A evolução das penas e a pena alternativa de trabalho.

O homem não nasceu para sofrer. Nem tampouco nasceu para ficar preso.

16/12/2014 às 22:00
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A efetividade das penas restritivas de liberdade tem se mostrado cada vez mais limitadas. A partir disso, é possível tentar repensar o direito penal e formas de penas alternativas.

Todo ser humano que passa pela experiência da prisão, será, em alguma escala, rebaixado na sua dignidade, ferido no seu ego, maltratado na sua essência. 

Os crimes sempre existirão. O que se pode almejar e mantê-los em uma parcela tolerável, usando-se de uma reprimenda capaz de incutir nas pessoas algo que cause introspecção antes de cometer um crime.

A falência de todo o sistema penal é patente. Pelo menos no atual formato. Por sua vez, não nos afiliamos à corrente abolicionista nem à despenalizadora. Somos afiliados das penas, desde que sejam efetivas, como as penas alternativas são. 

homem não nasceu para sofrer. Nem tampouco nasceu para ficar preso. Já dizia o ditado filosófico que diz "debaixo do nosso chapéu, encontra-se o criminoso o qual procuramos". Ou mesmo nas palavras de Lyra:

todo homem é um delinquente em latência. Todo homem trava uma luta formidável consigo mesmo e da qual são protagonistas as fôrças crimino-implementes e as fôrças crimino-repelentes. A normalidade torna sempre o campo, onde se fere a batalha intermitente dessas fôrças, mais propício à vitória das últimas.[1]

Importa ressaltar que as penas possuem sua excelência, não com a dureza que são impostas e sim no resultado que traz à sociedade e nisso, a pena alternativa tem superado largamente a pena privativa de liberdade.

A saber-se ainda, que a abolição da prisão não se confunde com a abolição da pena pois, este é utópico mas aquele, quem sabe um dia numa hipotética sociedade, que deixe de lado o sentido da vingança penal, a pena privativa de liberdade se torne uma sanção punitiva apenas para os casos de delito que provoquem reações aflitivas. 

As Penas alternativas, como base de atuação, foram inspiradas nas Normas Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade - Regras de Tóquio [13] foram assim denominadas por recomendação [14] do eminente penalista Damásio Evangelista de Jesus, designado para adequar todas as regras ao vernáculo.

Por que sugerimos a pena alternativa de trabalho?

Essa ideia esposa o trecho de Locke.

"É o trabalho, portanto, que atribui a maior parte do valor à terra, sem o qual ele dificilmente valeria alguma coisa; é a ele que devemos a maior parte de todos os produtos úteis da terra; por tudo isso a palha, farelo e pão desse acre de trigo valem mais do que o produto de um acre de uma terra igualmente boa, mas abandonada, sendo o valor daquele o efeito do trabalho [...][2]".

Ao nosso interlocutor, caso não conheça as mazelas do sistema penal, propomos que faça o exercício mental de imaginar como as penas privativas de liberdade eram e atualmente são aplicadas no nosso país. As penas de castigos corporais no passado não influenciavam tão negativamente o ser humano como as que atualmente submetemos os criminosos nas atuais cadeias e penitenciárias. Na verdade, criamos diversas "Universidades do Crime" e seus resultados são mais que visíveis.

Nossas prisões não degradam somente os corpos moribundos e fadados à podridão que dali germina, mas a falta de condições sanitárias mínimas, a promiscuidade entre os presos, consequentemente geram a supressão total da dignidade.

A pena alternativa alcançou melhores resultados e níveis de reincidência muito menores dos atingidos pela pena privativa de liberdade e por isso merecem ser reforçadas e ampliadas, e a nossa sugestão neste ponto é de uma nova pena alternativa, a do trabalho. Que em nada tem de ver com a de pena de trabalhos forçados expressamente vedada em nossa Constituição.

No passado a busca principal era a de apenas garantir pequenos desejos de uma minoria e hoje, todos os habitantes do planeta, com algumas exceções estão abarcados de algum modo pelo Direito. Determinadas sociedades possuem o direito escrito, entabulado e em outras o direito é o consuetudinário, através de decisões reiteradas, costumes e a cultura de cada região.

