Direito de nacionalidade na constituição brasileira

Critérios de aquisição de nacionalidade

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O direito de nacionalidade no sistema jurídico brasileiro tem estudo tanto no ramo do direito constitucional como no direito internacional e critérios de concepção e aquisição exaustivos na constituição.

O Estado, é claro, não existe sem as pessoas que o integram, sem a sociedade onde está implantado. E os relacionamentos possíveis entre o Estado e os indivíduos são, como já temos ideia, múltiplos e variados.

João Ubaldo Ribeiro

RESUMO:O presente artigo tem como objetivo o estudo do direito de nacionalidade no âmbito do sistema jurídico brasileiro, buscando sua concepção e natureza jurídica, para descobrir se o instituto pertence ao ramo do direito constitucional ou internacional assim como classificar quais os critérios de aquisição de nacionalidade que foram adotados pelo Estado brasileiro, diferenciando desta forma o brasileiro nato do brasileiro naturalizado.


INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, após a formação dos Estados Nacionais o direito do vínculo com o Estado ficou mais forte, o sentimento despertado no cidadão de pertencimento à um Estado-nação.

Esse vínculo do indivíduo com o Estado não são de modo algum limitados pelas fronteiras do território de um país, por que “Nem a nação nem o Estado, como se pode deduzir, necessitam, para sua existência de um território fixo, delimitado, exclusivo.”[2]

“O estudo das Constituições é o objeto de um vastíssimo ramo do direito – o direito constitucional, de enorme complexidade.”[3] O direito de nacionalidade é acima de tudo um direito constitucional, e a constituição é uma expressão de seu povo, como traduz Márcio Diniz[4] “Uma constituição não é apenas e tão-somente um texto jurídico; é também a expressão de uma situação de desenvolvimento cultural de um povo”.


Conceito de Nacionalidade

Na concepção do doutrinador Alexandre de Moraes[5], “Nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, (...) capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos”.

No entendimento de Hiroki Muta[6] o vínculo é político “porque deriva de um poder político soberano” e por isso confere ao titular da nacionalidade um “status político específico e um laço de identidade e pertinência com o corpo político-social”. Acrescenta ainda, que o vínculo é jurídico “porque produz efeitos jurídicos diante do próprio Estado soberano (...)”.

Para a doutrina clássica internacional capitaneada pelo Professor Francisco Rezek[7] “Nacionalidade é um vínculo jurídico político entre o Estado soberano e o indivíduo, que faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Estado.”


Natureza Jurídica do Direito de Nacionalidade

É direito material de ordem constitucional[8]. O mesmo entendimento de Hiroki Muta[9] que classifica o direito de nacionalidade como de “natureza eminentemente constitucional”, mas ressalva que há espaço para “atuação infraconstitucional. Para Rafael Jayme Tanure trata-se de direito fundamental, e assim o conceitua: “o direito fundamental à nacionalidade é aquela situação subjetiva em que se atribui constitucionalmente a toda e qualquer pessoa um ordenamento pátrio com os direitos e os deveres inerentes a uma nacionalidade.”

Ressalta-se o inciso XII do artigo 22 da Constituição Brasileira[10] “Compete privativamente à União legislar sobre: nacionalidade, cidadania e naturalização”. Este inciso confere a possibilidade de leis infraconstitucionais abordarem o tema da nacionalidade, na atual legislação brasileira estão em vigor as leis 818/1949 e a Lei nº 6815/1980, o Estatuto do Estrangeiro.

O direito de nacionalidade também se encontra na Declaração universal de direitos do homem[11]:

“Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”

Destarte, o direito de nacionalidade tem a natureza de direito internacional e de direitos humanos, assim, visto que é um direito humano no âmbito internacional e um direito fundamental no âmbito interno, fica clara a sua natureza de direito Constitucional Internacional.


