Direito penal mínimo: sua conformidade com o garantismo penal

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12/01/2015 às 23:49
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A elaboração do presente artigo, Direito Penal mínimo: sua conformidade com o garantismo penal permitiu analisar a realidade jurídica-social no tocante a utilização do Processo Penal como instrumento garantidor dos Direitos Fundamentais.

        

RESUMO

A elaboração do presente artigo, Direito Penal mínimo: sua conformidade com o garantismo penal permitiu analisar a realidade jurídica-social no tocante a utilização do Processo Penal como instrumento garantidor dos Direitos Fundamentais, estudando o surgimento de um Direito Penal mínimo como forma racional e eficiente de aplicação da sanção penal, de outro lado apresenta a crescente manifestação por uma efetividade das leis e do Estado, relativizando direitos inerentes a existência humana. Apresenta forma eficiente e célere de aplicação do processo penal, que esteja em encontro com as garantias e princípios do processo penal garantista. Pondera a limitação dos direitos fundamentais para que haja maior efetividade da coerção penal, relembrando fatos históricos importantes deste o surgimento do pacto contratual até a minimização de Direitos Fundamentais.

Palavras – chaves: Direito Penal Mínimo, Garantismo Penal, Direitos Fundamentais.

ABSTRACT

The preparation of this article, Minimum Criminal Law: ensured compliance with the criminal garantism, allowed us to analyze the socio-legal reality regarding the use of Criminal Procedure as a guarantor of fundamental rights instrument, studying the emergence of a Minimum Criminal Law as a rational and efficient application of penal sanctions. On the other hand presents the growing manifestationfor the effectiveness of the laws and the state, thus balancing the rights inherent to human existence. Presents an efficient and rapid application of criminal procedure which meets the guarantees and principles of garantist criminal procedure. Ponder the limitation of fundamental rights for greater effectiveness of criminal coercion, recalling important historical events since the appearance of the contractual agreement to the minimization of Fundamental Rights.

keywords: Mininum criminal law, criminal garantism, fundamental rights.

SÚMARIO: 1. Introdução. 2. Direito Penal Máximo, como razão para redução da violência. 3. Direito Penal Mínimo, o uso do direito penal como última razão. 4. Bases principiológica do garantismo penal. 5. Legalidade estrita. 6. Estrita Jurisdicionariedade. 7. Uma teoria do garantismo. 8. Uma filosofia da política. 9. A teoria da validade. 10. O modelo normativo de direito. 11. Um novo processo Penal sob a égide de uma principiológica constitucional. 12. Considerações finais. Referencias.

  1. Introdução

Nos dias atuais um dos principais problemas enfrentado pelo Direito Penal, é no tocante à sua efetividade e eficácia como norma. Vários debates são realizados sobre a subordinação da norma penal a lei Constitucional, esta última orientadora dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos.

            Até que ponto podemos trocar nossa liberdade em busca da segurança?

            Como veremos, existe uma relação de tensão entre os princípios e as regras constitucionais, especialmente entre aqueles que protegem os cidadãos e aquelas que atribuem poderes ao Estado, contudo deve ser buscado um equilíbrio entre eles.[2]

            O tratamento do tema desperta uma análise crítica sobre a visão do Garantismo Penal, expondo reflexões e conclama uma ligeira passagem histórica até as repercussões presentes e expectativas futuras.

            A proposta é fazer uma análise descritiva, dentro de um espaço jurídico, com foco na condicionalidade e limite da atuação estatal. Para se ter êxito em tal pretensão é necessário a possibilidade da certeza e racionalidade nas ações e intervenções estatais. Ao aplicar esta teoria do garantismo penal, procura-se deslegitimar qualquer modelo de controle social que coloca a defesa social acima dos direitos e garantias, permitindo a criação de um instrumento idôneo capaz de proteger os direitos contra a irracionalidade dos poderes.

            Nossa problemática inicia-se com um esboço sobre um modelo de aplicação da norma pelo Estado, podendo este intervir de maneira máxima, pregoado por muitos penalistas como medida eficiente para apaziguar os distúrbios da sociedade, apresenta-se de forma incondicionada e limitado.  Ou, sua intervenção mínima, como uma possibilidade, como último recurso. A criminalização de uma conduta só se tornaria necessária, se tal conduta colocasse em risco a proteção de determinado bem jurídico.

            A segurança e liberdade individual são ameaçadas não apenas pelos delitos, como também pelas frequentes medidas de caráter punitiva, impostas de forma arbitrária e excessivas.

            No segundo momento buscaremos apresentar um modelo de direito penal, que não dissocie dos princípios e garantias Constitucionais, que não limite a liberdade do cidadão, que tenha ampla efetividade buscando atender a toda a camada social, independente de seu posicionamento de classe. Propõe-se a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal.

            Ao final, tratamos da proteção aos direitos fundamentais do indivíduo, no ambiente próprio da teoria garantista, entendida como modelo normativo jurídico, baseado no respeito à dignidade das pessoas humana e a tutela de seus direitos fundamentais, com sujeição formal e material das práticas jurídicas aos conteúdos constitucionais. Fundando na legalidade de suas normas e racionalidade em sua aplicação.

            Nessa direção, são apresentadas condições para problematizar o debate jurídico em torno das garantias individuas do cidadão, sem cessar a efetivação de aplicação das normas estatais, e sem romper o comprometimento da racionalidade no aspecto jurídico.

  1. Direito Penal Máximo, como razão para redução da violência.

            A partir da segunda metade do século XIX, o Direito Penal perde seu rumo e sua utilidade, sua razão principal, de acordo com concepções que pretenderam transformar a pena em instrumento para neutralização e/ou transformação de personalidades, voltando a confundir-se Direito e moral e Direito e natureza. Afastando-se o Direito Penal de sua premissa básica, que é mais absoluta distinção entre Direito e moral, entre Direito e natureza, e, com isto, diminuindo as garantias do cidadão em face do Estado e dos demais [3].

