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Institutos afins à desapropriação

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01/11/2002 às 00:00
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II. AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

1. Generalidades

A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de várias formas, inclusive através da tributação. Essa atividade não é mais do que a incursão do Estado no patrimônio particular para dele tirar recursos financeiros que o permita desenvolver sua finalidades. Mas deixaremos essa espécie de lado, posto que o seu fundamento é diverso daqueles que justificam as formas de intervenção que nos interessam e é objeto de estudo do Direito Tributário, não do Direito Administrativo.

Afora a tributação, a disciplina normativa da propriedade pode se fundar, como tivemos a oportunidade de verificar antes, em três diferentes tipos de interesses: a) o interesse privado; b) o interesse público; c) o interesse social.

A primeira hipótese é preenchida pelas regras que compõem o chamado direito de vizinhança, onde o que se tutela é o direito de propriedade de outras pessoas privadas, sendo, portanto, disciplina afeta ao direito privado. E, embora as normas disciplinadoras do direito de vizinhança sejam classificadas como limitadoras do direito de propriedade, a verdade é que não o são.

Como bem observa Cunha Gonçalves [22], tais normas simplesmente demarcam as margens do direto de propriedade de cada um, de modo a não permitir que dele abuse o titular, sacrificando o igual direito dos demais.

Essa espécie de normatização do direito de propriedade não pode, assim, ser incluída nas formas de intervenção do Estado na propriedade, razão pela qual cessa aqui sua análise. Voltaremos, entretanto a falar nesse assunto quando formos distinguí-lo das limitações administrativas.

Nas outras duas hipóteses, podemos verificar a tutela de interesses que estão acima dos individuais. Nestas, o Direito Público é que está a atuar, seja em defesa dos interesses direitos do Estado (interesse público, que também é interesse da sociedade), sejam na dos interesses direitos da coletividade (interesse social, que também é interesse do Estado).

Nessa esfera de atuação, o Estado pode limitar propriamente o direito de propriedade (impondo um non facere ou um pati [23]), impor deveres aos titulares desse direito ou, enfim, suprimi-lo. Geralmente a atuação impositora de limites negativos se faz em prol do interesse público, enquanto a impositora de deveres positivos em proveito do interesse social. Nas hipóteses em que ocorre a supressão do direito de propriedade, tanto o interesse público como o interesse social podem funcionar como fundamento.

Feitas essas considerações gerais, que facilitam a obtenção de uma idéia do sistema de intervenção do Estado na propriedade no Direito brasileiro, partamos para a análise específica de cada uma dessas espécies, iniciando pelas limitações administrativas.

2. Das modalidades de intervenção em espécie

A. Limitações administrativas

Sumário: a. Conceito; b. Natureza jurídica; c. Fundamentos; d. Sujeitos ativo e passivo; e. Conteúdo; f. Distinção entre limitação e servidão administrativas; g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança; h. Limitações no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental; i. Limitação administrativa e direito adquirido; j. Indenização.

a. Conceito

A definição de limitação administrativa mais difundida entre os juristas pátrios, por razões que dispensam comentários, é a do prof. Hely Lopes Meirelles, pelo que transcrevemos:

"Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social" [24].

Analisemos o conceito dado, item por item, para se poder entender bem o significado de forma didática.

Quando o autor fala em imposições gerais, quer dizer que a norma que veicula tais limitações não atinge pessoas determinadas, mas uma quantidade apenas determinável, que se enquadre na hipótese-modelo descrita pela lei. Esta é, pois, uma forma de se identificar a limitação administrativa, que será sempre veiculada através de normas dotadas de generalidade (leis ou atos administrativos normativos, em sua opinião).

Ousamos discordar, todavia, da doutrina exposta pelo mestre ausente e por aqueles que o acompanham nesta lição, quando afirmam a possibilidade de atos administrativos de caráter geral imporem limitações administrativas. À vista do que dispõe o art. 5.º, II da CRFB/88, parece-nos que somente a lei (formal) poderá veicular uma limitação ao direito de propriedade [25].

Mesmo que se encontrem atos administrativos gerais repetindo regras já constantes de lei formal, não se poderá dizer que impuseram limitação ao direito de propriedade, posto que não tem a Administração Pública poderes tão amplos.

Uma coisa é a imposição da limitação administrativa e outra é a atuação da Administração Pública no sentido de compelir o particular a se ajustar aos limites impostos pela lei. Essa distinção foi perfeitamente ressaltada pelo Desembargador Bandeira de Mello, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 88.128, já em 15.10.1958:

"Limitações ao direito de construir. Zoneamento. Poder de Polícia. Delegação de poderes. Ao legislativo cabe impor as normas gerais do zoneamento e ao Executivo compete a sua atuação em concreto" [26].

No mesmo sentido tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Veja-se, a propósito o seguinte trecho do Acórdão da 1.ª Câmara Cível:

"Ação Civil Pública. Anulação de Licença para construir. Limitação Administrativa. Sede legislativa. Inocorrência.

A regra inscrita no Dec. Municipal 3046/81 que veda o parcelamento dos terrenos onde se tenham estabelecido clubes configura limitação administrativa que, por sua natureza restritiva do direito de propriedade, somente poderia ser instituída por lei... " [27].

Essa também a posição do Supremo Tribunal Federal, o que se afirma com base no Acórdão que julgou o Recurso Extraordinário n.º 93.167-RJ, em que a 1.ª Turma equiparou a declaração de área non aedificandi por decreto a uma desapropriação indireta, embora não tenha conhecido do recurso por questões processuais [28].

Por esta razão, parece-nos lícito afirmar que a expressão limitação administrativa não é própria para designar o instituto em apreço, posto que a Administração Pública não pode fazer outra coisa senão fiscalizar o cumprimento da norma legal. A limitação é sempre fruto da atividade legislativa. Não obstante, continuaremos a utilizar essa expressão pois já está mais do que consagrada.

No que toca à gratuidade, o que se afirma é que a imposição de limitações administrativas não enseja o pagamento de indenização por parte do Estado ao administrado atingido pelo comando normativo limitador. Aliás, essa é a regra geralmente aplicável a todas as formas de intervenção branda na propriedade. Sobre o tema, falaremos mais detidamente em tempo oportuno.

A unilateralidade está a indicar a imperatividade do ato que impõe a limitação administrativa, não se submetendo à vontade do proprietário, que simplesmente se sujeita àquela prescrição. O Estado se utiliza, aqui, do seu jus imperium.

Por fim, é de se reconhecer que a expressão ordem pública, conforme lição da prof. Maria Sylvia Di Pietro [29], está a indicar, além dos limites propriamente ditos, impositores de deveres negativos (non facere e pati), limites impróprios, que se traduzem em deveres positivos, impostos com vistas a conformar a ordem econômica e social.

No que toca à referência genérica feita pelo insigne administrativista a condicionamento de exercício de direitos ou de atividades, é de se admitir que essa parte da definição nos levaria a crer que a dimensão em que as limitações administrativas operam é mais larga do que a das intervenções do Estado na propriedade. Entretanto, preferimos entender essas atividades a que se refere o conceito transcrito como partículas do direito de propriedade, que, dentre outros elementos, está a abarcar o poder de uso do bem. As demais limitações estariam incluídas no âmbito mais amplo do poder de polícia (lato sensu). Este o nosso pensamento.

Particularmente, preferimos expressar conceitos através de idéias explicitadas ao longo de um texto ordenado, sem a preocupação de reunir todos os caracteres do instituto analisado em uma única sentença. Isto porque nela pode não caber todas as informações necessárias à plena compreensão do que se pretende definir.

Portanto, em que pese todo o brilhantismo do autor citado e de sua definição, desenvolveremos um pouco mais o tema em apreço ao longo dos sub-itens que se seguem, esmiuçando o quanto esse tipo de trabalho permite.

b. Natureza jurídica

Para ser coerente com o que se disse acima, devemos encarar as limitações administrativas como espécies de manifestação do poder de polícia em sentido amplo, já que incidem especificamente sobre a propriedade ou atividades que possam ser desenvolvidas nelas (ou com elas).

Celso Antônio Bandeira de Mello define Polícia Administrativa como "a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo" [30].

Se restringimos o alcance desse enunciado ao âmbito do direito de propriedade, poderemos enxergar a definição de limitação administrativa. Aliás, é o que o mesmo autor faz, linhas à frente, quando se refere às limitações administrativas como forma de expressão do Poder de Polícia [31].

No mesmo sentido parece se expressar Lúcia Valle Figueiredo, para quem "a noção de ‘poder de polícia’ sempre foi ligada à idéia de limitações ou restrições à liberdade e à propriedade" [32].

Diferentemente, entretanto, José dos Santos Carvalho Filho entende que a natureza jurídica das limitações administrativas é a de leis ou atos administrativos de caráter geral que dão o contorno do próprio direito de propriedade. E coloca o ilustre prof. da Universidade Estácio de Sá o Poder de Polícia como fundamento dessa forma de intervenção do Estado na propriedade [33]. Com isso, o que parece pretender destacar o autor citado é o tipo de ato que veicula as limitações.

c. Fundamentos

Como tivemos a oportunidade de verificar ao longo dos dois primeiros itens, o conteúdo do direito de propriedade se alterou bastante do Estado liberal até os nossos dias, passando a admitir a intervenção do Poder Público para garantir a supremacia do interesse público e do interesse social, mais amplos do que o interesse privado.

A Constituição da República não faz referência expressa às limitações administrativas. Entretanto, o princípio implícito da supremacia do interesse público, de um lado, e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, III, ambos da CRFB/88), de outro, estão a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção do Estado na propriedade, inclusive das limitações genéricas.

José dos Santos Carvalho Filho erige à qualidade de fundamento das limitações administrativas o poder de polícia, inerente à Administração Pública [34]. Entretanto, preferimos entender as limitações à propriedade como espécie de manifestação do poder de polícia, pelo que este não pode se nos afigurar como fundamento daquelas.

d. Sujeitos ativo e passivo

As limitações administrativas poderão ser impostas por qualquer ente da Federação, respeitadas as respectivas competências legislativas.

Assim, v. g., se a limitação for imposta com o intuito de conformar o exercício do direito de propriedade ao desenvolvimento da política urbana local, que é competência reservada aos municípios (CRFB/88, art. 182), somente a estes será dado o poder de estipular tais normas.

De outra forma, se a limitação for imposta com vistas a defender a incolumidade do meio ambiente, por exemplo, caberá a todos os entes tal mister (CRFB/88, art. 225), respeitada a amplitude do interesse tutelado, conforme seja local (municípios), regional (estados) ou nacional (União).

