No limiar do século XXI, faz nos refletir as conquistas e derrotas do século XX, século de grandes mudanças onde o modelo do capitalismo internacional se afirma como o lugar comum das economias mundiais, apenas com variantes regionais de suas regras.
Acontecimentos como a 1a Grande Guerra, passando pela Revolução Russa de 1917, a Segunda Grande Guerra, o New Deal, Welfare State, mais recentemente o fenômeno do neoliberalismo e a chamada globalização, referentes ao processo histórico-político, no campo da ciência o paradigma do tempo e espaço linear fora rapidamente rompidos pela Teoria da Relatividade(1), e seus desdobramentos. O aceleramento dos processos de controle do homem sobre os processos biológicos, exemplarmente representado pelo mapeamento de 90% do código genético humano, neste fim/início de século a biotecnologia e a computação apresentam avanços pouco prováveis em termos práticos a pouco mais de 30 anos, são fatores todos que longe de serem fatores isolados, devem ser compreendidos como um novo modo de ver o mundo.
Bem verdade que esta descrição pode estar partindo da generalização de uma realidade da classe média, ou dos chamados incluídos, como uma visão de mundo da sociedade como um todo, que na realidade está muito longe dos milhares que ainda lutam pela questão mais básica que é o alimento. Mas a bem da verdade, isto é proposital e parte do pressuposto básico, que mesmo nos juizados de pequenas causas, somente pode reivindicar direitos aquele que pode a tanto aferir algum significado econômico, ainda que de pouco montante econômico(2).
A realidade desta sociedade é que só há espaço para os incluídos, ainda que na periferia da inclusão. E isto não é um fenômeno jurídico, mas percebido pelo jurídico e reinterpretado pelo jurídico, que não pode criar um direito para os não incluídos(3).
Neste clima tomamos a publicização dos conflitos como uma forma de reinserção do Estado como dialogante fundamental do processo decisional de conflitos coletivos, servindo de mediador do conflito, seja através do Poder Judiciário, ou através de seus pares próximos, como o Ministério Público, por meio do inquérito civil público(4), teve ressaltado as suas atribuições institucionais na Constituição de 1988 devidos justamente a esta necessidade, mas que a incompreensão do fenômeno da tutela coletiva tem levada a eternas discussões sobre legitimidade ativa deste ente estatal.
No Brasil, o reflexo da efervescência de novos sujeitos coletivos, apesar da histórica presença dos conflitos coletivos desenvolvidos dentro dos limites do Poder Judiciário Trabalhista, tem uma história relativamente recente dentro do direito positivo pátrio para a sua legitimação, notadamente com a lei 7347/85, consolidando-se com a Constituição Federal de 1988, e Lei 8.090/90, sem olvidar da Lei de ação popular (lei 4.771/51), como instrumentos processuais de defesa de interesses da coletividade.
Destaca-se, a lei de ação civil pública e as regras processuais do Código de Defesa do Consumidor tem o seu traço característico no fato de ser deferida a sua legitimidade a entes coletivos ou públicos, o que lhe defere a característica de instrumento de conflitualidade social, instrumento de atuação da sociedade civil organizada ou de tutela por órgãos estatais criados especialmente para esse fim.
A atuação por meio de organizações civis é a diferencial mais importante na defesa dos interesses metaindividuais, porque cada organização social reflete maior consciência de setores da sociedade que deixa de esperar o super herói cidadão,mas une as pequenas forças, de cada indivíduo, para a defesa dos interesses comuns.
Interesses metaindividuais
O modelo clássico legitimação processual não é mais adequado em muitas situações para regular os conflitos de grupos, comunidades e coletividades, percebemos que temos hoje um quadro típico de crise, como descrito por Thomas Kuhn(5), pois os profissionais do direito são capazes de perceber que existe inadequação latente dos princípios que regem o modelo clássico de legitimação ativa, forjada sob os ditames do direito privado, mas não se apresenta, ainda, novo paradigma que com clareza possa substituir o anterior modelo, dentro da chamada sociedade de massas.
