1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a atividade empresarial de forma individualizada, com a limitação da responsabilidade do empresário, introduzida no ordenamento jurídico pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Essa legislação proporcionou a possibilidade de limitar a responsabilidade patrimonial do empresário, separando o patrimônio pessoal do empresário do patrimônio da pessoa jurídica, eliminando, assim, a confusão patrimonial que anteriormente ocorria com o empresário individual.
Neste contexto, o trabalho tem como foco a análise da figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), destacando seus principais aspectos e verificando se esta natureza jurídica possui similaridade com institutos existentes em outros países. Ademais, o tema abordado é de suma importância, uma vez que os empresários individuais representam mais de 50% dos empreendimentos constituídos no Brasil, conforme dados do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC).
A limitação das perdas decorrentes da atividade econômica, proporcionada pela EIRELI, visa expandir a atividade produtiva, promovendo a criação de empregos e renda, além de eliminar sociedades fictícias ou unipessoais. Essa medida também confere maior segurança jurídica ao mercado.
Antes da Lei nº 12.441/11, o empresário individual estava totalmente exposto aos riscos da atividade empresarial, uma vez que todo o seu patrimônio pessoal poderia ser alcançado para quitação de dívidas junto aos credores, o que gerava insegurança jurídica. Para se proteger, era comum que empreendedores criassem sociedades fictícias, inserindo sócios apenas formalmente no contrato social – geralmente membros da família – sem que a sociedade efetivamente existisse. Tal prática se dava porque o empresário individual estava sujeito ao princípio da responsabilidade patrimonial, que vinculava todos os bens da pessoa física ao cumprimento de suas obrigações, sem qualquer limite.
Dessa forma, o benefício da limitação da responsabilidade era restrito às sociedades coletivas, deixando o empresário individual à mercê dos riscos da atividade econômica.
O presente trabalho realizará uma análise detalhada sobre os principais aspectos da Lei nº 12.441/11, assim como os pontos controversos relacionados a ela, tais como: a possibilidade de constituição da EIRELI por pessoa jurídica; a titularidade por pessoa incapaz; a aplicação da EIRELI para atividades não empresariais; a vedação da atividade advocatícia pelo DNRC; o requisito de capital social mínimo; e as propostas de alteração introduzidas pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 96/2012.
Como marco teórico, adota-se a proteção do patrimônio pessoal do empresário individual, por meio da limitação da responsabilidade.
O trabalho será dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo abordará a parte histórica do instituto no direito empresarial.
O segundo capítulo analisará os mecanismos utilizados para limitar a responsabilidade do empresário individual, incluindo as estruturas de sociedade fictícia, sociedade unipessoal, patrimônio de afetação e a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI).
Por fim, o terceiro capítulo será dedicado ao estudo da EIRELI, especialmente nos seguintes tópicos: natureza jurídica, nomenclatura do instituto, limitações no uso da EIRELI, possibilidade de constituição por pessoa jurídica, desconsideração da personalidade jurídica, extinção e o Projeto de Lei do Senado nº 96/2012. Este capítulo apresentará também os posicionamentos doutrinários sobre o tema, culminando com a conclusão do presente estudo.
A metodologia adotada será a dedutiva, com base em pesquisa bibliográfica, utilizando doutrinas, artigos, legislações, entre outras fontes relevantes.
2. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Para analisar a responsabilidade do empresário individual, é necessário estudar a teoria da empresa, o conceito de estabelecimento, bem como o desenvolvimento histórico da limitação da responsabilidade do empresário individual.
2.1. Teoria da Empresa e o Direito Comercial
O Direito Empresarial teve origem com a ascensão da burguesia na Idade Média, junto com as corporações de ofício, que regulamentavam a atividade empresarial. Naquele período, apenas os empresários vinculados às corporações de ofício possuíam proteção no exercício da atividade econômica. Nesse contexto, o Direito Comercial era exclusivo da classe de comerciantes e possuía autonomia em relação ao Direito Civil, o que deu origem a um novo ramo do direito privado.
No século XVII, ocorreram mudanças significativas no Direito Comercial. Passou-se a reconhecer como comerciante qualquer indivíduo que exercesse atos comerciais de forma habitual e profissional, desvinculando essa qualificação das corporações de ofício. Tais transformações foram impulsionadas pela própria evolução da atividade comercial, pelo fortalecimento do Estado, pela criação dos códigos comerciais e tribunais de comércio, bem como pela proibição das corporações de ofício.
