Ensaio: “Ativismo judicial” interpretado à luz da Constituição Republicana de 1988

07/12/2014 às 11:19
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O ativismo judicial, erroneamente usado como forma pejorativa para a atuação do judiciário, representa, de fato, um posicionamento pela garantia dos direitos humanos e respeito à ordem constitucional.

No presente ensaio se entenderá “ativismo judicial” como sinônimo de um judiciário pró-ativo a partir do momento em que for provocado a sair de sua inércia, nos termos da CF/1988, e não no sentido pejorativo que muitos emprestam a expressão. Nestes termos, uma das vigas mestras do espírito neoconstitucionalista do qual somos ferrenhos simpatizantes.

É de fato, hodiernamente, um dos mais badalados assuntos, de maior rodagem entre as instituições de poder, na imprensa, e consequentemente na sociedade. Falo do que se convencionou denominar de "ativismo judicial", que alcunho como sinônimo de “judicialização”, com a devida máxima vênia aos discordantes, muito em razão da Justiça Constitucional que se faz interveniente e capital em sua derradeira palavra final de dizer o direito dentro um Estado Democrático de Direito. Mas, também, pelo incômodo promovido às funções políticas de poder, que deixaram de ter em mãos o poder capital do “xeque-mate”.

Judicialização quer representar que algumas questões de grande repercussão político-social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas forças políticas tradicionais: Congresso Nacional e o Poder Executivo, em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas diversas. Algumas delas expressam uma tendência global; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.

A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transmudou em verdadeiro poder técnico-político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura aos regimes autocráticos de outrora. A ambiência democrática fez ressurgir a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante magistrados e tribunais. Nesse mesmo ínterim, deu-se a expansão institucional ao Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação além da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em parcas palavras: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.

A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para aConstituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica e ambiciosa, desconfiada do legislador constituído. Neste pensar, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão, seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, hábil para ser prestada sob a forma de ação judicial. Se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas.

A terceira e última causa que gostaríamos de avocar ao presente ensaio da judicialização, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Referido como eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: austríaco e americano. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei em um caso concreto que lhe tenha sido submetido caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo austríaco o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual quantidade substancial de órgãos, bem como entidades públicas e privadas, as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais, podem ajuizar ações diretas. Nesse contexto, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser judicializada e levada a Corte mais elevada do país.

De fato, a título exemplificativo-estatístico, somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de ações diretas, que compreendem a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – questões como: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, do art. 5º da Lei de Biosseguranca, que permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3.150); (ii) o pedido de declaração da constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No âmbito das ações individuais, a Corte se manifestou sobre temas como quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa/Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de outros.

Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova e se renova. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das CPIs (como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público.

É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha a discricionariedade de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento das ações. Não se pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou a pretensão, em face dos precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia judicial. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente.

Vivencia-se um período de inexorável descrédito das instituições políticas de poder do país. Com um Legislativo material e moralmente incapacitado a toda vista, vem representando mais as ambições da função Executiva de Estado que propriamente o povo que nosso regime constitucional elegeu como o titular do poder de um modelo de democracia representativa. O Legislativo tornou-se uma função de poder carcomida pela ausência de identidade própria que se voltasse ao interesse público legítimo, e já por manifestação volitiva expressa do próprio Poder Constituinte, fez-se iniciar um processo de espraiamento da supremacia constitucional, elegendo o Judiciário, em especial o STF, como o guardião e último efetivador da vontade constitucional.

A Constituição de 1988 adotou o modelo Social Democrata ao talante da tendência mundial, elevando os direitos fundamentais ao patamar de prioridade de Estado nos termos dos Direitos Humanos incorporados a Carta Maior de quase todos os países do mundo contemporâneo. Percebe-se nítido caráter de Estado-Constituição voltado aos Direitos de 2ª Dimensão (Direitos Sociais, Econômicos e Culturais), com especial proteção ao primeiro deles.

Um Estado Social, prestador, interveniente, não se negando por óbvio os Direitos de 1ª Dimensão, as liberdades públicas, mas indubitavelmente priorizando o modelo de um Estado intervencionista na ordem social. Com a incorporação dos Direitos Humanos a CR/88 pelo Poder Constituinte na forma de direitos fundamentais protegidos como Cláusulas Pétreas, já se proporcionou um espaço de blindagem onde o volátil Poder Constituído (à exemplo do Congresso Nacional) não poderia mais manipular ao seu livre talante o destino de seus representados. Já naquele momento deu-se o "start" para um gradual processo de deslegitimação do Legislativo, que já contava com uma história pouco estimulante, e que o tempo só fez corroborar o inicial acerto do Constituinte originário "deslegitimador".

