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O princípio da insignificância e sua aplicabilidade no direito penal brasileiro

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CONCLUSÃO

Apesar do nome “princípio da insignificância”, o referido princípio nada tem de insignificante. Pelo contrário, é de tamanha importância para a manutenção da justiça garantida pelo Direito Penal.

Apesar das divergências a respeito da sua origem, é de entendimento majoritário que o princípio foi abordado na seara penal, pela primeira vez, em 1964, por Claus Roxin, com base no antigo brocardo romano de minimis non curat praetor.

Por mais que exista uma corrente doutrinária mais radical que negue o princípio da insignificância e pregue que todo e qualquer bem jurídico merece a tutela do Direito Penal, desde que haja tipo legal prevendo essa tutela, a maior parte da doutrina acredita que sua existência e aplicação se faz necessária.

O legislador, ao tipificar uma conduta e criar um delito, quer proteger todas as lesões a esse bem protegido, incluindo aquelas de ofensa e repercussão mínimas? A resposta é não.

O princípio da insignificância, aliado aos princípios da intervenção mínima, da ofensividade, da fragmentariedade e da proporcionalidade, além da teoria da adequação social, vem afastar do âmbito de incidência do Direito Penal as condutas que não causem lesão grave e significativa aos bens jurídicos penais tutelados.

Nesse sentido, é fácil perceber que o princípio da insignificância é uma realidade que cada vez mais ganha espaço nos tribunais brasileiros. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça apresentam jurisprudência nesse sentido, e pouco a pouco vai aprimorando os contornos objetivos quanto à consolidação de seus requisitos.

De fato, um dos maiores problemas na aplicação do princípio atualmente é o estabelecimento de requisitos a serem considerados. É praticamente consenso doutrinário a exclusão de requisitos subjetivos na aplicação do princípio, e nesse sentido se encontra parte da jurisprudência, ao deixar de avaliar se o réu é reincidente e os se tem maus antecedentes. Contudo, ainda há divergências: ora é feita valoração dos elementos de caráter subjetivo, ora a concretização do princípio é dada com base apenas nos elementos objetivos, se atendo somente às circunstâncias do fato praticado.

A insignificância é aplicável a qualquer espécie de delito que com ele seja compatível, conquanto sejam cumpridos os requisitos de sua aplicação, devendo-se sempre fazer a análise do caso concreto.

É certo que os autores de pequenos delitos não devem ser colocados em penitenciárias junto com autores de crimes graves, mas também não deve ser tratado como se nada tivesse feito. Por mais que sua conduta seja inofensiva e simplória, por mais que a lesão se mostre totalmente insignificante, é necessário analisar o lado da vítima. Nada favorece tanto a criminalidade quanto a tipificação de qualquer conduta, mas da mesma forma não se pode ignorar que a exclusão da tipicidade de delitos bagatelares também pode servir de incentivo ao crime. Diante disso, deverão obrigatoriamente atuar outros ramos do direito, seja aplicando formas alternativas de sanção, seja conduzindo um meio de ressarcimento da vítima.

A nossa sociedade é complexa, e assim também o é o homem com suas ações e pensamentos. É justo e proporcional entender o princípio da insignificância como uma segunda chance àqueles que seriam criminalizados por causa de uma conduta penalmente irrelevante e moralmente inexpressiva.

Ao optar pelo Estado Democrático de Direito, o legislador fez importantes valores como dignidade da pessoa humana, igualdade e justiça. Aplicando o princípio da insignificância, como vem sendo aplicado pelos tribunais brasileiros e pela Corte Suprema, esses princípios constitucionais são assegurados, ainda mais em uma sociedade onde o sistema prisional é falho na recuperação do detento e não há políticas estatais de ressocialização.

Importante ressaltar que o jurista deverá se enquadrar nos limites da razoabilidade, da discricionariedade, do bom senso e do equilibro ao aplicar o princípio da insignificância, mantendo a proporção que deve haver entre a conduta e a imputação do agente, para que se cumpra o verdadeiro papel do Estado na garantia da Justiça, de forma a atender as necessidades da sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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GALVÃO, Fernando. Direito penal curso completo: parte geral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, v. 1.

______. Evolução da teoria da tipicidade penal. Publicado em 06 de junho de 2005. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20050606124155299> Acesso em: 12 de novembro de 2014.

GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

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LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no Direito Penal: análise à luz das Leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975.

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. p. 154.

ROCHA, Sabrina Araújo Feitoza Fernandes. O princípio da insignificância: uma visão do princípio observado sobre a estrutura do conceito de culpabilidade. Revista da ESMAPE, Recife, PE, v. 10, n. 21, p. 515-539, jan-jun. 2005.

SILVA, Ivan Luiz. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá Editora, 2004.


Notas

[1] GOMES, Luiz Flávio. Evolução da teoria da tipicidade penal. Publicado em 06 de junho de 2005. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20050606124155299> Acesso em: 12 de novembro de 2014.

[2] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 152.

[3] GRECO, Rogério. Op. cit. p. 153.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI. José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – Parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 458. apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 153-154.

[5] GALVÃO, Fernando. Direito penal curso completo: parte geral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 226.

[6] DALBORA, José Luis Guzmán. La insignificancia: especificación y redución valorativas en el âmbito de lo injusto típico. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, ano 4, n. 14, p. 41-81, abr./jun. 1996. p. 57-67.