Os interesses metaindividuais por terem sua origem em regras previstas como garantias do tecido social, sempre será fácil violá-las no individual. Premido pelas circunstâncias, o sujeito isolado não terá força para reclamá-las porque muitas vezes não se dirigirá a efeitos patrimoniais imediatos, dirão respeito a regras de meio ambiente, saúde do trabalhador, crimes contra a organização do trabalho, definição de conflitos pelo espaço de exercício da atividade produtiva, no caso de conflitos de camelôs, poder público e empresários do comércio, consumidor, proteção dos mecanismos de previdência e assistência social mínima e etc, como elementos de aglutinamento do tecido social.
Interesses metaindividuais - características inclusão
Para melhor compreensão dos objetivos que pretendemos alcançar no auxílio de construir esta nova racionalidade a fim de que o Judiciário seja adequado para as novas demandas de uma sociedade pós-industrial, o guardião célere e competente na tutela dos interesses dos cidadãos do século XXI no mínimo de dignidade humana, utilizaremos alguns dos conceitos da Teoria da Sociedade de Nikhlas Luhmann, que nos ajudarão na reflexão sobre como melhor atuar na tutela dos interesses metaindividuais.
Destaca-se que, sob este prisma, os referidos interesses não são apenas fenômeno jurídico, mas fenômeno que hoje é processado pelo direito, que mediante o seu código próprio e específico torna possível a maior estabilidade na solução dos conflitos que envolvem estes interesses.
Registre-se que a "solução" aqui é posta como a possibilidade de ser submetido o conflito a uma decisão dos tribunais, sem indagar se esta é "justa" num sentido axiológico, mas que os referidos conflitos são passíveis de uma decisão justa, ou seja, de acordo com os ditames do direito positivo.
A teoria da Sociedade de Luhman ensina que o sistema jurídico é "autopoético" no sentido de que produz e reproduz as suas características a partir de um código próprio e específico (Direito / Não Direito; Legal /Ilegal; Recht/ Unrecht). Possuindo, desta forma, autonomia em relação ao entorno (ambiente), mas isto não exclui a interdependência deste sistema com outros sistemas, especialmente com o Sistema Político, que opera sob um código próprio e específico (Maioria/Minoria; Governo/Oposição; Excluídos/Incluídos).
Há grande confusão entre positivação dos interesses metaindividuais, o que ocorreu no direito brasileiro especialmente por meio das Leis 7.347/85 e 8.078/90, e a filosofia do positivismo, muito arraigado em nossa cultura, pois estes interesses, estando no limite da conflitualidade social, são mal compreendidos por atores jurídicos formados para lidar com conflitos especialmente delimitados, onde sujeito, objeto e forma de tutela perfeitamente delineada, ao se deparar com novos conflitos onde os sujeitos são em geral indeterminados, ainda que determináveis, e o seu objeto e a forma de tutela, para que sejam eficazes, possuem uma mutabilidade no tempo e espaço como característica marcante.
Em termos de Teoria da Sociedade, temos a necessidade de inclusão destes novos interesses no sistema jurídico, pois o direito é uma rede de inclusão, ou seja o meio pelo qual se podem solucionar determinados conflitos existentes na sociedade. Assim, embora as leis venham incluindo os conflitos coletivos dentro do direito, existe despreparo dos magistrados na inclusão destes conflitos como passíveis de solução efetiva, indeferindo no nascedouro muito das ações que, justamente, têm o objetivo de incluir no sistema essas novas modalidades de conflitos da sociedade pós-industrial, dando-lhe uma solução efetiva e não apenas formal(6).
Deste ponto de vista, temos que a crise se dá porque embora se tenha conseguindo incluir ao nível de estrutura do processo civil brasileiro, ainda não se consegue processar os novos conflitos coletivos que se apresentam.
Assim, o direito vem incluir em sua operação os interesses metaindividuais, antes apenas processados pelo sistema político, agora possíveis de serem processados pelo jurídico. Alerta-se que o direito não passa a reconhecer estes novos direitos, mas apenas transforma(7) em direito aqueles eventos que tinham outro significado no ambiente. Para a teoria da sociedade, esta inclusão de novos princípios ou interesses não torna o direito mais justo ou mais adequado à sociedade, como se costuma dizer, mas apenas lhe torna possível o processamento conforme o código específico do direito(8).