Urge destacar, nessa oportunidade, que a jurisprudência tem reconhecido aos particulares, quando beneficiados pela norma legal, legitimidade ad causam ativa para propositura de ação de preceito cominatório fundada em violação às limitações administrativas incidentes sobre o direito de construir [35]. Confira-se, a título de exemplo, a seguinte decisão da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 1996.002.05310:

"Ação de preceito cominatório. Remoção de favela da via pública. Legitimidade ativa ‘ad causam’ do proprietário de terreno adjacente. Pedido juridicamente possível. As limitações administrativas ao direito de construir - e consequentemente aos demais direitos - geram direitos subjetivos aos particulares interessados na sua observância, habilitando-os a pedir a demolição de obras vedadas por lei, ou a impedir atividades ilegítimas, mas toleradas indevidamente pela Administração. Desprovimento do recurso" [36].

Quanto ao sujeito passivo, tendo em vista a generalidade que caracteriza a limitação administrativa, este será integrado por pessoas indeterminadas, mas determináveis. Assim, todos os proprietários que tiverem seus bens enquadrados no tipo estabelecido pela lei impositora da limitação serão os sujeitos passivos.

Importante atentar para o fato de não se poder dizer que o pólo passivo dessa relação jurídica é integrado pelas propriedades atingidas pela intervenção, posto que a ciência do direito é profundamente antropocentrista e não admite que uma relação jurídica seja estabelecida entre pessoa e coisa.

Por fim, é de se mencionar que entes públicos também poderão ser atingidos pelas limitações administrativas. É que a idéia de Estado de Direito, e o nosso é mais do que isso, submete a todos, independente de ser pessoa de direito público ou privado, ao império da lei, inclusive a si mesmo.

Foi neste sentido a decisão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 2.332, julgado em 11.01.1938:

"Estão sujeitas às posturas municipais as edificações do poder público, ainda mesmo da União, e, com maioria de razão, as obras projetadas pelos simples concessionários de seus serviços" [37].

e. Conteúdo

Neste tópico, trataremos das formas de limitação possivelmente encontradas no Direito pátrio. Vale dizer, em que tipos de comandos se traduzem essas limitações. Podemos adiantar que a doutrina se divide em duas correntes.

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que as limitações administrativas só podem assumir a forma de um non facere, não sendo possível equiparar a essa espécie de intervenção do Estado na propriedade as sujeições (pati), que impõem dever de suportar e os encargos (facere), que impõem deveres positivos aos proprietários [38].

No mesmo sentido é a lição de Fábio Barbalho Leite, que faz distinção entre limitações administrativas e condicionamentos administrativos. Aquelas só implicariam em restrições de não-fazer, enquanto estes poderiam, além das limitações, abranger obrigações de fazer (encargos) e de suportar (sujeições) [39]. Em sua concepção, pode-se dizer, a relação estabelecida entre os institutos seria a de gênero e espécie.

Não nos parece, entretanto, haver razão para essas distinções. O argumento geralmente utilizado é no sentido de que o termo limitação dá a entender imposição de deveres negativos (non facere). Mas não é esse o significado emprestado ao termo pelo Direito Administrativo. O que se quer evidenciar com a utilização do termo limitação é a ausência de uma liberdade total do proprietário em relação à destinação a ser dada ao bem colocado sob o seu domínio. E essa limitação pode se expressar sob forma de deveres negativos (non facere ou pati) ou de deveres positivos (facere).

Maria Sylvia Di Pietro nos adverte de que no mais das vezes as limitações correspondem a obrigações de não fazer. Mas, "examinando-se os casos concretos, verifica-se que em muitos deles, embora haja obrigação negativa de não colocar em risco a segurança, a saúde, a tranqüilidade pública, na realidade a obtenção desses fins depende de prestação positiva por parte do proprietário" [40].

Não é por outra razão que José dos Santos Carvalho Filho conceitua as limitações administrativas como "determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas... " [41].

No mesmo sentido as lições de Diógenes Gasparini, para quem "são as limitações administrativas preceitos de ordem pública (não admitem acertos ou composições sobre seus respectivos conteúdos) que se concretizam sob as três modalidades seguintes: positiva, negativa e permissiva" [42].

Também Hely Lopes Meirelles, que em nota de rodapé faz a seguinte observação:

"Alguns autores menos atualizados com o Direito Administrativo se recusam a admitir possa o Poder Público impor obrigações de fazer aos particulares, só admitindo as limitações administrativas consistentes em não fazer e deixar fazer. Tal entendimento está superado. As normas administrativas tanto podem impor obrigações negativas, como permissivas e positivas aos particulares" [43].

Portanto, não resta dúvida de que as limitações poderão se externar de três formas. E, para confirmar essa verdade, citem-se os exemplos dados por M. S. Z. Di Pietro: "as obrigações de adotar medidas de segurança contra incêndio ou medidas impostas por autoridades sanitárias, ou, ainda, a obrigatoriedade de demolir um prédio que ameaça ruína" [44].

f. Distinção entre limitação e servidão administrativas

Resolvemos abrir um item neste opúsculo para tratar dos pontos que distanciam as limitações das servidões administrativas. E a razão determinante dessa iniciativa é a dicotomia existente na doutrina sobre o tema e algumas confusões jurisprudenciais ressaltadas pelos estudiosos do assunto.

Antes de iniciar, entretanto, essa diferenciação, vejamos o que se deve entender por servidão administrativa, no conceito do prof. Diógenes Gasparini, para quem não é outra coisa senão "o ônus real de uso imposto pelo Estado à propriedade particular ou pública, mediante indenização dos efetivos prejuízos causados, para assegurar o oferecimento de utilidades e comodidades públicas aos administrados" [45].

Como a imposição de servidão administrativa confere ao Estado direito real de uso sobre a coisa, salta aos olhos que dependerá de um ato concreto, que individualize o bem sobre o qual recairá. Este o ponto nuclear que distingue um instituto do outro, sobre o que não há controvérsias. Mas não é só isso.

O prof. J. M. Pinheiro Madeira enumera quatro características que diferenciam as duas modalidades de intervenção do Estado na propriedade. Vejamos:

"Primeiramente, no caso das limitações, alcança-se toda uma categoria abstrata de bens ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada: nas servidões, atingem-se bens concreta e especificamente determinados.

Em segundo lugar, nas servidões administrativas há um ônus real, de tal modo que o bem gravado fica num estado de especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem, singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral.

Em terceiro lugar, nas servidões há um pati, ou seja, uma obrigação de suportar, ao passo que nas limitações há um non facere, ou seja, uma obrigação de não fazer.

Finalmente, se tanto uma quanto outra podem se originar diretamente da lei, toda vez que uma propriedade sofre restrições em decorrência de ato concreto da Administração, estar-se-á diante de uma servidão" [46].

Embora tal posicionamento reflita o pensamento de importante parte da doutrina, especialmente do prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [47], ousamos discordar dele em dois pontos específicos.

Primeiramente, como já tivemos a oportunidade de expor anteriormente (item II, 2, A, a), acreditamos que as limitações administrativas podem se apresentar como imposições de deveres negativos, estes assumido a feição de um non facere ou de um pati, ou como deveres positivos, traduzindo-se em um facere. Não voltaremos à justificação dessa posição, pelo que remetemos o leitor ao ponto indicado.

Em segundo lugar, entendemos que, por ser uma imposição específica e concreta, a servidão administrativa nunca poderá decorrer diretamente da lei, que tem como características essenciais a abstração e a generalidade [48]. Haveria, aí, em nosso modo de ver o problema, uma incompatibilidade invencível.

Ademais, é de se observar que o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que figura como fundamento legal das servidões administrativas, determina que a sua forma de imposição será a mesma utilizada para a desapropriação por utilidade pública, de modo que a norma que a veiculará será um decreto (via de regra).

Dessa forma, a título ilustrativo, podemos dizer que a norma contida no art. 12 do Decreto n.º 24.643/34 (Código de Águas) está a instituir uma limitação administrativa, ao contrário do que afirma o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [49], embora o próprio dispositivo legal se refira a servidão. Confira-se a sua redação, ipsis litteris:

"Art. 12 - Sobre as margens das correntes a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo anterior [50], fica somente, e dentro apenas da faixa de 10 metros, estabelecida uma servidão administrativa de trânsito para os agentes da administração pública, quando em execução de serviço".

Repare que o dispositivo de lei transcrito não especifica que imóvel ou que margens são atingidas pela dita servidão (que, em verdade é uma limitação administrativa), estabelecendo, isto sim, um tipo, vale dizer, um modelo legal. Os proprietários de imóveis que tiverem seus imóveis enquadrados naquele padrão serão os destinatários da referida norma.

Não resta dúvida, assim, de que a generalidade e a abstração marcam aquela norma, que institui, então, uma limitação administrativa e não uma servidão administrativa.

A jurisprudência tem rechaçado, inclusive, a possibilidade de lei sem caráter de generalidade instituir limitações administrativas. Veja-se o seguinte Acórdão da 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Desapropriação indireta. Dispositivo de lei, sem o caráter de generalidade, que proíbe de edificar em terreno urbano, adquirido por empresa que presta serviços de engenharia, destinando-o a projeto especial de urbanização, assume a configuração de desapropriação indireta, não se incluindo entre as limitações administrativas. (...)" [51].

Outrossim, é de se questionar, à vista do disposto no art. 167, I, n.º 6 da Lei n.º 6.015/73, qual seria o título autorizativo da transcrição da servidão administrativa, como direito real sobre bens imóveis, no caso ora analisado, se não é determinado o bem atingido pela norma citada. Também sob este aspecto, torna-se insustentável a possibilidade de lei instituir diretamente uma servidão administrativa.

Diferentemente ocorre com o disposto no art. 120 do mesmo Decreto n.º 24.643/34, que tem a seguinte redação:

"Art. 120 - A servidão que está em causa será decretada pelo Governo, no caso de aproveitamento das águas, em virtude de concessão por utilidade pública; e pelo juiz, nos outros casos".

Repare que o dispositivo fala em "decretada pelo Governo", sendo esta a ocasião em que dever-se-á especificar que imóvel está sendo atingido pela servidão (esta sim uma autêntica servidão).

Diante do exposto, parece lícito afirmar que, enquanto as limitações administrativas decorrem diretamente da lei, as servidões, embora dela necessitem para existir, somente serão instituídas por ato administrativo concreto, que especifique o sujeito passivo da intervenção. E, por outro lado, poderão as limitações impor um non facere, um pati ou um facere, enquanto as servidões somente impõem um pati. Quanto aos demais itens diferenciadores dos dois institutos, não opomos qualquer opinião contrária.

Só para que não pareçam pretensiosas demais essas considerações, por estarem opondo-se às lições de mestres tão consagrados e respeitados no âmbito do Direito Administrativo, lembramos que essa também é a opinião de J. S. Carvalho Filho, que assim se manifesta:

"Não consideramos legítima a forma de instituição de servidões administrativas através de lei, como o fazem alguns autores. As servidões são instituídas sobre propriedades determinadas, o que não ocorre com a lei, que estabelece o direito de uso sobre propriedades indeterminadas" [52].