Diferenças entre Nacional e Naturalizado

A nacionalidade ou Status Civitates não é um instituto moderno[12], há três casos diferentes de nacionais, que serão vistos com detalhes nos próximos tópicos, o brasileiro nato, é a regra, o brasileiro naturalizado, é a exceção, e do português equiparado, que é uma exceção especial criado pelo acordo de Paz entre Brasil e Portugal em 2002, temos ainda a figura dos apátridas, anacionais[13] ou apatridias[14], que são aqueles que “tem um lugar de completa marginalidade jurídica já que torna o indivíduo um ser excluído de toda e qualquer comunidade, sem vínculo jurídico ou político com qualquer nação ou Estado”[15]. Vislumbramos ainda um outro caso especial de nacionalidade que é a dupla nacionalidade, múltipla nacionalidade, polipatridia ou  plurinacionalidade[16], que é basicamente o “abrandamento da repulsa, tão acentuada em outros tempos, ao instituto da múltipla nacionalidade”.[17]

A constituição brasileira prevê a nacionalidade adquirida, derivada, secundária ou por eleição, ela gera como efeito jurídico a substituição da nacionalidade anterior pela brasileira.[18]

Florisbal assim a define: “Naturalização é o ato pelo qual o estrangeiro ou o anacional se investe juridicamente da condição de nacional do país que adota, o que implica rotineiramente a renúncia de sua nacionalidade de origem” acrescenta ainda o autor que é nacionalidade derivada, pois é adquirida após o nascimento.[19]

A boa doutrina de Pedro Lenza[20] explica que a regra geral, em decorrência do princípio da igualdade (isonomia), é vedada qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, ressalvados os casos previstos pela própria constituição como expressa o seu art.12, § 2º, “A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.”[21], com isso a constituição brasileira vedou a possibilidade de se estabelecer distinção por lei.

 O rol de artigos da constituição brasileira que expressam a exceção ao princípio da isonomia é taxativo (numerus clausus), ou seja, não é simplesmente exemplificativo e portanto não pode ser estendido, as hipóteses se encontram nos artigos: art. 5º, LI, da extradição; art.12, §3º, da ocupação de cargos; art. 12, §4º, I, da perda de nacionalidade; art. 89, VII, de função; art.222, do direito de propriedade.[22]

O doutrinador Ramon Oliveira[23] entende que “como não existe impedimento no art. 87, da CR, o brasileiro naturalizado pode ocupar o cargo de ministro de Relações Exteriores, que é uma carreira diplomática”, em contraposição ao seu raciocínio vê-se claramente no art.12, §3º,V, da CRFB/88 “São privativos de brasileiro nato os cargos da carreira diplomática”[24], logo, a ocupação do cargo de Ministro das Relações Exteriores, que como o próprio autor indica pertence à carreira diplomática, não pode ser ocupado por brasileiro naturalizado.

A doutrina brasileira distingue duas espécies de nacionalidade: a nacionalidade primária, também conhecida como originária ou de origem, que é involuntária por natureza, e a nacionalidade secundária, também conhecida como adquirida, que é voluntária, pois parte da vontade do indivíduo.[25]

Enquanto a nacionalidade originária depende vontade do Estado, a naturalização “depende da vontade do homem: a primeira é uma nacionalidade de atribuição, a segunda é uma nacionalidade de eleição”, como lembra La Pradelle.[26]


Critérios de Atribuição de Nacionalidade

Os critérios de aquisição da nacionalidade originária no Brasil poderão ser tanto pelo ius solis como pelo ius sanguinis, como prevê o art. 12, I da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 12. São brasileiros:

I – natos:

  1. os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
  2. os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer um deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
  3. os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;[27]

Como pode se enxergar na doutrina de Sidney Guerra[28] no Jus Soli, “direito do solo”, o indivíduo tem a nacionalidade do Estado em cujo território nasceu não importando a nacionalidade dos pais. No Jus Sanguinis, “direito de sangue”, o indivíduo tem a nacionalidade de seus genitores, qualquer que seja o lugar do seu nascimento. Por fim ainda há o Sistema Misto, que é uma combinação do jus soli e o jus sanguinis, adotando um critério menos rígido, que aceita tanto um critério como o outro.

