O Brasil e o preconceito: uma análise teórica e crítica da Lei nº 7.716/89 frente à realidade brasileira

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09/01/2015 às 16:17

Resumo:


  • A Lei 7.716/89, conhecida como "Lei Antipreconceito", foi criada para combater o racismo e outras formas de discriminação em diversos contextos sociais no Brasil, incluindo acesso a empregos, educação e serviços públicos, baseando-se em características como raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.

  • Apesar de sua importância, a aplicação prática da lei muitas vezes é limitada, com poucos casos efetivamente levando a condenações, o que pode ser atribuído a dificuldades na obtenção de provas e na interpretação de seus dispositivos.

  • Recentemente, tem havido um aumento nas denúncias de racismo, o que pode indicar uma maior conscientização sobre o problema, embora ainda haja muito a ser feito para garantir a efetividade da lei e a igualdade de tratamento entre os cidadãos brasileiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5 DA LEI 7.716 DE 5 DE JANEIRO DE 1989

5.1 DA CRIAÇÃO DA LEI DE CRIMES DE PRECONCEITO DE RAÇA E DE COR

No Brasil é comum que muitas leis surjam a partir do chamado “direito penal de emergência” que seria aquele direito criado “às pressas” para atender a uma necessidade momentânea ou para acalmar os ânimos da população. Esse direito nem sempre acaba tendo efetividade prática ou quando tem, acaba sendo em muitas das vezes uma verdadeira aberração jurídica.

No país, também são frequentes as leis que são criadas a partir de grandes manifestações populares, clamores públicos ou após acontecimentos violentos que chocam a população como um todo ou que tem grande repercussão nacional. Como exemplo desse fato, podemos citar as leis de crimes hediondos e de tortura que foram criadas, respectivamente, após a morte da atriz Daniella Perez e após o caso da favela naval ocorrido em 1997.

Curiosamente, a lei 7.716/89 não foi criada a partir de nenhum clamor público específico ou de alguma tragédia próxima que precedeu à edição da mesma. Na verdade, a “tragédia” ou o fato determinante da criação da lei já ocorria há muito tempo, pois conforme verificado alhures, desde a colonização os negros já eram abusivamente explorados, discriminados e ultrajados e infelizmente a situação nos anos 80 não se encontrava plenamente resolvida e nem muito diferente.

A situação era ainda pior em outros países haja vista que até 1994 na África do Sul, os negros sequer podiam votar. O país, ainda enfrentava as consequências do apartheid[25]que vigorava desde 1948.

Em 1988 o Brasil completava cem anos da Lei Áurea que libertara os escravos no dia 13 de maio de 1888. Foi justamente este centenário que ensejou a criação da lei ora em estudo. Viu-se naquele momento a necessidade de pensar e repensar o Brasil, bem como reavaliar a questão da discriminação no país, a qual tinha (e ainda tem) o negro como maior vítima.

Na justificação apresentada ao projeto de lei 668 de 1988 (projeto este que seria o precursor da Lei 7.716/89), Carlos Alberto Caó[26], deputado responsável pelo esboço inicial, destacava as desigualdades que sofriam os negros, os quais não teriam ainda conquistado a cidadania e embora não fossem mais escravos, não tinham acesso a diferentes planos da vida econômica e política.

Carlos ainda ressaltava que até aquele momento a discriminação racial era tratada como mera contravenção penal a qual não mais surtia efeitos práticos. O país precisava criminalizar o racismo para que seus autores pudessem ser verdadeiramente punidos com penas mais duras, de modo que pudessem sentir as consequências de seus atos.

Apresentado em 11 de maio de 1988, o projeto de lei 668 teve um trâmite rápido, sem grandes modificações do texto original (somente quatro vetos), sendo que sua redação final foi concluída em 15 de setembro de 1988.

Em 5 de janeiro de 1989 foi publicada e começou a vigorar a lei 7.716/89, a qual passaremos a estudar mais detalhadamente.

5.2 DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E DO OBJETO DA LEI

Num primeiro momento, talvez influenciados pela epígrafe da lei 7.716/89, poderíamos ser levados a concluir que a referida lei somente define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor. Todavia, após as modificações incluídas pelas Leis nº 9.459 de 1997, 12.288 de 2010 e 12.735 de2012 a lei passou a punir também os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de etnia, religião ou procedência nacional.