            O modelo de direito penal máximo, apregoado por muitos penalistas como medida eficiente para apaziguar os distúrbios da sociedade, apresenta-se de forma incondicionada e limitado.

            Além dessas duas características, o sistema penal máximo se constitui pela sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas e que, consequentemente, configura-se como um sistema de poder não controlável racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e anulação. 

            Devido a esses reflexos, o substancialismo penal e a inquisição processual são as vias mais idôneas para permitir a máxima expansão e incontrolabilidade da intervenção punitiva e, por sua vez, sua máxima incerteza e irracionalidade[4].

            No campo da razão, um raciocínio lógico para obtenção de uma certeza, fica prejudicado, pela relativização da palavra no meio jurídico, podendo ser extraído duas espécies de certeza, ambas de caráter relativo e subjetivo, onde cada uma delas apresenta sua forma antagônica correlativa, a incerteza.

            A certeza perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido. Esse modelo prevê a máxima tutela da certeza pública acerca das ofensas ocasionadas pelo delito[5].

            O Direito Penal, de cunho exclusivamente repressivo, consiste na preocupação da norma penal em repreender qualquer um que se molde à figura de transgressor do pacto social e normativo e desestimular a prática de condutas delitivas. Nessa vertente repressiva não há lugar para preocupações com a humanização, ressocialização, devido processo legal ou demais garantias constitucionais[6].

            A utilização do direito penal repressor já se demonstrou ineficaz frente aos problemas a ele apresentados, e a mera aplicação da lei, com força eficacizante, não conseguiu, no plano sociológico, atingir suas metas de harmonia e coexistência social[7].

            Esse poder de coerção através da violência, legitimado pelo Estado juridicamente democrático e social, deve ter, no cerne de seu ordenamento, a preocupação com a dignidade do ser humano e com os limites de sua expansão em relação às normas formais e materialmente constitucionais. As autoridades vêm adotando uma política de exacerbação e ampliação dos meios de combate à criminalidade, em busca de soluções céleres para reduzir os índices de criminalidade. Com isso, defendem graves transgressões a direito individuas e fragilizam a tutela de bens jurídicos constitucionais protegidos[8].

            Essa certeza de não deixar nenhum culpado impune, baseia-se em critério subjetivo do in dúbio contra reum, o qual indica uma posição autoritária. Sabendo que essa ideia corrente de que o processo penal deve conseguir golpear todos os culpados é fruto de uma ilusão totalitária, de um poder arbitrário e imoderado.

            Este modelo apresenta-se sobre uma estrutura lógica, no sentido de que se preocupa em estabelecer não as condições necessárias, mas aquelas suficientes para a condenação, e não as condições suficientes, mas as necessárias para absolvição.

O surgimento de duras leis, na prática demonstra o caráter repressor do Estado. À medida que cresce a perspectiva de um direito à segurança, o cidadão comum trocaria a liberdade por segurança. A política de tolerância zero promete ainda mais, ordem e segurança[9].

            A liberdade conceituada pelo modelo garantista penal é estruturada em regras, fixando-se entre um meio termo entre o abolicionismo penal[10] e o Estado liberal[11]. Toda a intervenção penal deve ser marcada pela racionalidade e certeza quanto ao fato e àquele a quem é imputada a conduta delituosa, bem como quanto às regras da persecução penal.

            Contudo, se a pena tem como único fim prevenir e utiliza-se como instrumento de coerção a ameaça da aplicação da pena, só lhe resta ampliar ainda mais os níveis da repressão[12]. E, se mesmo assim, os crimes continuarem a ser praticado, as penas continuam a sofrer acréscimo. Trata-se de uma vertente ilimitada por si só. A tendência será a tipificação de um número absurdo de condutas com penas altíssimas para todas elas, tornando o direito penal banalizado, simbólico e impossível de ser plenamente aplicado, mostrando-se ineficaz[13]. É lógico que a pena, ainda que cumpra em relação aos fatos uma função preventiva especial, sempre cumprirá também uma função simbólica. O Direito Penal se converte, assim, em um Direito penal simbólico, incapaz de alcançar sequer os propósitos a que se propõe[14]. No entanto, quando só cumpre esta última, será irracional e antijurídica, porque se vale de um homem como instrumento para a sua simbolização, e o usa como um meio e não como um fim em si, coisifica um homem, ou, por outras palavras, desconhece-lhe abertamente o caráter de pessoa, com o que viola o princípio fundamental em que se assentar os Direitos Humanos[15].

            Segundo Prittwitz, estamos vivendo um momento em que a realidade da sociedade de risco tem sido usada como argumento discursivo para justificar um nocivo processo de expansão que se apresenta embalado pelo rótulo de um Direito Penal do Inimigo.           

  1. Direito Penal Mínimo, o uso do direito penal como última razão.

            Ao contrário do que até agora fora apresentado, o direito penal mínimo, em sua interferência e inserção é condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela de liberdade do cidadão frente ao arbítrio punitivo estatal, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza. Um direito penal é racional e correto, à medida que suas intervenções são previsíveis[16].

            A ideia de que a constituição fundamenta e não limita a incidência do direito penal, legitima discurso no sentido de que determinadas condutas devem ser plenamente previstas, diante de uma única ocorrência, findando por afastar qualquer investigação com relação à eficácia da intervenção punitiva.

