5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em arremate, destaca-se que para se esquivar de macular o contraditório, admite-se a reiteração da demanda, agora individual, com mesma causa de pedir, ainda que a ação coletiva tenha vindo a sucumbir. Na verdade, é uma falha do legislador, que utilizou-se de conceitos vagos e indeterminados, além de não processuais. Pode ser este um dos motivos quando apontados quando se constata que as ações coletivas não têm cumprido satisfatoriamente com seu mister de economia processual e isonomia, uma vez sendo possível a renovação de ações com mesmo contexto fático jurídico.
Em realidade, o entendimento é aceitável de modo pacífico, haja vista que o impedimento, além de debilitar a ampla defesa e o devido processo legal, aniquilaria a obrigatoriedade do contraditório para um processo judicial. A saída para o legislador seria adotar o sistema “opt-in” ou “opt-out”, uma solução processual para vincular os que desejem “fazer parte” da lide. Não se olvida de consignar que a maturidade institucional do país ainda não parece ser a mais adequada para tal modelo. Todavia, do jeito que se encontra, a tutela coletiva não parece ter logrado o êxito esperado quando da sua entrada no ordenamento brasileiro.
É por isso que o estudo do tema é atual e instigante, pois além de envolver a constitucionalização do processo, enquanto fenômeno relativamente recente, trata da Administração da Justiça e sua otimização.
Tendo em vista essa insuficiência prática das ações coletivas, o PLS 166/2010 (projeto do novo CPC) tentou estabelecer o instituto do incidente de demanda repetitiva. Com mesmo ideário coletivista, mas com inspiração no “musterverfahren” alemão, há uma resolução de questões jurídicas comuns. Não é ação coletiva, mas sim a resolução de controvérsia jurídica comum a muitos processos.21
Mas isto já seria tema para outro trabalho. O que deve ficar é o entendimento de que o contraditório, direito perene em todas as fases processuais, não pode ser sacrificado para que, a qualquer custo, as ações coletivas cumpram satisfatoriamente com suas funções. As garantias constitucionais do processo possuem valores maiores a serem preservados do que os fins da tutela coletiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. De Virgílio Afonso da silva. São Paulo, Malheiros Editores, 2011.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo civil brasileiro entre dois mundos, in Temas de Direito Processual, 9ª série, São Paulo: Saraiva, 2004.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. In: TUCCI, J.R.C.; BEDAQUE, J.R.S. (Coords.). Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrad; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Il processo ordinario di cognizione, Il Mulino, Bologna, 1995.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. São Paulo, 15ª edição. Malheiros Editores: 2013.
FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. Revista dos Tribunais, São Paulo: 1992.
FUX, Luiz (Coord.). O Novo Processo Civil Brasileiro – direito em expectativa, Rio de Janeiro: Forense, 2011.
GRECO, Leonardo. “Garantias fundamentais do processo: o processo justo”, in Estudos de Direito Processual, ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância entre ações de natureza coletiva. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (org.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MARTINS SILVA, Ives Gandra. Dilemas do Judiciário. Carta Mensal, V. 45, n. 530, 1999.
MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
PINHO, Humberto Dalla de. Direito Processual Civil Contemporâneo, volI,5ª edição, Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.
Notas
1 O parágrafo foi construído com arrimo nos escritos de Aloísio Gonçalves Mendes, para quem o litisconsórcio é uma união de ações, não havendo substituição processual nenhuma, o que poderia gerar grande tumulto processual se feito com milhares de litigantes. Imagine só milhares de manifestações, réplicas, petições etc. A sentença seria absolutamente impossível de ser produzida (MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.)
2 FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. Revista dos Tribunais, São Paulo: 1992. P. 12
3 Vide Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, que é categórico: “Não podemos mais afirmar, como tradicionalmente se faz, que o titular do direito material é o mais adequado e, portanto, terá o melhor desempenho na defesa de direitos em geral seja individual, seja coletivo.” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.)
4 Humberto Dalla Pinho narra uma situação em que o MP estadual ajuizou uma ação civil pública pleiteando reajuste adequado das mensalidades de determinada escola privada. Contudo, a ação, apenas para ser reconhecida a legitimidade demorou cinco anos de tramitação, pois com muitos recursos chegou até o Pretório Excelso brasileiro. (PINHO, Humberto Dalla de. Direito Processual Civil Contemporâneo, volI,5ª edição, Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.)