Evidencia o autor que as servidões, por terem natureza jurídica de direito real, deverão ser inscritas no RGI através de escritura pública, quando houver concordância por parte do proprietário com a declaração de utilidade pública de seu imóvel, ou de sentença, a ser obtida através de processo judicial que fluirá de acordo com o rito estabelecido para as Ações de Desapropriação, de acordo com o disposto no art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41.

g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança

Como tivemos a oportunidade de verificar anteriormente, as limitações administrativas têm como fundamento o interesse público e/ou o interesse coletivo, que se sobrepõem aos interesses meramente individuais. À vista de um conflito entre esses interesses de diferentes graus de relevância, haverão de prevalecer os interesses público e social.

No âmbito da propriedade, tal conflito resultará numa das formas de ingerência do Estado no domínio privado, quer restringindo, quer suprimindo parte do patrimônio particular.

De outra forma, os limites impostos pelo direito privado, que configuram normas de vizinhança, estão a proteger interesses iguais, entre particulares, sem que um tenha prevalência sobre o outro, razão pela qual se diz que aí não existe verdadeiramente uma restrição ao direito de propriedade, mas uma identificação de seu âmbito de atuação, para que não se prejudique igual direito de outrem.

Tais considerações podem ser decisivas numa demanda em que, v. g., um determinado Município tenha instituído pretensa limitação administrativa para defender não um interesse público ou social, mas um interesse privado, configurando verdadeira norma de vizinhança.

Obviamente que, em ocorrendo essa hipótese, tal norma será inconstitucional, posto que cabe exclusivamente à União legislar sobre direito civil, ex vi do disposto no art. 22, I da CRFB/88. E, conseqüentemente, não prevalecerá a limitação imposta.

Neste sentido é que o prof. Diógenes Gasparini diz não poder "prevalecer a limitação que impede a construção de motel ou drive-in, com a finalidade de prestigiar a política da Igreja" [53].

Esta é, então, a mais importante conseqüência prática que se pode verificar a partir da distinção do que seja limitação administrativa e direito de vizinhança.

h. Limitações administrativas no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental

Embora a história nos dê conta de longínquas preocupações com o desenvolvimento e crescimento ordenado das cidades, foi principalmente no século XX deste milênio que surgiu a necessidade mais premente de valorização do urbanismo [54], como técnica de organização e planejamento dos grandes centros.

Num primeiro momento, o urbanismo concentra suas preocupações nos centros urbanos, buscando o melhor posicionamento das ruas, edifícios, repartições públicas, indústrias, comércio e residências. Entretanto, como alerta Toshio Mukai [55], a partir da obra de Ebenezer Howard (garden Cities of tomorrow), as atenções passam a se voltar, também, para o campo, além do aspecto relacionado à qualidade de vida. Deste modo, o urbanismo ganha dimensões mais amplas.

Neste sentido, um direito urbanístico estaria profundamente relacionado com o direito ambiental. Por essa razão, embora esta última disciplina jurídica não se resuma aos aspectos em que se pode verificar essa intercessão, trataremos neste mesmo item dos dois âmbitos do direito em que mais vezes se manifestam as limitações administrativas. Aliás a legislação do Município do Rio de Janeiro não separa os dois tipos de intervenção.

A disciplina da política urbana no nosso País foi deferida principalmente aos municípios, conforme se depreende do art. 182 da Constituição da República [56]. E a figura principal do sistema normativo respectivo, a que fazem referência os §§ 1.º e 2.º do citado artigo da Magna Carta, é o Plano Diretor, que funciona como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

No Município do Rio de Janeiro, o Plano Diretor, instituído pela Lei Complementar n.º 16, de 04 de junho de 1992, se limita a fixar as diretrizes básicas que norteiam a atuação do Poder Público na ordenação do crescimento da Cidade. Deste modo, não serão encontradas no corpo dessa legislação as limitações administrativas, mas nos documentos normativos criados a partir dela.

Para se ter uma idéia, o art. 41 do citado diploma legal, com o fim de ordenar a ocupação do solo, divide o território municipal em três macrozonas: a) urbana, ocupadas ou já comprometidas com a ocupação pela existência de parcelamentos urbanos implantados ou em execução (§ 1.º) ; b) de expansão urbana, destinadas à ocupação, por necessárias ao crescimento da Cidade (§ 2.º); c) de restrição à ocupação urbana, com quatro tipos de destinação, a saber (§ 3.º) : c.1) com condições físicas adversas à ocupação; c.2) destinadas à ocupação agrícola; c.3) sujeitas à proteção ambiental; c.4) impróprias à urbanização [57]. Entretanto, seria só com a edição de uma lei específica, que versasse sobre o uso e a ocupação do solo urbano, que tais limitações seriam instituídas, como se infere do disposto no art. 105 do Plano Diretor em questão, in verbis:

"Art. 105 - Para controle do uso e ocupação do solo, o Município será dividido em Zonas, que poderão conter, no todo ou em parte, Áreas de Especial Interesse" [58].

Essas zonas impõem a prevalência de uso adequado dos imóveis nelas situados, conforme sejam elas residenciais, industriais, comerciais e de serviços, de uso misto, de conservação ambiental ou agrícolas (art. 106, incisos I a VI).

Ocorre que a referida lei já existia. Era a Lei n.º 1.574/67, do Estado da Guanabara, editada em época em que a competência legislativa municipal estava concentrada nas mãos daquele ente político [59]. Esse o diploma legal responsável pelas limitações administrativas decorrentes do zoneamento do atual Município do Rio de Janeiro. Vejamos como funciona:

"Art. 13 - Em cada zona a terra e as edificações só poderão ser usadas para os fins especificados no ‘Quadro Geral de Uso da Terra’ (artigo 16) e suas regulamentações, através dos ‘Quadros Complementares de Uso da Terra’".

Assim, v. g., num imóvel localizado na zona industrial será considerado inadequado o seu uso para o desenvolvimento de atividades educacionais, como se infere do QGUT. Instituída está a limitação administrativa, pelo art. 16 do citado diploma legal.

De outra forma, será apenas tolerado o uso de imóvel destinado à exploração de atividades comerciais em zonas residenciais. Vale dizer, tais atividades só poderão ser exercidas nesses locais se cumprirem às exigências de intensidade, dimensão, forma, etc., a serem fixadas em regulamento [60].

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Além da legislação de zoneamento, que vimos acima, o art. 81 do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro prevê a criação de um Código de Obras e Edificações, de um Código de Licenciamento e Fiscalização, de uma Lei de Parcelamento do Solo Urbano etc..

Também a Lei n.º 1.574/67 trata do parcelamento do solo urbano no Município do Rio de Janeiro. E teve como fonte material o Plano Diretor, que em seu art. 83 previu sua criação com o fito de regular o parcelamento, o remembramento e o desmembramento.

Vejamos um exemplo de limitação administrativa imposta pela legislação municipal sobre parcelamento do solo urbano:

"Art. 22 - A construção e a manutenção dos passeios dos logradouros dotados de meios-fios são obrigatórias em toda a extensão das testadas dos terrenos, edificados ou não, e serão feitas pelos respectivos proprietários, ressalvados os casos explicitamente definidos em regulamento".

Note-se que a Lei (federal) n.º 6.766/79, que figura como norma geral sobre o tema, também contém normas impositoras de limitações administrativas, senão vejamos:

"Art. 3.º -....... ...............................................

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - Em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II - Em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - Em terreno com declivedade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - Em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - Em áreas de preservação ecológica ou naquela onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção".

Repare que não só a legislação federal citada, em especial o inciso V, mas também a municipal estabelece limitações administrativas com vistas à proteção do meio ambiente, que foi classificado pela Lex Fundamentalis como bem comum do povo (art. 225, caput). Vejamos o que estabelece, a título exemplificativo, o art. 25, § 2.º, n.º 3 da já mencionada Lei n.º 1.574/67:

Art. 25 - A ninguém, pessoa física ou jurídica, é lícito efetuar, sem prévia autorização da repartição competente, o parcelamento do ou remembramento das áreas dos imóveis de sua propriedade, estendendo-se a interdição deste artigo aos concessionários ou permissionários de serviços públicos.

§ 1.º - Omissis.

§ 2.º - Embora satisfazendo às demais exigências desta lei, qualquer projeto de parcelamento ou remembramento poderá ser recusado ou alterado, total ou parcialmente, pelo órgão estadual competente, tendo em vista:

3 - a defesa das

reservas naturais".

Os tribunais do País também têm enfrentado questões que se referem às limitações impostas em defesa do meio ambiente. Veja-se, a propósito, a seguinte ementa, que resume contenda decidida pelo Acórdão da 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento da Apelação Cível n.º 62897900:

"Ação Civil Pública. Dano Ambiental. Propriedade Rural. "Reserva Florestal Legal". Mata Ciliar. Preservação. Limitação administrativa ao uso da propriedade. Atual proprietário. Culpa. Irrelevância. Legitimidade passiva ad causam.

A existência legal, que traduz a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural, constitui limitação administrativa ao uso da propriedade, obrigando a todo proprietário rural, independente da averiguação da sua culpa pela degradação ambiental ou do estado em que se encontrava o imóvel ao tempo em que o adquiriu. Recurso Desprovido" [61].

Apreciados exemplos concretos de limitações administrativas das espécies mais freqüentes, analisemos, a partir de agora, alguns problemas que decorrem dessa modalidade de intervenção do Estado na propriedade.

i. Limitação administrativa e direito adquirido

Assunto que tem ocupado bastante o meio jurídico é o que se refere à possibilidade de se alegar direito adquirido ao exercício de determinada atividade quando a lei impõe, posteriormente à concessão de licença para tanto, limitação administrativa que se choca com a situação anterior.

Essa situação tem sido freqüente em locais onde se instalam grandes indústrias e, como conseqüência, pequenos povoamentos vão se formando nas periferias em razão dos empregos ofertados. O agravamento dos níveis de poluição começam a prejudicar a saúde da população e, então, o Poder Público resolve limitar as atividades, impondo inclusive, em determinados casos, a relocalização da empresa poluidora.

A alegação mais utilizada em favor das empresas é no sentido de não se justificar o atingimento dos que já possuem licença anterior para o exercício da atividade industrial pelo fato de as populações terem se formado posteriormente à instalação do estabelecimento, postulando, então, o reconhecimento do seu "direito de pré-ocupação". Além disso, invocam obviamente o valor segurança jurídica, que fundamenta o disposto no art. 5.º, XXXVI da CRFB/88.

O Decreto-lei n.º 1.413/75 e a Lei n.º 6.803/80 não reconheceram o direito adquirido nessas hipóteses. E o fundamento dessas normas legais seria, no entendimento do prof. Paulo de Bessa Antunes, o fato de que a ninguém pode ser reconhecido o direito de poluir o meio ambiente [62]. Neste sentido, seria absolutamente legítima a retroatividade da norma em questão.

Ocorre que esse posicionamento não tem merecido acolhida no âmbito jurisprudencial, tendo sido predominante a idéia de que o direito de pré-ocupação deve ser respeitado nessas hipóteses. Neste sentido foi a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais na Apelação Cível n.º 45.501-1, que teve como relator o Juiz Schalcher Ventura [63].