As irritações que o ambiente estabelece com o sistema jurídico, assomando a importância dos sujeitos coletivamente considerados, apesar de individualmente ter pouco valor ou representatividade econômica, têm levado à clara necessidade de que se estabeleçam novas premissas decisórias, para que estes conflitos de massa sejam passíveis de uma práxis decisória efetiva e não apenas formal.
Nessas condições estruturais, a função do direito é permitir a estabilização da contigência, isto é, da possibilidade de que várias ações sejam oferecidas para que uma seja escolhida como a melhor(9).
Porquanto é cada vez mais difícil compreender estes direitos sem se estabelecer uma racionalidade que seja capaz de realizar a interdependência do sistema jurídico com o político e o econômico e a inclusão destes direitos metaindividuais no direito positivo pela sua codificação não basta para enfrentar os novos desafios, é preciso mais. Necessário faz-se um atuar judicial que se apresente capaz de estabelecer decisões em novos moldes a fim de legitimar-se à frente destes novos conflitos sociais, mas é mister destacar que a autonomia dos sistemas permanece, e hoje o desafio é processa-los de forma efetiva, realizando-se uma justiça distributiva.
A Lei 8.078/90 conceituou as formas de manifestação destes interesses característicos da sociedade pós-industrial(difusos, coletivos e individuais homogêneos) de forma aberta, ou seja, jurisdificou-lhes de três modos abertos, fazendo possível o seu processamento pelas estruturas do direito, mas não lhes retirando as características políticas e econômicas de mutabilidade no tempo e espaço.
Percebe-se, há um destaque para elementos que indicam alta fluidez dos interesses metaindividuais e estreita ligação com noções próprias do político/econômico, nem poderia ser de outra forma, pois a jurisdicização dos interesses metaindividuais não lhes retira as características que possuíam e possuem no ambiente jurídico (os elementos que estão fora do sistema jurídico), mas que ao serem processados pelo sistema jurídico, aquela passam a ser compreendidas pelo código que é próprio e específico deste sistema.
Por isso é que se diz que no plano das operações de um sistema não existe nenhum contato com o ambiente/entorno(10), mas isto não leva ao entendimento do sistema jurídico como hermeticamente fechado, onde predomine da Lei da Entropia ( sistema que possui dentro de si todas as leis e se auto sustenta). Logo, percebendo a elevada fluidez destes interesses, preferiu o legislador, ao codificar estes interesses, estabelecer três conceitos abertos para eles.
Daí nossa compreensão da Lei 8.078/90 (CDC), que introduziu no sistema jurídico pátrio, por meio do artigo 81, incisos I, II e II, os conceitos de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Estes foram gestados de forma aberta e permitem novo atuar, mais adequado ao trato de tais interesses metaindividuais.
De fato, estes conceitos legais podem ser compreendidos como instrumentos que permitem o "acoplamento estrutural" entre o ambiente das relações entre interesses capital/trabalho, consumidor/produtor, sociedade/poluidor e outros, onde se gestam, e os processos judiciais emergentes para solucionar estes conflitos, porque o operar do direito exige certa estabilidade e previsibilidade de acontecimentos para o seu processamento.
A noção de "acoplamento estrutural" é desenvolvida pela teoria da sociedade a fim de explicar como se dá a relação de um sistema com o entorno/meio, sem que este necessite abdicar de suas estruturas próprias e código específico, porque se isto ocorresse, resultaria um seccionamento da sua "autopoiese", impedindo a sua reprodução a partir de suas próprias estruturas.(11)
A "autopoiese" pressupõe que um sistema opere determinado por uma estrutura e operações próprias, distinguindo-se de outros sistemas. Mas infelizmente, os operadores do direito têm acentuado o apego ao formalismo, como critério específico do direito, e deixando em segundo plano as variantes dos conflitos coletivos que surgem no entorno (meio ambiente), e se refugiam para "prestar" jurisdição em conflitos coletivos nos aspectos formais, negando a atividade de acoplamento estrutural que é própria no operar destes novos conflitos(12).
