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Tutela de interesses metaindividuais: a contra-mão da história:

MP 1984-24/00 alterou Lei 7347/85

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Legitimidade ad causum e Pressupostos processuais em Sede de Interesses Metaindividuais

A legitimidade ad causum é a condição da ação que diz respeito à solução do problema decorrente da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva(36), exposto anteriormente e aceito o paradigma que os conceitos dos interesses metaindividuais são compreendidos como estruturas de acoplamento que servem de instrumental técnico jurídico de inclusão deste fenômeno pré-existente, como adotou o legislador brasileiro, fica fácil perceber por que toma foro de importância fundamental para a defesa em juízo destes interesses que a sua titularidade ativa não precisa necessariamente ser atribuída a um sujeito determinado, individualizado, de relação direta com o bem material lesado ou passível de lesão, aliás necessário que assim não o seja, justamente porque o bem da vida é inerente a uma categoria mais ou menos vasta de pessoas ou titulares.

Na realidade a coincidência, tão cara ao processo civil tradicional, do sujeito legitimado pela ordem jurídica para a propositura da ação e o titular do interesse material, bem da vida que motiva o pedido de atividade jurisdicional, é mesmo descartada, justamente pelo aparato legislativo fazer esta conexão de inclusão desta realidade mutável.

No campo dos interesses metaindividuais, este modo de legitimação não pode ser transladado de forma perfeita, simplesmente porque, em geral, não há um modo de encontrar o "titular", "o dono" destes interesses, dada a inviabilidade da divisão de seu objeto e indeterminação dos seus titulares, no que trata aos interesses difusos e coletivos e, mesmo no caso dos individuais homogêneos em que a divisibilidade é possível e há uma maior determinação dos sujeitos, pode ocorrer casos em que a individualização dos seus titulares torna-se de tal forma impossível que a lei abre a possibilidade de o resultado de sua condenação reverter a um fundo público, quando não correspondem ao tamanho da lesão os sujeitos que se apresentarem na execução.

Cabe lembrar que no direito brasileiro o Artigo 97 e seguintes até o artigo 100 da Lei 8.078/90, regulam a forma através do qual pode-se realizar a execução do fixado pelo sentença em sede de tutela coletiva, tanto pelo legitimados do artigo 82, a chamada execução coletiva, ou pelos sujeitos titulares individualizados que fizerem direito a indenização individualizada decorrente do dano coletivos, que foi fixada da forma geral a responsabilidade, regulando o processo de liquidação dos referidos direitos que foram tutelados no processo de conhecimento, o qual é necessariamente coletivo, fato que deve ser frisado, apesar de poder servir de aporte a um processo individual de execução.

Sem olvidar, que como apontamos, é da natureza mesmo destes interesses que sejam compreendidos de forma coletiva, pois este e o espírito legislativo como demonstramos em tópico anterior, que é orientador mesmo do raciocínio presente, linha mestra da compreensão dos objetivos do legislador, que devido ao vício do paradigma normativo-positivista tem difícil aceitação construindo-se teorias e explicações a partir de categorias do direito processual clássico.

No caso das espécies de interesses metaindividuais o interesse processual em obter um provimento jurisdicional não tem nada que ver com a titularidade do interesse substancial primário(37), porque este pertine a uma coletividade mais ou menos vasta, mas sempre encarada ou organizada a sua tutela a fim de atender ao interesse coletivamente considerado, ainda que em fase executória possa se definir quantos ou parcelas individuais a serem deferidas a indivíduos.

Dado este caráter objetivo, a doutrina italiana, por exemplo, quando trata dos interesses difusos/coletivos destaca o seu aspecto de violação do sistema normativo, portanto, o seu aspecto objetivo.Assim, Berti, leciona e destaca sobretudo que devemos afastar a concepção de relevar tais interesses como uma situação subjetiva, mas ao contrário, revelando-o em diversa ordem de conceito, não sendo um conflito de ordem intersubjetiva, mas violações do sistema jurídico objetivamente considerado. Disto decorre a função construtiva do juízo na definição do conflito, sopesando o confronto entre as posições subjetivas em jogo e as espécies normativas pré-determinadas e igualmente violadas(38).