O certo é que a questão ainda está por merecer a qualificada análise do Supremo Tribunal Federal, que definirá o posicionamento jurisprudencial à luz do ordenamento constitucional pátrio.

De nossa parte, não emitiremos parecer contra ou a favor da tese do direito de pré-ocupação, pois ainda não foi por nós devidamente amadurecida a questão.

j. Indenização

No primeiro contato que se tem com o tema "intervenção do Estado na propriedade", via de regra posterior às tradicionalistas lições de direito civil sobre o dominium, a perplexidade toma conta de nossa mente. A noção do absoluto direito de propriedade se esvai e os publicistas nos tentam mostrar porque não é mais bem assim.

Quando nos contam, então, sobre aquela evolução conceitual e passamos a aceitar isso que, inicialmente, nos parecia uma violência, a primeira indagação que nos vem é sobre a indenização pelo desfalque no patrimônio das pessoas atingidas. Ora, se uma ou algumas pessoas têm a sua propriedade limitada em favor do interesse público ou do interesse social, nada mais justo que tal ônus seja repartido por todos, como uma medida de respeito ao valor igualdade, núcleo do conceito de justiça, como já anunciado por Gustav Radbruch [64]. Daí se pensar, ipso facto, no direito à indenização.

E esse tem sido um importante argumento utilizado para fundamentar a tese do direito à indenização nessas hipóteses. Entretanto, na maioria das vezes, só tem encontrado acolhida nos casos de intervenção drástica do Estado na propriedade.

Via de regra o que se afirma é que, nas modalidades de intervenção branda, que são aquelas em que não há supressão do direito de propriedade, só será o particular indenizado se comprovar efetivo dano causado pela atuação estatal. Essa é a posição predominante na doutrina.

Com relação às limitações administrativas, especificamente, José dos Santos Carvalho Filho nos ensina que a inexistência do direito de indenização decorre do fato de a lei, que é seu veículo, por ser genérica e abstrata, não atingir uma propriedade determinada. Vejamos suas palavras:

"As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade. Abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta" [65].

Veja-se que, com isso, utiliza-se, ainda que implicitamente, o princípio da igualdade para fundamentar a tese contrária àquela utilizada anteriormente, que se vale, curiosamente, do mesmo valor jurídico-constitucional.

O que se tem admitido, por outro lado, é a possibilidade de uma intervenção drástica na propriedade se disfarçar de limitação administrativa para não gerar o dever do Poder Público de indenizar os atingidos pela norma. Isso ocorre quando a pretensa limitação retira do bem toda ou quase toda a possibilidade de utilização, anulando ou diminuindo significativamente o seu valor econômico.

Na prática, essa hipótese tem ocorrido com muita freqüência e os tribunais, nestes casos, têm abraçado a tese do dever de indenizar. Vejamos, a esse respeito, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Desapropriação indireta. Área florestal abrangida por parque estadual de reserva ecológica. Vigilância permanente do Poder Público, privando o uso, gozo e livre disposição do bem. Indenização devida.

As limitações administrativas, como regra, não dão direito à indenização por serem de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem estar social. Mas, se a pretexto de limitação administrativa ou tombamento, a Administração impõe à propriedade particular restrição que afeta integralmente o direito de uso, gozo e livre disposição do bem, tratar-se-á de desapropriação, à qual deve corresponder a devida indenização, sob pena de configurar-se o confisco. Assim, provado que a área de terras pertencente aos embargantes está incluída no Parque Estadual do Desengano e que, em razão disso, perderam o uso, gozo e livre disposição da mesma, impõe-se o dever de indenizar. Provimento dos embargos" [66].

O Supremo Tribunal Federal abraça esse entendimento, mas adverte para o fato de que, se a limitação administrativa é imposta anteriormente à data de aquisição do imóvel atingido pelo comando legal, não assistirá ao proprietário adquirente o direito de cobrar indenização do Estado, ainda que seja notado aquele esvaziamento do conteúdo econômico do bem. Vejamos a ementa do seguinte Acórdão, que julgou o Recurso Extraordinário n.º 140.436-SP:

"Constitucional. Administrativo. Civil. Limitação administrativa. Indenização.

I - Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público.

II - R. E. não conhecido" [67].

Portanto, não nos parece suficiente afirmar, simplesmente, que as limitações administrativas não rendem direito à indenização. Não que isso esteja incorreto, mas ignora o fato de outras modalidades interventivas vestirem a roupa de limitação para liberar-se o ente político instituidor do dever de pagar a devida indenização pela desapropriação indireta.

B. Servidões administrativas

Sumário:

a. Conceito; b. Objeto; c. Natureza jurídica; d. Fundamentos; e. Conteúdo; f. Sujeitos ativo e passivo; g. Distinção entre as servidões civil e administrativa; h. Formas de instituição; i. Indenização; j. Extinção.

a. Conceito

Para não destoar da metodologia adotada anteriormente, quando tratávamos das limitações administrativas, nos utilizaremos, aqui também, de um conceito de grande aceitabilidade do instituto a ser analisado. E repetimos, em homenagem ao brilhantismo do saudoso mestre, as lições de Hely Lopes Meirelles, in verbis:

"Servidão administrativa ou pública é o ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular, para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário".

A servidão administrativa é uma modalidade de intervenção branda do Estado na propriedade, o que eqüivale a dizer que a sua imposição não suprime o direito do particular, mas simplesmente o restringe, incidindo, especificamente, sobre o poder de uso do bem.

Analisemos em separado os caracteres do instituto em tela, para termos, ao final, um conceito mais completo do que se pode extrair da definição dada, que servirá de guia para o desenvolvimento do texto.

b. Objeto

Embora não seja unânime a doutrina a esse respeito, parece-nos lícito afirmar que a servidão administrativa somente poderá recair sobre a propriedade imobiliária. Sobre a questão, a doutrina se divide em três correntes. Vejamos.

Adílson de Abreu Dallari entende que as servidões possam recair sobre bens moveis ou imóveis, sendo possível até que seu objeto sejam serviços [68], o que, neste último caso, nos parece inconcebível. Explicaremos oportunamente.

Lúcia Valle Figueiredo, representando a segunda posição, discorda do citado mestre, afirmando que o que aquele autor entende por servidão sobre serviços seria, na verdade, mera requisição, figura que estudaremos mais adiante. Em sua opinião, portanto, as servidões poderão recair sobre bens móveis ou imóveis.

Derradeiramente, o prof. José dos Santos Carvalho Filho considera que a servidão administrativa, à semelhança do que ocorre com as servidões civis, somente poderão ter como objeto os bens imóveis.

Permitimo-nos discordar do primeiro posicionamento, não porque as servidões sobre serviços figurariam como verdadeiras requisições, mas por que é impossível instituir-se direito real sobre serviços. O objeto da relação jurídica de direito real há de ser sempre uma coisa. Os serviços não podem ser objeto de direito real, mas de direito pessoal.

No que toca à segunda manifestação, não nos parece correto admitir servidão administrativa sobre bens móveis, posto que acabaria por configurar uma autêntica desapropriação. Um exemplo esclarecerá o raciocínio.

Imagine uma servidão administrativa instituída sobre um veículo de passeio. Como ficaria o direito do proprietário, quando pretendesse ir às compras, com a prevalência do direito de uso sobre o bem pelo Poder Público, que o está precisando para deslocar o Governador do Estado de seu gabinete para uma reunião com o Presidente da República, que se encontra em lugar diverso? Não resta dúvida de que o direito do particular, nesta hipótese, estaria extinto [69]. E a supressão do direito à propriedade não é compatível com a figura da servidão, que é classificada, como vimos, como modalidade de intervenção branda.

Embora, como veremos, não se confundam as servidões administrativas com as do Direito Civil, correta a afirmação do prof. Carvalho Filho no sentido de que "não se pode perder de vista que as servidões têm o mesmo núcleo, (...), sejam elas administrativas ou de direito privado" [70]. E no direito civil, nos lembra Caio Mário da Silva Pereira, onde tiveram nascedouro ambas, só se admite a servidão sobre prédios (coisa imóvel corpórea) [71]. Aliás isso faz parte do conceito do instituto.

c. Natureza jurídica

As servidões administrativas assumem as características de um autêntico direito real sobre coisa alheia, conferindo ao Poder Público o direito de uso sobre o bem imóvel do particular. Sobre isso não há questionamentos.

O conceito de propriedade, na concepção do Código Civil [72], é composto por quatro elementos (poderes), bem discriminados por seu art. 524, a saber: uso, gozo (ou fruição), disposição e defesa. Entretanto, esses poderes podem ser separados uns dos outros, sem que importe em transferência do domínio de uma pessoa para outra. Ocorrendo essa hipótese, converte-se a propriedade, anteriormente plena, em limitada, conforme se infere do disposto no art. 525 do Código Civil, ipsis litteris:

"Art. 525 - É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada, quando tem ônus real, ou é resolúvel".

Partindo dessas noções, convém conceituar propriedade resolúvel e ônus real, fazendo, inclusive, algumas observações importantes.

Propriedade resolúvel é aquela em que a efetivação da transferência do dominium de um titular para o outro está a depender do advento de um termo ou condição (CC, art. 647). Nesta hipótese, todos os poderes podem estar concentrados nas mãos de uma mesma pessoa, de modo que não se poderá falar em propriedade limitada (de acordo com o conceito do Código Civil). Por esta razão, embora a doutrina especializada não faça essa observação [73], me parece despropositada a consideração da propriedade resolúvel como limitada pelo Código Civil.

Por sua vez, a propriedade gravada com ônus real se vê desmembrada, de modo a se poder enxergar nela a coexistência de direitos reais com titulares diversos sobre a mesma coisa. O proprietário mesmo passa a ter de aceitar que sobre a coisa, que ainda é sua, exerça um direito também real outra pessoa, mas tendo por objeto poderes específicos [74]. Estes os chamados direitos reais sobre coisa alheia, que se classificam em: a) de uso e/ou gozo; b) de garantia; c) de aquisição.

Os primeiros incidem sobre o direito de uso e/ou de gozo sobre o bem, de modo que a sua utilização e/ou o aproveitamento de seus frutos poderá caber a pessoa diferente daquela que é proprietária. Assim se classificam, pois, no âmbito do Direito Civil, a enfiteuse (CC, art. 678 e segs.), a servidão (CC, art. 695 e segs.), o usufruto e suas especializações (uso e habitação) e as rendas constituídas sobre bens imóveis (CC, art. 749 e segs.).

Os direitos reais de garantia, que também se constituem sobre coisa alheia, conferem a titular diferente do proprietário os poderes parciais de disposição e de defesa, de modo que a permanência de tal situação fica condicionada ao cumprimento ou não da obrigação garantida. Desta forma, se o proprietário, devedor daquela relação obrigacional, não a cumpre, poderá executar judicialmente a coisa o titular do direito real de garantia, para satisfação de seu crédito (CC, art. 759) [75]. Por outro lado, adimplindo com a sua obrigação o proprietário da coisa dada em garantia, extingue-se o direito real sobre coisa alheia [76].

