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A propaganda eleitoral e a poluição sonora

01/11/2002 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário: I. Os efeitos da poluição sonora; II. Realização de comícios; III. O estabelecimento dos níveis sonoros; IV. As sanções penais e administrativas.


1.Os efeitos da poluição sonora

                      O descontrole da poluição doméstica, em todas as suas formas, constitui-se numa das grandes preocupações dos ambientalistas, uma vez que a enérgica legislação ambiental tem contribuído para a drástica redução da emissão de poluentes no âmbito empresarial.

                      Na poluição sonora, basta se observar que as casas noturnas, os templos e as indústrias são obrigadas a dotar as suas instalações com isolamento acústico, enquanto eclodem conflitos de vizinhança nos condomínios residenciais em virtude dos ruídos excessivos.

                      Leme Machado ressalta que "indevidamente confunde-se barulho com alegria e que essas situações podem coexistir. Contudo, o silencio pode propiciar alegria. Ausência de barulho não é ausência de comunicação. Muitas vezes a comunicação ruidosa nada mais é do que a falta de diálogo, em que só uma das partes transmite sua mensagem, reduzindo-se os ouvintes a passividade [1]". Ainda arremata, subsidiando-se de ensaios clínicos que atestam sintomas de grande fadiga, lassidão e fraqueza como efeitos do ruído sobre a saúde [2], que existe uma ilusão freqüentemente difundida de que o organismo humano se adapta ao ruído.

                      Assim, é justamente aproveitando-se desta aparente sensação de deleite provocada pelo excesso sonoro é que a mídia política abusa dos meios sonoros de comunicação, haja vista que dificulta o discernimento dos eleitores e vincula o candidato a uma imagem de irradiador da alegria.


2.Realização de comícios

                      O legislador eleitoral apercebeu a população da excessiva imissão sonora em todas as suas modalidades, alcançando, inclusive, os aparatos acústicos e a manifestação verbal humana, quando, no artigo 243, IV do Código Eleitoral, estabeleceu que "não será tolerada propaganda que perturbe o sossego público, com algazarra ou abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos".

                      Contudo, a auto-regulação do artigo 39 é conflitante quando, no parágrafo 3º estabelece que "o funcionamento de alto-falantes ou amplificadores somente é permitido entre as oito e as vinte e duas horas, enquanto no parágrafo 4º restringe a realização de comícios entre as oito e as vinte e quatro horas. É burlesca a tomada da palavra por um candidato ao palanque iniciando o seu discurso com o uso de microfones até as vinte e duas horas e o terminando aos brados após este horário.

                      Embora o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba tenha "respondido negativamente quanto à simultaneidade entre o horário de comício e de propaganda por meio de veiculo com alto-falante ou amplificador de voz [3]", deverá ser ensejada a exegese pro societate limitando o término dos comícios às vinte e duas horas, salvo quando evento se realizar em ambiente interno e com isolamento acústico.


3.O estabelecimento dos níveis de decibéis

                      A averiguação dos índices poderá se basear na emissão sonora, quando se busca a inibição do nível de ruído a partir da fonte emissora e pela imissão, quando, numa determinada distância, são medidos os reflexos dos fenômenos acústicos, v.g., tem-se como emissão sonora o volume ajustado de um amplificador e como imissão sonora o alcance do impacto causado pelos graves de um aparelho.

                      Diferentemente das emissoras de rádio e televisão, onde os seletores dos receptores são comandados pelos ouvintes [4], sucede-se ao imissor uma verdadeira imposição auditiva das mensagens transmitidas por amplificadores e alto-falantes.

                      Desta forma, a legislação administrativa e eleitoral, a partir dos níveis de tolerância auditiva humana, estabeleceu o espectro de efluentes sonoros permitido, o que vem sofrendo constantes violações em vista à prepotência de alguns políticos que desconhecem ou se omitem a este mandamento.

                      O primeiro aspecto a se observar reside no fato de que, de modo espacial e temporal, a própria legislação eleitoral, em alguns casos, baliza em zero os níveis de imissão sonora. O artigo 39 da Lei nº 9.504/97 veda "a instalação e o uso dos alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a duzentos metros das sedes dos Poderes; estabelecimentos militares; dos hospitais e casas de saúde e das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento. A propaganda sonora, em qualquer nível, não é aceita, também no horário compreendido entre as vinte e duas horas e oito horas e durante todo o dia das eleições.

                      Nos demais locais, o artigo 244, II do Código Eleitoral remete à legislação comum o espectro de ruídos aceitável para a propaganda eleitoral, cuja hermenêutica dependerá de um estudo prévio acerca da competência legislativa ambiental.