            Relevante é que, em sendo admitida como fundamento do direito penal, e não apenas como um seu limite, ou seja, ao se considerar que a constituição não fixa apenas o máximo, mas indica o que o legislador deve criminalizar, resta praticamente impossível deixar de enxergar as determinações expressas de criminalização como sendo uma obrigatoriedade. O que parece ser incompatível com os ditames de um Direito Penal de ultima ratio [17].

            Encontra-se amiúde, o emprego de tipos penais criminalizando condutas que muito bem poderiam ser controladas através de medidas de cunho civil ou administrativo, numa clara ofensa ao cânone garantista nulla lex (poenalis) sine necessitate, do qual deflui o princípio da intervenção mínima[18].    

            É inegável que imputado ao Estado o princípio da necessidade, onde não apenas exige "como fazer", como, também, o que é "proibido fazer de outro modo", tratando-se, assim, de princípio jurídico fundamental, ainda que pela via indireta, ou seja, não se achando explícito no texto constitucional, porém, dedutível do princípio da legalidade.

            Decorre deste princípio o caráter fragmentário do Direito Penal e sua natureza subsidiária, entendendo-se o Direito Penal como último remédio a ser utilizado no controle à criminalidade, quando os demais ramos do Direito se revelam incapazes de promover a tutela a bens de relevância para a própria existência do homem e da sociedade. Todavia, em que pese tal entendimento, cuja origem remonta ao Iluminismo, que pretendeu reduzir a legislação em geral e especial à pena[19].

            A criminalização de uma conduta só se tornaria necessária, se tal conduta colocasse em risco a proteção de determinado bem jurídico[20]. Em razão de outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização pode ser inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, só estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser última ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade[21].

            A subsidiariedade do direito penal pressupõe a sua fragmentariedade, no qual é um mecanismo sancionador externo, que deve ser, portanto, utilizado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção só deveria se apresentar unicamente quando fracassassem as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito. Não se admite aplicar um recurso mais grave quando seria possível obter o mesmo resultado utilizando um recurso mais suave[22].

            Tal raciocínio se faz mister porque, mesmo sendo o bem importante, se a conduta que o atinge for socialmente tolerada, aceita pela sociedade, não poderá haver a criminalização, pois, se assim o fizéssemos, estaríamos, na verdade, convocando a sociedade a praticar infrações penais, pois que ela não deixaria de praticar os comportamentos a que estava acostumada.[23]

             A lei 9.605 de 1998, criada com o objetivo de proteger o meio ambiente, é exemplo do rigorismo da aplicação da lei penal, o qual é tratado de maneira desnecessária, atos que não implicam a ameaça a vida ou violência a pessoa. Essa lei, não merece prosperar em seu conteúdo e aplicação, pois em seu artigo 49, tipifica a conduta culposa e responsabiliza criminalmente a pessoa que comete o ato de destruir ou danificar plantas ou ornamentação em lugares públicos ou em propriedade privada, o sujeito ativo desta ação, está praticando crime com pena de detenção prevista de um a seis meses, mais multa.  

Em particular, FERRAJOLI reconhece que:

A pena, em razão de seu caráter aflitivo e coercitivo, é, de qualquer forma, um mal que de nada serve envolver com o manto de uma finalidade filantrópica de tipo reeducativo ou ressocializante, e, de fato, ainda mais aflitivo. Entretanto, ainda que seja um mal, a pena é de qualquer forma justificável se o condenado dela extrai o benefício de ser, por seu intermédio, poupado de punições informais imprevisíveis, incontroladas e desproporcionais. [24]

            Por esse motivo, oposto ao direito penal máximo, a intervenção penal mínima é corroborada pela certeza que nenhum inocente seja punido a custa da incerteza de que também um culpado possa ficar impune[25]. Esse modelo abona a máxima tutela das liberdades individuas acerca das ofensas ocasionadas pelas penas arbitrárias. Busca alagar o entendimento, de modo que, a certeza, mesmo não sendo absoluta, a que aspira um sistema penal do tipo garantista, não puna todos os fatos previsto em lei como crime, mas que sejam punidos somente aqueles nos quais se tenha comprovado a culpabilidade por sua comissão.

            Segundo esse modelo, não é legítima qualquer irrogação de pena sem que ocorra um fato exterior, danoso para terceiro, produzido por sujeito imputável, previsto anteriormente pela lei como delito, sendo necessária sua proibição e punição. Por outro lado, aliam aos requisitos materiais os processuais, de modo que, a necessidade de que sejam produzidas provas por uma acusação pública, em processo contraditório e regular, julgado por juiz imparcial[26].

            Compreende-se, assim, como o princípio equitativo do favor ao acusado, onde reside a máxima in dúbio pro reo sendo corolário. Condição necessária para integrar o tipo de certeza racional perseguida pelo garantismo penal[27].

            Está claro que quanto mais profunda e penetrante seja a compreensão do fato tanto maior será a atenuação, nos limites de justificação de sua gravidade. Sobre esse aspecto, FERRAJOLI, irresignado, argumenta:

parece-me em contradição com o princípio da equidade a previsão por parte da lei de limites mínimos, junto aos limites máximos de pena, para tipo de delito. Tal previsão, na realidade, não apenas contradiz o modelo de direito penal mínimo, mas humilha a função do juiz, ao não lhe consentir valorar plenamente a possível falta de qualquer gravidade do caso concreto, relativamente à gravidade do tipo de delito abstratamente valorada pela lei, conforme suas exclusivas conotações constitutivas, mediante a estipulação dos limites máximos. [28]

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            A opção por um direito penal mínimo em relação ao direito penal máximo, expressa pela aceitação unicamente de acusações comprovadas com certeza como condição das condenações, esta justificativa, e nos ordenamentos desenvolvidos, juridicamente imposta, porque tal dever é também um poder agravado de consequência sobre as liberdades dos cidadão[29].