São quatro as espécies de direito real de garantia: a hipoteca (CC, arts. 809 e segs.), o penhor (CC, arts. 768 e segs.), a anticrese (CC, arts. 805 e segs.) e a alienação fiduciária (Lei n.º 4.728/65, art. 66, com redação dada pelo art. 1.º do DL 911/69).

Por fim, os direitos reais sobre coisa alheia podem se dar em favor do promitente-comprador de bem imóvel, quando cumpridos os requisitos enumerados pelo art. 1.º da Lei n.º 649/49. Neste caso, confere a lei ao promitente-comprador o direito de ter efetivada a transferência da propriedade imobiliária para o seu patrimônio. Esse direito real sobre coisa alheia é atípico, não conferindo nenhum daqueles poderes discriminados pelo art. 525 do Código Civil. De modo que não é possível, neste caso, falar-se em propriedade limitada, mas talvez em propriedade resolúvel.

As servidões administrativas, assim como as servidões civis, conferem à Administração Pública poder de uso sobre a coisa objeto da intervenção. O proprietário, geralmente particular, continua titular do bem, mas tem de suportar o seu uso por outra pessoa.

Entretanto, a 1.ª Turma do Tribunal Regional da 2.ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 92.0209415-2, entendeu a servidão administrativa como "direito real de gozo sobre coisa alheia" [77]. Com a devida vênia, não nos parecem muito precisos os termos utilizados na citada decisão.

Em primeiro lugar, não existe direito real de gozo. Este é apenas um dos poderes que um direito real pode conferir a alguém.

Em segundo lugar, o gozo (ou fruição), como poder que integra um dos elementos do novo conceito de propriedade, está a proporcionar ao favorecido o direito de ter para si os frutos advindos da propriedade. E o que a instituição de servidão administrativa confere ao Poder Público é menos do que isto. Restringe-se à utilização do bem, para o que basta o poder de uso.

O poder de uso conferido ao ente político interveniente se destina ao desenvolvimento de atividades típicas ou atípicas do Estado, sejam elas qualificadas como públicas ou de utilidade pública. Neste sentido é que se institui servidão administrativa, por exemplo, para a passagem de linha de transmissão de energia elétrica, fincando o Poder Público aquelas torres enormes que sustentam os cabos de alta tensão; para a instalação e manutenção de oleodutos e gasodutos; para a instalação de placas de trânsito; etc..

d. Fundamentos

As normas jurídicas são, conceitualmente, comandos abstratos induzidos de fenômenos fáticos concretos ou de outras normas jurídicas com menor grau de abstratividade. Neste sentido, cabe fazer distinção entre normas-princípio e normas-preceito, sendo estas abstrações de 1.º grau e aquelas abstrações de 2.º grau [78].

Assim como acontece com qualquer forma de intervenção do Estado na propriedade, as servidões administrativas se assentam em dois princípios básicos: a) o da supremacia do interesse público sobre o privado (implícito); b) o da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, XIII da CRFB/88).

O Estado pode, pois, instituir servidão administrativa para executar serviço público ou de utilidade pública. Não o poderá fazer, entretanto, para a satisfação de interesse privado, que está no mesmo nível hierárquico do interesse daquele que teve seu direito limitado (ou até, como teremos a oportunidade de verificar, em nível inferior).

Não nos alongaremos no desenvolvimento desses conceitos, aqui, posto que o já fizemos linhas atrás. Por outro lado, faremos as distinções entre a servidão administrativa e a do direito civil em ponto específico.

Quanto ao fundamento específico das servidões administrativas, veiculado através de uma norma-preceito, temos o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que transcrevemos:

"Art. 40 - O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei".

Com toda a imprecisão desse dispositivo legal, que dá a entender que as servidões administrativas só poderiam ser impostas se vinculadas, de alguma forma, à desapropriação, este é o seu fundamento legal genérico dessa modalidade de intervenção estatal na propriedade.

e. Conteúdo

O desenvolvimento do conceito função social da propriedade de alguma forma dependeu da evolução do conceito de Estado, encontrando melhor ambiente para se desenvolver quando do advento da noção de Estado do bem-estar social. Neste sentido, pode-se dizer que as servidões administrativas estão a depender dessa evolução da concepção acerca do Estado.

Por outro lado, é de se reconhecer que o maior reflexo que o spread da concepção de um Estado promotor do bem-estar social pode lançar sobre o tema intervenções estatais na propriedade foi a possibilidade de imposição de condutas positivas aos particulares proprietários, o que não aproveita às servidões administrativas, já que estas só impõem uma espécie de dever, de ordem negativa. Expliquemos.

Quando examinávamos a evolução jurídica do conceito de propriedade, pudemos destacar três diferentes momentos, em suma: a) um primeiro, em que o direito de propriedade era visto como absoluto, não se admitindo qualquer tipo de intervenção do Estado nele; b) um segundo, em que se admite a intervenção do Estado, que estaria autorizado a impor deveres negativos aos proprietários de bens (non facere ou pati); c) por fim, um terceiro momento, em que, além daqueles limites negativos, estaria legitimado o Poder Público a impor ao proprietário de bens deveres de ordem positiva (facere).

Pois bem. Para a previsão jurídica da possibilidade de instituição de servidões administrativas bastaria atingir o segundo momento, já que essa modalidade de intervenção do Estado na propriedade se limita a impor deveres de caráter negativo. Mais especificamente, o que se impõe com as servidões administrativas é dever de suportar (pati). É neste sentido que o prof. José Maria Pinheiro Madeira afirma que, "nas servidões há um pati, ou seja, uma obrigação de suportar" [79].

Se essa lição é repetida por toda [80] a doutrina administrativista que fere esta minúcia, não se pode dizer o mesmo sobre a jurisprudência. Veja-se o seguinte acórdão da 2.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 93.0202285-4:

"Civil. Desapropriação. Constituição de servidão administrativa de passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Adequado o percentual aplicado para cálculo da indenização sobre o valor da propriedade. Mantida a r. sentença.

I - A situação do terreno, próximo à área urbana, por si só, justifica a incidência do percentual, vez que

a servidão impedira o seu loteamento.

II - (...).

III - (...).

IV - (...).

V - Por unanimidade, negado provimento à apelação e à remessa" [81].

Repare que, logo no primeiro item (que grifamos), o acórdão fala em servidão que impede o loteamento do imóvel. Isto não é, propriamente, uma servidão administrativa. Não está a Administração Pública, com isso, instituindo direito real sobre coisa alheia. As proibições de loteamento são matérias reservadas ao âmbito das limitações administrativas, cujo veículo é a lei formal, genérica e abstrata, e pode impor o dever de fazer, de deixar de fazer ou de suportar. Diferente disso, as servidões administrativas somente impõem o dever de suportar (pati), o que não ocorreu naquele caso, pelo menos no ponto específico relativo à proibição de lotear o terreno. Sobre as distinções entre os dois institutos em cotejo, vide item II, da letra A, n.º 6 deste trabalho.

Portanto, por mais que não sejam rigorosamente utilizados os termos, tanto pela lei como pela jurisprudência, não resta dúvidas de que as servidões administrativas não impõem outra espécie de dever senão o de suportar uma ação do Estado, que adquire, na forma da lei [82], um direito real conferidor de poder de uso da propriedade alheia.

f. Sujeitos ativo e passivo

É um pouco costumeiro iniciar a análise subjetiva das relações jurídicas sempre do seu pólo ativo, passando, só após, ao pólo passivo. Entretanto, por dois motivos especiais, não o faremos dessa forma aqui. Em primeiro lugar, temos como razão de ser dessa forma de exposição o fato de fazer parte do núcleo do conceito das servidões administrativas a caracterização do sujeito passivo, que as suporta. Por outro lado, as curiosidades que a análise do pólo ativo dessa forma de intervenção do Estado na propriedade apresenta poderiam sombrear o interesse pelo estudo do pólo passivo, com grave prejuízo para uma boa compreensão do instituto em apreço. Assim, justificada se encontra, aos nossos olhos, a metodologia adotada para esse ponto específico.

O sujeito passivo das servidões administrativas será sempre uma pessoa determinada, proprietária de imóvel que interesse ao Poder Público para fins de utilização em suas atividades. Assim, a instituição de servidões de direito público deverá apontar o bem especificamente atingido pelo ato.

É por essa razão que negamos a qualidade de servidão pública, por exemplo, à modalidade de intervenção instituída pelo art. 43 da Lei n.º 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), in verbis:

"Art. 43 - As propriedades vizinhas dos aeródromos e das instalações de auxílio à navegação aérea estão sujeitas a restrições especiais.

Parágrafo único. As restrições a que se refere este artigo são relativas ao uso das propriedades quanto a edificações, instalações, culturas agrícolas e objetos de natureza permanente ou temporária, e tudo mais que possa embaraçar as operações de aeronaves ou causar interferência nos sinais dos auxílios à radionavegação ou dificultar a viabilidade de auxílios visuais".

Veja-se que a lei, por ser genérica e abstrata, faz menção a um tipo de propriedade, qual seja, toda aquela que for vizinha de aeródromo ou de instalações de auxílio à navegação aérea. Portanto, não será o Sr. Joaquim da Padaria Portugal ou a Sra. Maricota do cabeleireiro da esquina Y o sujeito passivo da intervenção analisada, mas pessoas indeterminadas que tiverem suas propriedades imobiliárias localizadas em áreas com aquelas características.

Portanto, sempre que se tiver dúvida quanto a uma intervenção do Estado na propriedade ser limitação ou servidão administrativa, foque a atenção na determinação ou indeterminação do sujeito passivo e terá a resposta. Sendo determinado (v. g., proprietário da casa 4, lote 13 da Rua Projetada 1, Bairro Vermelho), será uma servidão. Sendo apenas determinável, como no exemplo do art. 43 da Lei n.º 7.565/86, será limitação administrativa.

Feitas estas considerações, importantíssimas, tratemos agora do sujeito ativo das servidões públicas.

Em primeiro lugar, é de se dizer que a Constituição defere a todos os entes da Federação a instituição de servidões administrativas. E a essa conclusão se chega pelo fato de o Texto Maior não discriminar qualquer competência neste sentido. A partir daí, e considerando que o interesse público se faz presente em todos os níveis de nosso Estado federal, somente sendo lícito fazer distinção entre interesse público local (competência municipal), regional (competência estadual) ou nacional (competência da União), tomamos como indiscutível aquela assertiva, feita no início deste parágrafo.

Entretanto, só para não deixar dúvidas quanto a isto, citemos, a esse respeito, por todos, a lição da prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in verbis:

"A servidão administrativa, por constituir-se em forma de limitação à propriedade privada, é prerrogativa estatal, inerente às pessoas jurídicas de direito público interno, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios" [83].

Questão que merece análise mais detalhada é a que se refere à possibilidade de autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos instituírem as servidões administrativas.