Outro marco importante ocorreu em 1942, com a unificação do Código Comercial ao Código Civil italiano. Esse evento substituiu o sistema baseado nos "atos de comércio" pelo sistema empresarial, centrado na definição de atividade empresarial. Desde então, as regras do sistema comercial deixaram de ser utilizadas, sendo necessário estudar os conceitos relacionados à teoria da empresa para compreender o novo modelo.
2.1.1. Empresário
Não há uma definição jurídica específica para "empresa", mas o conceito de "empresário" surgiu inicialmente na Itália, com o Código Civil Italiano de 16 de março de 1942. O art. 2082 dispõe:
"Art. 2082. Imprenditore – E' imprenditore chi esercita professionalmente un'attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi" (ITÁLIA, Código Civil, 1942). 1.
Para Pazzaglini (2003), empresário é a pessoa física ou jurídica que exerce de forma organizada e habitual uma determinada atividade econômica com a produção e circulação de bens ou serviços, sempre com o objetivo de obter lucro. No mesmo sentido, Coelho (2013, p. 63) afirma que:
Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.
Dessa forma, percebe-se que a conceituação legal de empresário está atrelada a elementos fundamentais como: atividade profissional, forma organizada e iniciativa. O exercício empresarial pode ocorrer de três maneiras: (i) por meio de sociedades, com a participação de dois ou mais indivíduos; (ii) por empresário individual; ou (iii) pela nova modalidade de Empresário Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Assim, o empresário pode ser classificado em duas espécies:
Empresário coletivo: quando um grupo de pessoas se une para explorar atividade econômica, formando uma sociedade.
Empresário individual: quando a atividade econômica é explorada de forma individualizada, por uma única pessoa.
Para Capino (2003), o empresário individual é a pessoa física que exerce uma atividade econômica sob uma firma constituída a partir de seu nome completo ou abreviado, podendo este ser acompanhado de uma designação que identifique a natureza da atividade exercida.
Vale lembrar que o empresário individual não pode ser representado nem assistido, devendo possuir plena capacidade civil. Diferentemente das sociedades empresariais, o empresário individual, mesmo que registrado no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), continua sendo uma única pessoa, sem separação patrimonial entre os bens pessoais e os vinculados à atividade empresarial. Assim, deve responder de forma ilimitada pelas obrigações contraídas, uma vez que o empresário individual não possui personalidade jurídica, como explica Almeida (2011):
Diferentemente das sociedades empresariais (empresário coletivo), o empresário individual não possui personalidade jurídica. O cadastro do CNPJ é simplesmente para fins fiscais. Dessa forma, não existe no ordenamento jurídico diferenciação personalidade jurídica do empresário individual e sua personalidade natural.
Por outro lado, a sociedade empresária responde com o seu patrimônio pelas obrigações contraídas, uma vez que a atividade é exercida em nome e por conta da sociedade. Os sócios, enquanto empreendedores ou investidores, não são juridicamente considerados empresários e, portanto, respondem pelas dívidas da sociedade apenas até o limite de sua participação no capital social. Nesse sentido, Mamede (2012, p. 5) ensina:
[...]O sócio, no entanto, não é, juridicamente, um empresário; é apenas o titular de um direito pessoal com expressão patrimonial econômica: uma ou mais frações ideais do patrimônio social, frações essas que são chamadas de quotas, nas sociedades contratuais e na sociedade cooperativa, e de ações, nas sociedades anônimas e nas sociedades em comandita por ações.
Outro ponto relevante é que atividades intelectuais – como aquelas exercidas por profissionais liberais – não podem ser realizadas como atividades empresárias. Essas atividades devem ser regidas pela legislação civil, e não pelo Direito Empresarial.
2.1.2. Empresa
A legislação brasileira não define juridicamente o conceito de empresa. No entanto, considera-se que a empresa se inicia no momento em que o empresário passa a exercer, de forma organizada, uma atividade econômica, e se encerra quando deixa de exercê-la.
De forma ampla (lato sensu), empresa pode ser entendida como a organização dos meios materiais e imateriais, incluindo pessoas e procedimentos, que visam alcançar o êxito do objeto social, com a finalidade de produzir lucro ou resultado.
2.1.3. Estabelecimento empresarial.
Diferentemente da empresa, o estabelecimento empresarial possui conceito legal definido no Código Civil.