Um interesse processado por meio de tutela coletiva, para ser definido como metaindividual, não deve estar relacionado necessariamente ao número de sujeitos lesados concretamente mas à gravidade para o tecido social que representa.
Sendo evidente que a menor ou maior definição dos sujeitos ou da indivisibilidade do objeto levará ao enquadramento do interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo, de acordo com a lei, que atua como estrutura de acoplamento e serve o manuseio destes conceitos como meio de inclusão destes interesses no sistema jurídico, não devem e não podem substituir a finalidade do permissivo legal de melhor possibilitar a tutela de tais interesses, que é o que vem ocorrendo em muitos processos, por haver distorção de visão causada pelo paradigma normativista que predomina nos tribunais.
O importante é demonstrar que este campo do direito, dado a sua alta complexidade (possibilidade de escolhas), permite conforme a formação dos tribunais uma maior ou menor discussão a respeito dos temas envolvidos, onde uma magistratura melhor formada do ponto de vista de uma justiça distributiva será menos afeita a soluções processuais de extinção do processo sem julgamento do mérito primando por enfrentar a solução do conflito com o estabelecimento de uma decisão de mérito da lide posta, e mais percebendo que o problema dos conceitos abertos do CDC é justamente facilitar e propiciar o acesso à justiça destes interesses, aliás, contribuir para esta forma de percepção é um dos primados deste trabalho.
O que podemos concluir desta opção do legislador possui um fundamento que os legítima e serve como norte de todo o aparato legislativo, ainda que venha sendo atacado de forma covarde pelo Poder executivo através de Medidas Provisórias, mas sem vitórias, é que não se trata de garantir o acesso coletivo à Justiça como soí dizer, mas de se instrumentalizar a efetividade da justiça através de meios ou processo de tutela de interesses por meio de fórmula comunal ou coletiva do conflito, conflitos mesmo que poderiam ser atacados de forma individual, mas que dada a realidade de fragilidade desta forma de combate, construiu o legislador um meio de inclusão coletiva de enfrentamento destas lides, tornando mais factível e real a sua tutela.
Espécies De Interesses Metaindividuais
Uma breve incursão em sistemas alienígenas, pode nos auxiliar nesta breve empreitada, passamos a relatar em síntese.
Espécies de Interesses metaindividuais no sistema norte-amerciano
No direito norte-americano não existe uma nominação em espécies de direitos metaindividuais, como no direito brasileiro, aliás, como observamos a regra em outros sistemas de direito positivo investigado, que não trilharam o caminho do sistema brasileiro de definição dos respectivos.
Ugo Ruffolo leciona que as class action do direito norte-americano pressupõe um número elevado de posições e vantagens de natureza individual, mas que podem ter o seu tratamento de forma unitária e simultânea, funcionando como um mecanimos que dispensa a presença em juízo de todos os membros do grupo (class), titulares do interesse.(13)
A principal norma do direito norte-americano é a Federal Rule of Civil Procedure 23 (Rule 23) aplicável nas cortes federais. Ruffolo aponta a existência de três categorias de class actions, formulados em termos pragmáticos , a partir da sua formação(14).
A atuação do magistrado é fundamental na definição da possibilidade da defesa de determinados interesses por meio das class actions, cabe a este permitir que um sujeito possa representar em juízo um determinado interesse comum ou de classe, através do exercício da chamada certification, o juiz emana em geral in limine litis, onde define ou certifica que um determinado interesse pode ser defendido de forma adequada pela via coletiva e pelo sujeito que a isto se propõe(15).
A disciplina da certification importa numa decisão do juízo que a causa está apta a ser defendida de forma adequada por parte do sujeito presente em juízo ou seja do representante, mas isto não é um juízo definitivo podendo o juízo a qualquer momento modificar ex-offçio a certification com a finalidade de melhorar a tutela, ou melhorar a adequada representação em juízo(16) .
