1. INTRODUÇÃO
O artigo trata das Penas cominadas pela Lei nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, frente o Princípio da Proporcionalidade tendo como objetivo geral conceituar, caracterizar, analisar e demonstrar o imprescindível valor da observância do princípio na aplicação das penas prescritas pela Lei de Imrobidade Administrativa.
2. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
2.1 ORIGENS
O princípio da proporcionalidade teve sua origem na transição do Estado de Polícia para o Estado de Direito, com o escopo primordial de controlar os poderes dos monarcas, poderes estes ilimitados tanto aos meios empregados quanto aos fins por eles almejados.[1]
O fundamento do princípio da proporcionalidade foi a concepção intelectual de dar proteção aos direitos individuais frente aos atos estatais, pois esses direitos eram entendidos como inatos à pessoa, não podendo sofrer limitações inclusive pelo próprio Estado.
Foi a partir desse pensamento que surgiram as teorias Jusnaturalistas criadas na Inglaterra nos séculos XVII e XVIII, com o fim precípuo de garantir proteção às liberdades e direitos da classe burguesa frente à monarquia absolutista.
Com esse pensamento, o postulado da proporcionalidade teve reconhecimento no Direito Administrativo, como decorrência do princípio da legalidade e com aplicação principal nas penas do Estado impostas aos particulares, porque deveriam estas ser aplicadas de maneira essencialmente proporcional.[2]
Na Alemanha o princípio da proporcionalidade se consagrou e obteve o relevo atual, pois com o seu desenvolvimento no Direito Administrativo transplantou-se para o Direito Constitucional.
O doutrinador Gilmar Ferreira Mendes disserta acerca da qualidade constitucional dada ao princípio da proporcionalidade na Alemanha, ressaltando a sua derivação do Estado de Direito. Leciona o ilustre doutrinador:
No Direito Constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) qualidade de norma constitucional não-escrita, derivada do Estado de Direito.[3]
Assim, com o status de norma constitucional implícita, ou seja, princípio constitucional derivado do Estado de Direito, o princípio da proporcionalidade se alastrou da Alemanha para toda a Europa, em que temos como exemplo a Itália em sua Convenção de Roma que instituiu o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos, Portugal em sua Constituição de 1976 e a Espanha com sua Constituição de 1978, onde tais países atribuíram, ainda que em alguns implicitamente, status constitucional ao princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade se alastrou além mar, influenciando também o direito americano, porém, neste direito teve como denominação princípio da razoabilidade. Surgiu na fase do devido processo legal material ou substantivo no final do século XIX e início do século XX com o escopo de alargar os poderes dos magistrados quando da análise do caso concreto, de modo a controlar a atuação do Estado, ou seja, que tal atuação se pautasse sempre pela razoabilidade.
No Brasil, apesar de não ser recepcionado ainda expressamente, o princípio da proporcionalidade já há muito tempo está assente na jurisprudência e, principalmente, na doutrina, as quais o caracterizam como um princípio geral do direito, sendo considerado também, fundamento de um Novo Estado de Direito, como visto nas palavras de Paulo Bonavides, daí, talvez, o porquê de sua não positivação, haja vista seu caráter de princípio direcionador de todo o Ordenamento Jurídico, que, sem sombra de dúvidas, ganhou a importância que lhe é dada atualmente com o advento da Constituição “Cidadã” de 5 de outubro de 1988.
2.2 CONCEITO
Inicialmente, cumpre destacar a advertência feita pelo doutrinador Xavier Philippe de que existem princípios que são mais fáceis de compreender do que definir. O princípio da proporcionalidade é o típico postulado que se enquadra na categoria de princípios mencionados pelo jurista francês.[4]
O princípio da proporcionalidade é composto por três subprincípios ou elementos parciais. Assim, cumpre analisar cada um deles.
O primeiro desses elementos é o da adequação (geeignetheit), que pressupõe a escolha de um meio correto para se alcançar o fim almejado, um meio que se mostre potencialmente suficiente para se chegar ao determinado fim, em outras palavras, que por intermédio do meio a ser empregado se consiga alcançar o objetivo pré-estabelecido.
No que tange a este elemento, o jurista Ulrich Zimmerli, citado por Paulo Bonavides, o caracteriza como sendo “(...) o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público (...)”.[5]
O segundo elemento do princípio da proporcionalidade é o da necessidade (erforderlichkeit), que se caracteriza pela escolha do meio indispensável para a objetivação do fim perseguido. Pode também ser compreendido como a opção do meio mais ameno, ou seja, o meio que cause menos prejuízo aos demais direitos envolvidos.