Conforme visto, os conceitos de raça, cor e etnia foram estabelecidos logo no primeiro capítulo deste trabalho, cabendo agora definirmos os termos religião e procedência nacional.

Religião é a crença ou culto praticado por determinado grupo social ou a manifestação de crença praticada por meio de ensinos, cerimônias ou rituais próprios.

Procedência nacional, como o próprio nome indica, é o lugar de origem da pessoa, ou seja, a nação de onde provém. Cabe aqui uma ressalva, tendo em vista que embora o termo procedência nacional sugira que o preconceito neste caso decorre da nacionalidade da vítima, deve-se fazer uma interpretação extensiva do termo uma vez que o legislador disse menos do que deveria isto porque procedência nacional deve abranger também a região de onde provém o ofendido, ainda que no mesmo país do ofensor.

A este respeito, destacamos o entendimento do ilustre professor Christiano Jorge Santos, in verbis[27]:

Caso fosse entendida a expressão procedência nacional como proveniência de outro país, estar-se-ia penalmente protegendo situação pouco significativa no Brasil, em detrimento de hipótese casa vez mais preocupante e facilmente verificada no dia a dia, qual seja, a discriminação e o preconceito contra brasileiros de determinadas regiões do país, principalmente os migrantes nordestinos.

Todo fato humano que propositada ou descuidadamente lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social é considerado crime.[28] A lei 7.716/89 possui treze crimes os quais estão previstos nos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14 e 20.

Convém destacarmos que para a configuração de todos os crimes previstos na “Lei Antipreconceito” (7.716/89) é necessário que a conduta ocorra em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (artigo 1º).

Assim, a pessoa que nega ou obsta emprego em empresa privada a pessoa homossexual por motivo de discriminação, não incorrerá na pena prevista no artigo 4º da Lei 7.716/89 uma vez que a lei não abrangeu a discriminação ou o preconceito resultante de opção sexual.

Falando ainda dos aspectos gerais da lei, importante ressaltar que os crimes nela previstos, em regra, são de forma livre, ou seja, podem ser cometidos por qualquer meio elegido pelo agente.

Admite-se a coautoria e a participação em todos os crimes previstos na “Lei Antipreconceito” e a ação penal será sempre pública incondicionada.

O elemento subjetivo é comum a todos os delitos sendo este o dolo que consiste na vontade de discriminar, segregar, mostrar-se superior a outro ser humano.

O bem jurídico tutelado pela lei ou aquilo que ela visa proteger é a igualdade uma vez que é um direito fundamental de todo ser humano, devendo todas as pessoas serem tratadas da mesma forma haja vista que a Constituição Federal não criou distinções entre as pessoas e que a República Federativa do Brasil tem como objetivo a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, além de ter o repúdio ao racismo como princípio (Constituição Federal, art. 3º, I; art. 4º, VIII e art. 5º, “caput”).

Os crimes de preconceito e racismo não são considerados hediondos ou equiparados, de modo que os agentes que os praticarem poderão ser beneficiados com a progressão de regime de pena mediante o cumprimento de mais de 1/6 ainda que reincidentes e poderão obter o livramento condicional após o cumprimento de mais de 1/3 ou ½ da pena caso seja, respectivamente, primário ou reincidente.

Em razão do disposto no artigo 5º, inciso XLII, os crimes previstos na lei 7.716/89 são imprescritíveis e inafiançáveis, sujeitos à pena de reclusão.Por este motivo, não há qualquer possibilidade de se tolerar leis penais voltadas à punição de atos de discriminação racial com figuras típicas de contravenção penal ou com delitos apenados, tão somente, com detenção[29].

Em que pese a lei em estudo não disponha acerca da possibilidade de concessão dos institutos da graça, indulto e anistia, entendemos ser tais institutos incompatíveis com a finalidade da lei.

A graça é a clemência individual concedida pelo Presidente da República à determinada pessoa enquanto que o indulto é a clemência destinada a um grupo de sentenciados em caráter de generalidade por meio de decreto. Os decretos que concedem indulto geralmente são taxativos quanto a não extensão do benefício aos condenados por crimes de racismo, tortura, terrorismo e de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

A anistia é a declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornaram impuníveis por motivo de utilidade social. Embora a “Lei Antipreconceito” não vede expressamente a aplicação da anistia aos crimes nela contidos, pela própria definição do instituto podemos concluir que este jamais será aplicado aos crimes de racismo e preconceito.

