Estudo da legitimidade segundo as teorias de Weber, Kelsen e Habermas e a contextualização no sistema jurídico brasileiro

06/01/2015 às 00:06
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O presente estudo visa estudar o tema da legitimidade, naturalmente polêmico e atual, em variadas áreas do conhecimento, como em Teoria Geral do Direito, em Ciência Política, em Sociologia Jurídica e em Filosofia do Direito.


Resumo: O presente estudo visa estudar o tema da legitimidade, naturalmente polêmico e atual, em variadas áreas do conhecimento, como em Teoria Geral do Direito, em Ciência Política, em Sociologia Jurídica e em Filosofia do Direito. Nessa linha, a análise que se fará consiste em avaliar a legitimação sob as óticas de Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas, em diferentes e interessantes pontos de vista. Por derradeiro, o artigo em tela contextualizará o assunto com sua abordagem no direito constitucional brasileiro.

Palavras-chave: legitimidade. Weber. Kelsen. Habermas. Brasil

Abstract: This study aims to study the issue of legitimacy, of course controversial and current, at different areas of knowledge, as in General Theory of Law in Political Science in Legal Sociology and Philosophy of Law. Along these lines, analysis will be done is to assess the legitimacy from the perspective of Max Weber, Hans Kelsen and Jürgen Habermas, in different and interesting views. For the last, the article on screen will contextualize it with its approach in the Brazilian constitutional law.

Keywords: legitimacy. Weber. Kelsen. Habermas. Brazil

Sumário: Introdução. 1. Análise geral do tema legitimação. 2. Estudo da legitimidade segundo as teorias de Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas. 3. O tratamento conferido à legitimidade do poder pelo sistema jurídico brasileiro. Conclusão. Referências.

Introdução

A análise a ser feita nos itens abaixo visa basicamente estudar o tema legitimidade, que desperta muito interesse e é objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento.

Particularmente sobre o direito como um sistema de legitimação, trata-se de matéria muito complexa, abordada por diferentes estudiosos, ao longo dos anos, sob diferentes enfoques. Para exemplificar esse cenário, o assunto será abordado sob os pontos de vista dos célebres Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas.

Note-se que o tema ganhou maior destaque há poucos anos, com a promulgação do texto constitucional da República Federativa do Brasil em 1988 e, mais recentemente, foi muito abordado e discutido com o polêmico e concorrido cenário da disputa presidencial.

Ao final da exposição geral, far-se-á uma breve contextualização do tema legitimidade com dispositivos da vigente Carta Brasileira.


1. Análise geral do tema legitimação:

Na atualidade, partimos muitas vezes de verdades preconcebidas, imutáveis. Entretanto, em certos casos, por trás dessas concepções se encontram meios de dominação social, política e cultural, notadamente para discentes do Direito que são importantes formas de propagar a violência simbólica embutida ou camuflada no ensino-aprendizagem do Direito.

A propósito, mister frisar que a maior eficácia jurídica pode significar um aprofundamento da dominação invisível em curso, através da qual se tem que a sociedade atual apenas necessita de ajustes e reformas, não de efetivas transformações.

O Direito não pode se estudado sem apoio das Ciências Sociais. Isso porque ele existe em sociedade e as relações sociais sempre ocorrem em determinado contexto histórico e social, ou seja, são situadas.

Nesse cenário, a professora Enéa de Stutz e Almeida José Bittencourt Filho ensina que o Direito por si mesmo constitui um sistema de legitimação, eis que cria um efeito de obediência consentida naqueles cuja liberdade será limitada pelas normas. Ou seja, o Direito se trata do instrumento por excelência do controle social formal e estatal. Nada obstante, o Direito também precisa de consenso em torno de sua obrigatoriedade, que provém de um complexo de crenças, disseminadas pela tradição e por outras matrizes de dominação consentida.

Nesse diapasão, cabe notar que, nas sociedades ocidentais, na segunda metade do século XX, aludida tradição sofreu profundas transformações, ao ceder espaço para o progresso ou desenvolvimento, numa visão do “modelo” atual como única meta da evolução humana, modelo supostamente universal, um “horizonte” a ser adotado por todas nações, inclusive por meio da força, se preciso.

