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Tutela de interesses metaindividuais: a contra-mão da história:

MP 1984-24/00 alterou Lei 7347/85

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Significante Denotativo de "Homogêneo" e a natureza coletiva do Interesse Individual Homogêneo.

Desde o clássico pensamento de PLATÃO, já encontramos a lição de impossibilidade de se atingir o conhecimento sem explicação racional(25)e, consistindo esta no fato de "tornar claro o pensamento por meio da voz, com o emprego de verbos e substantivos"(26), iniciaremos o nosso estudo da natureza do interesse individual homogêneo pela análise do significante denotativo deste, porque cremos que o conhecimento não pode ser tomado de forma independente da linguagem(27).

Pesquisando sobre as palavras componentes do termo Interesse Individual Homogêneo(28), podemos verificar a natureza coletiva deste interesse, por exemplo, através do termo "homogêneo", que em função adjetiva, como na lei exerce, é o termo qualificativo de substantivo no qual todas as partes possuem a mesma natureza e estão solidamente e/ou estreitamente ligadas(29). Rememorando os traços característicos dos interesses coletivos , observamos a presença daqueles por meio deste adjetivo.

Vale lembrar que a nota de organização mínima(30), como traço característico do interesse coletivo, pode ser vislumbrada no interesse individual homogêneo, porque o adjetivo da homogeneidade qualifica aquilo que por sua natureza faz resultar a estreita ligação dos seus componentes, como supra apontado.

Destarte, o traço de afetação a grupo determinado ou determinável no interesse individual homogêneo é ainda mais presente do que no interesse coletivo stricto sensu, pois, como todo grupo, caracteriza-se por ser reunião de pessoas ligadas para fim comum(31), é a afetação a grupo determinado ou determinável elemento que terá o seu nascedouro na origem comum desta espécie de interesse metaindividual, como apontada pelo art. 81, inc. III do CDC.

Não podemos olvidar que é da própria natureza daquilo que é coletivo a característica de pertencer a uma classe, povo, ou a qualquer grupo(32); corolário é a existência de um vínculo jurídico básico comum a todos os participantes do grupo formado em torno de interesse individual homogêneo, pois este é o interesse de um grupo decorrente de origem comum, fator que lhe defere situação jurídica diferenciada dos demais interesses metaindividuais.

Conclua-se que o traço distintivo do interesse individual homogêneo para o coletivo - stricto sensu - é a sua divisibilidade, decorrente da sua afetação a um grupo mais restrito e determinado de pessoas, que estão ligadas entre si para um fim comum decorrente de origem comum.


Fundamentos jurídico-normativos para a caracterização do interesse individual homogêneo como interesse coletivo.

A Lei 7.347/85(lei da ação civil pública) mesmo antes das modificações introduzidas pela Lei 8.078/90 (código de defesa do consumidor) já apontava a sua característica de instrumento processual para a defesa de interesses metaindividuais, seja pelo fato de não excluir o uso da ação popular, que sempre teve o escopo de defender os interesses da coletividade pública de natureza metaindividual ( art. 1° da Lei 7.347/85), além de que o efeito da sentença civil da ACP, prevista no artigo 16, mostra o caráter coletivo deste instrumento processual por ser "erga omnes", salvo a improcedência por falta de provas.

Estes pequenos exemplos normativos demonstram que a Lei 7.347/85, sempre teve cunho de defesa de interesse coletivo (metaindividual) e, logo, não é do seu campo normativo a defesa de interesse individual, ou seja, aquele interesse que não tenha natureza coletiva.

Desta feita, quando o artigo 21 de Lei 7.347/85 , mandado acrescentar pela Lei 8.078/90, preceitua que " aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do título III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor " ( grifo nosso), estes interesses individuais citados no preceito normativo em tela, o qual faz reminiscência a aplicação da parte processual da defesa em juízo dos interesses metaindividuais prevista no CDC, só podem referir-se a interesses de natureza coletiva ou de interesse da sociedade, porque, se fosse de outra forma, estariam sendo tutelado interesses de natureza puramente individual por meio da ACP.

É ponto pacífico que não cabe a tutela através de ACP de interesses que não tenham a natureza coletiva, e, logicamente, a reminiscência normativa a individuais do artigo 21 da Lei 7.347/85 só pode reportar-se aos interesses individuais homogêneos.

Corolário é que os interesses individuais homogêneos, como espécies de interesses metaindividuais possuem natureza coletiva, pois, caso contrário, a Lei 8.078/90 não introduziria a sua tutela através de sua inclusão normativa na lei de ação civil pública, via artigo 21.