            O Direito Penal deparou-se com uma encruzilhada. A dimensão política e a contundência que são suas características, levaram-no a converte-se em um instrumento de permanente utilização por parte dos detentores do poder, como forma de, a um só tempo, responder a uma induzida sensação de insegurança social e demarcar claramente os espaços sociais correspondentes a distinta classe de pessoa. Tudo isso em obediência a interesse de discursos que transformaram a ideia de risco em ponto de referência para a organização político-criminal, gerando o que se convencionou chamar e denominar de Direito Penal do Inimigo ou Direito Penal do terror[30].

            Por outro lado, as discrepâncias ao nível das molduras penais parecem ter-se atenuado, até por força de um certo abaixamento das penas no domínio da criminalidade patrimonial que é habitualmente vista como a criminalidade dos pobres. Para além de que, por outro lado, alguns aparentes tratamentos benevolentes de crimes de colarinho branco podem ser justificados pelo fato de a comunidade continuar a vê-los como menos preocupantes para a sua segurança.

            Neste sentido afirma Cláudia Maria Cruz Santos “é a própria natureza do crime de colarinho branco que, ao originar tais entraves à sua regulamentação pela lei criminal, acaba por conduzir a um favorecimento prático dos seus agentes.”[31]

            A segurança e a liberdade de cada um são, com efeito, ameaçadas não apenas pelos delitos, mas também, e frequentemente, em medida ainda maior, pelas penas despóticas e excessivas, pelas prisões e pelos processos sumários, pelos controles arbitrários e invasivos de polícias, vale dizer, por aquele conjunto de intervenções que se denomina de justiça penal, e que talvez, na historia da humanidade, tenha custado mais dores e injustiças do que todos os delitos cometidos.[32]

            A dúvida que paira é saber se a utilização de tal mecanismo controlador é devido ao recrudescimento da violência social, ou pelos próprios instrumentos violentos de controle sobre a sociedade marginalizada, estimulando a prática de mais violência.

  1. Bases principiológica do garantismo penal.

            Nos dias atuais, o ordenamento penal desenvolvido e aplicado é produto predominantemente moderno. Os princípios garantista inseridos neles têm sua origem clássica: a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, a presunção de inocência, estes princípios, como se sabe é fruto do pensamento iluminista e liberalista do século XVIII.

            O garantismo jurídico baseia-se nos direitos individuais, vinculado à tradição iluminista, com escopo de articular mecanismos capazes de limitar o poder do Estado soberano, sofrendo as influências dos acontecimentos históricos, especificamente e transformação da sociedade relativamente à tutela dos direitos sócias e negativos de liberdade[33].

Há um profundo vínculo entre os ideais iluministas e o moderno direito penal, cujos fundamentos são voltados para o homem, buscando protegê-lo dos abusos praticados pelo príncipe e, igualmente, contra os horrores das penas aplicadas sobre os corpos dos acusados[34].

            As ideias de igualdade e de liberdade, apanágios do iluminismo, deram ao Direito Penal um caráter formal menos cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites à intervenção estatal nas liberdades individuais. Muitos desses princípios limitadores passaram a integrar os Códigos Penais dos países democráticos e, afinal, receberam assento constitucional, como garantia máxima de respeito aos direitos fundamentais do cidadão[35].

Do ponto de vista institucional, o Estado liberal e posteriormente democrático, que se instaurou progressivamente ao longo de todo o arco do século passado, foi caracterizado por um processo de acolhimento e regulamentação das várias exigências provenientes da burguesia em ascensão, no sentido de conter e delimitar o poder tradicional.[36]

            A função garantista é uma das principais funções da constituição. A garantia dos direitos e liberdades constitui uma das principais dimensões do constitucionalismo moderno. Nas constituições modernas, os direitos e liberdades não se reconduziram, em termos genéricos e segundo o entendimento dos homens, a qualquer ideia de competência subjetiva atribuída pelo poder político. Os direitos constitucionalmente garantidos e protegidos representavam a positivação jurídico-constitucional de direitos e liberdades inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado. A subordinação ao direito dos titulares do poder constituído pretende por limitação de poder[37].

            O garantismo como teoria derivada do iluminismo, de um modelo crítico de produção de saber, combatente de todas as instâncias que promovem a infantilização do homem, visto que o pensamento da modernidade é fundado na opção pela civilização e negação da barbárie. É uma teoria de resistência a toda e qualquer estrutura de saber-poder que concebe o homem como descartável, que nega a primazia da pessoa e dos direitos. A perspectiva garantista, portanto, estabelece mecanismos jurídico-políticos de luta pela razão contra todas as formas de obscuridade, correspondendo a um saber alternativo ao neobarbarismo defensivista capitaneado, na atualidade, pelos movimentos de “Lei e Ordem” e de “(nova) Defesa Social” [38].

  1. Legalidade estrita

            O princípio da legalidade estrita é proposto por Ferrajoli como uma técnica legislativa específica dirigida a excluir, conquanto arbitrárias e discricionárias, as convenções penais referida não a fatos, mas diretamente a pessoas e, portanto, com caráter constitutivo e não regulamentar daquilo que é punível: como as normas que em terríveis ordenamentos passados, perseguiram as bruxas, os hereges, os judeus, os subversivos e os inimigos do povo; como as que ainda existem em nosso ordenamento, que perseguem os desocupados, e os vagabundos, os propensos a delinquir, os socialmente perigosos e outros semelhantes. Diremos, pois, aplicando o direito penal uma distinção recentemente elaborada pela teoria geral do direito, que o princípio da estrita legalidade não admite normas constitutivas, mas somente normas regulamentares do desvio punível: portanto não admite normas que criam ou constituem ipso jure as situações de desvio sem nada prescrever, mas somente regras de comportamento que estabelecem uma proibição, que dizer uma modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais de que uma ação, a respeito do qual seja dialeticamente possível tanto a omissão quanto a comissão, uma exigível e a outra obtida sem coação e, portanto, imputável à culpa ou responsabilidade de seu autor[39].