Em sendo assim, tem-se a violência simbólica como a cristalização de valores, conceitos e ideias aceitos e consentidos, muitas vezes até quando se sabe que ela encobre e sustenta a violência física.

Ora, essa mundividência como algo indiscutível e acrítico, “aceito” pelos indivíduos, propicia as condições para a reprodução da estrutura social. Por decorrência, legitimam-se as relações de poder vigente.

Assim, o Direito usa da violência simbólica para impor sutilmente significações e se tornar uma forma de legitimação social, abstrata e genérica, adstrita a objetivos social, político e econômico, e à globalização e ao neoliberalismo. 

Por outro lado, numa perspectiva sociológica do Direito, o Direito pode ser considerado não apenas como um fenômeno jurídico no interior dos processos sociais, como também um fenômeno capaz de produzir valores, símbolos e discursos que lhe são próprios, num espaço social em si mesmo.

Logo, conclui a discente Enéa de Stutz e Almeida José Bittencourt Filho que, para as Ciências Sociais, é imprescindível a ruptura, a descontinuidade e não apenas o aperfeiçoamento do que existe. Ademais, o passado é de grande importância, por significar um arranjo ou combinação de elementos herdados, dentro de muitas configurações possíveis.


2. Estudo da legitimidade sob as teorias de WEBER, KELSEN e HABERMAS:

Como já adiantado, o termo legitimidade é objeto de estudos em diversas áreas do conhecimento, a saber, na Teoria Geral do Direito, em Ciência Política, em Sociologia Jurídica e em Filosofia do Direito.

Sobre o tema da legitimação, José Renato Gaziero  o analisa sob as abordagens de Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas.

Nesse contexto, Weber, partindo do pressuposto do conceito de legitimidade para diferenciar os tipos puros de dominação política, identifica 03 (três) possíveis fundamentos para tanto, que são 1) o racional, com a crença na legalidade, 2) o tradicional, baseado na crença, na tradição e, por fim, 3) o carismático, que tem a legitimidade como a crença em qualidades especiais de uma pessoa.

No primeiro modelo de legitimidade/dominação (racional), Weber aponta como o elemento que justifica a estabilidade da dominação social nos dias hodiernos, porque a legalidade, com a positivação do direito e amparada por um quadro administrativo predominantemente burocrático, permite legitimar uma forma de dominação política e social. Por sua vez, o procedimento jurídico formal próprio permite saber o que é e o que não é legal e, assim, legitimidade e legalidade estão diretamente associadas, independentemente de qualquer elemento externo.

Na teoria da dominação racional de Max Weber, a legalidade justificaria a dominação do direito nas sociedades jurídicas modernas, de forma autônoma, eis que se funda no procedimento formal de produção e alteração das normas jurídicas.

Com essa premissa weberiana, muitos doutrinadores foram por ela influenciados. Cite-se primeiramente Hans Kelsen, que, em breve síntese, confunde legalidade com legitimidade, quando afirma que as normas são legais e legítimas se obedecem ao procedimento determinado pelo ordenamento jurídico; cada norma tem o fundamento de validade em outra norma, até se chegar à norma fundamental, a Grundnorm, que será a Constituição original, fundamento de validade de todas as demais.

Nesse sentido, Kelsen, por meio de sua famosa obra “Teoria Pura do Direito”, buscou desenvolver uma teoria jurídica abstrata, que levar ao extremo a dominação racional proposta por Weber. Para Kelsen, também interessa o procedimento de produção de uma norma jurídica, de tal modo que tudo que é legal é também legítimo. A norma fundamental é o fundamento de validade de todas as demais normas. Essa análise é para um governo estável; em situação oposta, em caso de alteração da ordem, altera-se a norma fundamental e o fator de legitimação é a efetividade do novo governo.

Na linha de Weber, também se encontra o modernista Jürgen Habermas, com uma visão diferente da legitimidade de uma norma, posto que refuta a relação intensa entre legalidade e legitimidade. O estudioso busca outro fundamento da legitimidade, que é a moral, de modo a afirmar que a fundamentação da autoridade do direito se daria devido a este entrelaçamento entre direito, política e moral.