De fato, uma vez que a lei traz a possibilidade desta tutela, regulamentando de forma aberta e inclusiva, deve do mesmo modo facilitar sua defesa judicial, com ampla legitimidade.

Observando justamente estes pressupostos, destacando-se sobretudo o aspecto coletivo da demanda a ser proposta e defendida em juízo, que o direito norte-americano, como visto retro, atribui tão importante papel à atuação do magistrado na definição da possibilidade da defesa de determinados interesses por meio das class actions, através da certification e defining function. Esta atuação, têm em vista sobretudo o interesse do Estado em pacificar o conflito de forma mais rápida e estável, justamente, se definido por meio da tutela coletiva o aspecto comunal do conflito.

Tanto, o é, que mesma a notificação dos interessados, com razoável esforço, do direito americano, se faz mais como meio do juízo delimitar os contornos comuns do conflito, e se verificado aspectos diferençados dentro do grupo, possibilitar a intervenção dos interessados, de corrigir o rumo da class para a melhor e mais adequada tutela dos interesses em jogo, certificando-se a adequacy of representation, sacrificando-se mesmo, em prol de uma defesa substancialmente melhor, as frivolidades de um repetitivo direito de defesa repetitivo de um determinado bem, e quiçá improvável de ser efetivamente posto ao Estado, senão através do processo coletivo.

De fato, superando este paradigma, o modo de se solucionar estas questões é se reconhecendo a ocorrência de um novo tipo de interesse processual, surgido a partir de dados objetivos da realidade exterior. A legitimidade é do tipo extraordinária porque autorizada por lei, para a defesa de interesses alheios (no caso brasileiro artigo 6° , in fine do CPC), no sentido estritamente processual, ou seja, de quem não está nos autos.


Sistemas legislativos de Legitimidade ativa

Podemos apontar 3 (três) sistemas modos básicos de legitimação ativa, aqueles em que a legitimidade é deferida individualmente a uma pessoa, o modelo onde a legitimidade é deferida a entes coletivos e o sistema que permite as duas modalidades de legitimação concorrentes, que chamaremos de sistema misto.

Legitimidade individual, legitimidade a entes coletivos e legitimidade mista.

O sistema clássico de legitimação ativa individual no direito brasileiro se dá através da ação popular, com as alterações da Constituição Federal de 1988, ou mesmo se compreendendo que os interesses tutelados no modelo clássico por dizerem respeito ao patrimônio público são interesses da coletividade, e deste modo sempre foi um meio de tutela de interesses metaindividuais, vale lembrar que mesmo antes da Constituição de 1988, através da Lei 6.513/77, alterou o parágrafo 1o. do artigo 1o. da Lei 4.717/65, já considerava como patrimônio público os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético , histórico e turístico.

Portanto, quando a CF/88 ao fazer referência ao meio ambiente a os patrimônio histórico e cultural, como objeto tutelados por meio da ação popular, somente veio consolidar uma tendência já existente desde de 1977, assim, pode ser facilmente compreendido como um modelo que defere a legitimidade ativa a um sujeito individual, qualificado a partir de um critério objetivo, de sua qualificação como eleitor/cidadão ( Art. 1o.§ 3o. da LAP).

Com a introdução da Lei 7.347/85, Lei de Ação Civil Pública houve um certo esvaziamento de Lei de ação popular como meio de tutela de interesses metaindividuais, o que veio a ser consolidado por meio da Lei 8.078/90, que por força do artigo 21 da Lei 7.347/85, aplica-se a sua parte processual a este instrumento de tutela coletiva, formando na verdade um verdadeiro código processual da tutela coletiva.

