4. O Princípio da Universalidade das Pessoas Físicas
No Direito Tributário brasileiro, a tributação das pessoas físicas é regida pelo princípio da universalidade ou do world wide income taxation. Este princípio encontra as suas origens na lei prussiana de 24 de julho de 1891 e no direito brasileiro por meio do Regulamento do Imposto de Renda de 1980 (RIR/80), em seu artigo 21, o qual dispunha que os rendimentos recebidos no exterior compunham o rendimento bruto.
Nesse diapasão, o princípio da universalidade foi mantido, por meio da Lei nº 7.713 de 22 de dezembro de 1988, materializado no artigo 38 do RIR[11], estabelecendo novos parâmetros e dispondo o seguinte:
“Art. 38. A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer .título”. (grifos meus)
Depreende-se do texto legal a consolidação do princípio da universalidade, principalmente, quando menciona que a tributação independe do local, da nacionalidade ou da fonte do rendimento. Diante dessas prerrogativas, faz-se mister realizar algumas distinções.
Além da localização da fonte, o dispositivo acima mencionado considera irrelevante a condição jurídica e a nacionalidade da fonte. No que tange à condição jurídica, deve-se compreender como a natureza jurídica da fonte pagadora, podendo ser pessoa jurídica ou pessoa física.
No que concerne à forma de pagamento, o dispositivo abarca os rendimentos auferidos e ganhos no exterior, no entanto, estes rendimentos podem ser transferidos, creditados ou pagos no Brasil, excluindo-se, para esta última situação a isenção de tributos, é o dispõe o caput do artigo 6º da Instrução Normativa SRF nº 208/02 (INSRF)[12]:
“Art. 16. Os demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior por residente no Brasil, transferidos ou não para o País, estão sujeitos à tributação [...]”.
Ocorre também que, para as pessoas físicas que receberem de fontes estrangeiras, sejam rendimentos ou ganho de capital que não foram tributados na fonte pelo país de origem, estará sujeita ao regime de tributação definitiva quanto aos seus rendimentos, devendo, no entanto, compensar o imposto pago no exterior na apuração do valor mensal a recolher, é o que prerrogam os artigos 8º e 25 da Lei 7.7713/1998 e os artigos 14, 15 e 16 da INSRF nº 208/02.
Além desta forma de tributação, urge mencionar que o disposto no artigo 103 da RIR revela uma certa mitigação ao princípio da universalidade, visto que estabelece a outorga unilateral ao crédito do imposto, desde que haja reciprocidade entre os Estados. Assim dispondo:
“Art. 103. As pessoas físicas que declararem rendimentos provenientes de fontes situadas no exterior poderão deduzir, do imposto apurado na forma do art. 86, o cobrado pela nação de origem daqueles rendimentos, desde que:
I - em conformidade com o previsto em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos, quando não houver sido restituído ou compensado naquele país; ouII - haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil.
§ 1º A dedução não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos e o imposto devido sem a inclusão dos mesmos rendimentos”.
Nesse mesmo raciocínio, pode-se constatar que o artigo mencionado estipula que o imposto apurado não poderá ser restituído ou compensado no país de origem, bem como não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos.
5. Princípios da Universalidade e da Territorialidade e o Imposto Sobre a Renda
a. Escorço Histórico no Direito Pátrio da Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e os Princípios da Territorialidade e Universalidade
O ordenamento jurídico pátrio adotava o princípio da territorialidade em relação ao imposto de renda das pessoas jurídicas, tributando exclusivamente as rendas produzidas em seu próprio território.
Nesse sentido, cabe destacar que a origem histórica do princípio da territorialidade foi ilustrada de forma suficiente por Bulhões Pereira[13], o qual ponderou o seguinte:
“O imposto de renda brasileiro, desde a sua implantação, em 1924, adotou o critério territorial para definir os sujeitos passivos do imposto, que são apenas as pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no país. Quanto à definição de renda sujeita ao imposto, a legislação também adotou o critério territorial na tributação das pessoas jurídicas domiciliadas no País e das pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior; apenas para as pessoas físicas residentes no País passou – a partir de 1939 – a adotar o critério político. As primeiras Leis sobre o imposto (nº 4.625, de 1922, e 4.783, de 1923) e RIR de 1924 adotavam o critério de territorialidade para todas as hipóteses de incidência, definindo como tributáveis apenas os rendimentos produzidos no País”.
Em 22 de dezembro de 1987, por meio do Decreto-Lei nº 2.397, houve a tentativa da implementação do princípio da universalidade, prevendo em seu artigo 7º que “serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados os resultados obtidos no exterior”.
Ocorre, no entanto, que o princípio da universalidade não durou por muito tempo, visto que em 15 de abril de 1988, por meio do Decreto-Lei nº 2.429, revogou este princípio restabelecendo o princípio da territorialidade[14].