Habermas faz uma mudança importante de paradigma, pois deixa de analisar somente a relação entre sujeito e objeto, para abordar a relação intersubjetiva como base da racionalidade. Assim, defende que a intersubjetividade é a base de uma sociedade racional.

Veja-se, portanto, que Habermas introduz uma visão mais ampla do fenômeno, sem vícios positivistas. Para o filósofo contemporâneo, o fundamento do direito só pode estar na sua relação com a moral, convencional, autônoma, que apresenta uma racionalidade própria e considera o direito um sistema aberto, profundamente afetado pela política e por questões procedimentais de cunho moral e sujeito a uma crítica racional por meio da teoria do discurso .

Em síntese, Habermas entende haver uma profunda conexão entre política, direito e moral, que introduz elementos na legitimidade que os positivistas julgavam excluídos, e enfatiza questões como a justiça, voltada à imparcialidade, a democracia e a autonomia do direito.

Nessa seara, para Habermas, a legitimidade depende da legalidade, do direito discursivo e do poder democrático institucionalizado.

A respeito, ensina José Renato Gaziero Cella  que:

“Para que essa ordem tenha validade social e seja efetivamente legítima ela precisa ter elaborado as suas leis (constituição, legislação comum); as normas de sua aplicação (administração pública); e as formas de seu controle (judiciário), pelas vias argumentativas que caracterizem os discursos teóricos, éticos e práticos.”

Ainda, exemplifica o professor que, na visão habermasiana, o nazismo alemão careceria de legitimidade, mas, no sentido weberiano, tratar-se-ia de uma ordem legítima, pois a maioria dos alemães aderiram ao regime de Hitler, segundo o procedimento preestabelecido para a produção de leis.

Nesses termos, uma ordem social só será válida, se além de factual (legal e legítima), suas normas e leis forem produzidas pela democracia, com a participação de governantes e governados, mediante obediência a critérios democráticos, aos princípios discursivos e racionais exigidos para se constituir uma ordem normativa.

Portanto, segundo a teoria preconizada por Habermas, essa ordem será válida se suas normas, do ponto de vista moral e racional, forem consideradas justas e corretas para todos e por todos, sem excluir minorias e suas opiniões, sob pena de se haver uma ditadura da maioria.

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Por conseguinte, uma sociedade que seja fruto de estratégias particulares não terá atingido sua própria racionalidade, porque é imprescindível que uma decisão seja coletiva, produzida no bojo do discurso e da razão argumentativa.

A respeito, assim sintetiza o professor Miroslav Milovic : “Somente aquelas normas que são válidas é que podem ser universalizadas.”

3. O tratamento conferido à legitimidade do poder pelo sistema jurídico brasileiro:

Contextualizando o texto em questão com meu trabalho desenvolvido junto à Procuradoria-Geral Federal (PGF), na defesa de Autarquias e Fundações Públicas Federais, há diversas ocasiões em que constato o intuito habermasiano de legitimidade e racionalidade do poder.

Vejamos. A Constituição Federal de 1988 (CF), fruto de uma Constituinte pós-ditadura, veio no bojo da redemocratização brasileira e busca proteger diversos bens supraindividuais, além daqueles interesses privatísticos outrora tão vangloriados. A República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CF) e como objetivos prega construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º da CF).

Nesse contexto, uma das Fundações tuteladas pela PGF é a Fundação Cultural Palmares (FCP), a qual visa defender os interesses das comunidades descendentes de quilombolas e das terras que historicamente ocupam, através dos meios necessários para o resgate dos valores e para a sobrevivência das comunidades negras. A nossa Carta Magna prevê que é obrigação do Estado brasileiro proteger o patrimônio histórico-cultural e é enfática ao afirmar que as manifestações culturais afrobrasileiras participam do nosso processo civilizatório (§ 1º do artigo 215 da CF).

Em outra tentativa de inserir pessoas historicamente mais frágeis e suscetíveis no discurso democrático, tem-se a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), instituída com o fim de proteger a organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e territórios indígenas, com fulcro no artigo 231 e parágrafos 1º e 2º.