A doutrinadora Suzana de Toledo Barros conceitua o elemento da necessidade, assim dispondo:
O pressuposto do princípio da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa.[6]
O terceiro e último elemento para a configuração do postulado da proporcionalidade é o da proporcionalidade em sentido estrito (verhältnismässigkeit), que nada mais é senão a análise dentre os meios à disposição e a escolha daquele que atenda com maior eficácia os interesses que ali estão sendo discutidos.
Reportando-se ao elemento em tela, J. J. Gomes Canotilho o preceitua da seguinte forma:
Admitindo que um meio seja ajustado e necessário para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à <<carga coactiva>> da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. [7]
Sendo assim, se o ato ou medida tomados não são adequados, necessários, ou seja, não estão em consonância com o postulado da proporcionalidade, dá-se, aí, a ocorrência da inconstitucionalidade.
Fortalecendo esse entendimento, o insigne mestre Karl Larenz leciona que neste “caso, a norma que contradiz o princípio tem que ser afastada como inconstitucional”.[8]
O princípio ganha merecido tratamento como cânone constitucional e fundamento de um novo Estado de Direito na voz do renomado e já mencionado mestre Paulo Bonavides, o qual prescreve as seguintes lições:
A adoção do princípio da proporcionalidade representa talvez a nota mais distintiva do segundo Estado de Direito, o qual, com a aplicação desse princípio, saiu admiravelmente fortalecido. Converteu-se em princípio constitucional, por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça.[9]
A doutrina também dá ao princípio da proporcionalidade status de princípio geral do direito, como assinala o doutrinador Robert Alexy:
Que o caráter de principio implica o principio de proporcionalidade, significa que o principio de proporcionalidade com seus três princípios parciais de pertinência (Geeignetheit), necessidade (Erforderlichkeit) ou mandamento de uso do meio mais brando, e proporcionalidade em sentido estrito, aliás, mandamento de ponderação ou avaliação. Logicamente resulta da natureza de princípio, a saber, deste deduz.[10]
Assim sendo, o princípio da proporcionalidade, além de ser um princípio de Ordem Constitucional e um dos mais importantes fundamentos do Novo Estado de Direito, está inato em todo e qualquer critério de interpretação do direito, haja vista seu status de princípio geral do direito, que como tal, está implícito nos escopos de todas as regras jurídicas, pois visam estas a realização do Direito e a sua realização é, simplesmente, a realização da justiça ao caso concreto.
2.3 DIFERENÇA ENTRE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE
O princípio da razoabilidade surgiu nos Estados Unidos da América e a expressão razoabilidade empregada pelos americanos tem como objetivo classificar tudo aquilo que seja conforme a razão, ou seja, aquilo que esteja de acordo com o bom senso, com a prudência, com aquilo que se espera do chamado “homem médio”.
Celso Antônio Bandeira de Mello caracteriza o princípio da razoabilidade no Direito Administrativo, dispondo:
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício da discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.[11]
Destarte, conforme explicitado, o princípio da razoabilidade veda a atuação de maneira desarrazoada, ilógica, paradoxal, ou seja, contrária ao bom senso e à prudência.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, surgiu na Alemanha, consoante já asseverado acima, onde o termo tem por escopo expressar uma relação de equilíbrio, devendo o Estado agir no desempenhar de suas funções de forma adequada, necessária e proporcional aos interesses que estiverem em jogo.
Como já analisado, o princípio da proporcionalidade é composto de maneira sistematizada, donde, para sua aplicação, deverão estar presentes os seus três elementos, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em contrapartida, o princípio da razoabilidade é constituído de forma aberta, não sistematizado, sendo seu emprego submetido ao subjetivismo da pessoa encarregada de sua aplicação, ou seja, tem-se em tal princípio uma discricionariedade para seu emprego, não havendo qualquer elemento pré-fixado para a sua análise, mas, tão-somente, a análise da racionalidade, prudência e bom senso.
Sendo assim, podemos afirmar que o princípio da razoabilidade seria o gênero do qual faz parte a proporcionalidade.
Além disso, e por fim, cabe destacar aqui a distinção no que concerne às funções de ambos os postulados. A proporcionalidade, quando analisada no caso concreto, funciona de maneira positiva, ou seja, frente ao caso sob exame, tal postulado indica qual dos caminhos a seguir ou qual dos meios a se adotar para a consecução de determinado fim.
Por outro lado, o princípio da razoabilidade, quando na mesma ocasião, apenas adverte a razoabilidade ou não do caminho ou do meio analisado, ou seja, não indica qual a ser seguido. Este funcionamento negativo de referido postulado se dá, haja vista a inexistência de sopesamento entre os caminhos ou meios, limitando-se tão somente à análise da razoabilidade do caso posto a exame.
