Um olhar jurídico sobre as fundações

03/12/2014 às 14:56
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Conceito, regime jurídico e exemplos de fundações, de modo que se percebam os vários posicionamentos de doutrinadores bem como sob o aspecto jurídico legal.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu artigo 37, nos apresenta as definições da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). 

De acordo, com o novo texto atribuído ao artigo 37, XIX, a distinção anteriormente feita pela Constituição Federal entre fundações públicas e  fundações privadas foi mitigada, não se mencionando mais a expressão fundação pública. A omissão da palavra pública veio a autorizar a criação de fundações públicas ou privadas pelo Poder Público.


FUNDAÇÃO: CONCEITO

Uma fundação é considerada um fundo autônomo, que tem por finalidade uma ação e ou uma operação, definida em seus estatutos.  De forma geral, é uma instituição caracterizada como pessoa jurídica composta pela organização de um patrimônio, mas que não tem proprietário, nem titular, nem sócios.  É uma entidade de direito privado, constituída por ata dotação patrimonial, inter-vivos e causa-mortis para determinada finalidade econômica não distributiva, segundo novo entendimento internacional sendo fiscalizada pelo Ministério Público.

Portanto, é uma pessoa jurídica composta por um patrimônio juridicamente indissolúvel e personalizado, destacado pelo seu instituidor ou instituidores públicos ou privados, para uma ou mais finalidades específicas, não distributivas, com relação a sua renda, que deve forçosamente ser reincorporada. Não tem proprietário, nem titular, daí seu caráter não distributivo, que a lei estabelece, desde os primórdios tempos nem sócios ou acionistas. Consiste apenas num patrimônio administrado, segundo a Lei e destinado a um fim econômico, determinado pela própria lei que a autoriza, sendo acompanhada em sua atuação pelo Ministério Público da União, Estados ou Municípios, dependendo da esfera de atuação. Segundo novo entendimento internacional, sendo, portanto, dirigido por administradores ou curadores, autorizados e fiscalizados, na conformidade de seus estatutos, esses aprovados pelo Ministério Público a que está juridicamente subordinado.


2. ASPECTOS LEGAIS 

O Código Civil de 2002 trata do procedimento para criação e funcionamento das fundações, descritos do artigo 62 ao 69, de modo geral, consta no art. 37 da CF/1988 dispositivo que normatiza a criação destas entidades, assim como outras medidas infraconstitucionais foram instituídas para a regulamentação de atividades específicas das fundações, como, a exemplo, a lei 8.958, de 20 de Dezembro de 1994 que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio.


3. FUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO

As fundações de Direito Público são órgãos instituídos pelo poder público, com finalidade social, regida pelas disposições de direito público sendo, dessa forma, revestida dos controles e poderes próprios para o exercício do poder de polícia do Estado, ou seja, possuem capacidade para agir segundo as disposições legais destinadas às pessoas jurídicas estatais. Verifica-se a introdução das fundações de direito público na Constituição da República de 1988, conforme Art. 37:

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.

Vislumbra-se, nesta ótica, a vinculação ao princípio da legalidade para a criação de tais entidades jurídicas, como também a observância de outros princípios também elencados na Magna Carta. Além disso, estão sujeitas também à fiscalização ministerial da entidade que a criou, sendo que tal controle não remove a autonomia institucional para a organização interna. Segundo Edson Rafael (1997) as fundações paraestatais deverão ser fiscalizadas pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas respectivo, exclusivamente com relações a verbas e subvenções públicas que ingressarem nelas Outro preceito de extrema relevância aplicado às fundações de direito público é a responsabilidade civil objetiva a que estão submetidas, conforme § 6º do dispositivo supracitado:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Cumpre ressaltar que as pessoas de direito público seguem a mesma linha estrutural reservada às entidades do estado, quando da prestação ou execução dos de serviços públicos. Assim sendo, os contratos celebrados pelas fundações são regidos pelos ditames do Direito Administrativo, obedecendo à Lei de Licitações, como também o regime de pessoal estatutário, estando os mesmos obrigados a cumprir as disposições constitucionais quanto ao ingresso, incompatibilidade e teto remuneratório. O patrimônio das fundações de direito público é formado através da transferência de domínios móveis e imóveis públicos e suas rendas e bens considerados público, portanto, impenhoráveis e inalienáveis.


4. FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES

Fundada no dia 22 de Agosto de 1988 pelo então presidente José Sarney, a Fundação Cultural Palmares, por meio da lei 7.668/88, é uma entidade com vínculos com o Ministério da Cultura. A FCP (Fundação Cultural Palmares) tem por objetivo a promoção e preservação da arte e cultura afro-brasileira, e foi a primeira entidade pública com esse fim. A FCP já é conhecida por desenvolver um trabalho por uma política cultural igualitária e inclusiva, contribuindo para a valorização das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como patrimônio nacional.