Podemos, afirmar que a garantia individual, na class action, está subordinada ao controle da adequacy of representation, de acordo com o exercício da defining function do juiz e não tanto na proteção de situações de caráter individual(17). Por isso, "adequacy of representation" vai muito além de definir que determinado sujeito pode ser o representante em juízo de um grupo, mas que ele está capacitado a defender da melhor forma os seus interesses(18).
Ao privilegiar a atuação do direito substancial a class actions na realidade favorece a garantia do acesso à justiça(19), equilibrando a disparidade de recursos processuais entre o litigante habitual e o ocasional, sobretudo permitindo e selecionando para este a possibilidade de ter em defesa dos seus direitos violados uma adequada defesa técnica, que pelas suas normais limitações materiais não poderia ter, ainda que a lei garantisse com todas as letras um direito formal ao contraditório(20)
No Direito Lusitano.
O direito lusitano não possuía um sistema tripartite das espécies de interesses metaindividuais, nem faziam as suas normas regulamentares em seu corpo referência expressa a um nomen júris destes interesses, antes do advento da Lei 24/96, chamada Lei de Defesa do Consumidor, salvo o artigo 26o.-A do Código de Processo Civil Português, com alteração realizada pelo Decreto Lei no. 329 A/95, de 12/12/1995, que em seu título refere-se a Ações para a tutela de Interesses Difusos, mas que no seu corpo redacional, apenas faz referência a diversas matérias ou objetos exemplificativos de direito material que podem ser tutelados, definindo os legitimados, In verbis:
Art. 26o. A
(Ações para a tutela de interesses difusos).
Têm legitimidade para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde publicam do ambiente, da qualidade de vidam do patrimônio cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.
No mesmo diapasão o artigo 52o. no.3, alínea "a" da Constituição Portuguesa, que define o direito de ação popular, nos casos e termos previstos em lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para :" "promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e patrimônio".
Mas, por certo, a grande norma regulamentar do processo da tutela de interesses metaindividuais no direito português é a lei no, 83/95, de 31 de agosto, que regulamentou o artigo 52o, no. 3 da Constituição da República Portuguesa, a chamada Lei de Direito de participação procedimental e de acção popular, que declinar no seu artigo 1o. , nos. 1 e 2 . in verbis :
Artigo 1o.
Âmbito da presente lei
1. A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e pode ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no. 3 do Arttigo 52o. da Constituição.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a segurança pública, ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumoe de bens e serviços, o patrimônio cultural e o domínio público.
Carlos Adérito Teixeira, autor português é bem claro em caracterizar a ação popular no direito português como o instrumento de inclusão jurídica dos interesses metaindividuais da sociedade lusa, lecionando que através da Lei 83/95 de 31 de Agosto, que veio regular o direito de participação procedimental e de acção popular, consagrou-se no ordenamento jurídico português um modo de acesso supra-individual à justiça, a par do que sucede já em outros ordenamentos com os mecanismos de "class action", "substituted action" ou das "citizen suits" do sistema norte-americano e anglo-saxónico, ou ainda da "acção civil pública" do Direito brasileiro, na defesa de interesses de titularidade plural.(21)
O que era construção doutrinária(22), passou a ser direito positivo, através da Lei da Defesa do Consumidor, Lei nº 24, 31 de Julho de 1996, que revogou a Lei nº 29, de 22 de Agosto de 1981, colocando como um dos seus princípios gerais (artigo 1º, no. 1), o dever geral de protecção, incumbindo ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais proteger o consumidor, designadamente através do apoio à constituição e funcionamento das associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem como à execução do disposto na presente lei. Portanto, avançando no incentivo e valorização dos corpos sociais.
Consolidando este novo patamar, incluiu, dentro do Capítulo II, artigo 3o, alínea " f" , entre os direitos do consumidor , expressamente, o direito " À prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos;" e o direito " À protecção jurídica e a uma justiça acessível e pronta" ( alínea "g"), embora, seja, verdade, ao contrário do brasileiro, não definiu as características de cada um destes interesses, através da Lei 8.078/90, artig 81, incisos I, II e III.
