4. EXERCÍCIO INDIVIDUAL DA EMPRESA: LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE NA DISCIPLINA DA LEI 12.441/11
Após tantas discussões no Legislativo brasileiro, foi finalmente introduzido o instituto de limitação da responsabilidade no exercício da atividade empresarial individualizada, por meio da Lei nº 12.441/11, que entrou em vigor em 9 de janeiro de 2012.
Conforme demonstram os dados a seguir, desde 2012, a constituição de Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI) corresponde a apenas 0,23% dos registros empresariais realizados junto à Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (JUCEMG):
CONSTITUIÇÃO POR TIPO SOCIETÁRIO | |||||
Empresário |
LTDA |
S/A |
Cooperativa |
Outros |
Eireli |
Janeiro |
1.328 |
1.772 |
7 |
7 |
5 |
Fevereiro |
1.551 |
2.061 |
21 |
6 |
13 |
Março |
1.255 |
1.824 |
24 |
5 |
9 |
Abril |
1.218 |
1.903 |
18 |
5 |
6 |
Maio |
1.461 |
2.260 |
17 |
7 |
8 |
Junho |
1.285 |
1.919 |
17 |
6 |
7 |
Julho |
1.515 |
2.217 |
18 |
7 |
5 |
Agosto |
1.427 |
2.064 |
10 |
7 |
11 |
Setembro |
1.491 |
2.126 |
21 |
8 |
10 |
Outubro |
1.392 |
2.040 |
25 |
4 |
2 |
TOTAL |
13.923 |
20.186 |
178 |
62 |
76 |
Esse modelo jurídico ainda não é amplamente conhecido pelos contabilistas, tampouco pelos empresários mineiros, que continuam optando pela sociedade limitada fictícia como forma de limitar a responsabilidade do empresário individual.
4.1. Natureza jurídica da EIRELI
Ao interpretar de forma sistemática o art. 980-A do Código Civil, observa-se que o legislador definiu a nova natureza jurídica como uma sociedade unipessoal, conforme defende Coelho (2012, p. 47):
[...]A lei define a EIRELI como uma espécie de pessoa jurídica, diferente da sociedade (art. 44, VI), e a disciplina num Título próprio (Título I-A do Livro II da Parte Especial), diverso do destinado às sociedades (Título II). Essas duas circunstâncias, isoladas, poderiam sugerir que, se a EIRELI não é espécie de sociedade, tampouco poderia ser uma espécie de limitada. Mas, ao disciplinar o instituto, o legislador valeu-se exclusivamente de conceitos do direito societário, como capital social, denominação social e quotas. Mais que isso, referiu-se á EIRELI como uma “modalidade societária” (art. 980-A, §3º) e submeteu-a ao mesmo regime jurídico da sociedade limitada (§6º).
No mesmo sentido, Mamede (2012) define a EIRELI como uma sociedade unipessoal, em razão do tratamento jurídico que lhe foi conferido, não podendo ser considerada sui generis, como ocorre com as associações e fundações.
Já para Siqueira (2012), a EIRELI também é definida como uma sociedade unipessoal, com base na exposição de motivos do Projeto de Lei nº 4605/09, de autoria do Deputado Marcos Montes, que originou a Lei nº 12.441/11.
Em sentido contrário, Pinheiro (2011) defende que a sociedade está vinculada à pluralidade de sócios, sustentando que, com base na literalidade da lei, a EIRELI não possui a natureza jurídica de uma sociedade limitada, tratando-se de uma nova natureza jurídica distinta:
A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária. Ao contrário do que muitos podem imaginar, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei nº 12.441/2011 incluiu ‘as empresas individuais de responsabilidade limitada’ no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44. do Código Civil (inciso VI).
No mesmo sentido, Neto (2012) defende que o legislador criou uma nova natureza jurídica ao estabelecer um título próprio para a EIRELI. Esse também é o entendimento do Conselho da Justiça Federal (CJF), conforme definido no Enunciado nº 3 da 1ª Jornada de Direito Comercial:
"A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária."
Seguindo o mesmo entendimento, a V Jornada de Direito Civil reafirmou que:
"A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) não é sociedade, mas um novo ente jurídico personalizado."
