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Alternativas para o conflito estabelecido pelas chamadas desapropriações indiretas

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SUMÀRIO: 1. Introdução 2. Regularização dominial de bem imóvel de propriedade particular ocupado pela Administração pública 3. Permuta de bens de particulares com bens públicos dominiais, frente ao interesse público 4. Requisitos essenciais e a aplicação da Lei 8.666/93 5. Dispensa de licitação, possibilidade de autorização legislativa e avaliações prévias 5. Conclusão


1.Introdução

O presente estudo objetiva demonstrar que há possibilidade de se permutar bens públicos dominiais com propriedade privada ocupada pela Administração para atender a necessidade pública, em forma de desapropriação indireta.

A hipótese prevê situação fática em que efetivamente a Administração ocupou bem de particular e nele erigiu construção civil que lhe outorgou uso especial, para atender a interesse público.


2. Regularização dominial de bem de particular ocupado pela Administração Pública

A habitual prática da desapropriação indireta vem sendo repudiada pelo direito, eis que desde a Declaração de Direitos do Homem de 1791, editada na França, a perda do domínio de um bem do particular para o Estado já ficava condicionada à necessária indenização, sendo pois a desapropriação forma jurídica utilizada pelo Poder Público para compelir o proprietário particular a transferir para si seus bens, frente a utilidade ou necessidade pública e ao interesse social, sempre mediante prévia e justa indenização, constituindo, pois, para o Poder Público, ao contrário do particular, forma de aquisição da propriedade.

Denominou-se o apossamento ilegal e arbitrário da propriedade particular pelo Poder Público de desapropriação indireta. Tratando-se, evidentemente, de verdadeiro esbulho pela Administração Pública, produzindo conseqüências jurídicas distintas das produzidas, em casos que tais, no direito privado.

A Administração Pública, mediante tais atos de apossamento, instala serviços e realiza obras de interesse público em propriedade privada, deixando de integrar o bem ao patrimônio público para eximir-se da devida indenização, sendo certo que esse procedimento passou a ser aceito e denominado pela doutrina por desapropriação indireta, sofrendo o particular, de conseqüência, a diminuição patrimonial pela injusta perda da posse, restando-lhe buscar os meios judiciais para obter a reparação correspondente. Reparação esta nem sempre conveniente ao poder público em virtude das inúmeras verbas que passam a integrar o valor justo do bem, tais como: suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, honorários periciais e advocatícios, salários de assistentes técnicos, prejuízos sofridos pelo expropriado, desvalorizações do remanescente, juros compensatórios e moratórios, e, ainda, correção monetária que não raro eleva sobremaneira o valor indenizatório quando comparado ao valor de mercado do bem ocupado.

No dizer de PETRÔNIO BRAZ " ocorre a desapropriação indireta quando o Poder Público se apossa, de forma ilícita, de um bem particular, nela realizando obras ou serviços, e incorporando-o, sem obediência às formalidades legais, ao patrimônio público" [1]

O atual entendimento acerca da desapropriação indireta é no sentido de que não caracteriza modalidade do ato lícito de desapropriação, mas configura ato ilícito a ser indenizável, conforme assentado in Recurso Extraordinário 168.783.5, cujo relatório é da lavra do Ministro Moreira Alves.

Além da repulsa de tal prática pela doutrina e pela jurisprudência, por último, com o advento da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, vedada restou, definitivamente, a desapropriação de bens imóveis sem o depósito prévio do justo valor indenizatório, conforme se depreende do teor do artigo 46, valendo ressaltar que dita norma disciplina exclusivamente a transparência e responsabilidade da Administração e do administrador público.

Da evolução jurídica aqui tratada acerca da chamada desapropriação indireta, podemos afirmar que a mesma tende a desaparecer por completo, por caracterizar prática de imoralidade administrativa danosa ao administrado e à Administração.

A situação fática posta em discussão, caracteriza a utilização da propriedade privada mediante vantagem e conveniência ao interesse coletivo, consubstanciadas pela edificação de construção para abrigar serviço público, destinando a coisa, de conseqüência, ao denominado uso especial.

Ora, insuportável seria frete a tal situação aguardar, o Poder Público, que se lhe promovam ação indenizatória para operacionalização da desapropriação, indenização essa que, como se sabe, situa-se na modalidade denominada cabal, porém englobando toda sorte de verbas e despesas decorrentes do ato de responsabilidade da Administração.