O princípio da territorialidade foi amplamente consolidado até o ano de 1995, quando então, entrou em vigor a Lei nº 9.249/95, instituindo o princípio da universalidade sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas.
b. O Princípio da Universalidade e a Lei nº 9.249/95
Conforme abordado anteriormente, no direito pátrio tinha-se como principal característica a adoção do princípio da territorialidade, o qual estipulava que nenhuma fonte produção advinda do exterior poderia recair no âmbito do imposto de renda das pessoas jurídicas, sejam elas filiais, sucursais ou relacionadas à atividade jurídica no exercício de direitos, tais como: royalties, juros e dividendos.
Em 26 de dezembro de 1995 por meio da Lei nº 9.249, foi instituído o princípio da universalidade ou world wide taxation em substituição ao princípio da territorialidade, retomando assim a isonomia tributária dos residentes que auferem renda no exterior com aqueles que auferem no próprio País.
O artigo 25 da referida Lei[15] passou a estabelecer:
“Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano. [...]
§ 2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I - as filiais, sucursais e controladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira;
II - os lucros a que se refere o inciso I serão adicionados ao lucro líquido da matriz ou controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real”.
O artigo em sobejo contempla a tributação universal, tendo em vista que toda a renda externa da pessoa jurídica domiciliada no Brasil estará submetida à tributação, seja esta renda obtida por filiais, sucursais ou controladas.
Ocorre, no entanto, que a tributação sobre a renda das pessoas jurídicas não foi estendida para a apuração da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), mantendo-se sob a égide do princípio da territorialidade.
Ainda, no que tange ao artigo 25, observa-se que os lucros auferidos pela matriz ou controladora, foram incluídos na a apuração do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro de cada ano[16]. Tal regra, no entanto, foi modificada pela instrução normativa nº 38/96, o que adiante se analisará.
c. A Instrução Normativa nº 38/96 e a Lei nº 9.532/97
Conforme já fora dito, a Lei nº 9.249/95 suprimiu o princípio da territorialidade e adotou o princípio da universalidade no que tange ao imposto de renda das pessoas jurídicas. Logo após esta inovação, o Secretário da Receita Federal (SRF) estipulou, por meio da Instrução Normativa nº 38 de 27 de julho de 1996[17], o seguinte:
“Art. 2º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido do período-base, para efeito de determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados.
§ 1º Consideram-se disponibilizados os lucros pagos ou creditados à matriz, controladora ou coligada, no Brasil, pela filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior.
§ 2º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, considera-se:
I - creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior;
II - pago o lucro, quando ocorrer:
a) o crédito do valor em conta bancária em favor da matriz, controladora ou coligada, domiciliada no Brasil;
b) a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
c) a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
d) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior.[...]
§ 9º Na hipótese de alienação do patrimônio da filial ou sucursal, ou da participação societária em controlada ou coligada, no exterior, os lucros ainda não tributados no Brasil deverão ser adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real da alienante no Brasil”.
Pode-se depreender que a Instrução Normativa, inovando os preceitos normativos, estipulou que os lucros auferidos no exterior somente seriam adicionados na determinação do lucro real, caso estes tenham sidos disponibilizados pela pessoa jurídica residente no Brasil.
A Instrução Normativa nº 38/96 também regrou a possibilidade das empresas controladas ou coligadas no exterior, postergarem a tributação de seus lucros, valendo-se da regra de disponibilização.
Levando-se em conta esse paradigma, a Lei nº 9.253 de 1997[18] fez, certamente, ao ajustar o momento da disponibilização com o momento da apuração, assinalando que:
“Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para a empresa no Brasil:
a) no caso de filial ou sucursal, na data do balanço no qual tiverem sido apurados;
b) no caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior.c) na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada ou controlada, possuir lucros ou reservas de lucros;d) na hipótese de adiantamento de recursos, efetuado pela coligada ou controlada, por conta de venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço.
§ 2º Para efeito do disposto na alínea "b" do parágrafo anterior, considera-se:
a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior;b) pago o lucro, quando ocorrer:
1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil;
2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior”.
Os artigos retromencionados consideraram os lucros disponibilizados na data do balanço no qual foram tiverem sido apurados, combinando o momento da apuração com o momento da disponibilização.
Dessa forma verifica-se que a Lei confere limites à esta Instrução Normativa, principalmente, aos fatos geradores que identificam a disponibilização do lucro pela empresa no exterior.
Logo após, com o advento da Medida Provisória 2.158-35/2001, estipulou-se que o lucro auferido pela coligada ou controlada seria considerado como disponibilizado no Brasil na data do balanço no qual tivesse sido apurado, resultando, no entanto, segundo Taciana Alves[19] como: “extrapolação ao próprio conceito de universalidade, na medida em que, enquanto os rendimentos não forem disponibilizados para a sociedade brasileira, o Estado nacional acaba tributando renda de titularidade de empresas independentes (que não possuem conexão pessoal com o ordenamento nacional), não havendo, nessa hipótese, sequer a existência de uma conexão material da fonte (ainda não disponibilizada) com o ordenamento pátrio.
Por fim, urge mencionar que o princípio da universalidade enquanto fundamento do ornamento jurídico brasileiro, é o princípio capaz de gerar tributação aos fatos ocorridos no exterior, revelando-se, portanto, como ferramenta de efetivação do princípio da renda mundial.