Embora haja divergência quanto à natureza jurídica da EIRELI, é unânime o entendimento de que essa modalidade não substitui a figura do empresário individual. O empresário individual é uma pessoa natural que não possui personalidade jurídica, enquanto a EIRELI constitui um ente dotado de personalidade jurídica.
4.2. Nomenclatura do instituto
O legislador, ao atribuir a nomenclatura de empresa ao novo instituto da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), cometeu uma falha, considerando que o termo "empresa" refere-se à atividade econômica organizada, conforme ensina Coelho (2012). Dessa forma, não é correto afirmar que a "empresa" exerce a atividade econômica, pois esta é exercida pelo empresário ou pelo ente dotado de personalidade jurídica.
4.3. Forma de constituição e requisito
Para a constituição da EIRELI, a lei exige que o seu titular cumpra uma série de requisitos formais e materiais regulamentados pela Instrução Normativa nº 117/2011 do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC). Além de regulamentar esses requisitos, a referida instrução também aborda pontos não tratados pela Lei nº 12.441/11, como será descrito a seguir.
A legislação, contudo, não define expressamente se o titular da EIRELI deve ou não possuir capacidade plena. Como a EIRELI utiliza, de forma supletiva, a legislação da sociedade limitada, e nesta os sócios podem ser representados e/ou assistidos, seria natural estender essa possibilidade à EIRELI. Entretanto, o DNRC legislou sobre a questão e proibiu a constituição de EIRELI com titular que não tenha capacidade plena, mesmo nos casos em que este poderia ser assistido ou representado, como ocorre na sociedade limitada.
Por outro lado, os cartórios de registro de pessoas jurídicas registram os atos constitutivos da EIRELI mesmo quando o titular é assistido ou representado, conforme dispõe o art. 1.634, V, do Código Civil, in verbis:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
[...]
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; ( BRASIL, Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002)
4.4. Constituição por transformação do registro
A lei em questão permite que a EIRELI seja constituída por meio da transformação de uma sociedade limitada ou do empresário individual, sem a exigência de qualquer justificativa para essa alteração. Essa possibilidade está prevista no parágrafo único do art. 1.033 e no § 3º do art. 980-A, ambos do Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 980-A
[...]
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113. a 1.115 deste Código. ( BRASIL, Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002)
Nesse sentido é a doutrina de Coelho (2012, P. 410)
A segunda via de constituição da EIRELI consiste na concentração da totalidade das quotas sociais sob a titularidade de uma única pessoa, física ou jurídica (CC, art. 980-A, § 3º). [...] Aqui, a constituição far-se-á por meio de transformação de registro, a ser requerida à Junta Comercial, nos 180 dias seguintes à unipessoalização da sociedade limitada (CC, art. 1.033, parágrafo único). Transformado o registro da limitada em registro de EIRELI, não se alteram os direitos dos credores.
Dessa forma, o empresário individual e a sociedade limitada poderão, a qualquer momento, ser transformados em EIRELI, sem a necessidade de apresentar qualquer justificativa, desde que cumpram os demais requisitos legais. A única observação relevante refere-se ao capital social, que deverá ser formado pelo patrimônio líquido da sociedade e/ou do empresário individual. Caso o patrimônio líquido não seja igual ou superior a cem vezes o valor do salário mínimo vigente, deverá ser complementado até atingir esse montante. A transformação não altera os direitos dos credores anteriores à sua realização, mas limita, a partir da transformação, qual patrimônio será afetado pelas obrigações futuras, como leciona Neto (2012, p. 161).
Se sua constituição ocorre a partir de uma sociedade unipessoal, é preciso que esta possua patrimônio líquido mínimo de igual valor. O fato de o capital social dessa sociedade já atingir os 100 salários mínimos não é suficiente, uma vez que na sua origem o capital da empresa individual há de corresponder ao patrimônio que a ela é afetado para a realização de seu objeto.
4.5. Estrangeiro
Na referida lei, não há qualquer proibição para que um estrangeiro seja titular de uma EIRELI, desde que cumpra todos os demais requisitos legais. Além disso, o estrangeiro residente no Brasil deve comprovar que possui visto permanente. Caso resida no exterior, deverá nomear um procurador com poderes específicos para receber e responder a intimações e citações de ações judiciais propostas contra a empresa.