Quando digo “deslegitimador”, refiro-me ao seu papel preponderante de outrora, papel hoje indubitavelmente atribuído pela Carta maior ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do princípio da Separação de Poderes e da teoria dos “checks in balances”.

Ao se perpetrar uma Constituição fortemente principiológica (com abertura axiológica), repleta de mandamentos de otimização nos termos dos ensinamentos de Alexy e Dworkin, abriu-se espaço a um maior ativismo do Tribunal Constitucional que, como função precípua, deveria tutelar a supremacia da constituição, efetivando-a, realizando-a, não mais como mero legislador negativo (expressão cunhada de Kelsen), mas como agente implementador último, capaz de no momento que fosse provocado a sair de seu estado de inércia pela ineficiência das demais Funções de Poder (Legislativa e Executiva) pudesse restabelecer a vontade constitucional de um Estado socialdemocrata que deve efetivamente assegurar ao cidadão os direitos fundamentais constitucionalizados, a partir da tábua rasa do mínimo existencial, em respeito à dignidade da pessoa humana.

Não haveria "ativismo judicial" caso os direitos fundamentais restassem prestados nos termos da Constituição, pois a Função Jurisdicional de Poder só se ativa quando provocada a partir da ineficiência da Função Executiva em prestar os direitos fundamentais por suas políticas públicas, ou do legislativo, de legislar. Em última ratio a judicialização da política funciona como remédio necessário modo a conferir eficácia aos mandamentos fundamentais.

A exclusão da Justiça Constitucional do cenário de implementação, em uma mera cogitação, ainda que hipoteticamente inviável nos termos da CRFB/88, transformaria o Estado social em um Estado liberal de fato, permitir-se-ia um imponderável retrocesso que em um Estado capitalista marcado pelas desigualdades extremas, que não mais se compatibilizaria tomado nosso momento histórico atual. O chamado "mínimo existencial" não seria mais sindicável pelo Estado-juiz, e a argumentação da "reserva do possível" passaria a ser automaticamente a tônica de um jogo de não implementação dos onerosos Direitos Fundamentais prestacionais, âmbito onde o orçamento público encarna o papel que procura deslegitimar as necessidades fundamentais impostas pelo constituinte em tutela aos hipossuficientes. Claro, aqui não se exclui a necessidade de se ponderar os direitos fundamentais requeridos, mas sempre guardando a necessidade de respeito de um mínimo existencial “quase que intangível” representativo da dignidade da pessoa humana.

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Neste cenário de horror hipotético, segundo as nossas hipossuficientes realidades, o parlamento voltaria a preponderar com suas decisões majoritárias, e as minorias seriam sumariamente esmagadas sem direito a pleito. O Estado liberal encabularia a Justiça Constitucional quando chamada a fazer prevalecer os Direitos sociais fundamentais nas omissões materialmente imputadas ao Estado-Executor e ao Estado-Legislador. Propostas de emendas à Constituição andam vagando tendentes a exatamente reduzir o papel de protagonismo do Judiciário em um Estado Democrático de Direito, inclusive, ventilou-se calar o Ministério Público por meio da PEC 37, essencial colaborador para o funcionamento de um Judiciário eficaz e fundamental fiscal da ordem jurídico-social. Dentro da estrutura do Judiciário, o STF tornou-se a bola da vez a partir do estouro do mensalão, onde Executivo e Legislativo praticaram crimes que tentaram chamar de política, uma rebelião de poder contra a moralidade pública e a efetiva aplicação do princípio da Supremacia da Constituição, que por obvio não pode ser tolerada. Assim tentou-se reduzir o papel do STF com a PEC 33, o que viria a representar inegável retrocesso ao poder de efetivação daConstituição e um atentado ao poder constituinte.

Argumentos pouco persuasivos são alçados como forma de deslegitimar algumas atuações de "ativismo judicial". Procuram incutir dentro da sociedade que as decisões legítimas e democráticas devem ter a participação preponderante do Legislativo e/ou do Executivo, eleitos pelo povo.