Ao se deparar com a existência do direito, a sociedade inicia a transformação das suas necessidades em leis, deixando para trás, a era física das cavernas, incutindo-se a esta, o sentido de justo e equitativo, não se bastando apenas da palavra pregada oralmente.[3]

A própria expansão cultural e a descoberta de novos direitos, novos objetos tutelados pelo Estado, provam que a ciência nunca será imutável. Isso que faz esse saber humano tão incrível, tão apaixonante.

As punições por sua vez, determinadas inicialmente por quem escrevia e ditava o que era correto, até mesmo através de rituais mágicos, onde apenas poucos sabiam as regras, tiveram grande evolução quando passaram a ser de conhecimento público, isto é, quando todos puderam saber previamente o que era tido como crime para poderem desviar-se tais atitudes tidas como ilícitas. 

Nesse ponto o Direito, mais especificamente o Direito Penal, tem prestado um enorme serviço à sociedade porque estabelece todo o arcabouço técnico necessário para que sejam respeitados os direitos dos protagonistas acusados. 

Para chegar à uma conclusão dessa nossa sugestão, dividiremos este artigo em quatro partes contendo um histórico da evolução do Direito, leis e livros que versavam de algum modo sobre, como a Legislação Mosaica; o Código Hamurabi (também denominado de Khamu-Rabi); o Código de Manu; a Lei das XII Tábuas (eram para ser XIII Tábuas); o Alcorão; a Magna Charta Libertation de 1215; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; Dos Delitos e das Penas de Beccaria, até chegarmos a criação das Penas Alternativas, suas bases e histórico, seus conceitos próprios, características, fundamentos e aplicabilidade. 

Podemos dizer que a citação pelo ilustre Ferrajoli, ao afirmar

"que a história das penas é mais aterrorizante que a própria história dos crimes" [4]

está mais do que correta. Dentro da simetria evolutiva, as penas nesse inaugural período eram tidas respectivamente como:

1. Vingança de Sangue - Os poderes exercidos pelo chefe da família/tribo sobre sua casa, seus pertences, sua esposa e seus filhos mostram como antes tínhamos microssistemas onde o pater era o responsável pela acusação, julgamento e cumprimento da pena do seu lar e hoje verificamos um sistema quase globalizado de normas. Naquele período, havendo a morte do pater deveria ser executada a vingança por outro ente familiar do sexo masculino.

2. Vingança Privada - A demonstração mais arcaica e simplória de resposta aos desacatos às normas de convivência social do grupo[5], levada afinco com agressão individual foi o período da vingança privada, sendo a forma de responder às infrações e a primitiva justificativa daquilo que entendemos como retribuição penal. Semente inicial do que hoje é considerado como pena, ultrapassou os limites da pessoa infratora e resvalou em sua família, clã, gerando retaliação da parte culpada criando um ciclo interminável de sangrentas disputas. "O infrator também poderia ser condenado à perda da paz que se caracterizava pela expulsão do clã."[6]

2.1. Talião - A evolução social trouxe benefícios aos moldes de aplicação para a época, com o aparecimento da Lei de Talião há um limite imposto para punir o acusado, que pautava pela mesma medida de liberdade à ofensa sofrida - olho por olho, dente por dente...

A preocupação com a justa retribuição era tal que se um construtor construísse uma casa e esta desabasse sobre o proprietário, matando-o, aquele morreria, mas se ruísse sobre o filho do dono do prédio, o filho do construtor perderia a vida.[7]

Vale frisar que as penas repousadas na Lei de Talião traziam mais fraqueza às tribos, porque quando eram mutilados os condenados, não podiam contribuir com a defesa interna mediante os constantes ataques das tribos vizinhas.

Surge a alteração desses moldes, substituídos por uma indenização pelo mal causado, denominando-se de composição.

3. Vingança Divina - Na denominada fase da vingança divina a pena passa a buscar a intimidação através de punições purificadoras e regeneradoras da alma do delinquente, aplacando assim a fúria divina.

Esta fase teve a importância categórica da religião na história dos povos arcaicos.[8] A religião fundia-se com o Direito optando por penas cruéis e monstruosas praticadas em nome de Deus. 

