições, seja porque estes instrumentos têm acumulado muitas distorções com as quais o Estado e a sociedade não podem mais conviver" ("O combate ao desemprego no contexto das transformações no mundo do trabalho: conceito e sugestões para o caso brasileiro". In: Trabalho & Doutrina, São Paulo: Saraiva, n. 23, p. 23-34, 1999).

Se é certo que, segundo o Livro do Gênesis, capítulo 3, versículos 17-19, "porque deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste da árvore, de que eu tinha te ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa: tirarás dela o sustento com trabalhos penosos, todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor de teu rosto" (Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 56. ed., 1987, p. 72), por outro lado, há que se proceder uma reforma ciliar nas relações de trabalho hodiernamente existentes, com a adoção de medidas que visem a coibir a exploração da mão-de-obra, como o estabelecimento do valor mínimo para a hora em regime de sobrejornada para 100% (cem por cento) acima da hora normal, o que incentivaria novas contratações em vez da ampliação das jornadas de trabalho, o fim da malsinada unicidade sindical para que se permita, ao obreiro, escolher aquela entidade que, realmente, atenda a seus anseios, sem que, como hoje tem lugar, fique atrelado a um Sindicato inoperante, omisso e, em certos casos, dominado por forças cujo objetivo não é o desenvolvimento das relações laborais mas apenas o de arrecadar fundos, necessários a interesses outros que não os associativos, fortalecendo, assim, a própria estrutura, em favor de seus agremiados, implemento das cooperativas de trabalho, coibindo aos abusos já presentes, que serviriam de verdadeiros organismos de recolocação de desempregados no mercado produtivo, a promoção de mudanças no Contrato Individual do Trabalho, tornando-o mais eficiente, adaptado às novas tecnologias, e impedindo a adesão que se nos afigura, onde o empregado pudesse discutir com o empregador as cláusulas, suprimindo aquelas que fossem nocivas e permitisse a livre negociação, inclusive salarial, a criação, por exemplo, da cassa integrazione guadagni (caixa de seguro de rendimentos), modelo italiano de proteção ao contrato de trabalho que, de acordo com Antônio Bonival Camargo, visa assegurar "um rendimento mensal para um grupo ou a totalidade dos trabalhadores da empresa que, por motivos alheios à vontade dos sujeitos da relação empregatícia, venha de se utilizar desse favor legis, suspensos os contratos, porém garantindo aos trabalhadores salários e emprego" (1999). Com a suspensão dos tratados de emprego, os salários passariam a ser pagos pela "caixa de seguro", permanecendo retidos e prevalentes todos os demais direitos oriundo daqueles. As "caixas de seguro" seriam mantidas, mensalmente, através da contribuição das empresas, baseada em sua folha regular de pagamento, em percentuais a serem estabelecidos. Estaríamos, então, protegendo ao emprego e, não, ao desempregado, como ocorre com o malfadado Seguro-Desemprego.

Cabe divagar, nesta oportunidade derradeira, sobre emprego informal que, nos últimos anos do Século XXI, tomou as ruas de nossas cidades, em suas mais diversas manifestações.

Vitimados pelo desemprego que crassa o País, delapidando a força produtiva da sociedade, fruto incontestável do achatamento financeiro que se inoculou nas esferas de produção, milhares de pessoas, com capacidade etária e física para o trabalho, viram-se obrigadas a procurar soluções para a sua própria sobrevivência.

A saída encontrada foi a do trabalho informal, que consistiu-se, em primeiro plano, da venda de mercadorias de baixo valor, como as famosas quinquilharias provenientes do país vizinho Paraguai, em barracas espalhadas pelas calçadas dos grandes centros urbanos.

Sem pagamento de impostos, regularização de firmas, alugueres e outros consectários, puderam oferecer seus produtos a preços mais viáveis que os do comércio legalmente estabelecido, assim, obtendo lucro necessário à suas próprias mantenças.

Depois, foram surgindo, derivadas ou não, outras modalidades de labor, dissociado do formalismo legal, o que, hoje, representa elevada parcela no ambiente produtivo nacional.

Diante do que foi regiamente visto em linhas transatas, podemos concluir que, tal como se nos apresenta formulada, a proposta governamental de flexibilização dos direitos sociais não representa nenhum avanço no combate ao vírus do desemprego e nem tem o condão de melhorar as condições de trabalho, pressagiando mais um embuste, dos diversos antes ofertados.