            O princípio da legalidade, vinculado à estrutura hierarquizada e secularizada do ordenamento jurídico balizado pela Constituição, é o ponto de partida na construção do modelo garantista. Este intenta estabelecer uma previsibilidade mínima ao cidadão no uso e gozo de seus direitos pela exigência de lex praevia e pública, condicionando e limitando o poder na interferência ilegítima[40].

            Dessa maneira, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe seja imposta por outra via que não seja a lei[41].

            Posto em termos bem esquemático pode se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes ocorrência do fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibitiva[42].

  1. Estrita Jurisdicionariedade

            O princípio da estrita jurisdicionariedade exige duas condições: a verificabilidade e refutabilidade das hipóteses acusatória, em virtude de seu caráter assertivo, e sua comprovação empírica, em virtude de procedimento que permite tanto a verificação como a refutação. Para que o desvio punível não seja constituído, mas regulado pelo sistema penal, não é suficiente, com efeito, que esteja pré-configurado por regras de comportamento[43].  Como fica exposto na primeira concepção principiológica dos fundamentos garantistas, supramencionado, a legalidade, afirmando que o pressuposto da pena deve ser a comissão de um fato univocamente descrito e indicado como delito, e a consequente submissão do juiz à lei, equivale ao princípio da reserva legal. Ao mesmo tempo, para que o juízo não seja apodítico, mas se baseia no controle empírico, é preciso também que as hipóteses acusatórias, como exigem a segunda condição, seja concretamente submetido a verificações e expostas à refutação, de modo que resultem apenas convalidadas se forem apoiadas em provas e contraprovas.

Em busca desses objetivos, ante a uma presumida racionalidade, que estaria na obediência às regras desse discurso, donde algumas dessas regras teriam estatuto ideal e mediriam a racionalidade de cada decisão pela obediência ou não aos pressupostos do discurso racional.[44] O garantismo busca assegurar o máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo, limitando o poder punitivo, para impedir a arbitrariedade. 

            As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direitos individuas em direitos do homem inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como as sua limitações. Conquanto o direito à prova é constitucionalmente assegurado, formando o rol das garantias fundamentais. E é exatamente no processo penal, onde avulta a liberdade do cidadão, que se torna mais nítida a necessidade de se colocarem limites à atividade probatória[45].

            A pretensão é racionalizar a decisão, com referência na alternativa à razão da prova e da contraprova, tendo uma possível racionalização no processo judicial e proporcionando uma alternativa à razão do positivismo, sem cair na tentativa de se ter uma única decisão correta.[46]

Daí se extrai uma concepção cognitiva da jurisdição, que se dirige a assegurar o valor da certeza na determinação do desvio punível, confiada à taxativa formulação legal e judicial de pressupostos típicos gerais e abstratos. Onde estes são definidos de maneira precisa pela lei. Também a concepção cognitiva faz a separação entre direito e moral e, por outro lado, entre direito e natureza, e não por imoralidade ou por anormalidade, é que um determinado comportamento constitui delito[47]. A condenação de quem se tenha comprovado ser responsável não é um juízo moral nem um diagnóstico sobre a natureza anormal do réu.

  1. Uma teoria do garantismo

            Pode-se notar que o mundo jurídico vive nos dias atuais cercado de problemas que configuram uma crise, onde na verdade pode-se até afirmar que vivemos uma crise jurídica.

            Logo, como o garantismo não pode ser medido apenas por um referencial, Ferrajoli fala em graus de garantismo[48], pois ele seria maior se observássemos apenas as normas estatais vigentes sobre os direitos individuais[49] tendo como escopo um país como o Brasil. Todavia, se o ponto de observação for o de sua aplicabilidade, o grau de garantismo diminui. Percebe-se então que o grau de garantismo depende do ponto de partida de observação do analisador.

            A teoria geral do garantismo, entendida como modelo de Direito, está baseada no respeito à dignidade da pessoa humana e seus Direitos Fundamentais, com sujeição formal e material das práticas jurídicas aos conteúdos constitucionais[50].

Com efeito, a teoria do garantismo penal, antes de mais nada, propõe-se a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueista que coloca a defesa social acima dos direitos e garantias, permite a criação de um instrumental prático-teórico idôneo à tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam públicos ou privados[51].    

            Luigi Ferrajoli apresenta três significados de garantismo, os quais delineiam precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo. O principal pressuposto metodológico de uma teoria geral do garantismo reside na separação entre direito e moral, e mais em geral entre ser e deve ser. Uma teoria do garantismo, além de fundar a crítica do direito positivo referente aos seus parâmetros de legitimação externa e interna é, por consequência, também uma crítica das ideologias: das ideologias políticas, seja estas jusnaturalistas ou ético-formalistas, as quais confundem, sob o plano político externo, a justiça com direito, ou pior, vice-versa; e das ideologias jurídicas, sejam estas normativas ou realistas, que paralelamente confundem, sob o plano jurídico ou interno, a validade com vigor, ou, ao contrário, a efetividade com a validade.[52]