4.6. Nome empresarial
Ao definir as regras para o nome empresarial da EIRELI, o legislador permitiu que seja utilizada tanto a firma quanto a denominação social. Em quaisquer dos casos, devem ser observados os requisitos de veracidade, unicidade e originalidade.
No caso da utilização de firma, o nome empresarial deverá ser composto pelo nome do titular, acrescido da designação da atividade. Já na utilização da denominação social, o nome será formado pelo objeto social, podendo ainda conter o nome do titular ou outra expressão que a identifique. Em ambas as situações, é obrigatório incluir a expressão EIRELI no nome empresarial, conforme determinado no § 1º do art. 980-A do Código Civil. A ausência dessa expressão acarretará a responsabilização ilimitada e solidária do titular e/ou administrador.
Nesse sentido, Arão (2012, p. 32) afirma:
"A ausência desse pressuposto, o qual tem por objetivo identificar o negócio empresarial, implicará, inequivocamente, na sustentação da responsabilidade solidária e ilimitada do administrador."
Ao permitir a utilização tanto de firma quanto de denominação social, o legislador conferiu ao titular da EIRELI a possibilidade de escolher a melhor forma para o nome empresarial. Essa liberdade é semelhante à concedida às sociedades limitadas, que também podem optar entre firma e denominação social. Isso demonstra a intenção do legislador de diferenciar a EIRELI do empresário individual, atribuindo-lhe características mais próximas às de uma sociedade empresária.
4.7. Limitações ao uso da EIRELI
Há limitações impostas pela lei em questão para o exercício da EIRELI, sendo algumas de forma tácita previstas na legislação e outras estabelecidas expressamente pela Instrução Normativa nº 117/2011 do DNRC, conforme será demonstrado a seguir.
4.7.1. Capital mínimo e patrimônio
A legislação da EIRELI determina um valor mínimo de cem vezes o salário mínimo vigente, conforme disposto no caput do art. 980-A do Código Civil, e exige que este esteja totalmente integralizado no momento de sua constituição, não sendo permitida a integralização em parcelas sucessivas. O capital social pode ser integralizado por meio de bens, direitos e obrigações, desde que suscetíveis de avaliação pecuniária. No entanto, a legislação não exige a comprovação formal do valor do capital social, e a avaliação dos bens não é obrigatória.
Ademais, a lei proíbe a utilização de bens relacionados à personalidade do titular como capital social. Ou seja, bens como a voz, a imagem ou o nome do titular não podem ser utilizados para integralizar o capital, conforme definido no Enunciado nº 473 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF):
"A imagem, o nome ou a voz não podem ser utilizados para a integralização do capital da EIRELI."
Nos casos de transformação, há dúvidas quanto ao capital social a ser integralizado: se será o capital social descrito no ato constitutivo ou se poderá corresponder ao patrimônio líquido da sociedade. Sobre essa questão, Neto (2012, p. 161) defende:
Se sua constituição ocorre a partir de uma sociedade unipessoal, é preciso que esta possua patrimônio líquido mínimo de igual valor. O fato de o capital social dessa sociedade já atingir os 100 salários mínimos não é suficiente, uma vez que na sua origem o capital da empresa individual há de corresponder ao patrimônio que a ela é afetado para a realização de seu objeto.
No entanto, capital social e patrimônio líquido são institutos distintos. O capital social é composto pelo montante já integralizado, subtraído do capital ainda a integralizar, enquanto o patrimônio líquido resulta da diferença entre o ativo e o passivo da empresa. Dessa forma, é possível que o patrimônio líquido seja negativo, mesmo que a sociedade transformada tenha inicialmente cumprido o requisito legal relativo ao capital social exigido em lei.
Outra questão controvertida refere-se à necessidade de atualização do capital social da EIRELI sempre que o salário mínimo for reajustado. Nesse caso, haveria a obrigação de o titular reajustar o capital social, sob pena de cancelamento da inscrição da empresa por descumprir o requisito do capital mínimo de cem vezes o valor do salário mínimo vigente. Contudo, a 1ª Jornada de Direito Comercial, nos termos do Enunciado nº 4 do Conselho da Justiça Federal (CJF), esclareceu que:
"Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário-mínimo."