A FCP tem exercido importante função na cultura do país, já emitiu mais de 2.000 certificações, que são documentos que reconhecem os direitos das comunidades quilombolas e lhes assegura o acesso aos programas sociais do Governo Federal, além disso, é referência na promoção e preservação das manifestações culturais negras e distribui constantemente publicações que promovem, discutem e incentivam a preservação da cultura afro-brasileira.

Dentre os seus principais objetivos inclui-se o combate ao racismo, a promoção da igualdade, a valorização difusão e preservação da cultura negra. Bem como difundir uma consciência de diversidade no reconhecimento e respeito às identidades culturais do povo brasileiro. A FCP possui três estruturas administrativas, para nortear as linhas macro de trabalho da fundação, as quais são: 

  • DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO AFRO-BRASILEIRO (DPA). É um setor responsável pela preservação dos bens culturais móveis e imóveis de origem africana, esse é o setor responsável pela certificação das áreas quilombolas.
  • DEPARTAMENTO DE FOMENTO E PROMOÇÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA (DEP). Faz parte das atribuições da FCP realizar eventos e editais com o intuito de fortalecer, valorizar, preservar e difundir a produção cultural afro-brasileira no País e no exterior.
  • CENTRO NACIONAL DE INFORMAÇÃO E REFERÊNCIA DA CULTURA NEGRA (CNIRC). Este setor fornece apoio à produção e a disseminação de informações qualificadas sobre a cultura afro-brasileira. 

5. COMPETÊNCIAS

Dentre as muitas competências da FCP segue como exemplo apenas competências do Conselho Curador e da Diretoria: 

Seção I

Dos Órgãos Colegiados  

Art. 5º Ao Conselho Curador compete:  

I – formular propostas e opinar sobre questões relevantes para a promoção e preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na sociedade brasileira;  

II – zelar pela FCP, seu patrimônio e cumprimento de seus objetivos;  

III – apreciar:  

a) o balanço anual e a prestação de contas, acompanhada do relatório de atividades da FCP;  

b) a contratação de empréstimos e de outras operações de que resultem obrigações para a FCP;  

c) a proposta orçamentária, o plano anual e plurianual e suas reformulações;  

d) os atos que importem alienação ou oneração de bens patrimoniais da FCP, inclusive imóveis;  

e) propostas referentes à definição de prioridades e linhas gerais orientadoras das atividades da Fundação, sua implementação e divulgação; e  

f) as propostas referentes a alterações do Estatuto e do regimento interno da FCP, ouvida a Diretoria;  

IV – avaliar a execução orçamentária anual, com vistas a apresentar sugestões de aperfeiçoamento de gestão à FCP;  

V – propor ao Ministério da Cultura os critérios, prioridades e procedimentos para a aprovação de projetos culturais apoiados por recursos do Fundo Nacional da Cultura, quando estiverem relacionados ao cumprimento das finalidades da FCP;  

VI – propor e opinar sobre a participação da FCP em organismos de natureza assemelhada, nacionais e internacionais;  

VII – elaborar e aprovar o regimento interno do próprio Conselho; e VIII – apreciar os demais assuntos que lhe sejam submetidos pela Diretoria ou pelos Conselheiros.  

Art. 6º À Diretoria compete:  

I – formular diretrizes e estratégias da FCP;  

II – apreciar os assuntos que lhes sejam submetidos pelo Presidente ou pelos Diretores;  

III – estabelecer diretrizes programáticas das Representações Regionais, bem como a área de jurisdição das mesmas;  

IV – examinar, opinar e decidir sobre as matérias relacionadas à proteção e à defesa do patrimônio cultural afrobrasileiro;  

V – apreciar o programa de formação, treinamento e capacitação técnica;  

VI – deliberar sobre a remuneração relativa a serviços, aluguéis, produtos, permissões, cessões, operações e ingressos; e  

VII – aprovar e submeter à apreciação do Conselho Curador:  

a) o balanço anual e a prestação de contas, acompanhada do relatório de atividades da FCP;  

b) a contratação de empréstimos e de outras operações de que resultem obrigações para a FCP;  

c) a proposta orçamentária, o plano anual e plurianual e suas reformulações;  

d) os atos que importem alienação ou oneração de bens patrimoniais da FCP, inclusive imóveis;  

e) propostas referentes à definição de prioridades e linhas gerais orientadoras das atividades da Fundação, sua implementação e divulgação.


6. FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO

A fundação com personalidade jurídica privada não está inteiramente sujeita ao ramo do direito privado, haja vista que todas as fundações governamentais, mesmo não fazendo parte da Administração Pública, em alguns aspectos estão submetidas ao direito público, especialmente no que se refere à fiscalização financeira e orçamentária, estando, desse modo, sujeitas ao controle interno e externo, além de obedecer outras regras do direito público. Segundo prescreve o Decreto-lei nº 900/69, art. 3º, mesmo quando declarava que tais entidades não integram a administração indireta, ainda assim as submetia a esses tipos de controle.