O desemprego só será realmente combatido quando tivermos uma estabilidade econômico-financeira, com uma mais justa distribuição de riquezas, com um incentivo às pequenas e micro-empresas, para que se avolumem e ampliem sua capacidade de emprego, com a melhoria das condições do campo, para que seja viável o aumento da produção alimentar, que baixará seu preço e chegará, mais facilmente, a todos – e, não, a vergonha que se tem atualmente, onde o produtor recebe R$ 0,25 (Vinte e Cinco Centavos) por um litro de leite, que é vendido à R$ 0,80 (Oitenta Centavos) ao consumidor – com escola eficiente para todos, que nivele as oportunidades, em lugar da estapafúrdia reserva de vagas, aliada a programas de reciclagem sérios, que aumentem a capacidade profissional de nosso operário, com saúde e previdência social entregues a especialistas e não a políticos e comerciantes, com o esvaziamento da máquina administrativa que, por razões meramente políticas, encontra-se obesa de fantasmas e marajás que, sequer, cabem nas repartições públicas em que estão lotados, oriundos de trens e cabides diversos, com lazer e dignidade.

Enquanto a política social enfatizada pelo Governo continuar seu caminho protecionista e demagógico, que tem fonte de vida no desespero humano, já que planifica apoio não ao reemprego mas ao desempregado. Enquanto nos faltar não só vontade mas, também, seriedade no trato com o sistema produtivo brasileiro, que encontra-se entregue a grandes grupos que, apesar de em pequeno número, detém mais de setenta por cento da renda, numa crise social sem precedentes. Enquanto tivermos um sistema financeiro caótico, distanciado de seu precípuo fim, que é o de promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (Art. 192, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) onde as grandes entidades bancárias absorvem as menores e promovem o caos econômico, com exercício de uma taxa de juros que beira à usura, com tráfico de influências que leva o próprio Poder Judiciário a dilacerar à Lex Legum, decidindo que o teto máximo de juros previsto em seu Art. 192, § 3., não se aplica às entidades financeiras, apesar de a elas dirigido, e do Art. 5., daquele mesmo Diploma Normativo, afirmar, in verbis, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", com um abuso do poder econômico evidente e impune. Enquanto acolhermos um pensamento neoliberal que tende ao suicídio, não só das empresas públicas, arrematadas por preços vis, em permuta com favores estrangeiros impostos pelo Fundo Monetário Internacional, organismo de escravidão financeira dos países terceiromundistas e seu maior algoz, mas, também de toda a sociedade que sofre de forma pungente o esmigalhamento de seu poderio de compra. Enquanto aceitarmos um salário mínimo, na mais correta acepção do termo, que indignifica a quem o recebe, enriquece quem o paga e torna nossa mão-de-obra uma das mais baratas do mundo, aviltando nossas próprias capacidades. Enquanto tivermos um sistema sindical pouco atuante e inexpressivo, que mais prejudica que ajuda ao trabalhador. Enquanto formos o País da mulata, do carnaval e do futebol e ensinarmos, em nossos bancos escolares, que somos a nação do futuro, em desenvolvimento – que nunca vem e que nos coloca, sempre, na contramão da história. Enquanto as Leis não forem feitas para todos e, não, em favor de alguns, como vem acontecendo com o lobista Congresso Nacional. Enquanto estivermos à mercê dos bandidos, que o Estado tinha a obrigação de encarcerar e não o faz, furtando nossas casas e seqüestrando nossos parentes, o que se verá não é muito diverso do que se tem hoje: exploração da mão-de-obra, discriminação dos trabalhadores acima dos quarenta anos, apesar de economicamente ativos, insegurança pública e desemprego, tão grande, que atinge, até mesmo, ao laborista de nível superior, para horror dos investidores, desespero dos habitantes e deleite dos corsários financeiros.

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Sobre o autor
Guilherme Alves de Mello Franco

advogado trabalhista em Juiz de Fora (MG), assessor jurídico de sindicatos, especializando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Guilherme Alves Mello. Flexibilização dos direitos sociais:: remédio para a cura do desemprego no Brasil ou simples placebo jurídico?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3422. Acesso em: 28 mar. 2024.

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