Apoiada por grandes mestres, como Otto Mayer, Rafael Bielsa, Osvaldo Aranha Bandeira de Melo e outros, Maria Syilva Z. Di Pietro admite tal instituição, inclusive por aquelas pessoas jurídicas de direito privado, desde que haja autorização legislativa para tanto [84]. E cita, como exemplo, o disposto no art. 151, c do Decreto n.º 24.643/34, que outorga às concessionárias o poder de estabelecer servidões permanentes ou temporárias exigidas para obras hidráulicas e para o transporte e distribuição da energia elétrica. Não nos parece correto, entretanto, esse entendimento.

Ao nosso sentir, a declaração de utilidade pública para fins de servidão administrativa, assim como ocorre com as desapropriações, é de competência privativa [85] do ente político em nome do qual se registrará o direito real sobre a coisa alheia, podendo ser delegada tal competência somente a entes dotados de personalidade jurídica de direito público, por lei específica. E assim deve ser, pois o contrário importaria numa elevação de nível das empresas com personalidade jurídica de direito privado, que passariam a se equiparar às de direito público, com grave violação ao princípio da isonomia.

Foi, inclusive, por reconhecer essa inconstitucionalidade que o art. 10 da Lei n.º 9.074/95 alterou, no plano infraconstitucional, a disciplina contida no Código de Águas anteriormente citada, atribuindo à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia federal, a competência para declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, as áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica. Vejamos:

"Art. 10 - Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica".

Assim, no caso de o uso efetivo do imóvel a ser gravado pela servidão administrativa ter de ser exercido por empresa concessionária, que tem personalidade jurídica de direito privado, deverá o Poder Executivo declarar a utilidade pública de tal bem, via decreto, transferindo-se, por contrato, o exercício do poder de uso àquela que executará o serviço público. Mas, no caso de haver permissão legal exclusiva para tanto, poderão as autarquias exercer aquela competência declaratória. O que não se permite é que tal competência seja delegada a pessoas privadas, já que da supremacia do interesse público só podem se beneficiar os entes dotados de personalidade jurídica de direito público.

Corroborando com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser inconstitucional a delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado, que também é, como naquele caso, atividade própria do Estado, sendo, portanto, indelegável. Veja-se o seguinte trecho do acórdão que julgou a Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717-DF:

"Com efeito, não parece possível, a um primeiro exame, em face do ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5.º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da C.F., a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica do Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades profissionais" [86].

Portanto, somente a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e, desde que haja autorização legislativa específica para tanto, as suas respectivas autarquias e fundações públicas (com personalidade jurídica de direito público) poderão declarar um imóvel de utilidade pública para fins de servidão administrativa.

As concessionárias de serviços públicos poderão, nos termos do art. 3.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, promover desapropriações e, por analogia, servidões administrativas, o que é diferente. Significa dizer que tais empresas poderão, por lei ou contrato, obter autorização para praticar atos concretos para efetivar a expropriação ou a constituição de servidão administrativa, depois de existente uma declaração de utilidade pública [87].

Pelo que se disse, podemos concluir, v. g., pela inconstitucionalidade da Lei n.º 2.004/53, que autorizava à Petrobras, sociedade de economia mista (pessoa jurídica de direito privado), a declarar a utilidade pública de imóvel para fins de desapropriação e, por conseqüência, de servidão administrativa. Mas, à semelhança do que ocorreu na área da energia elétrica, a Lei n.º 9.478//97 revogou todo aquele diploma legal (art. 83), devolvendo formalmente tal competência ao Executivo federal. À Agência Nacional do Petróleo somente caberá a instrução de processo com vistas à declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou de servidão administrativa (art. 8.º, VIII).

Registre-se, aqui, importante acórdão do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, que decidiu pela legalidade da delegação de competência a Ministro de Estado para declaração de utilidade pública, via Portaria, com o intuito de instituição de servidão administrativa:

"Processual civil. Servidão administrativa. Desapropriação. Legítima a portaria ministerial que declara o imóvel de utilidade pública para fins de passagem de linha de transmissão de energia elétrica, em face da delegação de competência prevista no art. 81, V da Constituição Federal de 1967, regulada pelos arts. 11 e 12 do Decreto-lei n.º 200/67 e Decreto n.º 90.378/84. Apelações providas. Reforma da sentença para determinar que nova decisão seja proferida pelo M.M. juiz a quo, em termos de fixação do valor da indenização pela constituição de servidão" [88].

Outra questão que merece especial atenção neste tópico é sobre a possibilidade de um Município instituir servidão sobre bens do Estado ou da União; ou de um Estado a instituir sobre os bens da União. E o contrário, seria possível?

Ao nosso ver, é perfeitamente aplicável a analogia neste caso, utilizando-se como norma paradigma o § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, que assim dispõe:

"Art. 2.º - Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados, pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

§ 1.º - Omissis;

§ 2.º - Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa".

De acordo com tal regra, pois, somente será admitida a imposição de servidão administrativa incidente sobre bem público se for a União o sujeito ativo e o Estado ou o Município o sujeito passivo; ou, de outra forma, se figurar o Estado como sujeito ativo, sendo o município o sujeito sacrificado com a tal imposição. O contrário não será possível.

O professor Fábio Konder Comparato [89] nega validade a essa fórmula legal e, em face do resgate da forma federativa do nosso Estado empreendido pela Constituição de 1946, considera revogado, desde então, o § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41. Acredita o respeitável jurista que nenhum ente político poderia expropriar e, ipso facto, instituir servidões administrativas sobre o bem de outro ente político.

Contra essa opinião, que balança qualquer um pela consistência que apresenta, se posiciona o prof. José Carlos Moraes Salles, que se baseia no princípio da predominância do interesse para expressar sua tese. Veja, ipsis litteris, a sua argumentação:

"Ora, não pode haver dúvida de que, sendo determinado bem de predominante interesse geral, nacional, deva a União ter o poder de expropriá-lo, ainda que de propriedade do Estado-membro. E também não há razão para se ter dúvida de que, sendo certo bem de predominante interesse regional, possa o Estado-membro expropriá-lo, mesmo que de propriedade do Município. E isto sem que se possa falar em violação do princípio da autonomia e independência entre as unidades da Federação, mas com apoio no princípio da predominância do interesse" [90].

A maioria da doutrina não se posiciona de maneira expressa sobre a questão, o que reflete uma aceitação da constitucionalidade do dispositivo legal em tela. Veja-se, por todos, o que nos fala o saudoso Hely Lopes Meirelles:

"Os bens públicos são passíveis de desapropriação pelas entidades estatais superiores, desde que haja autorização legislativa para o ato expropriatório e se observe a hierarquia política entre estas entidades" [91].

Merece reparo, data venia, a lição transcrita, pois fundamenta tal dispositivo numa suposta hierarquia existente entre os entes da federação, o que é um absurdo ao nosso ver. Só para lembrar, não se utiliza desse argumento o professor Moraes Salles, que também afirma a igualdade entre os entes políticos.

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n.º 172.816-RJ, apreciou essa questão e decidiu pela validade do § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41. Veja-se o trecho da ementa que interessa a essa controvérsia:

"A União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios e os Estados, dos Municípios, sempre com autorização legislativa específica. A lei estabeleceu uma graduação de poder entre os sujeitos ativos da desapropriação, de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente; os Estados e o Distrito Federal não podem desapropriar bens da União, nem os Municípios, bens dos Estados ou da União, Decreto-lei n.º 3.365/41, art. 2.º, § 2.º" [92].

Por fim, em tema de sujeito passivo, cabe ainda questionar sobre a possibilidade de, por exemplo, um ente da administração pública indireta da União ter seus bens gravados através da imposição de uma servidão administrativa por um Estado ou por um Município. A doutrina se posiciona sobre essa questão no âmbito das desapropriações. E, mais uma vez, nos valemos da analogia para compor essa problemática no nosso âmbito de estudo.

Em primeiro lugar, Hely Lopes Meirelles advoga a tese da possibilidade da desapropriação, desde que haja autorização legislativa da entidade superior, se tal medida de alguma forma for comprometer a continuidade do serviço público [93].

Diógenes Gasparini entende, por seu turno, que só será possível a desapropriação nessas condições se o bem a ser gravado não estiver sendo utilizado no desenvolvimento da atividade-fim do ente da Administração Pública indireta [94].

Finalmente, José dos Santos Carvalho Filho adota o entendimento segundo o qual há de ser aplicado aqui o mesmo raciocínio utilizado para o caso que envolve tão somente as pessoas que integram a federação, fazendo incidir também o art. 2.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41 [95].

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já tiveram a oportunidade de se posicionar sobre o tema, decidindo pela impossibilidade de entes federados (Estados, Distrito Federal ou Municípios) desapropriarem bens de sociedade de economia mista federal, baseando-se no fato de que o serviço prestigiado pela serventia daqueles bens é de titularidade da União, devendo incidir aquela regra do art. 2.º, § 2.º do Decreto n.º 3.365/41. Vejamos o trecho da ementa do acórdão do STF:

"Desapropriação, por Estado, de bem de sociedade de economia mista federal que explora serviço público privativo da União.

4. Competindo à União, e só a ela, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres, art. 21, XII, f, da CF, está caracterizada a natureza pública do serviço de docas.

5. A Companhia Docas do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista federal, incumbida de explorar o serviço portuário em regime de exclusividade, não pode ter bem desapropriado pelo Estado" [96].

E com base nos mesmos argumentos, o STF, no mesmo acórdão, decidiu pela impossibilidade de a desapropriação perpetrada por ente político local ou regional incidir sobre bens de empresas concessionárias de serviços públicos federais, independente de terem alguma ligação societária com a União. Veja-se:

"Se o serviço de docas fosse confiado, por concessão, a uma empresa privada, seus bens não poderiam ser desapropriados por Estado sem autorização do Presidente da República, súmula 157 e Decreto-lei n.º 856/69" [97].

Transportando-se, portanto, aqui também, esse raciocínio para o âmbito das servidões administrativas, é de se concluir pela impossibilidade de um ente cujo interesse público seja menor do que o do outro instituir aquele ônus real sobre bem deste último, conclusão que se alcança por força de interpretação analógica.

Entretanto, parece-nos que tudo o que se disse a esse respeito não deverá ser considerado se a imposição do tal ônus não tiver o condão de oferecer qualquer risco ao pleno desenvolvimento das atividades públicas tuteladas pela norma do art. 2.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, já que nas servidões administrativas não é drástica (ou supressiva) a intervenção.

g. Distinção entre as servidões civil e administrativa

Salta aos olhos de quem quiser ver que as servidões administrativas não se confundem com as do Direito Civil, embora estas sejam a fonte inspiradora daquelas, como bem ressaltou Carvalho Filho [98]. Vejamos em que pontos se distanciam os dois institutos.

Em primeiro lugar, enquanto as servidões administrativas se fundam nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da função social da propriedade; as servidões do direito privado são fundadas no princípio da autonomia da vontade.