Nesse sentido a fundação de direito privado perante o poder público tem tratamento igual aos das sociedades de economia mista e empresas públicas, pois sendo uma entidade pública com personalidade jurídica de direito privado, instrumento de ação do Estado para a consecução de seus fins, submete-se ao controle estatal para que a vontade do ente público que a instituiu seja cumprida, portanto não se desliga da vontade do Estado, para ganhar vida inteiramente própria, tendo autonomia apenas parcial, conforme estabelecido na lei que a instituiu. 

Vale dizer que quando da criação da fundação pública de direito privado, deve-se observar quanto ao estabelecido no art. 37, XIX, CF/88: “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”.

No âmbito particular, a pessoa (instituidor) que dispõe de seus bens livres, uma espécie de doação para a formação da fundação pode especificar e declarar o seu fim e até mesmo o modo como pode ser administrada, porém a sua participação acaba no momento em que o ente adquire personalidade jurídica, não cabendo-lhe mais nenhum direito, ou seja, ato irrevogável.

De acordo com o art.67 do CC/2002 para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:

  1. Seja deliberada por dois terços dos componentes para gerir e representar a fundação;
  2. Não contrarie ou desvirtue o fim desta;
  3. Seja aprovada pelo órgão do Ministério Público e caso este a denegue, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.

O seu estatuto é feito pela pessoa por ele designada ou pelo Ministério Público, a quem compete velar pela fundação.

No âmbito da administração pública, a fundação tem o objetivo de atender interesses do Estado e não alheios como pode ocorrer quando o instituidor e um particular. O Estado visa atingir determinado resultado entre eles suprir suas lacunas. Segundo Dy Pietro é o Estado que determina suas ações e de acordo o surgimento das necessidades podem ser modificadas, por isso, afirma-se que a fundação instituída pelo Estado não é inteiramente autônoma (vida própria).

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Vale ressaltar que ao contrário do que acontece em fundações particulares, o ato do poder publico ao criar fundações é revogável, o mesmo pode determinar seu fim, assim como também promover alterações na lei instituidora no intuito de adequá-la a seus fins. A fiscalização das fundações tanto de Direito privado como Público é tarefa do Ministério Público, justificando-se pela necessidade do órgão público de manter as entidades dentro dos objetivos para o qual foi instituída.


7. FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO

A Fundação Roberto Marinho foi criada em novembro no ano de [1977] pelo jornalista Roberto Marinho e pertence a Organizações Globo. Trata-se de uma instituição privada, sem fins lucrativos, que desenvolve projetos voltados para o ensino formal e informal, bem como projetos educacionais visando à preservação e à revitalização do patrimônio histórico, cultural e natural nos mais diversos pontos do Brasil.

Em 1980, a fundação Roberto Marinho colocou no ar o Telecurso 1º e 2º Graus, que anos depois passou a se chamar Telecurso 2000, que ensina matérias de ensino fundamental e médio através de programas de televisão e apostilas impressas. Este já formou quatro milhões de pessoas.

Atualmente atua em vários projetos como o Prêmio Jovem Cientista e a parte de Patrimônio, com os museus: - Museu de Arte do Rio; - Museu da Imagem e do Som; - Museu do Amanhã.


8. CONCLUSÃO

As Fundações, assim como as demais instituições existentes dentro do ordenamento jurídico, necessitam se adequar aos novos ditames do Direito, especialmente as normas do Código Civil de 2002. Com isso, acreditamos que a Fundação alicerçará seus pilares nos parâmetros do patrimônio social e na dignidade da Pessoa Humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Tal postura ocasionará o distanciamento da visão liberal-positivista e do cunho patrimonial, buscando a efetivação do seu cunho social. 


REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI 10.406/2002. Código Civil. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>, acessado em: 12/12/2013.

BRASIL. Constituição Federal da República de 1988. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>, acessado em: 12/12/2013;

Barchet, Gustavo. Resumo de Direito Administrativo: teoria resumida. Rio de Janeiro: 2010.

DI PIETRO, Mana Syivia Zanella. Direito administrativo.  25. ed. - Sao Paulo: Adas, 2012

FRANCO SOBRINHO, Manoel Oliveira. Fundações e Empresas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.

RAFAEL, Edson José. Fundações e Direito 3º Setor. 1. ed. São Paulo: Editora Pontifícia Universidade Católica, 1997.

Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38° ed. São Paulo, Malheiros, 2011.

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Sobre o autor
Afonso Mendes Santos

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Consultor Legislativo com extensão em Processo Legislativo Municipal, Lei Orgânica Municipal e Orçamento Público Avançado pelo Instituto Brasileiro Legislativo (ILB).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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