A Constituição Federal tratou o crime de racismo como um dos únicos dois crimes imprescritíveis existentes no Brasil. Isso serviu para destacar a preocupação que o legislador tinha em repudiar e evitar tais condutas haja vista que o Estado poderá punir o agente responsável em qualquer tempo.

Assim, tendo em vista a preocupação que o legislador exarou no texto constitucional, por óbvio que jamais os crimes de racismo e preconceito se tornarão impuníveis por motivo de utilidade social, sendo, por esse motivo, a anistia incompatível com os crimes previstos na Lei 7.716/89.

Outra questão que merece nosso destaque diz respeito à aplicação da suspensão condicional do processo previsto na lei 9.099/95.

O professor Christiano Jorge Santos entende ser incabível a aplicação do “sursis processual” aos crimes da lei 7.716/89, pois ainda que presentes os requisitos do artigo 89 da Lei 9.099/95[30], o agente criminoso não conseguiria preencher os requisitos do artigo 77 do Código Penal[31], em especial no tocante aos motivos e as circunstâncias do crime. No entendimento do autor, não haveria justificativa ou motivo plausível autorizador para discriminar alguém.

Não obstante a nobreza e propriedade dos argumentos suscitados pelo ilustre professor, ousamos,data vênia, discordar de seu entendimento.

As reformas introduzidas na lei 7.716/89 não fizeram qualquer ressalva quanto à aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, assim como também não fez a lei 9.099/95 ou qualquer outra lei ordinária. Ainda que se considere a interpretação sistemática da Constituição Federal, da Lei 9.099/95, da Lei 7.716/89 e do Código Penal, devemos lembrar que não existe analogia in malam partem no Direito Penal e que no tocante ao direito de punir e à liberdade das pessoas deve sempre prevalecer a interpretação mais favorável ao réu. Desta forma, presentes os requisitos autorizadores da suspensão condicional do processo, mister sua aplicação. Neste sentido:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE RACISMO. ACEITAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL. DESCLASSIFICAÇÃO. DESCABIMENTO.

1. "O benefício da suspensão condicional do processo, acordado pelas partes nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95, retira, dos recorrentes, o interesse de agir, condição precípua para o conhecimento da ação." (RHC 9.121/SP, da minha Relatoria, in DJ 9/4/2001).

2. Precedentes do STF e do STJ.

3. Recurso improvido. (RHC 12416 SP 2002/0015015-2. Relator(a):Ministro HAMILTON CARVALHIDO Julgamento: 19/09/2002 Órgão Julgador: STJ T6 - SEXTA TURMA Publicação:   DJ 23/06/2003 p. 442) (grifos nossos)

Conforme disposto no artigo 16 da Lei 7.716/89, são efeitos da condenação: a) perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e b) a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses. Estes efeitos não são automáticos, razão pela qual devem estar expressos e devidamente motivados na sentença condenatória.      

Por fim, em relação à competência para julgar os crimes de preconceito e discriminação, estes incumbirão, em regra, à justiça comum estadual.

5.3 DOS CRIMES EM ESPÉCIE

5.3.1 DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
5.3.1.1 DISCRIMINAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional.

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O artigo 3º, “caput”, trata-se de um tipo alternativo misto haja vista que a prática de qualquer um de seus núcleos, já configura o crime.

Os tipos objetivos são impedir, que significa interromper, e obstar que significa causar dificuldade ou embaraço.

Neste delito, o sujeito ativo será a pessoa que detém poder suficiente para impedir ou obstar esse acesso, não sendo qualquer um[32], tratando-se, portanto, de crime próprio.

O objeto jurídico é a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei[33].

Não se exige o efetivo prejuízo para a pessoa discriminada, razão pela qual estamos diante de um crime formal.

 Interrupção ou o embaraço a qualquer cargo da Administração Direta, Indireta ou das concessionárias de serviços públicos pode ser cometidos por qualquer meio, desde que comissivos.

O parágrafo único prevê a aplicação da mesma pena de reclusão de 2 a 5 anos para aqueles que por motivos de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstam a promoção funcional.       

Tal como ocorre com o “caput”, aqui o crime também é próprio já que somente pode ser praticado pelo encarregado apto a conceder a promoção.

Os delitos previstos no artigo 3º não são passíveis de aplicação da suspensão condicional do processo em razão da pena mínima ser superior a um ano de reclusão. 