A estes não custa lembrar, que a Constituição é obra preponderante do Poder Constituinte, representantes do povo de maior importância na história de um Estado Constitucional, retalhada, é verdade, pelo "Poder Constituído", que também goza de legitimação popular. A partir da criação de ambos que se construiu a atuação da Função Jurisdicional, que se atribuiu o papel de efetivador último das vontades do legislador constitucional, entre elas o papel de aplicador subsidiário dos direitos fundamentais não prestados a sociedade, de moralizador da política quando esta se torna instrumento para a perpetração criminosa e desvios das legítimas finalidades públicas, enfim o grande sustentáculo de um Estado Democrático de Direito constitucional, e por isso, com indelével carga de legitimação popular, inquestionável. Não há nada mais legítimo do que agir nos termos da Constituição.

Deixo exemplos aclaradores, capazes de diferençar um Estado Social Constitucional de um liberal de defesa, com um Judiciário despido de seu ônus efetivador dos mandamentos constitucionais, onde o Estado-juiz está vocacionado basicamente para a manutenção das liberdades públicas, por vejam:

Quando um hipossuficiente encontra-se necessitado de um medicamento que vai além de suas posses, e este não restou fornecido por meio de políticas públicas ineficazes, ou quando o hipossuficiente vai aos hospitais públicos e não encontra leito para se internar, é a Função Jurisdicional, que provocada diante da ineficiência do Estado-Administração, será capaz de obrigá-lo a pagar o remédio e a providenciar o leito, ainda que em hospital privado caso não haja realmente leitos disponíveis em hospitais públicos, para que desta forma se faça cumprir o direito fundamental à saúde.

Em um Estado liberal, onde não teríamos um Estado intervencionista na ordem social caso nossa Constituição não tivesse as balizas de uma Constituição-Cidadã, não teríamos um protagonismo da Função Judisdicional tendente a prestações positivas de direitos fundamentais, o Estado-Administração estaria livre para negar tais Direitos por não ser este o seu papel fundamental, que vale dizer, provavelmente, nem naConstituição estariam elencados esses direitos na forma de direitos fundamentais protegidos como cláusula pétrea, já que promover-se-ia um modelo de Estado não-prestador, de garantidor mínimo das liberdades públicas.

Especulando um modelo de Estado Social como é o nosso, mas sem o protagonismo da Função Jurisdicional, o Estado-Administração simplesmente poderia perpetrar as ineficácias de suas políticas públicas que estaria livre de uma intervenção jurisdicional como eficaz garantidora do direito fundamental à saúde.

O Direito fundamental a educação não fica excluído da mais completa ausência de critério no que tange a implementação de políticas públicas. Com uma política desastrada, incompetente e irresponsável, em 2010, por exemplo, o Brasil já possuía 1.240 cursos de Direito, pasmem, quando o número total de cursos de Direito no restante do mundo, excluído o Brasil somava 1.100. O Brasil sozinho possuindo mais cursos de Direito autorizados que a soma dos cursos de Direito de todo o mundo, repetido pelo absurdo que representa. (Os dados foram importados do portal IG, no blog Lei e Negócios).

Como resultado, temos uma absurda saturação de advogados quase irreversível, onde a oferta de oportunidades de empregos é risível se comparada a necessidade de colocação de profissionais no mercado. Nem a prova da OAB, que reprova muito mais que aprova, pela baixíssima qualidade do ensino no país, é capaz de dignificar o mercado. Aos advogados sobram a quase desumana peneira dos concursos públicos, já que a mão-de-obra aproveitada para advocacia privada resta subvalorizada pelo mercado consumidor, o mercado da oferta e da procura.

Hoje a qualquer profissional de nível médio é oportunizado salário maiores que a maior parte dos profissionais do Direito, em uma inelutável inversão de valores pela incompetência das políticas públicas perpetradas. São cinco anos de curso que não se revertem em um produto hábil a gerar o retorno esperado, ao contrário, capacita os profissionais para o fracasso e a frustração.

Neste ponto, onde a jurisdicionalização da questão é de difícil cogitação, onde a discricionariedade do mérito administrativo caminha com superlativa liberdade, é a sociedade quem paga a conta da incompetência do Estado-Administração.