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O critério adotado em cada país varia de acordo com status de país de imigração ou de emigração, Sidney Guerra[29] exemplifica estes dois critérios como exemplo de jus solis “cita-se o continente americano por se tratar de uma zona de imigração onde os Estados têm interesse de fazer com que os filhos de estrangeiros nascidos em seus territórios sejam seus nacionais”, enquanto para o jus sanguinis indica o continente europeu “por ser considerado uma zona de emigração onde os Estados têm interesse de vincular os filhos à nacionalidade dos pais.”

Quanto à aquisição de nacionalidade secundária, que gera o brasileiro naturalizado, conforme ensinamentos de Alexandre de Moraes[30], que é aquela adquirida por vontade do cidadão que tem direito a naturalização.

A naturalização está normatizada no art. 12, II da Constituição da República Federativa do Brasil, que assim o dispõe:

Art. 12. São brasileiros:

II – naturalizados:

  1. os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
  2. os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Exceção Brasileira, o Português Equiparado, Quase Nacional

Exclusivamente no direito brasileiro existe a figura do português equiparado que segundo palavras de Pedro Lenza[31], “(...) podem naturalizar-se brasileiros bastando que tenham residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral.”

O professor Pedro Lenza destaca ainda que o próprio STF na ação de extradição 890, Rel. do Min. Celso de Mello, de 2004, no qual a norma do art. 12, §1º, da Constituição Brasileira, contempla, em seu texto, hipótese excepcional de “quase nacionalidade”.[32]

Para melhor compreender deste instituto brasileiro segue o parágrafo do art. 12 da constituição:

§1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta constituição.[33]

Esta diferença notória da constituição brasileira provém da aplicação prática do princípio internacional da reciprocidade, que no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa de 22 de abril de 2000 (que foi assinado e ratificado por ambos países), prevê em artigo 17[34]:

  1. O gozo de direitos políticos por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente.
  2. A igualdade quanto aos direitos políticos não abrange as pessoas que no Estado da nacionalidade, houverem sido privadas de direitos equivalentes.

O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos do Estado da nacionalidade.


CONCLUSÃO

O direito de nacionalidade é acima de tudo um direito constitucional, e a constituição é uma expressão de seu povo, como traduz Márcio Diniz[35] “Uma constituição não é apenas e tão-somente um texto jurídico; é também a expressão de uma situação de desenvolvimento cultural de um povo”.

Pode-se concluir que o direito de nacionalidade é um direito constitucional internacional que deve ser protegido como direito fundamental, portanto, como cláusula pétrea, no direito interno positivado, e como direito humano no direito internacional jusnaturalista.

Entende-se ainda que o nacional se diferencie do naturalizado por que para alguns cargos como presidente, ministro do STF e o corpo diplomático, aplica-se o princípio da isonomia e o rol de diferença entre eles é taxativo (numerus clausus), não podendo ser estendido por lei infraconstitucional.

Por fim os critérios de atribuição de nacionalidade pode ser originária ou voluntária, a primeira geralmente atribuída à nacionalidade e a segunda atribuída a naturalização, na doutrina brasileira existe um terceiro critério, baseado em um acordo de amizade com Portugal, criando a figura do português equiparado, que tem alguns vantagens em relação no seu processo de naturalização em relação aos estrangeiros de outras nacionalidades, com adargas no princípio da reciprocidade.


REFERÊNCIAS

OBRAS:

  • RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
  • DINIZ, Márcio Augusto Vasconcellos. Constituição e Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Mandamentos, 1988.
  • MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • MUTA, Luis Carlos Hiroki. Direito Constitucional. Tomo I. editora: Elsevier, 2007.
  • REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar . 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
  • CAPEZ, Fernando, et al. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
  • TANURE, Rafael Jayme. Direito Fundamental à Nacionalidade. In: GARCIA, Maria(coordenadora).Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 16. n. 63. abr.-jun. 2008. Editora: Revista dos Tribunais.
  • DEL’OLMO, Florisbal de Souza.Curso de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
  • LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
  • OLIVEIRA, Ramon Tácio de. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
  • GUERRA, Sidney. Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: Freitas Bastos Editora, 2006.

 SITES:

  • http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
  • http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm
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Sobre o autor
Anderson de Oliveira Amendola da Silva

Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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