Apesar dessa definição, há quem questione a justificativa do legislador ao exigir o capital mínimo apenas no momento da constituição. Após integralizado, o capital social está sujeito a mutações em razão do exercício da atividade econômica, podendo perder sua equivalência inicial de cem salários mínimos. Por esse motivo, alguns doutrinadores, como Aragão (2012), defendem que o capital social deveria ser periodicamente atualizado, de forma a manter sempre sua equivalência ao valor de cem salários mínimos vigentes:
[...]Parece, entretanto, que a intenção do legislador foi outra: de fato, não faria muito sentido fazer essa exigência apenas no momento da constituição da empresa individual de responsabilidade limitada. A interpretação mais razoável parece ser aquela que impõe a permanência de uma capital social mínimo, como forma de garantia dos credores, sob pena de o titular da pena de o titular da EIRELI não poder mais se beneficiar da limitação de responsabilidade.
Mesmo havendo divergências quanto ao entendimento sobre a atualização do capital social vinculado ao salário mínimo, a falta de atualização implica a não equivalência aos cem salários mínimos vigentes, um dos requisitos essenciais para a constituição da EIRELI, o que poderia levar ao cancelamento de seu registro.
A limitação do capital social tem como objetivo dificultar a ocorrência de fraudes contra credores, uma vez que o patrimônio pessoal do titular não será afetado pelas dívidas contraídas pela EIRELI. Assim, mesmo que ocorra a diminuição do patrimônio líquido, não é permitida a redução do capital social.
Devido à exigência de cem salários mínimos para a constituição da EIRELI, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4637, questionando a constitucionalidade dessa exigência. O partido argumenta que a vinculação ao salário mínimo viola a Constituição Federal de 1988, especificamente o art. 7º, IV, que veda a utilização do salário mínimo como indexador de base econômica. Além disso, sustenta que tal exigência fere o princípio da livre iniciativa, ao dificultar o acesso de pequenos empresários à EIRELI, inviabilizando a utilização dessa natureza jurídica por empreendedores de menor porte.
Art. 7º
[...]
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
4.7.2. Possibilidade do titular da EIRELI ser pessoa jurídica
Uma questão contraditória envolvendo a lei e sua regulamentação pelo DNRC refere-se à possibilidade de o titular da EIRELI ser uma pessoa jurídica. O art. 980-A do Código Civil estabelece que o titular seja "uma única pessoa", sem especificar se essa pessoa deve ser natural ou jurídica, não havendo qualquer proibição expressa que impeça a titularidade por pessoa jurídica.
Nesse sentido, Coelho (2012, p. 409) afirma que, "não havendo proibição expressa no texto, não compete ao intérprete fazê-lo."
Ademais, Pinheiro (2011, p. 71) destaca que "não houve a diferenciação da pessoa natural da pessoa jurídica" no caput do art. 980-A, sendo prevista apenas a restrição para que a pessoa natural não possa constituir mais de uma EIRELI:
Logo, não quis o Legislador restringir a criação da EIRELI apenas à pessoa natural, mas quanto a essa resolveu limitar a possibilidade de criação para apenas uma pessoa jurídica de tal modalidade. A contrario sensu, como não há restrição semelhante quanto à pessoa jurídica criadora de EIRELI, conclui-se que determinada pessoa jurídica pode instituir quantas EIRELIs desejar, desde que preenchidos os demais requisitos legais para tanto.
Tomazette (2012) defende, com base no § 6º do art. 980-A do Código Civil, que permite a aplicação das regras da sociedade limitada à EIRELI, que esta pode ser constituída por pessoa jurídica. Esse entendimento corrobora a possibilidade de pessoa jurídica figurar como titular de uma EIRELI.