[7] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no Direito Penal: análise à luz das Leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 41-42. 

[8] Idem. p. 42.

[9] SILVA, Ivan Luiz. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá Editora, 2004. p. 87.

[10] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p. 86-87.

[11] ROCHA, Sabrina Araújo Feitoza Fernandes. O princípio da insignificância: uma visão do princípio observado sobre a estrutura do conceito de culpabilidade. Revista da ESMAPE, Recife, PE, v. 10, n. 21, p. 515-539, jan-jun. 2005. p. 519. 

[12] OLIVARES, Gonzalo Quintero. Introducción al derecho penal. Barcelona: Barcanova, 1981, p. 49. apud ROCHA, Sabrina Araújo Feitoza Fernandes. Op. cit. p. 519.

[13] PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. p. 154.

[14] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 94.

[15] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 807-808. apud MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 21.

[16] MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975. p. 59-60.

[17] GRECO, Rogério. Op. cit. p. 45.

[18] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1996. apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 49.

[19] MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit. p. 71-72.

[20] SILVA FRANCO, Alberto. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 73.

[21] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6. ed. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2000. p. 65.

[22] ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, v. 94, 1988. p. 73-74. apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p.56.

[23] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Ediar, 1989. apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p.69.

[24] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p. 48-49.

[25] LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p. 52-53.

[26] ACKEL FILHO, Diomar. Op. cit. p. 72-77. apud  LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p. 51.

{C}[27]{C} GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, v. 1. p. 15.

[28] TOLEDO, Francisco Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1989. p.121-122 apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit. p. 51.

[29] VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 56. apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 153-154.

[30] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 45-46.

{C}[31]{C} BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 102.088 RS. 1.ª Turma, Relatora Min. Carmen Lúcia. 21 de maio de 2010.

[32] GRECO, Rogério. Op. cit. p. 62.

[33] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 92.961 SP. 2ª turma. Relator Min. Eros Grau. 10 de dezembro de 2007.

[34] Código Penal brasileiro. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I- as penas aplicáveis dentre as cominadas; II- a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III- o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV- a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”

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[35] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus 60.949 PE. 5ª turma. Relatora Min. Laurita Vaz. 20 de novembro de 2007.

[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 559.904-QO. 1ª turma. Relator Min. Sepúlveda Pertence. 26 de junho de 2005.

[37] PRADO, Luiz Régis. Op. cit. p. 155.

[38] MASSON, Cleber. Op. cit. p. 26.

[39] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 112.388 SP. 2ª turma. Relator Min. Ricardo Lewandowski. 14 de setembro de 2012.

[40] Constituição Federal brasileira de 1988. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência [...].”

[41] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial 1.275.835 - SC (2011/0212116-0). 5ª turma. Relator Min. Adilson Vieira Macabu. 1 de fevereiro de 2012.

[42] “O crime de descaminho, mercê de tutelar o erário público e a atividade arrecadatória do Estado, tem nítida natureza tributária.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 85.942 SP. 1ª turma. Relator Min. Luiz Fux. 29 de julho de 2011.

[43] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 92.438 PR. 2ª turma. Relator Min. Joaquim Barbosa. 19 de agosto de 2009.

[44] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo regimental no recurso especial 1227113 MG (2010/0218193-2). 6ª turma. Relator Min. Og Fernandes. 21 de junho de 2013.

[45] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 112.708 MA. 2ª turma. Relator Min. Ricardo Lewandowski. 18 de setembro de 2012.

[46] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 163.435 DF. 5ª turma. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 8 de novembro de 2010.

[47] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 96.688 RS. 2ª turma. Relatora Min. Ellen Gracie. 28 de maio de 2009.

[48] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 210.541 SP. 5ª turma. Relator Min. Moura Ribeiro. 7 de outubro de 2013.

[49] MARCHI JÚNIOR, Antônio de Padova. Boletim do Instituto de Ciências Criminais nº 13, mar. 2001. p. 12. apud GRECO, Rogério. Op. cit. p. 65.

[50] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 91.759 MG. 1ª turma. Relator Min. Menezes Direito. 30 de novembro de 2007.

[51] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 240.258 SP. 5ª turma. Relatora Min. Laurita Vaz. 13 de agosto de 2013.

[52] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 66.869 PR. 2ª turma. Relator Min. Aldir Passarinho. 28 de abril de 1989.

[53] Neste sentido: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Recurso Criminal 2003.34.00.007650-0. 4ª Turma. Relator Des. Federal Ítalo Fioravanti Sabo Mendes. 10 de agosto de 2004. 

[54] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 93.859 SP. 6ª turma. Relatora. Min. Maria Thereza de Assis Moura. 31 de agosto de 2008.

[55] MASSON, Cleber. Op. cit. p. 31.

[56] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial 835.553 RS. 5ª turma. Relatora Min. Laurita Vaz. 14 de maio de 2005.

[57] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus 96.929. 6ª turma. Relatora Min. Jane Silva, desembargadora convocada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 25 de agosto de 2008.

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Sobre o autor
Marcos Maurício Soares Santos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Advogado inscrito na OAB/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos Maurício Soares. O princípio da insignificância e sua aplicabilidade no direito penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4739, 22 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35109. Acesso em: 17 mai. 2024.

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