5 REFLEXOS DECORRENTES DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL
São inúmeros os reflexos que a redução da maioridade de vinte e um para dezoito anos acarretará nos vários ramos do direito, desde o âmbito familiar, com repercussões nos institutos ligados ao dever de sustento, através da concessão de alimentos, passando pela área previdenciária, que ensejará economia para o governo na concessão de pensão a filhos de segurados, em detrimento destes, culminando na área criminal, cuja campanha para se reduzir a idade penal com certeza ganhará maior repercussão.
5.1 ALIMENTOS
A redução da idade para a capacidade civil trará uma grande celeuma nas relações econômicas entre pais e filhos no que diz respeito ao pagamento de pensão alimentícia. Uma vez extinto o "poder familiar" – termo que substituirá o atual "pátrio poder" do Código Civil de 1.916 até agora utilizado – aos dezoito anos de idade, prevê o Código Civil de 2.002 em seus artigos 1.630 e 1.635, III, a cessação do dever alimentar. Essa interrupção em momento precoce será danosa e trará resultados prejudiciais aos jovens, pois que é exatamente na faixa dos dezoito anos que ocorre o ingresso nas faculdades, em presumida falta de condições materiais de autosustentação. É notório que a falta de formação acadêmica é uma das causas de desemprego no Brasil, e isso somente pode ser revertido se houver um estímulo ou da família ou poder público no sentido de suprir, em termos materiais, ao custeio dessa fase. Como os cofres públicos estão combalidos e inexiste programa governamental visando preencher essa indesejável lacuna -- é importante enfatizar que o programa de bolsa estudo apenas minimiza o drama dos estudantes e que somente 7% da população hoje conta com curso superior – tudo indica que dependerá unicamente dos pais a superação do impasse.
Assim, abstraindo as situações dos pais que de forma voluntária persistam na manutenção do estudo dos filhos até sua formação, a grande maioria ficará dependendo das Varas de Família para buscar a prorrogação do vínculo alimentar até então mantido. (37)
5.2 PREVIDENCIA OFICIAL
O rebaixamento da maioridade civil trará, da mesma forma, conseqüência desagradável também para quem recebe pensão da previdência oficial. Como se sabe, o governo federal é responsável pelo pagamento de pensão de filhos de segurados, cujo desembolso, a partir de janeiro de 2.003, será amenizado substancialmente, resultando numa economia de três anos para os cofres públicos. Analisando-se pelo viés oposto, o jovem também ficará três anos mais cedo privado desse rendimento, com o agravante de que tal ônus ensejará prejuízo ao seu desenvolvimento, pois terá que trabalhar mais cedo para prover seu próprio sustento, às vezes antes mesmo de concluir o curso superior.
5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL
Um problema que surgirá, na seara da responsabilidade civil, está ligado à responsabilização dos atos praticados pelos filhos e que venham a causar danos a outrem. A partir de janeiro de 2.003, o jovem com 18 anos será plenamente responsável pelos seus atos, resultando daí que, na ocorrência de um acidente automobilístico por ele provocado, a vítima não poderá acionar os pais para reaver seu prejuízo. Como normalmente nessa idade o jovem ainda não tem rendimentos suficientes nem mesmo para se sustentar, o resultado é que a vítima não terá de quem cobrar a indenização. Esse é o ônus que a sociedade moderna pagará, assentado no entendimento universal de que o jovem com a idade de dezoito anos encontra-se devidamente maduro e preparado para a vida. Assertiva que se sabe, é válida em termos, pois não se pode confundir responsabilidade pelos atos praticados com capacidade material. A distância entre uma e outra demanda preparação e investimento intelectual.5.4 IMPUTABILIDADE PENAL
A redução da maioridade civil também provocará um recrudescimento na discussão que se trava a respeito da imputabilidade criminal.
Essa polêmica existe há séculos. A idade penal, ao longo da história, já sofreu alterações para mais e para menos, desde quando, ainda sob a inspiração das Ordenações Filipinas, em 1603, o Título 135 do Livro V, fixava a idade de dezessete anos para a imputabilidade penal.
Com a proclamação da independência e após a promulgação da primeira Constituição Brasileira, o Código Criminal do Império, de 1830, reduziu o limite de idade penal para quatorze anos. Meio século após, com o advento do Código Penal republicano, de 1890, exatamente um ano antes da primeira Constituição da República, retrocedia para nove anos a idade da imputabilidade penal, o que perdurou por quatro décadas, somente revogada em 1932, por ocasião da aprovação da Consolidação das Leis Penais, quando o limite mínimo foi elevado para quatorze anos.
Somente através do Código de 1.840, promovida pela reforma penal levada a efeito pelo Estado Novo, foi refixada a capacidade penal aos dezoito anos, norma em vigor atualmente. Posteriormente referida lei foi incorporada à Carta Magna, figurando hoje no artigo 228 da CF/1988.
Como a matéria está inserta na Constituição da República – art. 228 – e encontra-se devidamente normatizada através do ECA, sua redução somente poderá ser alterada por emenda constitucional, o que significa um árduo e extenso trabalho de discussão até sua final decisão. As vozes que defendem posições antagônicas são representativas das mais variadas classes atuantes na área da infância e juventude, com juristas de respeito e que contam com apoio de grande parcela da população.
Diante do agravamento do problema no Brasil, notadamente nos últimos tempos, em que a participação de menores de idade mostra-se crescente, é grande e respeitável o número de defensores da redução da maioridade penal. No capítulo 3 – MAIORIDADE PENAL, o assunto foi abordado com maior profundidade, destacando-se as várias correntes a favor ou contra tal redução.