3. PROBIDADE ADMINISTRATIVA
O termo Probidade Administrativa ou Princípio da Probidade Administrativa, como muitos o enunciam, consagrado pela Constituição Federal em seu artigo 37, §4º, significa o dever de o servidor público ou de qualquer pessoa que desempenhe funções ligadas à Administração Pública agir de maneira leal, honesta, íntegra, reta para com a Coisa Pública, ou seja, realizar suas atribuições de acordo com os ditames da boa fé e sem utilizar o erário para auferir proveitos próprios ou para outrem ou, de qualquer forma, causar-lhe danos.
A Probidade Administrativa, como já pacificado pela Doutrina, decorre do Princípio da Moralidade Administrativa, desta forma, Probidade é a espécie, da qual o gênero é a Moralidade, assim, o afronto a Probidade, corresponde ao afronto a Moralidade Administrativa.
No mesmo diapasão, José Afonso da Silva citado por Daniel Ferreira, prescreve acerca da Probidade Administrativa: “(...) probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa, devidamente qualificada. Ou seja: enquanto a moralidade seria o gênero, a probidade seria espécie”.[12]
4. DA CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E SUAS PENAS
A Lei nº. 8.429/92 estabelece os atos que configuram a improbidade administrativa em seu Capítulo II, classificando-os como atos que importam em enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. Estas três classificações trazem um rol de condutas caracterizadoras de atos de improbidade administrativa, porém, o rol disposto por tais modalidades é meramente exemplificativo, cabendo ao Julgador no caso concreto analisar a ocorrência de tal instituto. Passaremos agora à análise das três modalidades acima mencionadas.
As penas previstas para o responsável pela prática de atos configuradores de improbidade administrativa são traçadas pelo Capítulo III da Lei nº. 8.429/92, o qual se inicia com o caput do artigo 12 dispondo que “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade administrativa sujeito às seguintes sanções (...)”
Destarte, além das sanções penais, civis e administrativas, o agente público responsável pela prática de ato tipificado pela presente lei, responderá também por Improbidade Administrativa, nos termos das sanções previstas no artigo 12 e seus incisos.
A Lei estabelece seis modalidades de penas a serem impostas ao responsável pela realização dos atos de improbidade administrativa, indo mais a fundo do que a Constituição Federal em seu artigo 37, §4º, quando estabelece as penas para os referidos atos.
Encerrando as disposições legais do artigo 12, seu parágrafo único prescreve regras a serem observadas pelo Julgador na análise do caso concreto, dispondo: “Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Tendo em vista os rigores da Lei quando das estipulações de suas sanções, previu o Legislador uma regra específica de proporcionalidade a ser seguida pelo Juiz, o qual, analisando o dano causado ao Patrimônio Público e o proveito patrimonial auferido pelo agente na consecução desse dano, aplicará as sanções adequadas e necessárias para a sua punição.
Destarte, imprescindível se torna a observação pelo Julgador do Princípio da Proporcionalidade no momento da escolha e aplicação das sanções expressas pela Lei, pois, caso contrário, além de atuar antagonicamente à Lei de Improbidade, em flagrante inconstitucionalidade estará incorrendo.
No que tange à necessária observação do parágrafo único do artigo 12 e do Princípio da Proporcionalidade pelo Judiciário, Marcelo Figueiredo leciona o seguinte entendimento:
Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a conduta do agente público em face da lei e verificar qual das penas é mais ‘adequada’ em face do caso concreto. Não se trata de escolha arbitrária, porém legal. [...] Fere a lógica jurídica e a razoabilidade punir-se com a perda do cargo, suspensão de direitos políticos de 5 a 10 anos, servidor que, mediante conduta culposa (v.g., erro material involuntário comprovado), conclui indevido processo licitatório. Poder-se-ia cogitar de eventual ressarcimento de dano (se houver) e multa; nada mais.[13]
Corroborando as lições do doutrinador Marcelo Figueiredo, o jurista Fábio Medina Osório dispõe:
Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade penetra as normas da Lei nº 8.429/92, seja na tipificação dos atos ímprobos, seja em seu sancionamento, inevitavelmente, pela superioridade hierárquica da Constituição.[14]
Desta forma, deve o Judiciário frente ao caso concreto analisar a conduta do agente, o dano causado e o proveito obtido por ele quando da aplicação das penas prevista pela presente Lei, pois, caso isso não aconteça, desrespeitado estará sendo o Princípio da Proporcionalidade, o qual nada mais é senão a idéia de justa medida entre a punição, o ato e a conduta do agente, ou seja, traduz a proporcionalidade o escopo maior do Direito: “justiça ao caso concreto”.
Da mesma forma, J. J. Gomes Canotilho lança suas lições acerca da menor desvantagem possível que deve sofrer o cidadão para a consecução dos fins almejados pela coletividade: “Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão”. [15]