Como a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor definem a legitimidade ativa a entes coletivos, no sentido de organismos sociais reconhecidos pelo legislador como representativos e capazes de em juízo defender estes interesses sociais, termos a introdução do modelo de legitimidade deferida a entes coletivos (artigo 5o da Lei 7.347/85 e Artigo 82 da Lei 8.078/90), a saber o Ministério Público, Estados, Municípios, União, órgãos da administração pública, direta e indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista) e associações.

O modelo lusitano, por outro lado, preferiu no mesmo instrumento legislativo concentrar os dois modelos de legitimação, deferida simultaneamente ao particular e a entes coletivos, como podemos ver da leitura do artigo 26-A do Código de Processo Civil e do Art 2o. no. 1 da Lei no. 83/95, destacando esta que "são titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independente de terem ou não interesse directo na demanda" ( grifo nosso).

Temos um autêntico sistema misto e concorrente de legitimidade ativa no direito lusitano, dentro do mesmo corpo legislativo aceita as duas modalidades de legitimidade ativa, quando no direito brasileiro, poderia ser identificado um sistema misto e paralelo de legitimidade ativa dos modelos, por que embora tanto a lei de ação civil pública e o código de defesa do consumidor não excluam o uso da ação popular, por serem modelos de legitimidade distintos, preferiu os manter em corpos legislativos diferenciados.

Na verdade, observamos que ambos os modelos ainda cambaleiam em aposentar no que tange a tutela dos interesses metaindividuais a legitimidade ativa individual, o que compreendemos ainda como um ranço do processo individual onde o sujeito individual era o centro de imputação privilegiado.

Na realidade, percebe-se que ambos os modelos, estabelecem critérios objetivos de legitimação e assim pouco ou nenhuma diferença se faz a distinção do ponto de vista processual a modalidade de legitimidade ativa, pois são formados a partir de critérios objetivos que ligam o autor com o objeto de demanda, mas cediço dizer que uma organização social possui maiores recursos sociais do que um cidadão isolado, basta ver as experiências do foro, onde quando o objeto tem realmente forte apelo social/comunitários, são os organismos sociais que assumem as rédeas do processo, que evidentemente são os mais adequados, ante a sua própria natureza, tendo mesmo maiores possibilidades de não ser apenas um Quixote.

Ora, uma vez que compreendemos que a forma de inclusão destes interesses metaindividuais no código específico do direito foi corolário e efeito mesmo como opção ante a fragilidade dos indivíduos frente aos conflitos de massa, como podemos aceitar que toda uma gama de fracos seja defendido em juízo por um único fraco? Soa verdadeiro contra-senso acreditar nisto, apostando-se num elemento contrário a própria gênese desta forma de conflito.

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Compreendemos que se determinado interesse metaindividual é levado aos meios processuais de decisão do Estado por um indivíduo isolado, é porque ainda não terminou o seu processo migratório e de substancia como interesse comunal, comunitário, pois o meio mais adequado deve ser a tutela por meio de entes coletivos, fruto deste processo mesmo(39).

Destarte, assim fica lógico compreender e justificar a legitimidade concorrente e disjuntiva prevista no artigo 5° da Lei 7.347/85, bem como com as ampliações da Lei 8.078/90, através o seu artigo 82, no caso brasileiro, onde é deferida a legitimidade ao Ministério Público, Órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, desde que tenham por finalidade a defesa de interesses metaindividuais e as associações legalmente constituídas, velhas de um ano e com fins institucionais de defesa destes interesses, ou mesmo pode ser dispensada pelo juiz o critério da pré-consituição, no caso da relevância do interesse social a ser tutelado, como previsto no § 1o. do Artigo 82 da Lei 8.078/90.

A legitimidade individual só se justifica como penduricalho histórico do velho sistema, não se sustentando dentro dos critérios histórico-sociais que levaram a edificação do moderno modelo de tutela dos interesses metaindividuais, é como se tentar alcançar novos sistemas solares com motor à combustão, meio técnico incompatível com as necessidades do objetivo a ser alcançado.