5.3.1.2 DISCRIMINAÇÃO NAS FORÇAS ARMADAS

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

As Forças Armadas são o conjunto de instituições e forças nacionais permanentes de defesa e combate. Fazem parte das forças armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, as polícias militares e os corpos de bombeiros.

O sujeito ativo é a pessoa que tem a incumbência de admitir o ingresso de alguém ao serviço militar. Pode ser tanto um funcionário subalterno, como um alto dirigente[34].

Assim como no caso do artigo anterior, trata-se de delito formal, de forma livre e comissivo, no qual não se admite a aplicação do sursis processual.

5.3.1.3 DISCRIMINAÇÃO NA INICIATIVA PRIVADA

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

§ 1oIncorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica:

I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores;

II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional;

III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.

§ 2oFicará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

O proprietário da empresa, gerente, presidente ou a pessoa responsável pela contratação de funcionários que recusa ou dificulta a obtenção do emprego em empresa privada pelo candidato por motivo de discriminação ou preconceito de raça, de cor, etnia, religião ou procedência nacional incorre nas penas previstas no artigo 4º da Lei 7.716/89.

Trata-se de tipo misto alternativo em que a prática de uma ou mais condutas implica no cometimento de uma só infração penal, desde que no mesmo cenário com relação à mesma pessoa.

O delito previsto no artigo 4º “caput” é classificado ainda como próprio, formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, unissubjetivo ou plurissubsistente, o qual admite tentativa.

O parágrafo primeiro do artigo em estudo traz uma figura equiparada a qual se comina a mesma pena de reclusão de dois a cinco anos, para o agente que por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou ética deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado, impedir a ascensão funcional ou proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, principalmente em relação ao salário.

Guilherme de Souza Nucci comenta que a descrição formulada no “caput” do parágrafo primeira é desnecessária, pois todas as figuras previstas nesta Lei, tem como padrão a discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Entretanto, por razão inexplicável o legislador inovou neste parágrafo, introduzindo a expressão “práticas resultantes do preconceito de descendência”, algo inexistente no artigo primeiro da Lei[35].

Assim como no “caput” do artigo 4º, o sujeito ativo também é qualificado uma vez que precisa ter o poder para realizar os núcleos do tipo (deixar de conceder os equipamentos, impedir a ascensão funcional e proporcionar ao empregado tratamento diferenciado). Trata-se, portanto, de crime próprio.

Por fim, o parágrafo segundo traz outro crime próprio, na qual o agente encarregado de recrutar trabalhadores estará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade se nos anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento exigir aspectos e aparência próprios de raças ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

5.3.2 DISCRIMINAÇÃO NA EDUCAÇÃO

A Constituição Federal assegura a todos o direito à educação. Todavia, a lei 7.716/89 previu a hipótese da recusa desta por motivos de discriminação em seu artigo 6º que reza:

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

O sujeito que não aceitar, que proibir ou interromper a inscrição ou a entrada de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau por motivos de discriminação ou preconceito estará incorrendo no crime do artigo 6º da lei em estudo.

Trata-se novamente de tipo misto alternativo, no entanto, deve-se lembrar que as condutas são excludentes (quem recusa, está negando; quem impede, está recusando; quem nega, está impedindo).

O sujeito passivo é a pessoa discriminada e o sujeito ativo é o responsável pelo estabelecimento, podendo ser o dirigente ou o funcionário encarregado de efetivar as matrículas.

A pena será aumentada de um terço se o sujeito passivo for menor de dezoito anos.

O delito pode ser classificado como próprio, formal (já que independe da ocorrência de prejuízo), de forma livre, comissivo e instantâneo. Admite-se ainda a tentativa na forma plurissubsistente (quando cometido por mais de um ato).

5.3.3 DISCRIMINAÇÃO NO COMÉRCIO

A “Lei Antipreconceito” tipificou como crime a conduta de recusar ou impedir o acesso a diversos estabelecimentos comerciais por motivos de preconceito ou discriminação em razão da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Com exceção da discriminação ocorrida em hotéis ou similares, a pena a todos os demais crimes ocorridos em estabelecimentos comerciais estão sujeitos à reclusão de um a três anos, sendo passíveis de suspensão condicional do processo.

Conquanto os crimes sejam bem parecidos em razão de todos possuírem o mesmo tipo objetivo (recusar ou impedir acesso), passaremos a estudar cada artigo destacando aquilo que for mais relevante.