Em segundo lugar, enquanto as servidões administrativas podem ser instituídas mesmo contra a vontade do proprietário do bem gravado, por sentença judicial, como veremos, as servidões do Direito Civil dependem, via de regra, de acordo de vontades, tendo como título geralmente um contrato [99]. Em ambos os casos, entretanto, poder-se-á adquirir a servidão por usucapião [100].

Por fim, a servidão do Direito Civil envolve sempre proprietários de dois prédios, um chamado de serviente, sobre o qual recai o direito real, e o outro chamado dominante, cujo proprietário se beneficiará com o poder de uso sobre a coisa alheia. De outra forma, a servidão administrativa não pressupõe a existência daqueles dois prédios, razão pela qual Caio Mário da Silva Pereira a considera uma quase-servidão [101].

Maria Sylvia Zanella Di Pietro chega a fazer a seguinte e interessante observação sobre esse aspecto diferenciador:

"Se se pretender ‘transpor’ o conceito e servidão predial, do direito privado para a esfera do direito público, sem atentar-se para as peculiaridades deste, chegar-se-á, forçosamente, à conclusão de que não existem as chamadas servidões administrativas, porque nestas o direito real é instituído em razão da utilidade pública à qual está afetado determinado bem" [102].

E é a mesma autora que resolve este impasse, enxergando nos dois institutos ora comparados espécies dos quais seria gênero a servidão simplesmente. Em ambos os casos são instituídos direitos reais conferidores de pode de uso sobre a coisa alheia. Veja-se o desfecho:

"Para chegar-se ao reconhecimento das servidões administrativas, é preciso fazer-se abstração do conceito privatista e partir-se do conceito da servidão in genere, como um direito real de gozo sobre coisa alheia, instituído em benefício de outra coisa ou pessoa" [103].

Os únicos reparos que merece tal lição são os seguintes: a) a autora se refere a direito real de gozo, quando na verdade está querendo dizer, tecnicamente, poder de uso. É só uma questão de terminologia; b) nunca será instituída uma servidão em favor de um outro prédio, já que as coisas não podem ser consideradas sujeitos de uma relação jurídica. A servidão predial é instituída, isto sim, em benefício do proprietário de um prédio dito dominante.

h. Formas de instituição

A partir do que já constatamos acerca da natureza jurídica (direito real sobre coisa alheia) da servidão administrativa e de seu objeto (bens imóveis), podemos afirmar, em primeiro lugar, que a constituição desse direito em favor do Estado dependerá, conforme disposição do art. 676 do Código Civil, do registro no órgão competente. Vejamos:

"Art. 676 - Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos só se adquirem depois da transcrição, ou da inscrição, no registro de imóveis, dos referidos títulos (art. 530, n.º I, e 856), salvo os casos expressos neste Código".

Tendo em vista essa exigência jurídica, instituída pelo Código Civil, a Lei n.º 6.015/73, em seu art. 167, I, n.º 6, elencou a servidão dentre os outros direitos que deverão ser registrados no Registro de Imóveis. Vejamos:

"Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I - o registro:

6) das servidões em geral".

Por outro lado, assim como ocorre com as desapropriações, é de se verificar que o decreto que declara a utilidade pública de determinado bem imóvel para fins de servidão administrativa não é instrumento bastante para justificar uma atuação da Administração Pública no sentido de se imitir compulsoriamente na posse [104] do bem particular. Em outras palavras, o privilégio da auto-executoriedade não prestigia a Administração Pública nesses casos.

Expedido o decreto declaratório de utilidade pública [105], a Administração deve contatar o sujeito passivo, que será o proprietário do bem, e lhe dará ciência da necessidade pública de utilização do seu imóvel, oferecendo-lhe, se for o caso, a indenização que entender justa. Caso o proprietário não se oponha à proposta estatal, será lavrada escritura pública, que servirá de título para a transcrição no Registro de Imóveis. Registrada a escritura, estará instituída a servidão administrativa.

Todavia, caso o proprietário do bem imóvel não concorde com os termos da intervenção, deverá o Poder Público ajuizar ação com vistas à obtenção de título judicial que sirva à transcrição da servidão administrativa no Registro de Imóveis. É neste sentido que o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41 prescreve a mesma forma da desapropriação para a instituição das servidões administrativas.

O rito processual a ser adotado é o reservado à ação de desapropriação, prescrito pelos arts. 11 e segs. do Decreto-lei n.º 3.365/41.

Não consideramos oportuna a ocasião para discorrer sobre o rito processual referido. Entretanto, não nos furtaremos de apreciar algumas questões peculiares ao processo de constituição de servidão administrativa. E, basicamente, são dois os pontos a serem abordados.

Em primeiro lugar, questiona-se sobre a aplicabilidade dos arts. 9.º e 20 do Decreto-lei n.º 3.365/41 quando a ação visa à constituição de servidão administrativa. Vejamos a redação daqueles dispositivos legais:

"Art. 9.º - Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.

Art. 20 - A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta".

José Carlos de Moraes Salles entende que não há que se restringir a discussão no bojo da Ação de Constituição de Servidão Administrativa, baseando seu posicionamento no fato de que, em sua opinião, o art. 40 da Lei Geral das Desapropriações só equipara os dois institutos para fins de cálculo da indenização devida ao particular. Confira-se o seu pronunciamento.

"A própria Lei de Desapropriações (Dec.-lei 3.365/41), no único dispositivo (art. 40) que dedicou às servidões administrativas, só tratou da forma pela qual se calcularia a indenização devida ao particular, não criando a exigência de declaração de utilidade pública.

Daí entendermos, também, que - ao contrário do que se verifica com a ação expropriatória, ex vi do disposto nos arts. 9.º e 20 do Dec.-lei 3.365/41 - na ação de constituição de servidão poderá ser amplamente discutida a matéria relativa à ocorrência ou não de utilidade ou necessidade pública, por não estar o particular sujeito a nenhuma vedação legal nesse sentido" [106].

Ousamos, todavia, dissentir do preclaro mestre. A razão de ser dessas vedações está na impossibilidade de o Poder Judiciário se imiscuir no mérito dos atos administrativos. Só a Administração Pública sabe dizer qual é ou não o interesse público. E se o Poder Judiciário pretender julgar a validade dessa opção do Administrador, que é política e não jurídica, estará afrontando o disposto no art. 2.º da Constituição da República, que consagra o princípio da separação dos Poderes.

Assim, independentemente de se enxergar ou não na norma contida no art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41 força suficiente para fazer os arts. 9.º e 20 do mesmo diploma legal alcançarem as servidões administrativas, aquelas vedações terão aplicabilidade garantida, posto que se assentam em princípios consagrados no âmbito do Direito Administrativo e do Direito Constitucional.

Mas ainda assim, entendemos que o art. 40 da LGD está a vincular a instituição das servidões administrativas a todo aquele processo.

Além dessa questão, é de se mencionar a possibilidade de o Poder Público se imitir provisoriamente na posse do bem, antes mesmo de findo o processo judicial. E essa medida tem sido amplamente aceita no âmbito do Poder Judiciário, como se verifica a partir da leitura da seguinte ementa jurisprudencial:

"Processual civil. Recurso de Agravo de Instrumento. Imissão de posse em processo de constituição de servidão. Possibilidade.

I - Instruída a inicial de processo expropriatório em conformidade com o Decreto-lei n.º 3.365, de 21/06/1941, inclusive, com o depósito prévio, o juiz imitirá na posse o expropriante, sem a oitiva do expropriado;

II - Agravo improvido" [107].

Mas, aqui, algumas observações devem ser feitas.

Na ação expropriatória, sempre haverá a necessidade de indenização [108], o que não ocorre em relação às servidões administrativas, como veremos mais adiante. De modo que, no processo judicial em que se pretenda obter título para a transferência da propriedade particular (ou do poder público nas hipóteses cabíveis) para o patrimônio do ente expropriante, alegando urgência e fazendo o depósito prévio da quantia oferecida a título de indenização, poderá o Poder Público se imitir desde logo na posse do imóvel.

Transferindo-se aquele raciocínio para o âmbito das servidões administrativas, há que se fazer a seguinte indagação: será uma servidão indenizável? Sendo positiva a resposta, deverá a imissão na posse ser precedida do respectivo depósito. Não o sendo, será, obviamente, dispensável o depósito. Mas, como saber se será ou não indenizável sob a ótica processual e, por outro lado, se o valor do depósito é justo?

No âmbito das desapropriações, a imissão provisória costuma ser autorizada mediante o depósito da quantia ofertada pelo Poder Público, que geralmente se baseia no valor constante dos cadastros municipais para fins de cálculo do IPTU, conforme autoriza o art. 15, § 1.º, c do Decreto-lei n.º 3.365/41 (lembre-se que a base de cálculo daquele imposto municipal é o valor venal do imóvel, nos termos do art. 33 do Código Tributário Nacional). Ocorre que tais valores são geralmente muito inferiores aos realmente vigorantes no mercado, de modo que costuma causar grande transtorno aos expropriados tal medida judicial por razões que dispensam comentários.

Sensível a esse problema, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser sempre inafastável uma perícia prévia, ainda que superficial, com vistas a identificar aproximadamente o valor venal do imóvel, de modo a impedir maiores injustiças. Confira-se a seguinte ementa jurisprudencial:

"Desapropriação. Imissão na Posse. Princípio da indenização prévia e justa. Decreto-lei n.º 3.365/41, art. 15.

- Na desapropriação, a imissão provisória na posse há de ser concedida em face da alegada urgência, na forma do disposto no art. 15, caput, da Lei das Desapropriações, recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

- A decisão recorrida guarda estreita identidade com entendimento dominante nas Turmas que compõem a Egrégia Primeira Seção, do que dá conta precedente guarnecido pela seguinte ementa:

‘Administrativo. Desapropriação. Imissão provisória na posse. Decreto-lei n.º 3.365/41. Inteligência. Decisão da Seção.

I - Consoante decidido pela Egrégia Primeira Seção desta Corte, a imissão antecipada e ‘definitiva’ na posse de imóvel expropriado deve ser condicionada pelo depósito integral do valor apurado na avaliação provisória.

II - Recurso improvido (Resp n.º 74.179/RO, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 11.12.95)’.

- No mesmo sentido, os Resp n.º36.503/SP; Embargos de Divergência nos Resp’s n.º 920/SP e n.º 22.278/SP, também relatados pelo Ministro Hélio Mosimann; no Resp n.º 910/SP, Relator Ministro José de Jesus. Ultimamente, os recursos especiais nem vêm sendo admitidos: DJ de 07.03.94.

- Assim, alegada a urgência para o imediato apossamento do bem expropriado, exige-se o depósito prévio com o valor atualizado em avaliação judicial provisória (Incidente de Uniformização de Jurisprudência no Resp n.º 19.647-0/SP)" [109].

No âmbito das servidões administrativas, com muito mais razão, tal perícia prévia deverá ser realizada, devendo o auxiliar da justiça esclarecer os dois seguintes pontos básicos: a) se houve ou não prejuízo que justifique a indenização; b)em caso positivo, qual o valor a ser indenizado.