Natureza e Escopo da Legitimidade Ativa para a tutela de interesses metaindividuais

Afirmando-se que o legitimado ativo em sede de tutela de interesses metaindividuais sempre busca dentro do processo de conhecimento uma tutela coletiva, que atenda ao interesse de uma comunidade, grupo ou coletividade, temos que mesmo no caso de ser um dos membros desta coletividade afetada, a sua atuação em juízo não poderá ser caracterizada com ordinária, pois o objetivo da tutela a ser alcançada em juízo não pode ser a obtenção da declaração de um direito pessoal seu, mas a declaração de um direito e obtenção de tutela que atenda ao interesse de direito material de uma coletividade, ainda que por conta disto venha a ser beneficiado em seus interesses particulares.

Assim, o natural caminho pela própria sorte histórica, é que as associações, entes coletivos e legitimidade institucional reconhecida pelo legislador como capacitados para o exercício desta ação, assumindo a persecução dos interesses metaindividuais com maior espectro de atuação e alcançado outros sujeitos passivos do conflito social.

Por ser justamente uma modalidade de legitimidade extraordinária, onde o sujeito defende interesses de outrem por força da lei, que os modelos legislativos condicionam a atuação dos legitimados coletivos - associações, autarquias, etc. - à verificação de certos pressupostos.

Assim que no direito brasileiro legitima os órgãos da administração pública, direta ou indireta, que tenham entre os seus fins institucionais a defesa de direitos e interesses metaindividuais. Tal leitura é possível através de combinação entre os preceitos da LACP e CDC. Com efeito, no que tange as entidades e órgãos da Administração Pública, embora a Lei 7.347/85, faça previsão expressa quanto aos entes da Administração Pública que podem propor a ACP, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, sem atribuir-lhes, de forma expressa no texto legal, característica especifica donde decorreria esta legitimidade, a Lei 8.078/90, via artigo 82, inc. III ampliou os legitimados a esta propositura, para abranger as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, desde que especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

No que tange à legitimidade ativa no sistema brasileiro, não podemos deixar de fazer referência à medida provisória no. 1.798, de l 1 de março de 1999, hoje MP 1984-24, de 24 de novembro de 2000, que alterou a Lei no. 9.494 de 10 de setembro de 1997, que incluiu parágrafo ao artigo 2o. da Lei 7.347/85, trazendo a lume um critério objetivo inexistente anteriormente no sistema, como pressuposto processual para a atuação judicial de entes coletivos da sociedade civil,quando a parte ré for a fazenda pública, em sede de tutela coletiva.

Com efeito o parágrafo único, do artigo 2o. , da Lei 9/494. de 10 de setembro de 1997, com alteração realizada pela MP 1.984-24, de 24 de novembro de 2000, determina que, in verbis:

Art. 2°. ......omissis....

Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra entidades da administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a petição inicial deverá obrigatoriamente instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços"

Trata-se por evidente em mero ato burocrático, em nada ajuda ao espírito do sistema de tutela coletiva, imprimido com vigor pelo legislador pátrio, e que também em nada serve para a fazenda pública, pois nada altera quanto à discussão do mérito da questão posta em ação coletiva por entidade social, somente cria para esta entraves burocráticos, que quando muito podem atrasar uma medida judicial a ser requerida.

Como advogado público, vemos, neste caso, sim um privilégio e não uma prerrogativa da fazenda pública, necessárias a uma melhor e adequada defesa do erário público, pois em nada favorece a defesa do ente público, a não ser uma papelada inútil, que servirá apenas como mais um requisito formal a ser verificado, que por certo será cumprido pela parte autora, ou que pode ser facilmente sanado, logo, pode render quando muito uma mera preliminar inútil que será acrescida em peça processual do estado em sua defesa.

Devemos destacar, ainda, que foi acrescido um parágrafo único, no artigo 1o. e , da Lei 7.347/85, alteração realizada pela MP 1.984-24, de 24 de novembro de 2000, determina que, in verbis :

"Art. 1o ................................. Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados." (NR)

Temos um claro exemplo através do qual o poder executivo, numa clara incompreensão do fenômeno da tutela coletiva, das normas desta estrutura de acoplamento, fruto evidente da nossa fraca percepção da democracia, tenta destruir todo um sistema processual coletivo, que demonstramos existir, onde as Leis 7.347/85 e a Lei 8.078/90, não podem ser interpretadas isoladamente, mas interagindo entre-si.