3. Permuta de bens de particulares com bens públicos dominiais, frente ao interesse público

Trabalhamos, então, com a possibilidade de se encontrar solução técnica, considerando a situação proposta, pelo instituto da permuta, com base bem assentada na caracterização dos requisitos legais essenciais à sua realização, segundo a entendimentos doutrinários e a conveniência ao Poder Público, em virtude da disponibilidade de bens dominiais para operacionalizar-se o escambo.

A troca, permuta ou escambo como se sabe, precede a compra e venda, tendo surgido antes da economia monetária como instrumento jurídico de circulação de riquezas. Com o surgimento da moeda nasce a compra e venda, que adquire grande relevância pelo tratamento que lhe foi dispensado por todas as legislações. Pouco difere a troca da compra e venda, ensinando-nos ORLANDO GOMES que: "Contrato de troca é bilateral, oneroso, comutativo e simplesmente consensual... Quanto à forma a troca é, circunstancialmente, contrato solene... " [2]

Cabível, a troca sempre que se comportar a alienação da coisa, sendo conceituada, por WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, como: "Troca é o contrato pelo qual as partes se obrigam mutuamente a dar uma coisa por outra." [3]

A permuta encerra dupla venda, diferenciando-se da compra e venda por compreender alienação de uma coisa contra outra coisa certa, precisa e determinada, rem pro re, enquanto que compra e venda compreende-se alienação rem pro pretio.

Todas as coisas in commerciun são suscetíveis de permuta ou troca, não se excluindo daí o bem público, desde que desafetado do uso comum do povo ou de destinação pública especial.

No entendimento unânime dos administrativistas o bem público é passível de permuta, valendo ressaltar o ensinamento do insigne HELY LOPES MEIRELLES, que assim leciona: " Qualquer bem público desde que desafetado do uso comum do povo ou de destinação pública especial, pode ser permutado com outro bem público ou particular, da mesma espécie ou de outra. O essencial é a que a lei autorizadora da permuta identifique os bens e a avaliação prévia atribua-lhes corretamente os valores, para efetivação da troca sem lesão ao patrimônio público". [4]

Comungando o pensamento ditado pelos conceitos de permuta temos que o contrato de permuta é o instrumento mais próprio e adequado à regularização dominial pretendida, porém, como caracteriza a alienação de bem de particular ao poder público e deste àquele, temos que percorrer longo caminho para demonstrar a possibilidade jurídica do referido contrato de permuta e sua conveniência para a administração pública.

A conveniência acha-se estampada em virtude da necessidade da regularização dominial de coisa imóvel já ocupada, cuja posse está consolidada pela edificação de bem de uso especial, mediante entrega de outros bens de igual natureza, sem riscos e sujeição as verbas penalizadoras do poder público pelo ilícito praticado que encorpam o valor real da coisa a ser indenizado na desapropriação indireta, elevando-o sobremaneira.

A permuta como instrumento de transferência de bem, no presente caso imóvel, do particular para o Poder Público e deste para o mesmo particular, está sujeita a observância das normas legais atinentes a alienação e aquisição de bens pela Administração, sempre subordinada, portanto, ao interesse público devidamente justificado.

É preciso restar evidenciado e inquestionável na vertente hipótese a presença do interesse público justificado, o que assegura a finalidade do contrato de permuta.

A permuta aqui cogitada de parte de imóvel de particular, cujas características, localização e situação fática condiciona a escolha, por imóveis de domínio do Estado, deve ser precedida de autorização legislativa e respectivas avaliações, dispensando-se a licitação nos exatos termos do inciso X, do artigo 24, combinado com o inciso I, alínea "c", do artigo 17, ambos da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. [5]

Não obstante o inciso X refira-se a compra e não permuta, dúvidas não pairam que para efeitos contratuais, ainda que na esfera administrativa, em nada diferem, sendo, portanto, equivalentes, tanto que a alínea "c" do inciso I, do artigo 17, ao tratar da permuta manda que se lhe aplique a dispensa de licitação prevista no inciso X, do art. 24, que cuida de compra.

A destinação do imóvel está, pelo teor do referido inciso X, do artigo 24, condicionada ao serviço público, que no melhor entendimento deve ser compreendido como todo e qualquer serviço essencial à administração pública em geral, isto é o que se depreende do conceito de serviço público do sempre festejado HELY LOPES MEIRELLES, senão vejamos: " Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundários da coletividade ou simples conveniências do Estado" [6].

