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Vinculação e discricionariedade nos atos administrativos

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01/02/2001 às 00:00
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5. Considerações finais

A questão da discricionariedade na ação administrativa constitui um dos pontos centrais da preocupação dos estudiosos do direito administrativo. Manifesta-se o fenômeno da discricionariedade administrativa quando:

a) a lei expressamente confere ao administrador a faculdade de optar por uma dentre as soluções jurídicas pela mesma apontadas no caso da ocorrência da situação fática nela descrita;

b) deixa a lei de apontar o motivo ou o objeto do ato administrativo, elementos essenciais para sua constituição;

c) emprega a lei "conceitos jurídicos indeterminados" e, se e somente se, for materialmente impossível para o Poder Judiciário fixar a melhor interpretação para a situação jurídica posta sob sua apreciação.

Essa última assertiva não deve ser encarada como admissão do "conceito jurídico indeterminado" como "fonte" da discricionariedade administrativa. Não se trata disto.

A discricionariedade administrativa é um processo jurídico-político de decisão, onde há a inserção controlada de elementos metassistêmicos - juridicização do político - no ordenamento jurídico, por injunção da volátil realidade social que a administração pública deve encarar. Se a interpretação, fase que lhe é primeira e onipresente, se mostra insuficiente para o deslinde semântico da norma diante do caso concreto, surge então espaço para que o administrador empregue um juízo de oportunidade para a resolução do que lhe foi requerido ou concretização da finalidade que lhe foi imputada. Posteriormente, o mérito é sujeito ao controle interno da própria administração pública e ao controle jurisdicional, este se invocado, relacionando-o com a ideologia constitucional (em especial, sob a ótica dos princípios da isonomia e da moralidade administrativa)(73).

Em suma: o "conceito jurídico indeterminado" não é origem necessária da discricionariedade, mas tão somente um elemento que, quando em conjunto com os limites de sua interpretação e os dados do caso concreto, contribui para que o sistema jurídico não deixe outra opção para o administrador senão recorrer ao seu juízo de oportunidade.

Assim, esperamos ter contribuído, de algum modo, para a compreensão de capítulo tão importante na teoria dos atos administrativos.


NOTAS

1. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 20 ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo et al, , São Paulo, Malheiros, 1995, pp. 103-104.

2. Idem, ibidem, p. 102.

3. Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 134; e Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 6 ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 23.

4. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 5 ed., São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 178-179; Caio Tácito, "Ato e Fato Administrativo", in: Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), 1º Vol., Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 299; e José Cretella Júnior, O "Desvio de Poder" na Administração Pública, 4 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 35.

5. Cf. Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 136; Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 23; Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 179; e José Cretella Júnior, op. cit., p. 36.

6. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., pp. 179-180.

7. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, op.cit., pp. 181-182

8. Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 137. Cf. Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 23.

9. Op. cit., p. 35.

10. Cf. Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 135; Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 24; e José Cretella Júnior, op. cit., p. 36.

11. Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 23.

12. Caio Tácito, op. cit., p. 301.

13. José Cretella Júnior, op. cit., p.38 (grifo no original).

14. Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 102.

15. Eduardo García de Enterría & Tomás-Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo, 8 ed., Vol. I, Madrid, Civitas, 1998, pp. 446-447; e Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 102.

16. Themístocles Brandão Cavalcanti, "Do Poder Discricionário", in: Revista de Direito Administrativo, Seleção Histórica, pp. 436-437.

17. Eduardo Gárcia de Enterría & Tomás-Ramón Fernandez, op. cit., p. 446.

18. Op. cit., p. 52.

19. Caio Tácito, "Abuso de Poder Administrativo no Brasil", in: Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), 1º Vol., Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 51.

20. Op. cit., pp. 189-190.

21. Em seu Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2 ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 34.

22. Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 207.

23. Almiro do Couto e Silva, "Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro", in: Revista de Direito Administrativo, Vol. 179, p. 57.

24. Em seu "Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração", in: Problemas de Direito Público, Rio de Janeiro, Forense, 1960, p. 279.