Fica por demais evidente, que o recado da inviável vedação se tratam de espécies de interesses individuais homogêneos, que por envolver pretensões cujo objeto ou causa de pedir liga-se a fundos públicos, estaria o poder público tentando excluir da tutela coletiva, por meio da ação civil pública.

Porém, mesmo que admitíssemos como legítima esta forma de restrição, o que implicaria uma grave violação do direito constitucional ao acesso ao judiciário, que princípio constitucional não permite a exclusão da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5o., inc XXXV ), o que de todo é inviável, temos, a observar que trantando-se de interesses individuais homogêneos, como espécies de interesses metaindividuais possuem natureza coletiva, temos que para que tal vedação fosse possível, também, seria necessária alterar a Lei 8.078/90, bastando lembrar os artigos 83 e 90 da Lei 8.078/90, que serve como verdadeira norma que define a aplicação das normas do Título II do CDC, que trata de Defesa do Consumidor em Juízo, bastando para tanto mover uma ação coletiva dado o nomem júris outro que ação civil pública, para contornar a inconstitucional vedação, dada a existência hoje de um verdadeiro, processo especial da tutela coletiva.

Mas o mais importante, neste tipo de ataque ora denunciado às formas de tutela coletiva, por um governo, que ataca mediante o espúrio expediente das Medidas Provisórias, um sistema processual de tutela que já vem fazendo escola no mundo, é analisar e criticar os motivos pelos quais um positivismo clássico, que acredita numa ordem invariável do universo, com causa e efeito, ainda arraigado de forma consciente ou inconsciente na mente da maioria de nós profissionais do direito, e que permite a construção de ataques ilegítimos como este às conquistas de intervenção social, por meio dos corpos intermediários.

Daí a fraca resistência de ataques como este às formas de exercício da democracia mais participativa, como percebemos que as formas de tutela coletiva se apresentam ser.

Mas felizmente, o mundo jurídico começa a abrir o seu olhar sobre as funções da Lei, o seu escopo, a perceber que não se asseguram decisões informadas por critérios de justiça material só pelo fato de essas decisões terem observado determinados princípios de "justiça procedimental", e de que é necessário a compreensão da reserva de justiça guardada nas leis e principalmente na Constituição e no Processo, porque o próprio procedimento não é um fim em si mesmo, antes, desempenha a tarefa de abrir o caminho para soluções intrinsecamente justas(40)

Daí a formulação de teorias que apontam para a função INSTRUMENTAL DO PROCESSO, que procuram de forma técnica aproximar da realidade diária do profissional do direito os fundamentos filosóficos que explicam o uso do processo como meio para o alcance de decisões intrinsecamente justas e não apenas formalmente encerradas dentro do jogo de prazos e atos processuais que legitimariam a sua atuação(41).

A solução dos conflitos através do processo é a própria razão de ser do processo pois este é o "instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução"(42)

Aceitar que uma medida provisória, que por certo não preenche os requisitos constitucionais da relevância e urgência, possa por sua inserção num ponto normativo, dentro de determinado sistema, reverter e violar este mesmo sistema, e, mais, violar de morte uma garantia constitucional, que em última análise se escuda este inter-médio processual, é esquecer estes escopos do processo, e nos fechar a mente como cientistas do direito e agentes sociais, construtores da democracia, e substituir-nos, como leitores de códigos fracionados e desconexos, expressos em aparentes normas auto suficientes.

Como leciona o Mestre MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE "O interprete há de mover-se no âmbito das possíveis significações lingüísticas do texto legal e tem de respeitar o sistema da lei, não lhe quebrando a harmonia, não lhe alterando ou rompendo a sua coerência interna" (43). Outra interpretação não levaria o outro destino, que não o rompimento deste sistema processual coletivo de tutela de interesses individuais homogêneos.