Por outro lado, Mamede (2012) argumenta que a interpretação do dispositivo não deve ser literal, mas sistemática, considerando a intenção do legislador. Segundo o autor, o objetivo ao criar a figura da EIRELI foi proteger a pessoa natural que exerce atividade econômica de forma individualizada. Nesse mesmo sentido, o Enunciado nº 468 do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovado na V Jornada de Direito Civil, dispõe:
"A EIRELI somente poderá ser constituída por pessoa natural."
Ainda, Gonçalves Neto sustenta que, embora a lei não faça vedação expressa à possibilidade de pessoa jurídica ser titular de uma EIRELI, a proibição seria tácita. Para o autor, o instituto foi concebido para proteger a atividade econômica individualmente exercida pela pessoa natural. Ele argumenta que o patrimônio da pessoa jurídica já possui como finalidade adimplir suas obrigações, não podendo a EIRELI ser utilizada como meio para proteger esse patrimônio.
Diante da omissão legislativa, o DNRC, por meio da Instrução Normativa nº 117/2011, regulamentou a matéria, determinando a proibição de que o titular de uma EIRELI seja pessoa jurídica.
Entretanto, a regulamentação da IN nº 117/2011 aplica-se apenas aos atos praticados nas juntas comerciais, não abrangendo as atividades dos cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas. Cada cartório pode estabelecer sua própria regulamentação sobre o uso do instituto. Por exemplo, o Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte permite a constituição de EIRELI por pessoa jurídica, com base na ausência de impedimento legal. Esse também é o entendimento adotado pela Receita Federal do Brasil (RFB).
4.8. Atividades civis
A legislação permite que atividades civis sejam exercidas na forma de EIRELI. No entanto, surgem duas correntes divergentes sobre o tema.
A primeira corrente não identifica qualquer empecilho para que o objeto social da EIRELI seja composto por atividades civis. Essa posição defende que a finalidade principal da EIRELI é a limitação da responsabilidade do titular, protegendo seu patrimônio pessoal dos riscos inerentes ao exercício da atividade econômica. Nesse sentido, Siqueira (2012, p. 66) ensina:
Nada impede que uma sociedade de natureza simples possa ser constituída como, ou no decorrer de sua existência se transforme “empresa (leia-se sociedade) individual de responsabilidade limitada”, o que beneficiará, especialmente, os empreendedores (não empresários) que exerçam profissão regulamentada, como os contadores, médicos, dentistas, engenheiros e arquitetos –profissionais que podem atuar individualmente e sair da informalidade, sem colocar em risco seus bens particulares.
No mesmo sentido, Abrão (2012, p. 30) discorre sobre o formato da EIRELI, afirmando:
"A empresa individual não tem o formato de sociedade empresária, daí porque, fundamentalmente, o sistema desenvolvido permite registrar a consideração de atividades intelectuais, certos tipos de negócio, os quais não se incorporam ao exercício empresarial."
Em sentido oposto, Tomazette (2012) defende que o objeto social da EIRELI deve necessariamente ser composto por atividades empresariais, não sendo permitido que sejam exercidas atividades civis. Esse também é o entendimento de Neto (2012, p. 160).
Dito de outro modo, evidencia-se, aqui, a impossibilidade de a empresa individual de responsabilidade limitada ter por objeto atividade intelectual, de natureza literária, artística ou científica, a teor da ressalva contida no art. 966, parágrafo único, do CC/2002, relativa ao empresário, e do disposto no seu art. 982, que toca ao objeto da sociedade empresária. Já a atividade rural presta-se para constituí-la, à luz da opção prevista no art. 971. do CC/2002.
Ocorre que, diferentemente do posicionamento adotado pelo DNRC, que legislou sobre outros pontos da lei em questão, o órgão limitou-se a proibir expressamente a constituição de EIRELI na atividade de Advocacia, conforme disposto na Instrução Normativa nº 117/2011.
Entretanto, a Receita Federal do Brasil (RFB), ao regulamentar a nova natureza jurídica por meio da Comissão Nacional de Classificação (CONCLA), criou códigos de natureza jurídica tanto para atividades empresariais (230-5) quanto para atividades simples (231-3). Dessa forma, é permitido o uso da EIRELI para o exercício de atividades simples.
Em razão disso, os cartórios de registro de pessoas jurídicas, que não estão subordinados ao DNRC, têm recebido os registros de EIRELI para atividades civis (não empresariais).