                      A Constituição, nas palavras de Leme Machado [5], "previu dois tipos de competência para legislar, com referência a cada um dos membros da Federação: a União tem competência legislativa concorrente; os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente e suplementar; e os Municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual".

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                      Assim, como a poluição sonora se insere no contexto local, haja vista que os níveis de ruídos são variáveis de acordo com o zoneamento urbano, o exegeta eleitoral deverá se servir, primeiramente, dos estatutos municipais, como, v.g., a Lei Municipal de Curitiba nº 8.983, de 18 de setembro de 1997 que limita a emissão sonora entre 40 e 75 decibéis de acordo com a região (residencial, comercial e industrial) e o horário (diurno e noturno), que são averiguados, em regra, a partir da imissão sonora há cinco metros da fonte poluidora.

                      Os índices de radiação sonora são aferidos a partir dos limites patológicos do ser humano, embora a legislação tenha desprezado as moléstias à sensível audição animal. Leme Machado [6] justifica este critério quando comenta que "o incômodo ou perturbação é geralmente relacionado aos efeitos diretamente exercido pelo ruído de certas atividades, por exemplo: perturbação da conversação, da concentração mental, do repouso e dos lazeres. A existência e a dimensão do incômodo são determinados pelo grau de exposição física e por variáveis conexas de ordem psicossocial."

                      Não existindo esta norma ou expressando, como na legislação curitibana, a inaplicabilidade expressa a publicidade política, subsidia-se a legislação eleitoral da Resolução Conama nº 01/90 [7] que no inciso I, reza que "a emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais e recreativas, ‘inclusive as de propaganda política’, obedecerá, no interesse de saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução". Os padrões adotados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, consoante o inciso II, constam da norma NBR 10.152 da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT.


4.As sanções penais e administrativas

                      O legislador brasileiro tem abrandado a tipificação da conduta do poluidor sonora, uma vez que o artigo 59 da Lei nº 9.605/98, a chamada Lei dos Crimes Ambientais, sofreu o veto presidencial que ficou mantido pelo Congresso Nacional.

                      O Código Eleitoral, através do artigo 322, apenava com a detenção até um mês e/ou multa, "fazer propaganda eleitoral por meio de alto-falantes instalados nas sedes partidárias, em qualquer outra dependência do partido, ou em veículos, fora do período autorizado ou, nesse período em horários não permitidos", elegendo como sujeitos ativos, no parágrafo único, "o agente, o diretor ou membro do partido responsável pela transmissão e o condutor do veículo".

                      Todavia, o ordenamento jurídico eleitoral não mais dispõe de sanções administrativas e a tipificação penal foi mitigada pela Lei nº 9.504/97 que, derrogando a retrocitada conduta, limitou, pelo artigo 39, § 5°, I, a criminalização da utilização de alto-falantes e amplificadores apenas ao dia das eleições, punindo o infrator com a detenção de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços a comunidade e multa.

                      Por conseguinte, o poder de polícia das prefeituras não alcança as questões de propaganda eleitoral, mesmo porque, a atuação dos agentes municipais prescinde da imparcialidade por ficar ao alvedrio situacionista a conveniência da aplicação das sanções.

                      O abuso dos meios sonoros de comunicação eleitoral somente poderá ser inibido por medidas ordenativas judiciais admoestadas da sujeição a responsabilidade pelo crime de desobediência prescrito pelo artigo 347 do Código Eleitoral.

                      Em suma, é deficiente a legislação destinada a amealhar os ouvidos das egocêntricas atitudes de candidatos que procuram angariar o voto e impor a sua autopromoção através de incessantes e perturbadoras vinhetas de campanhas .


Notas

                      1. Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12 ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p.603-604.

                      2. Le Bruit. Ministère de l’Environnement, 1982, apud Machado, Paulo Affonso Leme, op.cit., p. 604.

                      3. Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Consulta nº 131/90. Relator: Juiz Miguel Levino. 13 ago. 1990.

                      4. Mesmo com a vontade do tevente em imitir a programação radiotelevisiva, a legislação não deixa de impor limites como, v.g., a vedação à elevação injustificável do volume nos intervalos comerciais prevista pela Lei 10.222, de 9 de maio de 2001 que padroniza o volume de áudio das transmissões de rádio e televisão nos espaços dedicados à propaganda e dá outras providencias.

                      5. Op. cit. p. 350.

                      6. Op. cit p. 604.

                      7. CONAMA. Resolução nº 1, de 08 de março de 1990. Diário Oficial da União, 2 abr. 1990, p. 6.408.

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Sobre o autor
Rogério Carlos Born

servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, pós-graduando em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORN, Rogério Carlos. A propaganda eleitoral e a poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3470. Acesso em: 4 nov. 2024.

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