Sendo o caso de depósito prévio para a imissão provisória na posse, após a sua efetivação continuará o processo até os seus últimos termos, somente ao final se extraindo o respectivo mandado de transcrição imobiliária, que será remetido ao RGI para fins de registro da servidão administrativa.

i. Indenização

Como tivemos a oportunidade de verificar, quando da leitura do art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, a lei fala de forma bastante clara sobre a necessidade de se indenizar o sujeito passivo das servidões administrativas. Por outro lado, vimos, quando tratamos da indenização nas limitações administrativas, que a doutrina majoritária tem anunciado a regra que aponta para a desnecessidade de se indenizar o particular atingido por intervenção branda na sua propriedade. Por conta disso, a questão que se põe é a seguinte: como compor essas duas soluções divergentes?

Baseando-se no texto legal, Marcello Caetano afirma que, via de regra, as servidões administrativas renderão ao sujeito passivo o direito de pleitear indenização do ente público interveniente [110]. Mas essa lição é amplamente minoritária, sucumbindo diante dos pronunciamentos mais atualizados.

Maria Sylvia Di Pietro faz distinção entre servidão, digamos, concreta, que implica o desmembramento dos poderes da propriedade, e servidão genérica, que atinge indivíduos indeterminados, afirmando que, no primeiro caso, a indenização será sempre devida e, no segundo, não [111].

Para nós, que não aceitamos a possibilidade uma servidão ser instituída de forma genérica por lei formal, não está correta, data venia da respeitável administrativista, essa distinção. Mas também somos daqueles que entendem que há hipóteses em que a indenização será devida e outras em que não. Mas qual seria, então, o critério diferenciador?

Parte da doutrina, ao nosso ver corretamente, aponta para a necessidade de comprovação de que a servidão causou efetivo prejuízo ao administrado, só neste caso sendo devida a indenização. Esta, parece-nos, é a posição predominante entre os estudiosos do tema.

O professor J. M. Pinheiro Madeira assim se manifesta, apresentando sua solução através de um exemplo esclarecedor, capaz de espancar qualquer dúvida sobre a questão:

"Na maioria dos casos, as servidões administrativas configuram-se como indenizáveis, mas isso não acontece sempre. Os particulares, por exemplo, são obrigados a permitir que se coloquem placas indicativas de ruas em sua propriedade, sem que por isso lhes caiba direito de indenização, porque não há, neste caso, qualquer espécie de prejuízo para o prédio serviente" [112].

Mas em que oportunidade será avaliada essa questão, qual seja, a de saber se houve ou não prejuízo? A questão não se nos afigura de grande complexidade.

Vimos, há algumas linhas, que a instituição das servidões poderá se dar amigavelmente, formalizando o Poder Público e o proprietário do bem a ser gravado escritura pública e levando-a a registro no RGI. Se o Poder Público reconhece o dano que causará a servidão ao particular e lhe oferece justa indenização, concordando este, composto estará o problema e a indenização será paga administrativamente. O mesmo ocorrerá se o particular reconhecer que nenhum prejuízo lhe causará o direito real a ser exercido pela Administração, direta ou indiretamente (neste último caso, através de seus delegatários).

Entretanto, se o ente instituidor da servidão administrativa não reconhece o prejuízo que causará a intervenção na propriedade ou, mesmo o reconhecendo, não oferece indenização compatível com as expectativas do particular, deverá aquele ajuizar Ação de Constituição de Servidão Administrativa (lembre-se de que não há falar, aqui, em auto-executoriedade). E no curso do processo, que seguirá o rito estabelecido para a Ação de Desapropriação, será feita perícia técnica para a avaliação do alegado dano.

A indenização será, via de regra, paga ao final do processo, mas antes da expedição do mandado de transcrição imobiliária (instruído com algumas peças processuais, dentre as quais se destacam as decisões meritórias, especialmente a que transitar em julgado), que servirá de título para o registro do direito real no RGI.

A jurisprudência tem prestigiado esse procedimento, conforme se infere da seguinte ementa:

"Administrativo - Desapropriação - Servidão Administrativa.

I - Correta a sentença que fixou o valor com base no bem elaborado laudo do perito do juízo, com os consectários legais na forma prevista nas súmulas do extinto TFR.

II - Remessa necessária improvida" [113].

E, para acabar com qualquer possibilidade de dúvida a esse respeito, confira-se a seguinte decisão, também do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, em que se desprestigiou a sentença, por não ter levado em consideração o laudo pericial:

"Constitucional. Administrativo. Desapropriação. Servidão de passagem aérea em área urbana. Indenização a que faz jus o expropriado pela passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Injusto valor fixado para a indenização.

- Procedem as críticas da apelante quanto ao afastamento pelo eminente julgador monocrático das conclusões do laudo pericial de excepcional qualidade técnica.

- Tampouco foi feita qualquer referência ao laudo do assistente técnico da apelada, para excluir, sem qualquer explicação, as duas áreas encravadas, do valor indenizatório.

- Indicação de percentual inadequado para áreas urbanas. Discrepância entre o constante da sentença e o apontado pelo perito.

- Sem outras considerações, para adotar, na integralidade, o laudo pericial do assistente técnico da apelante, no seu conteúdo e conclusões.

- Provida a apelação. Decisão unânime" [114].

Verifique-se, entretanto, que o valor a ser apurado pela perícia técnica deve se restringir à amplitude do prejuízo experimentado pelo particular, diferentemente do que ocorre com a desapropriação, que, além de outros itens, abarca o valor global do bem, já que este lhe é retirado do patrimônio compulsoriamente. Se não for observada essa distinção, perceberá o sujeito ativo da servidão administrativa um enriquecimento sem causa, o que é repelido pela Ciência Jurídica.

Sobre essa questão, confira-se o seguinte acórdão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou a Apelação Cível n.º 641/97:

"Desapropriação. Servidão administrativa. Passagem de oleoduto e gasoduto. Imóvel rural. Desvalorização. Indenização justa.

Em tema de desapropriação, ainda que rural o imóvel, objetivando servidão de passagem de oleoduto e gasoduto, a indenização há de ser justa e em dinheiro, para evitar-se o confisco, ante a limitação do direito de propriedade, não servindo, no entanto, para enriquecimento sem causa" [115].

Antes ainda de verificarmos que verbas deverão ser incluídas no montante a ser pago a título de indenização, convém mencionar a oportuna lição da prof. Lúcia Valle Figueiredo [116], no que toca à possibilidade de uma autêntica desapropriação se disfarçar de servidão administrativa. Isso ocorrerá quando a pretensa intervenção branda retirar todo o conteúdo econômico do bem objeto da falsa servidão. Nesta hipótese, que se traduz - sem medo de parecer repetitivo - em verdadeira desapropriação, a indenização deverá ser global, posto que a propriedade in totum se descompôs.

Derradeiramente, é de se esclarecer quais as verbas que integrarão o montante a ser pago ao proprietário do imóvel gravado a título de indenização, conforme orientação dominante da jurisprudência pátria:

a) valor de depreciação do imóvel, conforme apurado na perícia técnica. Observe-se, entretanto, que, se houver imissão provisória na posse, deverá o valor previamente depositado ser abatido do total da indenização;

b) eventuais lucros cessantes;

c) correção monetária;

d) juros moratórios, devidos em razão da demora no pagamento da indenização. O percentual será de 6% ao ano, iniciando a contagem da data em que transitar em julgado o título executivo;

e) juros compensatórios, devidos em razão da utilização precoce do bem pelo Poder Público por ocasião da imissão provisória na posse. O percentual a ser aplicado é de 6%, de acordo com a MP n.º 1.658-12/98, contando-se da data em que o Poder Público se imitir na posse. A base de cálculo será a diferença entre o valor da oferta e a condenação final, atualizada monetariamente e acrescida dos juros moratórios;

f) honorários de advogado, calculado sobre a seguinte base de cálculo: diferença existente entre o valor ofertado pelo Poder Público e o valor fina da condenação.

j. Extinção

Embora tenham caráter de permanência, o que não se confunde com perpetuidade, característica que lhes é negada pelo prof. Caio Mário da Silva Pereira [117], que prefere nelas ver, com bastante razão, uma duração indeterminada, as servidões, inclusive as administrativas, estão sujeitas a causas capazes de acarretar-lhes a extinção.

O Código Civil, em seu art. 708, inicia a disciplina da extinção das servidões afirmando que esta só se dará com o cancelamento do registro feito no órgão competente. E isso por uma razão simples: se somente com o registro se constitui a servidão (no nosso caso isso não se discute, pois não admitimos servidão sobre bens móveis ou sobre direitos), somente com o seu cancelamento será possível a sua extinção. O registro, em outras palavras, é constitutivo do direito real, devendo ser desconstituído para que este não mais subsista.

Portanto, não basta que as causas de extinção se apresentem para que se considere extinta a servidão. Deverá o proprietário do prédio serviente providenciar o seu cancelamento junto ao RGI, na forma do art. 257 da Lei n.º 6.015/73, observando que o oficial só o promoverá por força de decisão judicial trânsita em julgado, a requerimento unânime das partes interessadas ou a requerimento do interessado, desde que munido de documento hábil (LRP, art. 250).

Passemos, então, ao estudo das causas de extinção das servidões administrativas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que "as servidões administrativas são perpétuas no sentido de que perduram enquanto subsiste a necessidade do poder público e a utilidade do prédio serviente. Cessada aquela ou esta, extingue-se a servidão" [118]. E, nessa assertiva, podemos vislumbrar uma primeira causa, que é o não-uso [119]. No caso do direito administrativo, talvez seja mais próprio referir-se a desafetação, acompanhando a lição da prof. Lúcia Valle Figueiredo [120]. O não-uso corresponderia a uma desafetação fática, que existe ao lado da desafetação formal.

Portanto, se a servidão foi instituída, por exemplo, para a afixação de uma placa de sinalização e, posteriormente, o trânsito de veículos fica vedado naquele logradouro, não terá mais sentido a manutenção da servidão, pelo que ocorrerá a sua desafetação. Mas, lembre-se, para que fique extinto o ônus real, deverá ser providenciado o cancelamento do registro no RGI.

Outra forma de extinção das servidões administrativas anunciada pela doutrina é a confusão, que ocorrerá na hipótese de o imóvel gravado por aquele ônus real passar a integrar, por qualquer motivo, o patrimônio do ente interventor. Com isso, o que era uma propriedade limitada (CC, art. 525) volve à sua plenitude original, não sendo mais possível falar-se em direito real sobre coisa alheia e, por conseguinte, em servidão administrativa.

Afirma-se, também, que o perecimento da coisa sobre a qual recaiu o direito real também é causa de extinção da servidão administrativa. Aqui, a extinção se dá por perda do objeto. Seria o caso de um prédio ser gravado com aquele ônus e um incêndio o destruir.

Por último, é de se afirmar que o usucapião não será causa de extinção das servidões administrativas, por força do disposto nos arts. 183 e 191 da Constituição.

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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Institutos afins à desapropriação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3433. Acesso em: 24 nov. 2024.

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