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Um típico modo de punir àquele que insultasse um homem de bem, era de lhe cortar a língua. Nas palavras de Smanio, se o:

[...] integrante praticava alguma conduta proibida - 'os tabus' - que acreditava ser capaz de ofender os "totens", o próprio grupo, com medo da retaliação divina, punia o infrator.[9]

É o chamado Direito Penal religioso, contido nos códigos da Índia, de Manu até mesmo no Hamurabi. Todas as punições deviam ser compatíveis com a magnitude do deus ofendido. Com o aperfeiçoamento da sociedade estruturalmente dizendo, inicia-se o período da vingança pública.

Nesse momento, a pena em alguns casos era transmitida da pessoa do condenado aos seus familiares, por diversas gerações, sendo que sequer os mortos estavam livres:

"Tendo como punição o vilipêndio de suas covas. Até mesmo para os processar."[10]

4. Vingança Pública - O período em que o Estado iniciou a sua organização acolhendo o direito e o dever de exercer a pena com exclusividade é denominado de período da vingança pública

Um dos objetivos era de assegurar a vida e o bem-estar do príncipe ou soberano pela aplicação ainda que severa da pena. Foucault compara o rito tenebroso da punição neste período aos atos de selvageria[11]. Posteriormente desvinculando-se a pena do caráter religioso, transportou-se a responsabilidade coletiva para o membro individual que pratica o fato, otimizando os costumes até então vigentes. Dotti define a pena pública como sendo

"caracterizada por uma dupla natureza originária: ora se apresentava como exercício da vingança coletiva, ora como sacrifício expiatório. [12]"

É extremamente importante considerar que, graciosamente o passado nunca morre plenamente para o homem. Este, pode até esquecê-lo, mas continuará sempre a tê-lo em seu interior, pois o seu estado, como tal se apresenta em cada época, é o produto e o compilado de todas as épocas já vividas. 

No entanto, se cada homem puder auscultar a sua alma, ali poderá encontrar intacta e distinta, a prova das diferentes épocas e aquilo que cada uma dessas lhe legou. (texto 1/4)


Notas

[1] LYRA, Roberto. Novíssimas Escolas PenaisEd. Borsoi, Rio de Janeiro. Complementa ainda o autor: "Basta uma provocação exterior para acordar o impulso delituoso, que todos sofrem, desencadeando, imediatamente as fôrças crimino-impelentes." 1956. P.65.

[2] Locke, John. "Da propriedade", trecho de O Segundo Tratado sobre o Governo Civil incluído no livro Os Clássicos da Política, v.1 Francisco Weffort (org.). São Paulo: Ática, 2002

[3] Coulanges, Fustel de. A cidade Antiga, 8. Ed. Porto. Livraria Clássica 1954. P.125

[4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do Garantismo Penal p.74-75 Editorial Trotta. 1997 e FERRAJOLI, Luigi. Em Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal.Prefácio de Norberto Bobbio. Ed. Revista dos Tribunais. 2002.

[5] GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade. Ed. Saraiva. 2011. P. 126: "O único fundamento da vingança era a pura e simples retribuição." 

[6] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal - parte geral. Ed. Forense. 2005. P 31. 

[7] NORONHA, Direito Penal, 1959, p.33

[8] Leitura mais completa é a de Coulanges, Fustel de. A Cidade Antiga. 8. Ed. Porto. Livraria Clássica 1954.

[9] SMANIO, Giampaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao Direito Penal - Criminologia, Princípios e Cidadania. 2. Ed. Ed. Atlas. 2012. P. 4

[10] SMANIO, FABRETTI, Introdução ao Direito Penal - Criminologia, Princípios e Cidadania. 2. Ed. Ed. Atlas. 2012. P. 7

[11] Foucault, Michel. Vigiar e Punir, Ed. Vozes. 30. Ed

[12] DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. Tese de Concurso para Titular na cadeira de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. 1980. Ed. Lítero Técnica. P. 4

[13] Traduzidas para o português pela primeira vez pelo Jurista Damásio Evangelista de Jesus - in Penas Alternativas, 1998)

[14] (GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão, Ed. Revista dos Tribunais, 1998 p. 23) 

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Sobre o autor
Thiago de Carvalho Pradella

Advogado no escritório Carvalho Pradella. Formado em Direito pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela FDDJ. Pós-graduando em Processo Civil na FDDJ. Consultor Jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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