Sobremais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é uma Autarquia que age no incentivo da pequena e média propriedade e promove a desapropriação de grandes propriedades improdutivas, a fim de assegurar uma distribuição equânime de terras e a primazia do trabalho em face da especulação e do latifúndio ou minifúndio prejudiciais ao desenvolvimento e à função social da propriedade, nos termos dos artigos 184 e 185 da CF.

Ainda no discurso habermasiano, há de se salientar as hipóteses em que a própria CF garante o exercício direto da democracia, mediante o ajuizamento de ações populares ou apresentação de projetos de leis ou de emendas constitucionais, além da eleição de seus representantes. Outra hipótese interessante se dá quando, em situações delicadas, debatidas nas Cortes Superiores, como o aborto de anencéfalos, abre-se a oportunidade de audiências públicas.
Destarte, a CF e as diversas leis no Brasil buscam garantir a todos cidadãos, por diversos meios, alguns mais ativos, outros nem tanto, o direito de ouvir e de ser ouvido, de questionar, de debater, de ter protegido, direta ou indiretamente, os interesses supraindividuais de grupos, comunidades, na busca de uma sociedade justa, fraterna e solidária, ao menos mais substancialmente igual.

Para finalizar, cabe ao governante, que busca não só cumprir a lei, mas sim se manter no poder, pelo regular mandato eleitoral, conferir primazia ao discurso e aos mecanismos de sua sua expressão, para a efetiva participação popular, dos cidadãos brasileiros, em busca de um País mais estável interna e externamente e certamente mais preocupado em minimizar desigualdades sociais e regionais e garantir o desenvolvimento econômico, social e cultural do País, como, aliás, reza os ditames da Carta de 1988. Ou seja, para um governo ser legítimo não basta seguir as leis, é preciso o apoio das massas, a satisfação popular, a preocupação em “ouvir” efetivamente a população e buscar concretizar seus anseios.

Destarte, o discurso é um grande elemento para assegurar a participação de todos no processo democrático e garante legitimidade ao governante e estabilidade social, política e econômica ao nosso País.

Conclusão.

O estudo que ora se encerra abordou o tema legitimidade sob 03 (três) diferentes posições, a saber, de Max Weber, Hans Kelsen e Jürgen Habermas.

Após, buscou-se contextualizar o assunto com o cenário existente no Brasil, mormente no ordenamento jurídico pátrio após promulgação da Constituição em 1988 e, mais recentemente, correlacioná-lo brevemente com o polêmico e concorrido cenário da disputa presidencial.

Como se expôs, em consonância com a teoria habermasiana, para um governo manter sua legitimidade é demasiadamente importante que valorize o cumprimento das normas, o diálogo, a participação das massas, minoriais e maiorias, e, claro, que não se esqueça do discurso como um forte elemento para assegurar a participação de todos no processo democrático e garantir legitimidade ao governante e estabilidade social, política e econômica ao nosso País.

Referências.

BARBOSA, Evandro. O problema da legitimidade do direito em Kant e Habermas. Disponível no link http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/Oproblemadalegitimidade.pdf

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de Outubro de 1988. Legislação. [Brasília]. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 28 de dezembro de 2014;

CELLA, José Renato Gaziero. Weber, Kelsen, Habermas e o problema da legitimidade. Disponível no link http://pucpr-br.academia.edu/Jos%C3%A9RenatoGazieroCella/Papers/559952/WEBER_KELSEN_HABERMAS_EO_PROBLEMA_DA_LEGITIMIDADE;
CELLA, José Renato Gaziero. A Crítica de Habermas para a ideia de legitimidade em Weber e Kelsen. Em: <http://www.cella.com.br/conteudo/Habermas-IVR-01.pdf>. Acesso em: 04 de novembro de 2012, p. 23.

CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL. Disponível em www.cjf.jus.br. Acesso em 28 de dezembro de 2014;

DA CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 7ª edição. São Paulo: Dialética, 2009;

DIDIER JÚNIOR, Fredie, SARNO, Paula, OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 2ª edição. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2008;

MILOVIC, Miroslav. Emancipação com reflexão: Habermas, p. 04.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 28 de dezembro de 2014;

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Sobre a autora
Graziele Mariete Buzanello

Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (2002-2006). Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp (Rede LFG) (2010). Pós Graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB/CEAD) (2014). Procuradora Federal (desde 2007).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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