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Guarda compartilhada

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01/11/2002 às 00:00
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4 GUARDA

4.1 Comparação da evolução da guarda com a evolução da sociedade

Ao longo das décadas, tanto a sociedade como o instituto da guarda vêem passando por inúmeras modificações. Porém, é pertinente ressaltar que a guarda não conseguiu acompanhar o desenvolvimento da sociedade, e, para detectarmos aonde se estagnou tal instituto e qual o rumo que deve tomar para lograr novamente os anseios da sociedade, é necessário regredirmos algumas décadas.

Portanto, voltando um pouco na história do Brasil, encontramos mais precisamente na década de 30 e 40 uma sociedade que privilegiava a figura do homem, no qual no deferimento da guarda após a ruptura conjugal sempre tendenciava para esse grupo, já que este era o único que detinha um poder econômico na sociedade, estando assim, o deferimento da guarda sempre ligado ao interesse financeiro.

Esse contexto perdurou até a revolução industrial, aonde mais uma vez ocorreu uma profunda modificação nos valores da sociedade, invertendo certos valores e atribuindo a figura materna o encargo de gerir a vida do menor após o fim da família, porque passou-se a entender que esse grupo era que detinha maiores aptidões para essa tarefa, além de que o homem se encontrava no trabalho praticamente o dia todo.

Até a metade do século 20, os valores da sociedade não reclamavam tanto por uma modificação no deferimento da guarda, visto que poucas mulheres se arriscavam no mercado de trabalho.

Porém, a partir da metade do século 20, começou novamente a surgir uma modificação no quadro social e econômico da sociedade, e, que podemos considerar como o momento em que o instituto da guarda se estagnou, não acompanhando a evolução da sociedade, porque nessa época eclodiu com uma grande força o reingresso para uns ou para outros o verdadeiro começo da mulher no mercado de trabalho.

A partir desse momento até os dias atuais a sociedade não parou de evoluir, de modificar seus valores e costumes, passando a figura materna a ganhar grande destaque na sociedade, conseguindo laborar em todas as áreas, não mais se encontrando como aquela figura frágil ao qual era rotulada.

Portanto, atualmente no século XXI, com todas essas mudanças de valores, a figura paterna começou a reassumir gradativamente uma responsabilidade diante do lar, tendo um desejo de se relacionar melhor e mais tempo com seus filhos, almejando urgentemente por uma nova mudança no instituto da guarda, em que tanto a mãe quanto o pai possam se relacionar com o seu filho.

Com essa modificação de valores, surge consequentemente um anseio por mudanças, que esta cada vez mais forte na sociedade em virtude principalmente do nítido desequilíbrio que existe nas relações parentais, uma vez que na maioria dos casos de ruptura conjugal é a figura materna que permanece com a guarda dos filhos, contrariando consequentemente uma das maiores tendências que vem se manifestando no século XXI, ou seja, o principio de igualdade.

Apesar de todos percebermos essa balança favorável para a figura materna, é importante relembrarmos que esse modelo de guarda não é o único possível no nosso ordenamento jurídico, mas nossos tribunais insistem em continuar com a mesma visão retrogna de décadas atrás, deferindo somente o modelo da guarda única.

Dessa maneira, entendermos que esse modelo de guarda utilizado nos tribunais não mais acolhe os anseios da sociedade, uma vez que se encontra ineficaz para a nossa realidade cotidiana, já que a mulher assumiu uma posição no mercado de trabalho e o homem reassumiu seus valores paternais.

Depois dessa analise, SMJ, o rumo mais adequado para que o instituto da guarda possa alcançar o ritmo da sociedade, é que os tribunais antes de deferirem a guarda única possam tentar primeiramente a guarda compartilhada, que será mais a frente estudado.

