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O papel do advogado criminalista

06/07/2016 às 14:08
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Quando estamos sob ditadura, fica evidente a mácula aos direitos humanos e todos veem no advogado criminalista um herói, mas quando ocorrem sequestros/sumiços de presos, torturas, prisões desarrazoadas em pleno regime democrático, transvestidos de legalidade, o papel do advogado não é menor. Não é só de aplausos que se vive a vida.

Com a morte do Ministro Márcio Thomaz Bastos, me veio à mente uma situação.

O Ministro foi aclamado por seus colegas advogados pela sua competência e perspicácia. Homem de posição, nas defesas que fazia sempre buscava o que acreditava sem medir palavras e sem medo de retaliações. Era uma pessoa que fazia o seu trabalho da melhor maneira possível, com ética, seriedade, respeito e, acima de tudo, dignidade. No comando do Ministério da Justiça efetivou esforços para dar autonomia à Defensoria Pública, estruturar a Polícia Federal e criar o Conselho Nacional de Justiça – isso mesmo, hoje juiz só não é Deus porque responde ao Conselho.

Contudo, esse defensor que tanto buscou resguardar os direitos humanos já foi rebaixado pela sociedade. Visto como “o defensor dos inimigos” o advogado enfrentou duras críticas em razão de defesas que realizou. Taxado não somente como advogado de bandido, mas confundido com as pessoas que defendia – ressalta-se que muitas sequer foram condenadas – o causídico chegou a ser equiparado ao advogado do diabo pela mídia e pelas redes sociais.

Isso acontece com os advogados criminalistas. Somos perseguidos por parte da sociedade, que nos olha com desgosto e presunção. Em razão de preconceitos muitos julgam os advogados desta área seres amorais que defendem e “soltam” os bandidos. Com esse discurso do “ódio” tem-se a impressão que somos “um mal necessário” para que se condene determinado indivíduo. Contudo, ninguém para e pergunta: para que serve um advogado criminalista?

Vivemos um período pós guerras mundiais e ditadura militar, parece que a força tomou lugar daquilo que é correto, o lugar do direito. Atualmente, vemos a sociedade fazendo justiça com as próprias mãos, é filho matando pai, são crianças metralhando outras nas escolas, a polícia matando jovens – a polícia brasileira mata mais que a dos EUA. A violência parece estar generalizada. Ninguém respeita mais aquilo que é correto.

Essa crise social também é vivenciada nos tribunais. Policiais, agentes públicos e até juízes não respeitam mais a lei. As pessoas são encarceradas sem fundamento. Não há mais dignidade de tratamento entre os seres humanos: uns se julgam superiores a outros, o que, nessa ótica, lhes possibilita tratar o outro na condição de animal – ou até menos do que isso, pois hoje em dia os animais têm dignidade.

O papel do advogado criminalista é defender os valores sociais e morais da coletividade. É brigar pelo justo, razoável e pelo proporcional. É não se curvar diante dessa onda de preconceitos e fazer o melhor trabalho possível, com ética, respeito e dignidade. É “brigar” com o juiz, com o promotor e com a própria sociedade se preciso for na defesa daquilo que acredita, da paz social e da pena justa. É ser sonhador e acreditar que um dia seu trabalho fará uma sociedade melhor. É acreditar no ser humano. É carregar o fardo da dignidade sobre seus ombros e se fazer respeitar diante de tanto preconceito, desrespeito e presunção. É dar a versão daquele que ninguém quer ouvir. É lutar diariamente para fazer um mundo melhor e fazer respeitar a Carta Magna.

Quando estamos no regime militar, fica evidente a mácula aos direitos humanos e todos veem neste tipo de advogado um herói, mas quando ocorre sequestro/sumiço de presos, torturas, prisões desarrazoadas em pleno regime democrático, transvestido de legalidade, o papel do advogado criminalista não é menor, embora não seja apenas de aplausos que se vive a vida.


SOBRAL: O HOMEM QUE NÃO TINHA PREÇO. Direção de Paula Fiuza. São Paulo: ART FILMS, 2013.

LIÇÕES E GESTOS DE MÁRCIO THOMAZ BASTOS DEVEM SER SEMPRE LEMBRADOS. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-25/direito-defesa-licoes-gestos-marcio-thomaz-bastos-sempre-lembrados>. Acesso em: 27 nov. 2014.

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Sobre o autor
Everton S. Oliveira Nobre

Advogado e sócio da Nobre e Aguiar Advogados, orientador jurídico no Centro Universitário Euro-Americano, especialista em Direito Público com docência e pós-graduando em Direito Criminal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Everton S. Oliveira. O papel do advogado criminalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4753, 6 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34458. Acesso em: 24 abr. 2024.

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