E contra um Legislativo ineficaz, há remédios? E quando o Legislativo não legisla, e normas constitucionais com eficácia limitada (não auto-executáveis) não conseguem cumprir seu papel pela falta de eficácia proporcionada pela omissão legislativa? Sem a preponderância do Judiciário constitucionalizada como é hoje, não haveríamos instrumentos como o Mandado de Injunção ou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que vale dizer, possuem uma eficiência menor que a desejável, mas agrega valor se cogitada suas inexistências como instrumento concretizadores.

Digo isto, pois a tutela jurisdicional não pode ser difundida sem provocação, e sim prestada materialmente a quem procurou o judiciário, e este (Judiciário) não possui meios normativos para obrigar o Legislativo a cumprir o seu papel de legislador positivo. O Judiciário apenas dá ciência da mora legislativa, mas não pode obrigar a legislar em determinado prazo sobre um direito fundamental não regulamentado. Diria que, a intervenção jurisdicional neste caso é menor que a desejável no tocante ao Legislativo, já que com relação ao Executivo a política pública terá que ser implementada no prazo de 30 dias, gerando uma maior eficácia "erga omnes" do Direito material fundamental sonegado.

É nesta esteira, que infirmo o quanto pífio são os argumentos de "ativismo judicial", de separação de poderes, por despidos de qualquer cognoscibilidade minimamente aferível à partir de uma razoável e imparcial ponderação. O princípio da Separação de Poderes é fundamento ao Estado Federativo e deve ser respeitado nos estritos termos da Constituição. Pretendeu-se demonstrar que a preponderância interventiva do Judiciário é o espírito do Estado Democrático de Direito previsto na ConstituiçãoRepublicana de 1988, e assim deve permanecer. Certo porém, é que, tanto o Executivo como o Legislativo, omissos em seu deveres funcionais, não são sancionados por suas omissões, o que faz gerar certa ineficácia da ideal tutela jurisdicional devida.

Para findar, faço lembrar que o princípio da Máxima Efetividade dos Direitos Fundamentais encontra-se albergado pelo legislador constituinte no art. 5º, parágrafo 1º da CF/88, sendo um dos fundamentos para que a Função Jurisdicional de Poder quando provocada em sua inércia, intervenha, a fim de garantir na maior proporção possivel a aplicação da máxima efetividade dos Direitos Fundamentais. Quando estando em mora prestacional o Estado-Administração ou o Estado-Parlamento, uma intervenção do Judiciário, desde que constitucionalizada, faz-se imperiosa nos termos aduzidos com o fito de se garantir a efetividade e a supremacia da Constituição de 1988.

Fugir deste modelo de preponderância da Função Jurisdicional é soterrar o texto constitucional e com ele o Estado Democrático de Direito, elegendo as instituições políticas como pilares de sustentação do Estado, incabível para nossa realidade. Pela teoria dos "checks in balances", dos freios e contrapesos, corolário do princípio da separação de poderes, que busca coadunar a dicotomia relevância da função X limitação do poder, há que se ter o controle e vigilância recíprocos de uma função de poder sobre a outra relativamente ao cumprimento de seus misteres constitucionais. Coube a Função Judicial a guarda da Constituição e a promoção de sua máxima efetividade, por isso não há que se falar em rompimento da harmonia e independência das funções de poder pelo "ativismo judicial", mas sim de respeito à harmonia e independência nos termos da Constituição. Esta é a exegese constitucional que deve ser feita para um Estado Democrático que não é político, mas de Direito, sempre agindo com bom-senso e razoabilidade para que não se anule nenhuma das funções de poder, que devem trabalhar em harmonia, nos lindes da Carta Maior de 1988.

Diria que para o bem do país estamos firmes com o modelo de judicialização, sem inconvenientes exageros que não se revelem em caráter de absoluta exceção.

Deixa-se consignado que o antônimo de ativismo judicial seria autocontenção judicial, quando o Judiciário deveria se apequenar não interferindo nos poderes políticos do Estado, quando teríamos mais um Estado Politico que um Estado de Direito. Assim não deveria aplicar diretamente a Constituição, salvo seu âmbito de atuação expresso à espera da ação dos poderes políticos; exigir-se-ia parâmetros rígidos de controle de constitucionalidade de leis a atos normativos e se absteria de intervir em políticas públicas. Era esse o modelo que reinava anteriormente a promulgação da CRFB/88, onde a Carta Maior era mais uma Carta de intenções que propriamente um diploma que irradiava sua normatividade como nos hodiernos dias.

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