Alerta-se, ainda, que a Lei 8.078/90 aponta a natureza coletiva do interesse individual homogêneo, não sendo apenas um interesse individual exercido de forma coletiva, quando analisamos o preceituado no artigo 81 caput, de que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo ( grifos nosso).

Lembrando-se de que a defesa em juízo de direito individual está plenamente abrangida pelo artigo 5° da CF desde a simples lesão, e que a regra geral é de que, quando se tratarem de interesses de natureza coletiva, a Constituição e a legislação prevêem um instrumento processual específico, é conseqüência lógico-hemenêutica que, quando no mesmo caput do artigo 81 in fine, o legislador preceituou sobre a defesa dos interesses do consumidor a título coletivo e, em seguida, no parágrafo único e incisos do preceito normativo em análise, estabeleceu que a defesa coletiva será exercida quando se tratarem de : interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Obriga-nos o concatenamento destes fragmentos de disposição normativa(Art. 81 caput in fine com parágrafo único e incisos) a concluir que a mens legis normatizou nestes preceitos a defesa coletiva em juízo dos interesses ou direitos que tem efetivamente a natureza coletiva, excluindo da sua tutela os interesses de natureza individual que podem ser ajuizados de forma conjunta ou coletivizada através das espécies de litisconsórcio previstas no sistema processual comum.

Percebe-se, assim, que o parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90 é o pórtico de entrada do sistema processual para o acesso à tutela jurisdicional daqueles interesses de natureza coletiva e que permaneciam numa dimensão paralela do jurídico, fora do raio de ação de seus instrumentos jurídico-processuais, por não se enquadrarem nos clássicos moldes da legitimação ordinária, ligada à titularidade subjetiva, e que busca o fundamento para a sua tutela jurisdicional nos critérios maiores de relevância do bem jurídico a ser protegido e interesse social, a exemplo as previsões expressas destes critérios nos artigos 82 , inciso IV § 1° , 84 § 3° do CDC.

Conclusão necessária do anteriormente exposto é que, por estar incluída no inciso III do parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90 a definição do que sejam interesses ou direitos individuais homogêneos, conjuntamente com os interesses difusos e coletivos stricto sensu, estas espécies de interesses metaindividuais possuem natureza coletiva como estes, sendo, portanto, uma das espécies de interesses coletivos latu sensu.

Avançando na análise normativa do texto da Lei 8.078/90, especialmente no que se refere à previsão da ação civil coletiva para a responsabilidade dos danos individualmente sofridos (artigo 91) que, para ARNOLD WALD(33), por exemplo, é instrumento adequado somente para a tutela dos interesses individuais homogêneos fora dos casos previstos no artigo 1° da Lei 7.347/85 quando tratar-se de defesa do consumidor, por que embora exercido de forma coletiva, excluída está a tutela através da ação civil pública nos casos de interesses individuais homogêneos não expressamente previstos no artigo 1° da Lei de ação civil pública ( meio ambiente, consumidor, patrimônio público e social).

Necessário torna-se lembrar de que a ação civil coletiva da Lei 8.078/90 constitui-se em instrumento específico para atuação no âmbito das relações de consumo para a tutela dos interesses individuais homogêneos, mas que esta norma não anula o preceituado no artigo 83 do CDC, que legisla no sentido de que para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo código de defesa do consumidor são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a sua efetiva tutela.

Observa-se, claramente, que este preceito( art. 83 do CDC) não exclui o uso da ACP para a tutela dos interesses individuais homogêneos, seja nos casos expressos, seja em outros não previstos expressamente, como é o caso dos interesses ligados às relações do trabalho, uma vez que permite a tutela dos interesses e direitos previstos no CDC in generi, portanto, das três categorias( difusos, coletivos e individuais homogêneos), preocupando-se o legislador em propiciar a sua adequada efetiva tutela, consignado expressamente no final do preceito normativo(34).

Válido lembrar de que o próprio artigo 1° da Lei 7.347/85 prevendo que a ação civil pública não prejudica o uso da ação popular, já seguia o princípio de que o importante no campo da tutela de interesses metaindividuais é a efetiva proteção do bem jurídico de relevância e interesse social, e quaisquer interesses individuais homogêneos possuem estes caracteres.