Além das cláusulas gerais enumeradas no artigo 55, da mesma Lei 8.666/93 e aplicáveis ao contrato administrativo, inclusive ao ora cogitado no que for com ele compatível – permuta de bens imóveis –, ressaltam da leitura do artigo 17, da mesma norma, dois requisitos, a autorização legal e a avaliação prévia das coisas a serem trocadas.


4. Requisitos essenciais e a aplicação da Lei 8.666/93

Conforme restou demonstrado a permuta é o negócio jurídico capaz e de cuja utilização mostra-se possível, legal e moral, porém, essencial é que ela se dê mediante autorização legislativa, em virtude do principio da legalidade que norteia os atos da Administração; e, ainda, de avaliação comprobatória da utilidade e moralidade do ato.

Tudo somente poderá ser considerado frente a avaliação dos bens permutáveis, posto que esta deve determinar os objetos da troca segundo prévia intenção do particular em firmar o contrato de permuta, contrato este que não perde, por ser administrativo, sua qualidade de ato de vontade, ou seja, ato voluntário bilateral e oneroso, mediante composição do valor da coisa ocupada com o da ofertada em troca.

Determinados os bens objeto da permuta e seus respectivos valores, frente a aquiescência de ambos os contratantes, urge buscar a respectiva autorização legislativa para operacionalizar a troca ou permuta mediante contrato formal, qual seja, escritura pública de permuta a ser levada a registro na competente circunscrição imobiliária, de modo a obter-se a necessária e visada regularização dominial.

Conforme abordagem anteriormente exposta dúvidas não restam de que estamos diante de verdadeira aplicação de dispositivos contidos na Lei 8.666/93.

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5. Conclusão

Caracterizada a possibilidade de regularização mediante contrato administrativo, com observância de seus pressupostos legais e autorizadores, sem qualquer lesão ao erário, ao contrário demonstrada sua manifesta conveniência e vantagem econômica, temos que a permuta é o instrumento mais apropriado à proteção do interesse e do patrimônio público, no caso em estudo frente as inúmeras hipóteses de desapropriações indiretas existentes no âmbito da Administração Federal, Estadual e Municipal em nosso país, sendo o caminho menos gravoso para ambas as partes e compatível com os princípios que norteiam a Administração pública, instrumento este que deve ser adotado para a solução definitiva de tais casos, mediante os seguintes passos:

1º) levantamento e elaboração de memorial descritivo, croquis e avaliação da área pertencente a particular e efetivamente ocupada pelo Poder Público e respectiva avaliação técnica;

2º) caracterização do bem imóvel dominical que poderá ser transferido ao particular em forma de permuta e respectiva avaliação técnica;

3º) consentimento prévio do particular para permutar mediante determinação e caracterização do imóvel ou imóveis, suficientes à composição da permuta pela equivalência de valores;

4º) autorização legislativa, mediante projeto de lei a ser elaborado, uma vez determinados os objetos da troca; e,

5º) finalmente, lavratura do contrato de permuta mediante escritura pública, a ser apresentada para o competente registro imobiliário, de modo a operar-se a transmissão dos respectivos domínios.


BIBLIOGRAFIA

BRAZ Petrônio. Manual de Direito Administrativo, LED, 1999..

GOMES, Orlando. Contratos. 7ª. ed.. São Paulo:Forense, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 5º vol. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.


Notas

1. . BRAZ Petrônio. Manual de Direito Administrativo, LED, 1999, p. 540.

2. GOMES, Orlando. Contratos. 7ª. ed., Forense, p. 323/324

3. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 5º vol. 26ª ed. Saraiva, p 113.

4. MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 21ª ed., p. 452

5. . "Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, deve ser precedida de a avaliação e obedecerá as seguintes normas:

I – quando imóveis, dependerá da autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e para todos, inclusive as entidades parestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

a)...

b)...

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X, do artigo 24 desta Lei;

d)... "

"Art. 24. É dispensável a licitação:

...

X. para a compra ou locação destinada ao serviço público, cujas necessidades de instalações e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível pelo valor de mercado, segundo avaliação prévia.

..." ( grifos nossos)

6. MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 296

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Maria Auxiliadora Azevedo. Alternativas para o conflito estabelecido pelas chamadas desapropriações indiretas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3495. Acesso em: 22 dez. 2024.

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