4.2 Definição de guarda

A expressão guarda deriva do alemão wargem, do inglês warden e do francês garde, podendo ser interpretado de uma forma genérica para expressar vigilância, proteção, segurança, um direito-dever que os pais ou um dos pais estão incumbidos de exercer em favor de seus filhos.

A expressão guarda, instituto altamente ligado ao pátrio poder, conforme se vê pelos art. 384, II do CC e 21 e 22 do ECA, nos remete a uma forte idéia de posse do menor, em virtude do art. 33, § 1º do ECA.

Apesar da difícil missão de conceituar a expressão guarda, podemos citar dois conceitos que chegam próximos ao melhor entendimento da expressão.

Segundo a definição de José Antônio de Paula Neto, a guarda trata-se de um " direito consistente na posse de menor oponível a terceiros e que acarreta deveres de vigilância em relação a este." 11

Para Waldyr Grisard Filho, a guarda é definida como " um direito-dever natural e originário dos pais, que consiste na convivência com seus filhos, previsto no art. 384, II, do CC e é o pressuposto que possibilita o exercício de todas as funções paternas." 12

Portanto, a guarda íntegra o conjunto de deveres que o ordenamento jurídico impõe aos pais em relação as pessoas e bens dos filhos.

A doutrina ainda faz uma distinção entre a guarda jurídica e a guarda física. A primeira refere-se as relações de carater pessoalque surgem do pátrio poder, como o sustento, educação, respeito e honra, enquanto a Segunda caracteriza-se pela idéia de posse, custódia.

4.3 Modalidades de guarda

Com o vinculo matrimonial ou a união estável e a decorrência da maternidade e paternidade surge o primeiro modelo de guarda, conhecido como guarda comum ou originária, o qual não é judicial, mas sim natural, em que ambos os cônjuges exercem plenamente todos os poderes inerentes do pátrio poder, consequentemente a guarda, não existindo portanto a figura do não guardião.

Com a cisão da família, ocorre o surgimento da guarda judicial, em que a guarda será deferida conforme a regra que melhor interessa para o menor, podendo dessa forma o magistrado seguir cinco rumos na sua decisão final: optar pela guarda única, compartilhada, alternada, dividida ou nidação.

Com a interposição de um processo de guarda/separação/divorcio, e o surgimento de uma "disputa" pela posse do menor o juiz antes de decidir o mérito da ação, é obrigado a determinar a guarda provisória para um dos cônjuges/parceiros, essa a qual não pode ser considerada um modelo de guarda, mas sim uma situação momentânea em que o menor está, uma vez que quando a ação for julgado no seu mérito, ocorrerá a guarda definitiva, que também não é um modelo de guarda, porque a guarda definitiva terá que adotar um dos cinco modelos de guarda pós-ruptura conjugal: guarda única, compartilhada ou alternada, dividida ou nidação.

Portanto, a guarda provisória e a definitiva nada mais fazem do que expressar o modelo de guarda que está sendo imposto; imposição esta que pode ser alterada a qualquer tempo, visto que o que regula a guarda é a clausula rebus sic stantibus, não deixando portanto a sentença se tornar imutável.(não faz coisa julgada material)

Apesar de no nosso sistema jurídico vigente não existir um modelo de guarda que o magistrado deva primeiramente adotar, como em algumas legislações alienígenas, o que acaba sempre e insistentemente acontecendo é no caso de ruptura conjugal o magistrado opta pelo deferimento do modelo de guarda única, no qual um dos cônjuges/parceiro será nomeado o guardião, detentor portanto da guarda material, enquanto o outro será considerado como não guardião. Apesar dessa nomenclatura " guardião e não guardião" continuarão ambos a exercerem a guarda jurídica. A diferença no exercício da guarda jurídica é que o guardião tem a imediatividade dessa guarda, ou seja, tem o poder de decisão, em virtude de ter a guarda material, enquanto o não guardião tem o poder de fiscalização, podendo recorrer judicialmente caso entenda que a decisão não seja o melhor para o seu filho.