A Lei 24/96, no seu artigo 10º, prevê a chamada acção inibitória, sendo o seu processo regulado pelo Artigo 11º, e ainda, o direito à reparação de danos e corolária ação (artigo 12), sendo que a legitimdade ativa para as ações previstas na referida lei, é deferida aos consumidores directamente lesados; aos consumidores e as associações de consumidores ainda que não directamente lesados, nos termos da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto e ao Ministério Público e o Instituto do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, colectivos ou difusos( artigo 13, a , b e c).
Podemos, perceber, que o legislador luso, também, admite, a legitimidade concorrente para a defesa dos interesses metaindividuais, aos consumidores e ás associações, como o faz a actio popularis lusa (Lei 83/95), fazendo, em nosso entender, a alínea "b" do no. 1 do artigo 13, da Lei 24/96, papela semelhante ao que faz o artigo 21 da Lei 7.347/85 e artigo 83 do CDC do direito brasileiro, de interação entre os regimes processuais, para permitir a melhor e mais adequada tutela dos interesses dos consumidores no campo dos interesses metaindividuais, e ainda, de forma particular, no campo dos interesses individuais, com menor restrição logicamente.
Assim, fica claro que o legislador português tomou o claro propósito de uma publicização de referidos interesses, aproveitando este tradicional instrumento de defesa do patrimônio público administrativo, ampliando tanto do ponto de vista da legitimidade, como veremos a mais vagar mais ao sul, como dos interesses tutelados, deixando assim em nossa compreensão bem claro que o Estado assume e reconhece como sobretudo uma forma ou modalidade de interesses públicos, comunitários, sem no entanto defini-los em espécies e categorias, como fez o legislador nacional, apesar de expressamente os nomear na Lei 24/96.
No Direito Brasileiro
O direito brasileiro anteriormente à lei 8.078/90, que introduziu de forma conceitual dentro do direito positivo brasileiro, em noção tripartite os interesses metaindividuais, apenas elencava matérias que definia como possível a sua tutela coletiva, o que dentro de nossa categorização seria impossível definir-se previamente, até mesmo por isso a doutrina já construía a percepção que os elementos caracteizados no artigo 1o.. da Lei 4.737/85 eram apenas exemplificativos.
De fato, com a Lei 8.078/90, artigo 81, incisos I, II e III, foram introduzidos as estruturas de acoplamento que permitem a inclusão de forma aberta destes interesses dentro do sistema, tornando-os passíveis de uma práxis decisória de forma mais estável, caracterizados como difusos, coletivos e individuais homogêneos.
a) Interesses difusos
1. Os interesses difusos são espécie do gênero interesses metaindividuais - interesses coletivos latu sensu - e ocupam o topo da escala de indivisibilidade e falta de atributividade a um determinado indivíduo ou grupo determinado, sendo a mais ampla síntese dos interesses de uma coletividade, verdadeiro amálgama de interesses em torno de um bem da vida.A conceituação normativa dos interesses difusos foi introduzida no direito positivo brasileiro através da Lei 8.078/90, artigo 81, parágrafo único , inciso I, que os definiu como os interesses ou direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".
b) Interesses coletivos( stricto sensu )(23)
O interesse coletivo é a espécie de interesse metaindividual referente a um grupo ou coletividade como veículo para sua exteriorização e todo grupo pressupõe um mínimo de organização, sendo que o caráter organizativo é traço básico distintivo desta espécie de interesse,(24) como se verifica da leitura do art. 81, inc. II da Lei 8.078/90, que os define como "os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica".
c) Interesses Individuais Homogêneos
Cumpre, preliminarmente, dizer que compreendemos os interesses individuais homogêneos como espécie de interesse metaindividual muito próximo dos interesses coletivos, a que se refere o artigo 81, inciso II do CDC, uma vez que a doutrina, em geral, considera esta espécie de interesse metaindividual apenas como um interesse individual exercido de forma coletiva.