O estabelecimento empresarial é indispensável para o desenvolvimento da atividade econômica. Nesse sentido, ensina Coelho (2013, p. 91): "A atividade empresarial não pode se dar sem a organização de um estabelecimento."
Dessa forma, considerando o negócio a ser desempenhado, o empreendedor deverá reunir diversos elementos materiais e imateriais; móveis, imóveis, úteis e/ou necessários, de forma organizada. Esse complexo de bens será composto por:
Bens corpóreos, como estoque, veículos, máquinas, equipamentos, móveis e utensílios, além de documentos;
Bens incorpóreos, como ponto comercial, marcas, patentes, nome do estabelecimento, clientela, entre outros.
Ademais, é importante destacar que não se pode confundir empresa com estabelecimento empresarial. Enquanto a empresa corresponde à atividade econômica organizada, o estabelecimento empresarial é o conjunto de bens utilizados para a sua realização.
2.3. A limitação da responsabilidade do empresário individual em outros países.
A ideia de limitar a responsabilidade do empresário individual surgiu primeiramente na Inglaterra, sendo discutida por diversos doutrinadores ao longo do século XIX.
No entanto, essa limitação não foi aplicada ao empresário individual naquele período, ganhando relevância somente com a aprovação da lei que criou a sociedade de responsabilidade limitada na Alemanha, em 1892.
O Conselho da União Europeia passou a permitir a limitação da responsabilidade do empresário individual em 1989, por meio da criação da Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada.
Na Itália, a limitação da responsabilidade do empresário individual foi introduzida em 1993.
Em Portugal, a limitação surgiu em 1996, por meio do Decreto-Lei nº 257/96, que permitiu a criação da Sociedade Unipessoal por Quotas de Responsabilidade Limitada. A inserção desse instituto no ordenamento jurídico português baseou-se no Direito Civil Francês, que já previa a criação de sociedades unipessoais no art. 1850. No entanto, a sociedade unipessoal no Direito Civil Francês segue o modelo alemão.
Na América Latina, a limitação da responsabilidade do empresário individual surgiu primeiramente no Chile, em 2003, por meio da Lei nº 19.587/03.
2.4. A limitação da responsabilidade do empresário individual no legislativo brasileiro
A limitação da responsabilidade do empresário individual no Brasil foi inicialmente proposta por meio do Projeto de Lei nº 201, de autoria do Deputado Fausto de Freitas e Castro, em 1947. No entanto, o projeto não chegou a ser votado, pois foi retirado da pauta pelo próprio deputado, após receber parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão de Economia, Indústria e Comércio.
Quase 30 anos depois, o tema voltou a ser discutido com a aprovação da Lei nº 6.404/76, que instituiu as sociedades anônimas. Essa legislação permitiu a criação de Sociedade Anônima (S.A.) com um único acionista, conforme disposto nos arts. 251 a 253 da referida lei.
Em 1987, o Código Comercial foi alterado para permitir a criação de sociedades por quotas de responsabilidade limitada constituídas por uma ou mais pessoas. Isso foi incluído no art. 192, com a seguinte redação:
"Art. 192. A sociedade limitada será constituída por um ou mais sócios." (BRASIL, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850).
Entretanto, a medida não obteve êxito em sua implementação prática. Posteriormente, em 1999, Arnaldo Wald apresentou um anteprojeto de lei visando à criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Contudo, esse anteprojeto também não prosperou, em razão da tramitação do novo Código Civil, publicado em 2002.
Em 2003, o tema foi retomado com a apresentação do Projeto de Lei nº 2730, de autoria do Deputado Almir Moura, que propunha a inclusão do art. 985-A no Código Civil, com o objetivo de limitar a responsabilidade do empresário individual. No entanto, foi arquivado, devido às suas diversas lacunas.
Já em 2004, surgiu o Projeto de Lei nº 3661, de autoria do Deputado Luiz Carlos Hauly, que não tratava especificamente da responsabilidade limitada do empresário individual, mas permitia a constituição de sociedade unipessoal. Contudo, esse projeto também não obteve sucesso em sua tramitação.
Posteriormente, em 2005, foi proposto o Projeto de Lei nº 5805, de autoria do Deputado Antônio Carlos Mendes Thame. Esse projeto definia que a responsabilidade do empresário individual estaria vinculada ao valor do capital social, desde que enquadrado como microempresa ou empresa de pequeno porte. No entanto, ao atrelar a responsabilidade patrimonial ao capital social, o projeto também não teve prosseguimento.