Destarte, o artigo 89 do CDC, vetado pelo Presidente da República, preceituava expressamente que as normas do seu título III, que trata da defesa do consumidor em juízo, "aplicam-se, no que for cabível a outros direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tratados coletivamente." Este preceito normativo, embora vetado, reforça a idéia de que não era intenção do legislador fazer, como não fez no artigo 81 do CDC, expressa distinção quanto a natureza metaindividual, logo, coletiva latu sensu, dos diversos interesses tutelados pelo CDC, somente diferindo quanto ao grau de concretude dos interesses metaindividuais previstos.

Cristalino, portanto, que quando o parágrafo único do artigo 81 e incisos, preceitua que a defesa coletiva será exercida no caso de se tratar de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, em nenhum momento está normatizando que a defesa coletiva somente será exercida através das ações civis coletivas do CDC, previstas no artigo 91, excluindo dos casos não previstos expressamente o uso da ACP para a tutela dos interesses individuais homogêneos.

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Desta forma, embora exista no CDC um instrumento específico para a tutela dos interesses individuais homogêneos em juízo no campo das relações de consumo para a responsabilidade dos danos individualmente sofridos, as ações civis coletivas, estes interesses não perdem a sua natureza coletiva ante a existência na Lei da previsão do seu exercício mediante defesa a título coletivo, conjuntamente com os interesses coletivos por excelência, que são: os difusos e coletivos stricto sensu ( art. 81 do CDC).

Além do que o CDC expressamente normatiza que, para a defesa dos interesses ou direitos por ele tutelados, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a sua adequada e efetiva tutela( artigo 83 ), prevalecendo o critério da relevância social dos interesses.

No caso das relações de trabalho que é o campo de nosso estudo, a defesa dos interesses individuais homogêneos só pode ser exercida por meio da ação civil pública, sendo impossível a sua defesa por meio das ações civis coletivas, próprias para as relações de consumo.

Escorreita, portanto, resulta a compreensão de que os interesses ou direitos individuais homogêneos não são apenas interesses individuais exercidos de forma coletiva mas, sim, sub espécie de interesse coletivo, abrangido pelo gênero interesse metaindividual, e, conseqüentemente, está tutelado pela lei da ação civil pública.

Oportuno lembrar que a Lei Complementar n° 75/93, lei orgânica do Ministério Público da União, no seu artigo 6°, inciso VII, alínea "d", preceitua expressamente que , compete ao Ministério Público promover o Inquérito Civil e a ação civil pública para a proteção de "outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos." Existindo, portanto, clara preceituação normativa de que a ação civil pública tutela outros interesses individuais homogêneos, já que o MP é apenas um dos legitimados da Lei 7.347/87 e da Lei 8.078/90(35).

Como subespécie da espécie interesse coletivo, embora a lei não seja explícita, definindo singelamente o que seja interesse individual homogêneo, percebemos que é condição sine qua non para caracterização desta espécie de interesse uma certa manifestação de organicidade, que é um caracter obrigatório dos interesses coletivos - stricto sensu - com a diferença, para estes, que é a possibilidade de divisão entre os sujeitos lesionados, dada a sua maior concretude, através do procedimento de habilitação dos lesionados no caso de execução ( artigo 97 e artigo 98 ambos do CDC).

Mas, novamente desponta a natureza coletiva dos interesses individuais homogêneos quando a lei prevê que, no caso de decorrer o prazo de um ano sem a habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 82, inclusive o MP, promover a liquidação e execução da indenização devida, revertendo o produto da indenização para o fundo criado pela Lei 7.734/85.

Observa-se mesmo que as regras da Ação Coletiva do CDC, podem perfeitamente ser aplicados de forma subsidiária e interligado à Lei de Ação Civil Publica, de fato, uma ação não exclui a outra, podendo ser mesmo ajuizada uma ação inominada de caráter coletivo, ou visando a tutela de interesses metaindividuais, pois plenamente vigente a regra do Artigo 83 do CDC, que é na realidade a verdadeira síntese do telos do atual aparato normativo vigente, onde disciplinou-se processualmente de forma aberta o acesso à justiça de tais interesses, sendo que a partir da tutela pedida para proteger um interesse metaindividual me que se poderá definir espécie de interesse metaindividual se busca a tutela

Podemos definir os interesses individuais homogêneos como a espécie de direito coletivo latu sensu que possui a sua titularidade afetada a um grupo determinado ou determinável de pessoas, cujo o vínculo entre si decorre de origem comum.

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Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Tutela de interesses metaindividuais: a contra-mão da história:: MP 1984-24/00 alterou Lei 7347/85. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/350. Acesso em: 24 abr. 2024.

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