5.3.3.1 DISCRIMINAÇÃO EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

O termo estabelecimento comercial deve ser entendido como qualquer lugar de venda de bens ou serviços de qualquer natureza, que não seja um daqueles previstos nos artigos 7º, 8º, 9º ou 10º.

Desta forma, o comerciante ou comerciário que não permitir a entrada, o trânsito ou permanência de pessoa no estabelecimento comercial ou que negar servir, atender ou receber cliente ou comprador por motivos de discriminação estará incorrendo no crime do artigo 5º.

Christiano Jorge Santos entende que pela má redação do artigo, para a configuração do mesmo faz-se necessário que se recuse ou impeça o acesso de alguém à loja e também que ocorra negativa de atendimento, recebimento ou serviço ao cliente ou comprador[36].

Todavia, esse não é o entendimento majoritário da doutrina uma vez que reconhecer a necessidade da ocorrência de todos os verbos do tipo numa única redação reduziria em muito o âmbito de ocorrência deste crime.

Com relação à consumação do delito, a doutrina diverge em três correntes: a) trata-se de crime formal, se consuma com a negação do atendimento, mesmo que a vítima consiga ser atendida por outra pessoa[37], não admitindo tentativa já que a conduta de negar é unissubsistente; b) é crime formal, mas se a conduta for realizada de forma plurrisubsistente admite tentativa[38]; c) trata-se de crime material, que exige resultado naturalístico, de modo que se a vítima conseguir ser atendida por outra pessoa haverá tentativa[39].

5.3.3.2 DISCRIMINAÇÃO EM HOTÉIS OU SIMILARES

Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Aquele que impede a entrada ou a permanência ou não aceita como hóspede qualquer pessoa pelos motivos constantes no artigo 1º da lei em comento incorre nas penas do artigo 7º.

Ricardo AntonioAndreucci[40] entende que o sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa. Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, destaca que o sujeito ativo sempre será o proprietário ou o responsável pelo hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento similar[41].

No tocante à consumação do delito, observa-se novamente diversos entendimentos doutrinários: a) na modalidade impedir o crime é material e só se consuma se houver o efetivo embargo, na modalidade recusar o crime é formal, se consuma com a mera recusa ainda que a vítima consiga a hospedagem[42]; b) o crime é material nas duas modalidades[43]; c) o crime é formal nas duas modalidades[44].

Com relação à tentativa, esta só é possível em relação ao verbo impedir.

5.3.3.3 DISCRIMINAÇÃO EM RESTAURANTES OU SIMILARES

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

No tocante ao tipo objetivo, aqui cabe os mesmos comentários feitos ao artigo anterior em relação aos verbos do tipo, relembrando-se, contudo, que aqui a discriminação ocorrerá em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público.

Como no caso do artigo anterior, há duas posições doutrinárias sobre quem pode ser o sujeito ativo deste crime. A primeira corrente entende que qualquer pessoa interna ou externa ao estabelecimento pode impedir o acesso da vítima, mas a recusa somente pode ser praticada por funcionário do estabelecimento. A segunda corrente entende que em qualquer das modalidades (impedir ou recusar) o crime é próprio e só pode ser cometido por funcionário do hotel.

5.3.3.4 DISCRIMINAÇÃO EM CLUBES E CASA DE DIVERSÃO

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

O agente que não permitir a entrada ou permanência ou ainda não disponibilizar a fruição dos serviços prestados em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público a qualquer pessoa por motivos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional estará incorrendo no crime previsto no artigo 9º e consequentemente estará sujeito à pena de reclusão de um a três anos.

Em relação ao sujeito passivo e à consumação do delito, vigoram as mesmas discussões estudadas nos artigos anteriores razão pela qual remetemos o leitor aos mesmos.

5.3.3.5 DISCRIMINAÇÃO EM CABELEIREIROS E SIMILARES

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

Aquele que interrompe a entrada ou passagem ou que se recusa a atender e prestar o serviço em salões de cabelereiros, barbearias, termas, casas de massagem ou estabelecimentos similares pessoa por motivos de preconceito e discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, incorre neste crime do artigo 10.

No que diz respeito a quem pode praticar este crime, novamente há duas posições. A primeira corrente, defendida por Christiano Jorge Santos, entende que na modalidade de impedir o acesso qualquer pessoa, interna ou estranha ao estabelecimento poderá praticar o crime, enquanto que na modalidade recusar somente funcionário do estabelecimento poderá praticar o crime. A segunda corrente, que tem como um de seus idealizadores Guilherme de Souza Nucci, diz que o crime será sempre próprio, independentemente da modalidade, de modo que somente o funcionário do estabelecimento poderá ser sujeito ativo deste crime.