Assim, o não guardião exercerá a guarda jurídica, mesmo que de uma forma indireta, através dessa fixação de visitas, aonde poderá constatar (fiscalizar) se o guardião vem corretamente prestando assistência material, moral e educacional a criança ou adolescente.

Caso o magistrado adote o modelo da guarda alternada, estará possibilitando a cada um dos cônjuges/parceiro ter a posse(guarda) do menor de forma alternada, ou seja, o casal determinará o período em que o menor ficará em cada domicilio, período este que pode ser de uma semana, um mês, um ano (...), sendo que os direitos-deveres inerentes da guarda ficarão sempre com o cônjuge que estiver com a posse do menor, cabendo ao outro os direitos inerentes do não guardião, existindo dessa forma sempre uma alternância na guarda jurídica do menor.

Esse modelo de guarda é altamente criticado pelos juristas, uma vez que afirmam que prejudica o menor na formação de sua personalidade, valores e padrões.

A guarda dividida encontra-se como terceiro modelo de guarda, apresentando-se quando o menor vive em um lar fixo, determinado, recebendo a visita periódica do pai ou da mãe que não tem a guarda. É o sistema de visitas, que tem efeito destrutivo sobre o relacionamento entre pais e filhos, uma vez que propicia o afastamento entre eles, lento e gradual, até desaparecer. Ocorrem seguidos desencontros e repetidas separações. São os próprios pais que contestam e procuram novos meios de garantir uma maior participação e mais comprometida na vida de seus filhos.

O penúltimo modelo de guarda existente é a nidação, também conhecida como aninhamento, no qual os pais se revezam mudando-se para a casa onde vivem as crianças em períodos alternados de tempo. Parece ser uma situação irreal e rara, por isso pouco utilizada.

O último tipo de modelo de guarda, mas não o menos importante é a guarda compartilhada, modelo este que será estudado em momento mais oportuno.

4.4 Critérios para determinação da guarda

Como já foi observado, enquanto não houver ruptura conjugal a guarda será exercida por ambos os cônjuges de forma igualitária, através da guarda comum. Porém, a partir do momento que houver a ruptura da família, seja ela qualquer uma das formas de desfazimento conjugal, começará a ocorrer uma "disputa" pela guarda do menor.

Portanto, a partir do término da relação conjugal, os cônjuges terão que resolver qual o melhor modelo de guarda para o filho.

A primeira opção e a menos danosa para o menor, é quando os cônjuges optam por uma decisão consensual, onde eles decidem por meio de um acordo o modelo de guarda que será adotado, seja ela guarda única, compartilhada, alternada, divida ou nidação, mas desde que tal decisão esteja de acordo com o interesse do menor.

A segunda e a mais prejudicial para o menor é quando os cônjuges/parceiros não entram num acordo e acabam resultando em um penoso processo judicial, aonde caberá ao magistrado decidir qual a melhor forma de guarda a ser adotada.

Tanto na primeira quanto na Segunda, a opção do magistrado ao prolatar sua sentença deverá observar certos requisitos para concessão, sendo os mais importantes a idade, o vinculo de irmãos caso existam, a opinião do menor, comportamento dos pais e o interesse do menor.

A idade do menor é um requisito importante a ser observado, visto que enquanto o menor estiver na idade tenra, ou seja; idade que varia do nascimento até aproximadamente 24 meses, já esta confirmado psicologicamente e ratificado através de inúmeras jurisprudências que o melhor para o menor é ficar com a figura materna, em virtude que este depende da mãe de forma absoluta, seja por causa da própria sobrevivência ou por ter maior vinculo com a mãe, como é observado na decisão do tribunal in verbis:

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MENOR - Guarda - Criança de tenra idade - Separação judicial dos pais - Menor há muito tempo sob a guarda do pai - Inexistência de indícios de que tal situação não mais convém à criança - Manutenção do status quo a serviço da proteção psicológica do menino, até a solução das pendências judiciais de seus pais - Decisão mantida - Recurso não provido Em se tratando de guarda de menores, há que se encaminhar os julgamentos basicamente no sentido de garantir-lhes, tanto quanto possível, tranqüilidade e bem estar, devendo prevalecer seus interesses sobre os de seus pais. (Relator: Marco César - Agravo de Instrumento n.º 201.724-1 - São Paulo - 17.02.94) 13

Porém, a guarda ficar com a genitora, não implica no afastamento do genitor, sendo essencial que desde cedo ele tenha o máximo de contato com seu filho.

Outro ponto a se destacar é se existem irmãos no litígio, porque não é considerado aconselhável separar irmãos, já que diminui o vinculo de amizade e o companheirismo que existe entre eles, tendo o objetivo de pelo menos manter junto o pouco que resta da família.

Muito se tem dúvida, se o menor deve ser ouvido ou não na "disputa" da guarda, uma vez que a legislação se omitiu a respeito.

Porém, nos tribunais tais dúvidas já não existem, uma vez que já se tornou frequente o magistrado ouvir a manifestação do menor, evitando assim que ocorram sentenças que fujam da realidade.

Não existe regra que expressa claramente a partir de qual idade será ouvido o menor, e como essa manifestação contará na decisão do magistrado, visto que os pais podem tentar seduzi-los. O que normalmente ocorre é que a partir dos doze anos o menor é juridicamente considerado adolescente, conforme art. 2 da Lei 8.069/90, e se for constatado que esse já possui uma certa maturidade, o juiz certamente levará em conta a sua vontade ao prolatar a sentença.

Antes de decidir quem exercerá a guarda do menor, o magistrado também deverá observar a conduta dos pais, sendo levado em consideração tanto as condições morais, como, idoneidade, ambiente familiar, social, como as condições materiais; ou seja; a sua profissão, renda, habitação, etc.

Dessa forma, quando se ficar comprovado condutas ilegais e imorais dos pais, estes deverão ter suas relações diminuídas ao máximo com o menor.

Contudo, a principal regra, e a que se sobrepõe sobre qualquer outra no deferimento da guarda, é o interesse do menor, regra essa que vem transcrita no art. 13 da Lei 6.515/78.

Assim, o interesse é sempre analisado na forma de que cada caso é um caso, devendo o magistrado toda vez fazer uma avaliação criteriosa dos interesses individuais e concretos que existem no caso sub examine.

Apesar da existência dessa regra geral, a expressão interesse do menor não poder ser conceituada, uma vez que trata-se de um critério subjetivo do juiz. Porém, essa abrangência na nomenclatura atualmente já esta praticamente suprida, visto que o magistrado ao enfocar essa regra na decisão da guarda, deverá obedecer certos requisitos que já estão ratificados em doutrina, como o "desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas relações afetivas e a sua iserção no grupo social," 14bem como em jurisprudência:

Guarda – Menor – Atribuição a mãe, declarada responsável pela separação – Admissibilidade – Observância da regra geral, que condiciona a guarda aos interesses morais e materiais do filho -–Improvimento do recurso – Interpretação dos arts. 10, 12 e 13 da Lei 6.515/78. A regra geral da definição da guarda de menor é a da preservação dos seus interesses morais e materiais, de modo que, se é o que lhes convém, pode ser atribuída ao cônjuge responsável pela separação. (TJSP, AC61.708-4,São Paulo, 18.11.97, Rel. Cezar Peluso) [ grifo é nosso ] 15

Pode-se dessa maneira concluir que o bem estar do menor deve sempre prevalecer em detrimento de qualquer outra circunstância estabelecida entre o pai e a mãe.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Lyrio Peres

acadêmico de Direito do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERES, Luiz Felipe Lyrio. Guarda compartilhada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3533. Acesso em: 23 dez. 2024.

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