  1. O modelo normativo de direito

            A primeira regra de todo pacto constitucional sobre a convivência civil não é precisamente que sobre tudo se deva decidir por maioria, mas que nem tudo se pode decidir, ou não decidir, nem mesmo pela maioria. Nenhuma maioria pode decidir a supressão, e não decidir a proteção, de uma minoria ou de um cidadão. Sob esse aspecto o Estado de direito, entendido como sistema de limites substancias imposto legalmente aos poderes públicos para garantia dos direitos fundamentais, se contrapõe ao Estado absoluto, seja ele autocrático ou democrático. Mesmo a democracia política mais perfeita, representativa ou direta, é precisamente um regime absoluto e totalitário se o poder do povo for nela ilimitado. As suas regras são com certeza, as melhores para determinar quem pode decidir e como deve decidir, mas não bastam para legitimar qualquer decisão ou não decisão. Nem sequer por unanimidade pode um povo decidir, ou consentir que se decida, que um homem morra ou seja, privado sem culpa de sua liberdade, que pense ou escreva ou não pense ou não escreva de um dado modo, que não reúna ou não se associe a outros, que se case ou não case com certa pessoa ou fique com ela indissoluvelmente ligado, que tenha ou não tenha filhos, que faça tal trabalho, ou outras coisas similares[53].

Nessa esfera do indecidível encontram-se justamente os Direitos Fundamentais, funcionando como verdadeiro marco divisório, impeditivo do avanço do Legislativo. O poder Legislativo, assim encontra limitações substancias no tocante à matéria a ser objeto da legislação.[54]

A transferência dos direitos naturais é parcialíssima. O que falta ao estado de natureza para ser estado perfeito é, sobretudo, a presença de um juiz imparcial, ou seja, de uma pessoa que possa julga sobre a razão e o erro sem ser parte envolvida. Ingressando no estado civil, os indivíduos renunciam substancialmente a um único direito, ao direito de fazer justiça por si mesma, e conservam todos os outros. O único direito ao qual o homem não renuncia, ao instituir o estado civil, é o direito à vida.[55]   

            Afirma FERRAJOLI que a garantia desses direitos vitais é a condição indispensável da convivência pacífica. Por isso sua lesão por parte do Estado justifica não simplesmente a crítica ou dissenso, como por questões não vitais sobre as quais vale a regra da maioria, mas a resistência à opressão, até a guerra civil. “sobre questões de existência, não se deixa à minoria” [56].

            Neste mesmo sentido assegura LOCKE que:

Contudo, uma vez que uma sociedade política não pode existir nem manter-se sem ter em si o poder de preservar a propriedade e, para isso punir as ofensas cometidas contra qualquer dos seus membros, só podemos afirmar que há sociedade política quando cada um dos membros abrir mão do próprio direito natural transferindo-o à comunidade, em todos os casos passíveis de recurso à proteção da lei por ela estabelecida[57].

            Tendo assim que se abster de qualquer julgamento privado realizado por cada cidadão, a sociedade terá suas próprias regras, onde decidirão todas as desavenças que possam surgir entre quaisquer membros da sociedade, sobre qualquer assunto de direito, e pune as infrações cometidas, mas com penalidade fixada em lei.

            É com a estipulação constitucional de todos os deveres do Estado que os direitos naturais se tornam direitos positivos invioláveis, e muda, por isso, a estrutura do Estado, passando de absoluto a ser condicionado e limitado as normas legais. Transformando os súditos em cidadãos, este sendo um sujeito titular de direito em relação ao Estado. O denominado contrato social, uma vez traduzido em pacto constitucional, não é mais uma hipótese filosófico-política, mas um conjunto de normas positivas que obrigam entre si o Estado e o cidadão, tornando-os dois sujeitos de soberania reciprocamente limitados.

  1. A teoria da validade

O aspecto formal do direito está no procedimento prévio existente, que funciona como pressuposto de legitimidade do surgimento de uma norma estatal. Ou seja, uma norma só será válida e legítima se for composta de acordo com os procedimentos formais traçados previamente pelo ordenamento jurídico.

Isso significa dizer, segundo BOBBIO, “que o governante, ao contrário do pai e do dono de escravos, necessita que sua própria autoridade obtenha consentimento para que seja considerada como legítima” [58]

Para KELSEN, a validade de uma norma está em outra norma, que lhe é anterior no tempo e superior hierarquicamente, que traçaria as diretrizes formais para que tal norma seja válida. Logo, para este autor, existe um mecanismo de derivação entre normas jurídicas, dentro de uma ideia de supra e infraordenação entre as espécies normativas.[59]

Para FERRAJOLI, uma norma será válida não apenas pelo seu enquadramento formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são anteriores e configuram um pressuposto para a sua verificação. A tal procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um dado que constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico. Nesse sentido a validade traz em si também elemento de conteúdo, materiais, como fundamento da norma. Esses elementos seriam os direitos fundamentais.[60]

            Se é verdade que o garantismo coincide com a forma de tutela dos direitos vitais dos cidadãos que se realiza historicamente por meio da sua positivação no Estado de direito, tal não é concebível fora do horizonte teórico do positivismo. Foi precisamente na Idade moderna, com a formação dos Estados nacionais e com o desenvolvimento das codificações, que se afirmou a forma e o monopólio estatal da produção jurídica, ou seja, o princípio de que são jurídicas todas e somente as normas produzidas pelo Estado[61].

Não nos resta dúvida que a positivação ou estatização do direito representou um enorme progresso em nossa civilização, tanto no plano político como no plano jurídico.

Em função do aprimoramento dos conceitos de validade e vigência, a norma qual vierem ser incompatível com esses conceitos estaria expurgada do ordenamento jurídico, revogada em função de sua incompatibilidade não com os direitos formais, mas com a materialidade dos direitos fundamentais.

