Para a apuração de determinadas infrações penais, a lei faz depender expressamente a ação penal pública da representação do ofendido, que é a manifestação da vítima ou de seu representante legal no sentido de autorizar a Autoridade Policial ou o Promotor de Justiça a instaurar suas respectivas peças no exercício de suas atribuições. (arts. 5º, 29 e 39 do CPP). Torna-se, destarte, a representação em condição suspensiva de procedibilidade, seja para instauração de Inquérito Policial ou elaboração de TCO pelo Delegado de Polícia, seja para promoção de denúncia feita pelo membro do Parquet.
A imposição legislativa decorre do fato de que, por muitas vezes, o interesse do ofendido se sobrepõe ao público na repressão ao ilícito de que foi vítima, quando o Inquérito ou o Processo pode acarretar-lhe males maiores que os resultantes da infração (strepitus judicii) ou causar-lhe problemas, desavenças, embaraços, perda de tempo precioso, etc.
A representação, segundo já firmada jurisprudência e farta doutrina, não exige fórmula sacramental, bastando que se verifique o ocorrido, através de iniciativa inequívoca do ofendido ou de seu representante legal, que se dá através de ato volitivo perante as autoridades, pleiteando providências. Esta inequívoca manifestação de se ver iniciar a persecução criminal pode ser feita perante a Autoridade Policial, Promotor de Justiça, e Juiz de Direito de acordo com o art. 30 do CPP, e, para alguns julgados, perante a Polícia Militar, desde que expressamente manifestado no Boletim de Ocorrência.
Quando se diz respeito à elaboração do TCO, criação dos Juizados Especiais, há uma certa corrente doutrinária e jurisprudencial que defende que a representação só poderá ser feita perante o membro do Ministério Público. Todos os casos de agressão, ameaça, dano, etc., deverão ser encaminhados ao Juizado Especial, mesmo que cause terrível constrangimento à vitima e esta insista em não representar no B.O. da PM, ou perante o Delegado de Polícia.
Data maxima venia, trata-se de um absurdo. Primeiro porque a lei dos Juizados em momento algum PROIBE a Autoridade Policial de colher tal representação. Segundo por que esta mesma lei acolhe subsidiariamente a lei processual penal que legitima e determina que o Delegado colha tal representação para iniciar suas atribuições legais perante ações públicas condicionadas. Terceiro e mais comum, por que a elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência traria gravames irrecuperáveis para aqueles que não desejam qualificar seus problemas.
Muitas vezes, uma mulher está diante de um fato lamentável, porém corriqueiro: aquele marido ou amásio que chega em casa "bêbado" e a agride. Ela ou seus vizinhos chamam a Polícia Preventiva que acalma os ânimos do ébrio e lavra um B. O. narrando o acontecimento. Segundo esta corrente, o Delegado, ao tomar conhecimento do B.O. da PM deveria imediatamente elaborar o T.C.O., encaminhando o casal ao Juizado Criminal.
Acontece que esta corrente não sabe que muitas vezes a esposa (ou qualquer vizinho) aciona a Polícia Militar muito mais para prevenir ou apartar a briga do que para iniciar um processo criminal e futura separação civil. Na grande maioria das vezes o casal se reconcilia no outro dia. A esposa tem mais medo do constrangimento processual acabar com seu casamento do que "apanhar" novamente. Muitas vezes elas vão à Delegacia de Polícia pedir ao Delegado para que "arquive o processo" antes que ele "arquive seu casamento"... Isto também acontece muito nos casos de brigas, ameaças e danos entre vizinhos, amigos, parentes, etc. Por isso foi criado o instituto da Representação. Daí nasceram alguns temas extralegais como o Perdão do Ofendido.
A Autoridade Policial, ao receber qualquer B.O. ou notícia de agressão, ameaça, dano, ou similar, deve tomar uma das três providências:
- Se estiver expressamente escrita no Boletim de Ocorrência da Polícia Militar a manifestação do desejo de ver o autor ser processado, ou que se inicie a persecução criminal, LAVRAR imediatamente o Termo Circunstanciado e enviá-los ao Juizado Especial;
- Se o B.O. nada mencionar a respeito deste desejo, e sendo casos graves ou de repercussão, INTIMAR as partes e oferecer à vítima a possibilidade dela se manifestar pela Representação;
- Se o B. O. nada mencionar a respeito deste desejo, verificando que não se trata de ilícito grave (o chamado "cotidiano"), AGUARDAR num despacho pela espera de Representação formal na Delegacia no prazo exigido pela lei.