Não devemos aceitar este limite ao processo de tutela coletiva, afinal uma vez que existe todo um sistema processual que o ampara, visando justamente reconhecer a sua maturidade, pois aceitar tal poder reclamar seria na prática a imposição de uma vedação à sua GARANTIA CONSTITUCIONAL de ver apreciada pelo poder judiciário uma LESÃO DE DIREITO. lembrando-se que a teleologia Constitucional protege a simples AMEAÇA DE LESÃO DE DIREITO,( Art. 5, inc. XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito); e a lei como fato social e instrumento para a efetivação da Justiça, deve estar ligada com as conquistas políticas da carta Constitucional, até porque a elas estão subordinadas.

Em recente pesquisa, realizada e publicada pela Revista Época, no134, dezembro de 2000, com jovens na faixa etária de 18 anos, portanto, a nova geração do século XXI, temos a contradição de que 51% dos Jovens entrevistados ,acreditam que os partidos partidos políticos sejam dispensáveis para o exercício da democracia, e 65% consideram inútil recorrer a ministros e parlamentares para resolver problemas do cotidiano, mais 63% dos entrevistados consideram uma prática positiva recorrer `a ONG’s para resolver problemas do cotidiano, o que reflete bem, a nosso ver, o mundo deste século XXI, onde o espaço de atuação das organizações sociais, ou corpos intermediários, é uma exigência mesmo para a compatibilidade das instituições do Estado, com os anseios das pessoas do novo século.

Mas inadvertidamente, esquecendo toda esta história e situação sociológica, o poder público tenta manietar esta forma de exercício da democracia, procurando excluir do acesso destas organizações sociais à determinadas matérias, só porque ele estaria envolvido, decididamente, os nossos poderes públicos, não estão prontos para a democracia do século XXI.

As formas de limite de acessso ao judiciário, em sede de tutela coletiva, quando muito, devem se limitar a aspectos que digam respeito a requisitos objetivos que permitam aferir adequacy of representation, como no direito norte-americano, ou como no direito luso, onde prevê no artigo 3o, alíneas "a" , "b" e "c" , da Lei 87/95, a exigência que as associações e fundações tenham personalidade jurídica; incluam expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate e que não exerçam qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais.(44).

Percebe-se que a lei casa critérios de aferição da combatividade da associação de acordo com a sua organização legal e estatutária e critério que define a sua imparcialidade por meio de evitar-se ser instrumento de concorrência desleal com outros atores sociais, estabelecendo critérios lógicos e desvinculados do caso materialmente considerado para a aferição de sua legitimidade ativa, mas nada de limitar as suas matérias.

Dentro da nomenclatura que vemos apresentando fica claro que o modelo brasileiro possui uma estrutura de acoplamento muito mais aberta que o direito português e mesmo norte-americano, e não podemos aceitar a recente tentativa de mudança deste norte histórico, mas acreditamos fadado ao insucesso levada a efeito pela MP 1.984-24, de 24 de novembro de 2000, com acréscimo parágrafo único, ao artigo 1o., da Lei 7.347/85, tentando vedar a possibilidade da melhor inclusão destes direitos dentro do sistema a processual/judicial por meio de substitutos processuais.

Concluímos, que dentro do prisma posto, sendo a legitimidade do tipo extraordinária, o direito que o legitimado defende não é seu, mas o de outrem em nome próprio, e, por isso, não poderia dispor a lei ou Medida Provisória de limites materiais de interesses serem objeto de tutela coletiva, uma vez que existe um sistema que cria a forma de acesso a estes interesses pela via coletiva, qualquer tentativa de limita-lo, somente seria possível se fosse excluído este sistema, mas que a tanto cremos não vai a cara de pau do governo, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

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Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Tutela de interesses metaindividuais: a contra-mão da história:: MP 1984-24/00 alterou Lei 7347/85. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/350. Acesso em: 25 dez. 2024.

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