Em 2006, com a reformulação da legislação relativa a micro e pequenas empresas, o tema da limitação da responsabilidade do empresário individual voltou a ser discutido. O Congresso Nacional aprovou a matéria por meio do art. 69 da Lei Complementar nº 123/06, como segue:
Subseção II - Do Empreendedor Individual de Responsabilidade Limitada
Art. 69. Relativamente ao empresário enquadrado como microempresa ou empresa de pequeno porte nos termos desta Lei Complementar, aquele somente responderá pelas dívidas empresariais com os bens e direitos vinculados à atividade empresarial, exceto nos casos de desvio de finalidade, de confusão patrimonial e obrigações trabalhistas, em que a responsabilidade será integral.(BRASIL, Lei complementar 123 de 14 de dezembro de 2006)
Contudo, o dispositivo foi vetado pela Presidência da República sob o argumento de que tal benefício não poderia ser restrito apenas às microempresas e empresas de pequeno porte. Entendeu-se que a matéria deveria integrar o Código Civil ou ser regulada por lei específica que permitisse sua aplicação a todos os empresários individuais.
Finalmente, em 2009, foi apresentado o Projeto de Lei nº 4605/09, de autoria do Deputado Marcos Montes, que acabou sendo sancionado pela Presidente da República, tornando-se a Lei nº 12.441/11.
3. POSSÍVEIS FORMAS PARA LIMITAR A RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E CIVIL
Movido pela possibilidade de auferir lucro, o empreendedor individual, de forma organizada, exerce sua atividade econômica, inserindo-se no mercado e se expondo ao risco da incerteza de lograr êxito e alcançar o lucro esperado.
Ocorre que, no Brasil, até a edição da Lei nº 12.441/11, não havia legislação que permitisse a limitação da responsabilidade do empresário que explorasse a atividade econômica de forma individualizada. Consequentemente, o empresário individual respondia com todo o seu patrimônio pessoal pelas obrigações contraídas.
Segundo Machado (1956), o princípio da responsabilidade patrimonial vincula todos os bens do empreendedor ao cumprimento das obrigações decorrentes do desenvolvimento da atividade econômica, sem qualquer restrição ou limitação. Dessa forma, o empresário individual era responsabilizado de maneira ilimitada e absoluta.
Em razão disso, foram utilizados diversos meios jurídicos com o objetivo de se conseguir a separação do patrimônio pessoal do empresário individual, conforme descrito a seguir.
3.1. Sociedade fictícia
A sociedade fictícia, legalmente, é inexistente, uma vez que não corresponde a um tipo societário reconhecido. Trata-se, na verdade, de uma forma utilizada pelo empresário individual para blindar seu patrimônio contra os riscos decorrentes do exercício da atividade empresarial de forma individualizada, estando em desacordo com a legislação vigente. Contudo, é amplamente empregada pelos empreendedores como mecanismo de proteção do patrimônio pessoal.
Esse tipo de sociedade geralmente é formado por dois sócios e, obrigatoriamente, constitui-se sob o regime de responsabilidade limitada. Um dos sócios detém o controle da sociedade, possuindo o maior número de quotas e o poder de decisão, enquanto o outro sócio figura sem qualquer participação efetiva na administração da sociedade, limitando-se a compor o quadro societário para assegurar a limitação da responsabilidade do empresário.
A denominação de sociedade fictícia decorre da ausência do elemento affectio societatis, essencial para a constituição de uma sociedade. O affectio societatis refere-se à intenção genuína dos sócios de colaborar para a consecução do objeto social, o que não está presente nesse tipo de arranjo.
Contudo, mesmo sendo considerada uma sociedade fictícia, o posicionamento doutrinário é de que a utilização dessa manobra jurídica para proteção patrimonial é perfeitamente legal, visto que não há restrição legal quanto à participação dos sócios em uma sociedade. Nesse sentido, Coelho (2013, p. 387-388) afirma:
De fato, como não há, na lei, percentual mínimo para a participação do sócio, o empreendedor que dispõe, sozinho, dos recursos necessários à implantação da empresa, e deseja beneficiar-se da limitação da responsabilidade, decorrente da personalização da sociedade limitada, pode constituí-la com um irmão ou um amigo, a quem reserva uma reduzidíssima participação. O empreendedor, por exemplo, subscreve 99,99% do capital social e seu sócio 0,01%. A sociedade assim formatada atende ao pressuposto da pluralidade de sócios, mas, convenha-se, não apresenta nenhuma diferença, em termos econômicos, da figura da sociedade limitada constituída por um único sócio (ou do empresário individual de responsabilidade limitada).
