A Hisba é um aparato policial, judicial e vigilante dos costumes impostos pelo Estado Islâmico (EI). Nas áreas controladas pelo EI, patrulhas de quatro “policiais” aplicam penas severas, como açoite, apedrejamento, amputação de membros ou a pena de morte. Alternam vigilância (inteligência) com punição severa. A Hisba congrega poderes de um Judiciário com um tipo de polícia secreta (de costumes). Além da semelhança com outros tipos de Estado de Exceção, observa-se que o padrão civilizatório é inversamente proporcional ao número de leis. Quanto mais leis, mais baixo o nível.
Em outro exemplo – de paralelo com a fórmula vazia do Estado de Direito –, na Tanzânia, os albinos são caçados até à morte. O costume local, a cultura que aprisiona o direito, permite o democídio (uma variante interna do genocídio) sem que haja imputação de crime. Pode-se matar à vontade os albinos, sem que se considere crime de homicídio.
Na Roma antiga se matava livremente o chamado Homo sacer. Apesar de ser “homem sacro”, esta modalidade moral/legal de indivíduos não os qualificava nem mesmo para os sacrifícios. Eram mortos como se estoura um saco de papel cheio. Em comemoração e sem receio da consciência.
No antigo direito germânico, o rebelado (ius rebelli) era condenado à “perda da paz”. Se fosse condenado por ações contra o público – diferentemente das penas da vida privada, como o roubo –, o sujeito era banido do grupo (habitare inter homines). Sozinho, na densa Floresta Negra, estava condenado à morte por penúria. Similar ao lobo [homo qui per silvas vadit] e inimigo dos homens, qualquer um poderia matá-lo.
Na Idade Média, Torquemadas católicos eram treinados para prolongar a vida dos torturados; quando tinham as vísceras expostas, a fim de que o inimigo do povo e de Deus pudesse ver do que era feito. O filósofo John Locke, guru do liberalismo e do protestantismo, recomendava cortar as orelhas daqueles que se apropriassem indevidamente das posses de outrem.
Os nazistas desumanizavam seus inimigos para persegui-los com a morte. Judeus, comunistas, ciganos, deficientes físicos e outros eram “legalmente” considerados como inimigos de Estado e prontos para o abate. Também serviam para pesquisas, como se faz com ratos. Mulheres grávidas tinham as pernas amarradas, para saber quanto tempo sobreviveriam sem passar pelo parto.
Nos EUA, principalmente, a pena de morte passou por uma “evolução” sistêmica: enforcamento, fuzilamento, cadeira elétrica, câmara de gás e, agora, injeção letal. Ou seja, deseja-se a eliminação física do infrator, mas coroa-se com a humanização dos procedimentos. Mudam-se os meios, porém, o fim é o mesmo.
Sempre há uma irresistível comparação com o Brasil: há necessidade de se criar um marco legal e importar “um” sentido de lei e de ordem. Se não há legitimidade, é preciso impor a força. Criam-se aparências e justificativas. Viceja um direito inconsistente e arbitrário. As práticas truculentas (do aparato repressivo do Estado), os castigos legais desiguais (o direito que só prende os pobres) e a brutalidade (a exemplo dos presídios-masmorras) convencem os detratores. Por isso, na base da “lei pela lei”, o Estado de Direito é uma fórmula vazia.