4.9. Administração
A administração da EIRELI pode ser exercida tanto pelo titular quanto por um representante por ele indicado, uma vez que não há vedação expressa na lei. Além disso, a EIRELI utiliza, de forma subsidiária, as regras da sociedade limitada, que permitem a nomeação de um administrador externo à sociedade, conforme disposto nos arts. 1.060 a 1.065 e no inciso VI do art. 997 do Código Civil. Tanto o administrador quanto o titular respondem ativa e passivamente pelos atos praticados pelo administrador.
A indicação do administrador pode ser realizada de duas formas: diretamente no ato constitutivo e/ou em alteração contratual, ou por meio de ato apartado, que deverá ser obrigatoriamente averbado junto à matrícula da EIRELI. É importante destacar que o administrador deve, obrigatoriamente, possuir residência no Brasil.
4.10. Desconsideração da personalidade jurídica e veto presidencial
Devido à finalidade da EIRELI ser a limitação da responsabilidade do empreendedor e a proteção de seu patrimônio pessoal, o legislador deixou expressa na lei a determinação de que somente o patrimônio da EIRELI responderia por suas dívidas, sem se confundir com o patrimônio do titular. Tal previsão está disposta no § 4º, in verbis:
§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.
Contudo, a proteção patrimonial do empreendedor é limitada pelo instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 e no § 6º do art. 1.052 do Código Civil, além do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esses dispositivos visam garantir o cumprimento das obrigações da pessoa jurídica, permitindo que o patrimônio pessoal do empreendedor seja alcançado em determinados casos.
Por esse motivo, o artigo mencionado foi vetado, com o argumento de que poderia gerar dúvidas quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, conforme exposto nas respectivas razões:
Razões do veto
Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50. do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.
Caso não houvesse o veto presidencial, poderia ocorrer que, mesmo sendo comprovada a presença dos elementos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica, o Judiciário deixasse de aplicá-la. Isso ocorreria porque o parágrafo em questão determina que o patrimônio pessoal do titular não poderia ser atingido pelas obrigações assumidas na EIRELI, como ensina Neto (2012, p. 169):
Por outro lado, se o titular do capital, na condução dos negócios da empresa, desviar-se dos fins a que ela se propõe ou praticar alguma ilegalidade, não terá a limitação de sua responsabilidade pelas obrigações que assim forem contraídas. Também não o terá se não mantiver perfeita separação entre o seu patrimônio e o da empresa por ele criada –hipótese que conduz à desconsideração da personalidade jurídica (art. 50. do CC/2002). O mesmo ocorre se o titular do capital atua fora dos padrões de conduta que a lei exige do administrador, o que acarreta sua obrigação pessoal pelo cumprimento das obrigações assim contraídas. O não recolhimento das contribuições previdenciárias retidas dos empregados, por exemplo, é conduta ilícita e caracteriza tipo penal específico. Não se deve confundir essa situação com a de não recolher tributos simplesmente: esta, em regra, não gera por si só responsabilidade do administrador ou controlador da empresa, por lhe caber definir as prioridades de pagamento no giro dos negócios, sendo a falta de liquidez inerente aos riscos da atividade que a figura da EIRELI nasceu para evitar.
Dessa forma, somente com a presença dos elementos caracterizadores do instituto da personalidade jurídica poderá o Judiciário determinar a sua desconsideração, atingindo, assim, o patrimônio pessoal do titular.
4.11. Extinção da EIRELI
A extinção da EIRELI ocorrerá pela dissolução.
No entanto, considerando que a lei foi omissa nesse ponto, devem ser aplicadas, de forma supletiva, as regras da sociedade limitada previstas no art. 1.033, incisos I e V, e no art. 1.034, inciso I, do Código Civil.
No caso de falecimento do titular, caso os herdeiros optem pela liquidação, será necessário realizar o inventário, anexando a certidão de inteiro teor ou o formal de partilha ao ato de extinção. Nesse contexto, o patrimônio poderá ser transferido, e os herdeiros poderão decidir pela continuidade do exercício da atividade econômica, conforme disposto no Manual de Atos de Registro de EIRELI.