O sujeito passivo em primeiro lugar é a sociedade e em segundo a pessoa cujo direito de usufruir os serviços fora negado.

Com relação à consumação, as posições são as seguintes: a) na modalidade impedir o crime é material, na modalidade recursar o crime é formal[45]; b) o crime é formal nas duas modalidades. A tentativa só será possível para o verbo impedir[46].

5.3.4.DISCRIMINAÇÃO NA VIDA SOCIAL
5.3.4.1DISCRIMINAÇÃO EM EDIFÍCIOS PÚBLICOS E RESIDENCIAIS

Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

O sujeito que impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos a qualquer pessoa pelos motivos constantes no artigo 1º da Lei 7.716/89, estará sujeito à pena de reclusão de um a três anos.

No que tange ao sujeito ativo deste crime, a doutrina contempla duas posições: a primeira indica que qualquer pessoa poderia praticar esse crime, ainda que não trabalhe ou more no edifício, enquanto que a segunda posição entende que o crime só pode ser cometido pela pessoa que tem o encargo de disciplinar a entrada em prédios públicos ou privado (v.g. síndicos e encarregados da segurança).

A doutrina diverge em relação ao momento consumativo, sendo que parte dela compreende que o crime é material e só se consumaria com a efetiva obstrução à entrada, permanência ou ao uso de escadas ou elevadores, e outra parte entende que o crime é formal e consuma-se mesmo que a vítima consiga o ingresso no edifício.

Independentemente da posição adotada em relação ao momento consumativo, a tentativa é perfeitamente possível.

5.3.4.2 DISCRIMINAÇÃO EM TRANSPORTES PÚBLICOS

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Transportes públicos são veículos destinados ao uso do povo. O sujeito que se vê impedido de entrar ou usufruir desses transportes seja em aviões, navios, ônibus, trens e etc. em razão de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional estará sendo vítima do crime previsto no artigo 12 da Lei 7.716/89.

 Tendo em vista que o dispositivo consignou somente o termo “transportes públicos”, surge a questão se o serviço de táxi estaria ou não incluído neste termo.

Aqui novamente a doutrina se diverge. Guilherme de Souza Nucci[47] entende que o serviço de táxi estaria incluído neste artigo uma vez que o mesmo se vale da interpretação analógica do artigo, qual seja “qualquer outro meio de transporte concedido”. Para o autor o taxista presta um serviço público uma vez que esta atividade é autorizada e fiscalizada pelo poder público.

Christiano Jorge Santos[48], por sua vez, ensina que o artigo não previu os meios de transportes particulares, como os táxis que funcionam após a obtenção de licenças, de tal sorte que pelo princípio da reserva legal a conduta seria relativamente atípica nessa hipótese, cabendo somente eventual condenação pelo crime subsidiário previsto no artigo 20 da “Lei Antipreconceito”.

As mesmas divergências e argumentos são verificados em relação ao ônibus escolar e o fretado, disponibilizados por empresa para transporte de seus trabalhadores ou alunos.

Guilherme de Souza Nucci defende que o crime em análise é próprio haja vista que só poderia ser cometido pela pessoa responsável por controlar o acesso e o uso do meio de transporte. Christiano Jorge Santos compreende que trata-se de um crime comum uma vez que qualquer pessoa poderia impedir a vítima de ingressar naquele meio de transporte por motivos preconceituosos.

Cabe aqui as mesmas observações feitas ao artigo anterior em relação ao momento consumativo já que há divergência quanto ao crime ser formal ou material. Seja qual for o entendimento, o crime admite a tentativa.

5.3.4.3 DISCRIMINAÇÃO NO CASAMENTO E NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Aquele que interrompe ou dificulta por qualquer meio ou forma a união solene civil ou religiosa de duas pessoas ou mesmo a convivência familiar ou social por motivos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional estará incorrendo no crime previsto no artigo 14 da Lei 7.716/89.

A doutrina é unânime ao afirmar que qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo deste crime.