25. Themístocles Brandão Cavalcanti, op. cit., p. 432.

26. Caio Tácito, "Abuso de Poder Administrativo no Brasil", cit., p. 51.

27. Idem, ibidem, p. 52 (grifo do autor).

28. Cf. Caio Tácito, "Desvio de Poder em Matéria Administrativa", in: Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres), 1º Vol., Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 95; e Victor Nunes Leal, "Reconsideração do Tema do Abuso de Poder", in: Revista de Direito Administrativo, Seleção Histórica, pp. 457-458.

29. Themístocles Brandão Cavalcanti, op. cit., p. 433.

30. Miguel Seabra Fagundes, "Conceito de Mérito no Direito Administrativo", Revista de Direito Administrativo, Seleção Histórica, p. 189.

31. Idem, ibidem, p. 190. Cf. José Cretella Júnior, op. cit., pp. 72-75.

32. Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 193.

33. Em sentido contrário: José Cretella Júnior, op. cit., pp. 78-79.

34. Miguel Seabra Fagundes, op. cit., p. 194.

35. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Legitimidade e Discricionariedade, 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1991, p. 32.

36. Op. cit., p. 66.

37. Idem.

38. Almiro do Couto e Silva, op. cit., p. 48.

39. Idem, ibidem, p. 55.

40. Idem, ibidem, p. 48.

41. Em seu Direito e Economia na Democratização Brasileira, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 139.

42. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 14 ed., Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 36.

43. Eros Roberto Grau, "Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade", in: Direito Posto e Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 143-145.

44. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao Estudo do Direito, 2 ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 34.

45. Idem, ibidem, pp. 35-36.

46. Idem, ibidem, pp. 34 e 36.

47. Friedrich Müller, Direito - Linguagem - Violência: Elementos para uma Teoria Constitucional, I, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 36.

48. Almiro do Couto e Silva, op. cit., p. 58.

49. Op. cit., p. 38 (grifo no original).

50. Op. cit., p. 146.

51. Idem, ibidem, p. 144.

52. Idem, ibidem, pp. 146-148.

53. Carlos Maximiliano, op. cit., pp. 37-38.

54. Eduardo Gárcia de Enterría & Tomás-Ramón Fernandez, op. cit., p. 449.

55. Eros Roberto Grau, op. cit., pp. 149-150.

56. Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicional, cit, p. 23.

57. É certo que a eficiência administrativa ajuda a compor o juízo de juridicidade presente no processo discricionário. Mas o controle jurisdicional dessa juridicidade, sob a ótica estrita da eficiência é bastante problemática.

58. Em seu "Conceitos Jurídicos Indeterminados", in: Revista Trimestral de Direito Público, Nº 14/1996, p. 84.

59. Almiro do Couto e Silva, op. cit., p. 59.

60. Idem, ibidem, p. 60. Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicional, São Paulo, Malheiros, 1992, pp. 42-43.

61. Op. cit., p. 433. Cf. Victor Nunes Leal, op. cit., pp. 454-455.

62. Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e Controle Jurisdicional, cit., pp. 31-32.

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63. Afonso Rodrigues Queiró, "A Teoria do Desvio de Poder do Direito Administrativo", in: Revista de Direito Administrativo, Nº 6, p. 56.

64. Idem.

65. Afonso Rodrigues Queiró, "A Teoria do Desvio de Poder do Direito Administrativo", cit., p. 57

66. Op. cit., p. 60.

67. Idem.

68. Ibidem.

69. Idem.

70. Afonso Rodrigues Queiró, op. cit., p. 58.

71. Idem, ibidem, p. 64.

72. Cf. Vladimir da Rocha França, "Considerações sobre o Controle da Moralidade dos Atos Administrativos", in: Revista da ESMAPE, Vol. 3, Nº 8, pp. 434-437.

73. Para uma defesa da admissibilidade do controle judicial de mérito, ver nosso Invalidação Judicial da Discricionariedade Administrativa, Recife, 1998, pp. 141-153.


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Sobre o autor
Vladimir da Rocha França

advogado em Natal (RN), professor da UFRN e da Universidade Potiguar, mestre em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE), doutor em Direito do Estado pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Vladimir Rocha. Vinculação e discricionariedade nos atos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/346. Acesso em: 28 mar. 2024.

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