Seguindo esta orientação, com certeza estará a Polícia Judiciária ajudando a aplicar a Justiça, evitando constrangimentos. Estará seguindo os ditames da Lei 9099/95 que determina a aplicação do Princípio da Economia Processual, visto que evitar o uso dos serviços e papéis do Estado para que na audiência seja demonstrado o desinteresse da vítima, já manifestada antes, é atingir, além deste princípio, outros como o do interesse público. Estará evitando um sacrifício maior para os Promotores e Juízes, aumentando suas pautas de audiência e carga processual, com Termos Circunstanciados desinteressantes, inconvenientes e que são considerados natimortos, já que nenhuma das partes tem e terão interesse no prosseguimento dos mesmos.
A lei dos Juizados Especiais segue a tendência mundial do laxismo, do direito penal mínimo. E esta intervenção mínima também diz respeito ao processo. Sua informalidade, sua celeridade, cujo corolário é distanciar mais os pequenos delitos das preocupações carcerárias numa fragmentariedade e numa tendência de se resolver os conflitos de forma privada, distancia-se de qualquer ação que faça o Estado intervir nos desejos particulares. Isto quer dizer que o Estado deve respeitar os anseios de cada um em crimes que são taxados de pequeno potencial ofensivo e necessitam de representação para a persecução criminal.
Não sejamos legalistas. Muitas autoridades desavisadas, a maioria parlamentar, não conhece as ruas, o povo, as dificuldades in loco. Criam leis ou agem dentro de seus escritórios com ar condicionado. São tecnocratas que ignoram a realidade da segurança pública. Vamos, numa interpretação teleológica da Lei dos Juizados, tentar aplicar a justiça, deixando de lado a vaidade, as brigas de atribuições e a mesquinharia do "É MEU!". A segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de TODOS.
JURISPRUDÊNCIA
Tacrim SP |
Rjdtacrim 41/200 |
É Válida Como Forma De Representação Para Fins Do Art. 91 Da Lei 9099/95, A Declaração Da Vítima, Feita Na Delegacia De Polícia Após O Acidente, Na Qual Manifesta A Vontade De Ver O Responsável Pelo Atropelamento Ser Processado.
Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA |
DJ DATA:04/06/2001 PG:00190 |
Habeas Corpus. Penal E Processo Penal. Lesão Corporal Culposa Na Direção De Veículo Automotor. Representação Da Vítima Ou De Seu Representante Legal. Art. 88, Da Lei 9.099/95, C.C. O ART. 291, DA LEI 9.503/97. Desnecessidade De Rigor Formal. Decadência Não Configurada. A Representação Da Vítima Exigida Pelo Art. 88 Da Lei 9.099/95 Não Exige Fórmula Sacramental, Sendo Suficiente O Simples Registro Da Ocorrência Perante A Autoridade Policial.
Min. GILSON DIPP |
DJ DATA:27/11/2000 PG:00175 |
Criminal. Hc. Lei Nº 9.099/95. Justiça Militar. Aplicabilidade. Lei Nº 9.839/99. Não-Incidência. Representação. Formulação Perante A Autoridade Policial. Validade.
Min. GILSON DIPP |
DJ DATA:28/02/2000 PG:00095 |
A Representação, Como Condição De Procedibilidade, Prescinde De Rigor Formal, Bastando A Demonstração Inequívoca Da Vontade Do Ofendido, No Sentido De Que Sejam Tomadas Providências Em Relação Ao Fato E À Responsabilização Do Autor - Sendo Aceitável Tal Formulação Perante A Autoridade Policial.
Min. GILSON DIPP |
DJ DATA:17/02/1999 PG:00152 |
II. A Representação, Como Condição De Procedibilidade, Prescinde De Rigor Formal, Bastando A Demonstração Inequívoca Da Vontade Do Ofendido, No Sentido De Sejam Tomadas Providências Em Relação Ao Fato E À Responsabilização Do Autor. III. O Boletim De Ocorrência, Lavrado Pelo Delegado De Polícia, É Documento Hábil A Demonstrar A Intenção De Responsabilizar O(S) Responsável(Eis).
Outras decisões que admitem a representação perante a autoridade policial |
- STJ (RHC 9.350 – SP – DJU De 28/02/2000, P. 95/96);
- TJSP (RT 454/360);
- Conclusão Criminal Nº 3, Do Encontro Dos Juizados Especiais Em Curitiba;
- STJ (RHC 7112/MG – T6, Min. Fernando Gonçalves, DJU 25/02/98, P. 125);
- Tacrimsp – HC 324872 – J. 15/07/98, C11, J. Renato Nalini).