  1. Uma filosofia da política

            Na primeira significação da palavra garantismo, menciona um modelo de ordenamento dotado de meios de invalidação de cada exercício de poder em contraste com normas superiores postas para tutela de direitos fundamentais, e no segundo designa uma teoria jurídica que permite a crítica e a perda da legitimação desde o interior das normas vigentes invalidas, no terceiro significado, mostra uma doutrina filosófico-política que permite a crítica e a perda da legitimação deste o exterior das instituições jurídicas positivas, baseadas na rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre ponto de vista jurídico ou interno e ponto de vista ético-político ou externo ao ordenamento.[62]

            Trata-se de pressupor que as questões morais não podem ser resolvidas pelo recurso a noções jusnaturalista ou de objetividade valorativa, como queiram os racionalistas modernos, tem-se agora de fundar a moralidade num discurso lógico, livre de coação e baseado na sinceridade.[63]

Podemos neste ponto caracterizar politicamente o Estado de direito como o modelo de ordenamento justificado ou fundado por escopos inteiramente externos, declarados habitualmente de forma normativa, mas sempre incompletamente, nas suas constituições ou normas ou cartas fundamentais.

            No entanto Nessa terceira acepção, a filosofia da política impõe ao Estado uma justificação externa de modo que suas normas estejam de acordo ou conforme com os padrões garantidores que constitui a finalidade das três acepções.

  1. Um novo processo Penal sob a égide de uma principiológica constitucional

            O modelo penal garantista, recebido na constituição como um parâmetro de racionalidade, de justiça e de legitimidade da intervenção punitiva, é, na prática, largamente desatendido, seja ao considerar a legislação penal ordinária, seja ao se considerar a jurisdição, o pior ainda, as práticas administrativas e policialescas. 

            A orientação que, há poucos anos, vem sob nome de garantismo, nasceu no campo penal como uma resposta ao desenvolvimento crescente de tal diversidade e também às culturas jurídicas e políticas que o têm jogado numa mesma vala, ocultando e alimentando, quase sempre em nome da defesa do Estado de direito e do ordenamento democrático[64]

            O grau de garantismo no sistema penal brasileiro é decididamente acentuado, caso levássemos em conta todos os princípios constitucionais que tutela a vida e a liberdade, acrescentando a possibilidade de recepção de normas de tratados ou convenções internacionais, que reza sobre direitos humanos, com força normativa constitucional. Conquanto, é baixíssimo o nível de sua prática efetiva[65]

            Nos Estados modernos constitucionais, o positivismo tem incorporado grande parte dos conteúdos ou valores de justiça elaborados pelo jusnaturalismo racionalista e iluminista: o princípio da igualdade, o do valor da pessoa humana, dos direitos civis e políticos, quase todas as garantias penais e processuais de liberdade e de certeza. Todos esses princípios foram consagrados nas modernas constituições na forma de princípios normativos fundamentais que contêm limitações ou imperativos negativos, ou também positivos, como os expressados pelos chamados direitos sociais ou matérias (ao trabalho, à saúde, à subsistência, à educação etc.), e os destinatários são todos legisladores e demais poderes públicos. O fundamento político ou externo do moderno Estado de direito tem, com efeito, a função de garantia dos direitos fundamentais mediante a sanção de anulabilidade dos atos inválidos: das leis, por violação das normas constitucionais; dos atos administrativos e decisões judiciais, por violação das leis constitucionalmente válidas[66]

            A novidade representada pela constitucionalização dos princípios de direito natural no direito positivo, consiste apenas em que este se transformou numa estrutura complexa, que compartilha tanto a dimensão do ser como a do deve ser. 

            O que acontece é que entre as normas acerca da produção de normas, o moderno Estado constitucional de direito tem introduzido múltiplos princípios ético-políticos ou de justiça que impõem valoração ético-política das normas produzidas e atuam como parâmetros ou critérios de legitimidade e ilegitimidade não mais externos ou jusnaturalistas, senão internos ou positivistas.

O passado recente revelou que nos velhos Estados absolutistas e atualmente em muitos dos modernos Estados totalitários as normas acerca da produção de normas, que estão no vértice do ordenamento, limitam-se de fato a conferir ao poder soberano o poder de legislar. Nesses ordenamentos é conferido ao soberano o poder de ditar as regras legais, podendo ter como escopo a vida e a liberdade, podendo ser injustas ou contrárias a vontade geral, mas são válidas devido ao processo legal de criação. 

            Américo Bêde Júnir e Gustavo Senna apontam um dilema existencial do processo penal: a efetividade da coerção penal e a proteção aos direitos fundamentais, sendo que para se obter uma maior efetividade daquele, é necessário a limitação destes. Segundo estes mesmos autores ampliá-los importa inviabilizar a efetividade da coerção[67].

            Daí surge uma necessidade do dever de harmonizar os valores de modo que eles sejam protegidos ao máximo. Devido a constante relação de tensão entre os princípios e as regras do ordenamento constitucional, em especial aqueles dispositivo que protegem os cidadãos e aqueles que balizam os poderes do Estado[68].

            A uma necessidade de que haja mais racionalidade no processo, para evitar a burocratização dos atos judiciais no que nefasta o princípio da celeridade.     

Louvável é o entendimento Antônio Scarance Fernandes, quando defende que a tal eficiência não estar entrelaçada a ideia quantitativa de números de condenados. Será eficiente o processo que em tempo razoável, permitir atingir-se um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do processo legal[69].

            A especificidade do moderno Estado constitucional de direito está precisamente no fato de que as condições de validade estabelecidas por suas leis fundamentais incorporam não só requisitos de regularidade formal, se não condições de justiça material. Esses traços substanciais de validade, inexplicavelmente ignorado pela maior parte das definições juspositivistas de direito válido, seja normativistas ou realistas, têm uma relevância bem maior do que a dos meramente formais. A maior parte das objeções ou das declarações de ilegitimidade ou de invalidade de uma lei, uma sentença ou um ato administrativo de fato nada tem que ver com defeitos formais, senão com defeitos substancias. E contam-se nos dedos as objeções e declarações de inconstitucionalidade de leis que censuram vícios de forma, como a incompetência do órgão que legisla ou as violações de procedimento. O mesmo pode-se dizer, se bem que em menor medida, das decisões judiciais e administrativas quase sempre impugnadas ou reformadas por motivos que têm a ver com o conteúdo da decisão e raramente com simples defeitos de forma[70].