Essa corrente é amplamente acolhida pela jurisprudência dos tribunais brasileiros. O posicionamento é seguido pela Justiça brasileira, considerando que a discrepância na distribuição de quotas entre os sócios, por si só, não é suficiente para justificar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade e a responsabilização ilimitada do patrimônio dos sócios.
A desconsideração da personalidade jurídica somente pode ser aplicada nos casos previstos no art. 50 do Código Civil, ou seja, quando houver desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.(BRASIL, Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990)
3.2. Sociedade unipessoal
A definição jurídica de sociedade unipessoal é a de uma sociedade composta por um único sócio. Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, a constituição de uma sociedade está taxativamente vinculada à existência de dois ou mais sócios, não sendo permitida a formação de uma sociedade com apenas um sócio, conforme disposto nos arts. 981 e 1.032 do Código Civil, que determinam:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados
[...]
Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.(BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002)
A única exceção ocorre no caso de retirada ou exclusão dos sócios, permanecendo apenas um único sócio. Nesse caso, a sociedade poderá continuar existindo por um prazo de até 180 dias. Após o término desse prazo, a pluralidade de sócios deverá ser restabelecida, sob pena de dissolução, conforme determina o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil, in verbis:
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113. a 1.115 deste Código. (BRASIL, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002)
No entanto, na prática, raramente a pluralidade de sócios é restabelecida. Também não ocorre a dissolução da sociedade, seja por iniciativa do sócio remanescente, seja de ofício pelas Juntas Comerciais ou pelos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas. Com base no princípio da preservação da empresa e na sua função social, a sociedade, que passa a operar de forma unipessoal, torna-se apenas irregular. Nesse caso, o sócio remanescente passa a ser responsabilizado de forma ilimitada.
3.3. Patrimônio de afetação
O patrimônio de afetação pode ser definido como o conjunto de bens, direitos e obrigações com expressão econômica, ao qual o empresário atribui uma destinação específica, ficando protegido de credores estranhos à sua finalidade. Em outras palavras, o patrimônio de afetação constitui um regime de patrimônio próprio de responsabilização, respondendo exclusivamente com os bens vinculados às obrigações relacionadas à afetação, não podendo ser utilizado para responder por obrigações gerais assumidas pelo empresário.
Dessa forma, o empresário individual destaca uma parte de seu patrimônio pessoal para garantir o cumprimento das obrigações contraídas no exercício da atividade econômica, como explica Brucasto (2005, p. 163):
[...] Assim, é preciso que os bens destinados à exploração empresarial sejam livres de ônus, que o empresário responda por eventual discrepância de valor estimado, que a finalidade esteja fixada e dela ele não se afaste, que, no momento da instituição, inexistam dívidas ou que o patrimônio livre restante seja suficiente para suportá-las. Além disso, o requisito da publicidade é essencial, o que se cumpre com o registro na Junta Comercial.
Desse modo, a separação patrimonial apresenta-se como a melhor forma de proteção do patrimônio do empresário individual. Contudo, essa proteção não é absoluta, especialmente nos casos de desvio de finalidade do instituto, aplicando-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Conforme explica Melo (2006, p. 12):
Os que entendem pela impossibilidade da divisibilidade do patrimônio trazem como principal argumento o seu caráter potencialmente fraudulento, na medida em que, estando os dois patrimônios nas mãos de um único titular, maior seria a possibilidade de confusão patrimonial. Esse argumento não se sustenta, na medida em que, já existe remédio jurídico destinado ao combate da confusão patrimonial, a desconsideração da personalidade jurídica, prevista em nosso ordenamento jurídico no Código Civil Brasileiro, artigo 50. Esse instituto poderia muito bem ser aplicado ao caso em estudo.
Baseada na existência de dois patrimônios incomunicáveis, sendo apenas um deles destinado e exposto à atividade empresarial, essa é a melhor alternativa para limitar a responsabilidade do empresário individual.
3.4. Empresa individual de responsabilidade limitada
Com a criação da nova natureza jurídica pela Lei nº 12.441/11, passou a ser permitido ao empresário individual exercer a atividade empresarial não em seu próprio nome, mas em nome da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Dessa forma, tornou-se possível proteger o patrimônio pessoal do empresário contra eventuais insucessos da atividade empresarial. No entanto, é necessário atender aos requisitos exigidos pela legislação.