5 Vide Novas Linhas do Processo Civil de Luiz Guilherme Marinoni.
6 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant: Acesso à Justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.
7 A expressão pode ser atribuída ao professor Ives Gandra, em Dilemas do Judiciário. Para o autor em comento, essa uma maneira rápida, embora ilegítima, que o Judiciário achou para se escusar de julgar uma “avalanche” de processos. (MARTINS SILVA, Ives Gandra. Dilemas do Judiciário. Carta Mensal, V. 45, n. 530, 1999)
8 O vocábulo foi utilizado por Andrea Giussani em Studi sulle Class Actions (Apud MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito comparado e nacional. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012)
9 Para o ex desembargador do TJ-RJ, Barbosa Moreira, com as class actions há uma verdadeira tomada de consciência em relação ao sistema de common law. Com um olhar deslumbrado, começamos a nos deslumbrar com as diferenças na administração da Justiça. A partir de então passamos a enxertar institutos alheio no mundo brasileiro. O processualista alerta, contudo para o risco de rejeição de instrumentos que nada possuam a ver com nossa identificação cultural. “[...] Significa, entretanto, a meu ver, como até aqui, as importações limitarão em regra à periferia do sistema, sem penetrar-lhe o âmago. Transplantes mais profundos correrão provavelmente o risco de rejeição. Para o bem e para o mal, o ordenamento pátrio é – e continuará a ser – um rebento da família romano-germânica, e portanto de Civil Law.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo civil brasileiro entre dois mundos, in Temas de Direito Processual, 9ª série, São Paulo: Saraiva, 2004).
10 Humberto Dalla Pinho, 2013.
11 Ob. Cit. nota 2: Mendes (2012).
,12Não se ignora a diferença entre efeitos da sentença e coisa julgada. No escrito, a utilização como expressões sinônimas devem ser lidas apenas como recurso da língua portuguesa para evitar a reiteração de palavras que terminam por macular a coesão textual.
13 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A concomitância entre ações de natureza coletiva. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (org.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007.
14 Apud Humberto Dalla, 2013.
15 Importante aludir a distinção feita pela doutrina constitucional entre regras e princípios. Como o tema não constitui um dos objetivos deste trabalho, que já se alonga, remete-se o leitor curioso ao estudo do americano R. Dworkin (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. E notas de Nélson Boeira. São Paulo, Martin Fontes, 2002.), do alemão R. Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. De Virgílio Afonso da silva. São Paulo, Malheiros Editores, 2011.). No Brasil, vide expoentes como Gilmar Ferreira Mendes (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.) e Luís Roberto Barroso (BARROSO, Luís Robeto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 3ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1996.).
16 É o entendimento dos doutrinadores da Universidade de Pávia, Italia, cuja influência na América Latina é provada pela citação dos mais renomados processualistas daqui. Vide Luigi Paolo Comoglio (COMOGLIO, FERRI, TARUFFO, Lezioni sul processo civile. Il processo ordinario di cognizione, I, Bologna, 2006.)
17 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. São Paulo, 15ª edição. Malheiros Editores: 2013.
18 Longe dos dogmas do racionalismo científico e da busca da certeza segundo os moldes da matemática e das ciências da natureza, atualmente é possível conceber o processo como um meio eficaz para se chegar a uma verdade. Ora, o direito nasce dos fatos e os fatos são provados pela prova, que nada mais é do que uma reconstrução da verdade.
19 Contraditório como um comando também dirigido ao juiz é como afirma o ex Desembargador do TJ-SP e também professor da USP, José Roberto dos Santos Bedaque (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. In: TUCCI, J.R.C.; BEDAQUE, J.R.S. (Coords.). Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.).
20 O professor da UERJ Leonardo Greco possui trabalho paradigmático acerca do tema: Garantias Fundamentais do processo. Com espeque nos autores italianos, notadamente Luigi Paolo Comoglio, estabelece garantias fundamentais individuais e estruturais. Entre as individuais, como garantia mínima, o contraditório e o devido processo legal.
21 Sobre a novidade do “incidente de demandas repetitivas” vide Luiz Fux (FUX, Luiz (Coord.). O Novo Processo Civil Brasileiro – direito em expectativa, Rio de Janeiro: Forense, 2011.).