            As garantias processuais expressa nas modernas constituições satisfazem preceitos substâncias de quando e como punir. Desse modo, garantias de quando e como julgar, entrelaça a correlação funcional, tanto das garantias penais como das garantias processuais, valendo não apenas por si individualmente, mas também como garantia recíproca de efetividade.

            O nexo entre sistema de garantias penais e o sistema de garantias processuais se manifesta na perfeita correspondência da alternativa entre o modelo processual garantista ou estrita submissão a jurisdição, que é chamado cognitivo e, o modelo processual substancialista, que pode se chamar decisionismo. O primeiro desses modelos é de fato aquele orientado à busca de uma verdade processual empiricamente controlável e controlada. O segundo é orientado à busca de uma verdade substancial e abrange, fundada essencialmente em valorações[71].

            Do mesmo modo, é claro que os dois tipos de processo penal correspondem um ao modelo de direito penal mínimo, e o outro ao direito penal máximo. De fato, as garantias processuais que circundam a busca da verdade processual no processo cognitivo asseguram a obtenção de uma verdade mínima em obediência aos pressupostos da sanção, mas também garantida, graças ao caráter empírico e determinado das hipóteses acusatórias, por cânones de conhecimento como presunção de não culpabilidade até a prova em contrário, o ônus da prova a cargo da acusação, o princípio in dúbio pro reo, a publicidade do procedimento probatório, o contraditório e o direito de defesa mediante refutação da acusação.

            Ao contrário o processo decisionista, e tipicamente o inquisitivo, assenta-se em todos os casos na busca da verdade substancial, que por isso se configura como uma verdade máxima, perseguida sem qualquer limite normativo aos meios de aquisição das provas[72] e ao mesmo tempo não vinculada, mas discricionária, no mínimo porque a indeterminação das hipóteses de acusação e o seu caráter avaliativo exigem, mais que provas, juízos de valor não contestáveis pela defesa[73].

            Nesse segundo modelo a finalidade, de se obter a verdade qualquer que seja, justifica os meios, independente dos procedimentos acolhidos; enquanto no primeiro modelo é o fim que é legitimado pelos meios, porque é fundado ou garantido por vínculos representados.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Como anunciado no início, no presente trabalho, procurou-se delinear os aspecto da ideia do direito penal máximo, como uma possibilidade de redução da violência, nesse mesmo trilho permeou-se a verificar as origens criminológicas do direito penal do inimigo. A prevenção geral possibilita a certeza de que a pena assume a forma de uma ameaça aqueles transgressores das normas.      

            Esta situação, açodada por interesses jamais complementarmente esclarecidos, é o que leva à política de tolerância zero, que se expande ao redor do mundo. Pois aqui a norma fundamental a ser obedecida é produto dos detentores do poder, que utiliza o poder da coerção para mera proteção de seus interesses.

            Seria prematuro afirmar que esse Direito Penal legitimado trará a tão necessária redução da criminalidade, mas no momento que cobrimos com o manto da Constituição, deste já teremos a possibilidade de menos injustiça e sequelas, como já demonstradas ao longo dos tempos, onde a política criminal foi utilizada de maneira irracional, como elemento pacificador e organizacional dos distúrbios sociais. 

            Por outro lado, as políticas criminais de interferência mínima correspondem ao grau máximo de tutela de liberdade do cidadão frente ao arbítrio punitivo estatal, transformando em um direito penal racional e correto.

            Além de apontar a ideia de seleção dos bens jurídicos extremamente protegidos, fez-se necessário demonstrar a importância da legalidade estrita, sendo uma técnica legislativa destinada a excluir os arbítrios das convenções penais referido diretamente às pessoas. Daí deriva um modelo teórico normativo do processo penal como modelo de cognição ou de comprovação.

            Passou-se então a uma análise critica destas propostas, tendo como pano de fundo a ideia de que a política criminal do terror, implantada no Brasil, visa atingir a criminalidade de massa, gerando resultados obviamente pífios, dados que não se podem alterar os índices de criminalidade a golpes de Direito penal.

            Assim a ideia de eficiência do processo não estará ligado aos números de pessoas presas, sendo eficiente quando no menor intervalo de tempo, atingir o maior resultado justo.

            Ancorado na ideia de busca de um modelo de direito penal ideal, que seja utilizado como última razão, quando esgotarem todos os outros meios de suprir e reparar a falta cometida. Reside também na busca de criminalizar o mesmo motivo para a mesma conduta, incursa na mesma disposição normativa punitiva, sem fazer distinção objetiva do destinatário.

            Finalmente, não é limitando os direitos fundamentais individuas que realizará eficazmente a pretensão punitiva estatal. Mas sim, será possível quando houver eficiência e razoabilidade  em sua aplicação.

            Desta forma, o propósito deste trabalho é assegurar a todos os indivíduos, independentemente de classe social, as garantias do processo legal. Sem radicalismo, e sempre norteado a busca da ética e respeito ao conteúdo mínimo, protegendo a liberdade jurídica do cidadão amparada pelos mandamentos constitucionais garantista.
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Sobre o autor
Givaldo Santos da Costa

Advogado Militante. Professor no CFO/CEFAP PM AL. Faculdade Raimundo Marinho, curso de Serviço Social. Graduado pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado pela Universidade Anhanguera - Uniderp.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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