6 CONCLUSÃO
A questão que se aborda é até onde a maioridade civil aos dezoito anos irá influenciar a vida das pessoas. Em outra versão, até que ponto a alteração dos atuais vinte e um anos, calcado no Código Civil de 1.916, para os dezoito anos do novo Código Civil ensejará modificações nas relações jurídicas entre os particulares. A resposta a essas questões pode ser sintetizada em três linhas de raciocínio.
A primeira refere-se ao ponto de vista puramente dogmático, através do qual a alteração na idade plena, conquanto substancial, não trará significativas conseqüências. Como enfatizado no decorrer deste trabalho, o jovem de hoje com dezoito anos está em absolutas condições de igualdade -- aí considerados os aspectos culturais, sociais e comportamentais – com seu par de vinte e um anos de oito décadas atrás. Prova disso são as inúmeras atividades que, gradativamente, por vias constitucionais ou mesmo através de leis esparsas, foram incorporadas ao dia-a-dia das pessoas com dezoito anos: permissão para dirigir automóveis, para votar, trabalhar, etc. Assim, dentro dessa assertiva, a alteração teve o objetivo tão-somente de realocar o jovem ao seu "habitat" jurídico adequado.
A segunda linha de raciocínio está relacionada com os efeitos patrimoniais que advirão com a mudança da maioridade civil. Na prática isto significa que a redução dos atuais vinte e um anos para os dezoito anos do Código de 2.002, com certeza trará reflexos pecuniários desfavoráveis para os filhos dependentes financeiramente de pais que, a partir de janeiro do próximo ano, deixarão mais cedo de pagar a eles as pensões alimentícias. Vale dizer, serão prejudicados os filhos principalmente de classe média que, por força de decisões judiciais, vinham recebendo as verbas respectivas de seus pais, os quais se desonerarão mais cedo daquela responsabilidade. É cediço que nessa faixa etária – entre dezoito a vinte e um anos – normalmente os jovens estão cursando o terceiro grau e por isso não dispõem ainda de rendimentos suficientes para se manter. É claro que estarão à margem dessa restrição os filhos de pais que, pela responsabilidade moral ou mesmo por afeição, mantenham a assistência até quando julgarem conveniente, independentemente de haver expirado sua responsabilidade legal.
Idêntica situação ocorrerá com os filhos de segurados da previdência social, cuja data limite para a percepção da pensão passará para dezoito anos, ensejando assim uma tormentosa e constrangedora redução em seus benefícios três anos mais cedo do que ocorreria com as normas do Código que se agoniza. Nesta nova realidade perderão os jovens que prematuramente deverão se atirar ao já escasso mercado de trabalho ainda sem o devido preparo acadêmico, e ganhará a União, que economizará recursos financeiros do Tesouro Nacional na questão previdenciária.
A última implicação que se observa em função da redução da maioridade civil, com certeza a mais polêmica, é a que se reflete na tentativa do rebaixamento da imputabilidade penal para os dezesseis anos, ou até menos que isso, conforme discutido no capítulo que tratou das propostas de emendas à Constituição. Como se sabe, a idade para o jovem ser responsabilizado criminalmente hoje é dezoito anos. Abaixo desse patamar existe a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, norma que foi inspirada nos padrões internacionais de atendimento ao menor infrator, que não funciona melhor devido mais à falta de sua correta e completa implementação, e menos por sua política essencialmente voltada aos objetivos educacionais.
A luta que se trava, pois, é no sentido de alterar o artigo 228 da Constituição Federal, o artigo 27 do Código Penal e o artigo 104 da Lei 8069/90 (ECA), que estabelecem a idade de dezoito anos para a imputabilidade penal. Conforme enfatizado no decorrer deste trabalho, duas correntes defendem posições sólidas, bem argumentadas e patrocinadas por juristas renomados no cenário penal brasileiro. Em síntese, de um lado alguns defendem a redução alegando que o jovem com dezesseis anos já se encontra maduro em todos os sentidos, de modo a entender claramente o caráter ilícito de sua conduta e a determinar-se de acordo com esse entendimento. Do lado oposto, outros entendem que o amadurecimento ainda não é pleno e que a redução da idade penal traria um retrocesso, pois o sistema penitenciário aplicado ao maior de dezoito anos é ainda arcaico e rudimentar. A pergunta que se faz, portanto, é se o menor hoje com dezesseis anos tem o senso de discernimento mínimo para saber com segurança o que é uma ilicitude, e o mais importante, reconhecendo o caráter errado de sua atuação (matar, roubar, estuprar, etc.), saber que tais atos lhe sujeitará a ir para a cadeia. Não há dúvida, diante dos avanços verificados na sociedade e do progresso intelectual vivido pelo jovem com dezesseis anos, que a resposta é afirmativa, principalmente se se considerar que nessa idade, conquanto facultativamente, é permitido exercer o direito soberano do voto. No entanto, existe um grande abismo entre a aptidão à maioridade plena, ou seja, estar apto a assumir a responsabilidade por um crime praticado, e a estrutura de que dispõe o sistema penitenciário brasileiro para albergar criminosos, hoje corrompido, cruel, antieducativo e, o que é mais grave, dissociado do princípio basilar do estado de direito.
Portanto, para finalizar, a idade penal não deve ser reduzida enquanto existir a atual estrutura, pois como já ocorre com os criminosos, a cadeia de hoje, longe de cumprir com sua função ressocializadora, funciona como uma espécie de escola para formação de delinqüentes. Inserir nessa estrutura menores de dezoito anos seria um desserviço à sociedade e um retrocesso às funções do Estado que em última análise tem o dever constitucional de prover o bem estar e a dignidade da pessoa humana, princípios, aliás, excessivamente enfatizados e valorizados no novo Código Civil.