Todavia, há grande discordância tanto na doutrina quanto na jurisprudência em relação ao momento consumativo. Há quem entenda que o crime é material e só se consuma com o efetivo impedimento do casamento ou da convivência[49]. Por outro lado, há quem defenda que o crime é formal e se consuma mesmo que não se consiga impedir o casamento ou a convivência[50]. Qualquer que seja o caso, a tentativa é possível.

5.3.5 INDUZIMENTO, INCITAÇÃO OU PRÁTICA DE DISCRIMINAÇÃO

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

O artigo 20 é um crime subsidiário uma vez que o agente que praticar condutas discriminatórias que não estejam expressamente consignadas nos artigos anteriores, incorrerá no crime deste artigo.

O legislador se preocupou em incriminar a conduta daqueles que incentivam terceiros a praticar a discriminação, bem como daqueles que induzem e estimulam tal prática.

O agente que induzir ou incitar terceiro somente estará sujeito às penas do artigo 20 caso o terceiro não opte por praticar a conduta discriminatória. Isto porque caso o terceiro induzido cometa a prática discriminatória o agente que o induziu responderá como partícipe pelo mesmo crime desse.

Qualquer pessoa pode cometer o crime previsto do artigo 20, razão pela qual estamos diante de um crime comum.

O sujeito passivo é tanto a sociedade quanto a pessoa que sofreu o ato discriminatório.

É um crime formal que independe de um prejuízo concreto, sendo perfeitamente possível a ocorrência da tentativa.

Importante salientar que caso o crime seja cometido por meio de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena será de reclusão de dois a cinco anos e multa, nos termos do parágrafo 2º do artigo 20 da Lei 7.716/89.

Sendo o caso do crime ser praticado por meio de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo, a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio ou a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. A destruição do material apreendido constituirá efeito da condenação.

5.3.6 PROPAGANDA NAZISTA

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

O parágrafo primeiro trata-se de uma especialização da conduta prevista no “caput” do artigo 20 haja vista que a divulgação do nazismo é uma forma de induzir e incitar a discriminação e o preconceito.

O dicionário Aurélio, define nazismo como “movimento chauvinista de direita, alemão, nos moldes do fascismo, imperialista, belicista, e cuja doutrina consiste numa mistura de dogmas e preconceitos a respeito da pretensa superioridade da raça ariana, sistematizados por Adolf Hitler (1889-1945) em seu livro Minha Luta; o fascismo alemão [sin. Nacional-socialismo]”.

Assim, o agente que produz, vende, oferece, compra, troca, entrega, disponibiliza ou mostra emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo estará cometendo o crime do §1º do artigo 20 da lei em comento.

Trata-se de crime comum e formal, sendo possível a punição em sua forma tentada.

5.4 CONFLITO APARENTE DE NORMAS: CRIME DE RACISMO x INJÚRIA QUALIFICADA PELO PRECONCEITO.

A chamada injúria qualificada pelo preconceito, prevista no artigo 140 § 3º do Código Penal é comumente confundida com os crimes previstos na Lei 7.716/89. Este erro é mais comum quando praticado por meios televisivos que noticiam, por exemplo, que certo jogador de futebol foi xingado de “macaco” durante evento futebolístico sendo que o agente estaria supostamente incorrendo no crime de preconceito previsto da lei 7.716/89. Todavia, seria este o caso?

Dispõe o artigo 140 §3º do Código Penal, in verbis:

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de alguém. A injúria, que é a expressão da opinião ou conceito do sujeito ativo, traduz sempre desprezo ou menoscabo pelo injuriado. É essencialmente uma manifestação de desprezo e de desrespeito suficientemente idônea para ofender a honra da vítima no seu aspecto interno[51].

Na injúria, ao contrário da calúnia e difamação, não há imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos sobre a vítima.

Para a caracterização do crime, é necessário que a injúria chegue ao conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa, pois a ofensa proferida ou executada que não chega ao conhecimento de ninguém não existe juridicamente[52].

Quando a injúria for cometida mediante a utilização de elementos referentes a raça, cor, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, estaremos diante da injúria qualificada pelo preconceito.

Fernando Capez explica que qualquer ofensa à dignidade ou decoro que envolva algum elemento discriminatório, como, por exemplo, “preto”, “japa”, “turco” ou “judeu”, configura o crime de injúria qualificada. Se, porém, a hipótese envolver segregação racial, o crime será de racismo (lei n. 7.716/89); por exemplo: “impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos” (art.3º); “impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos” (art. 11); “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (art. 20)[53].

O racismo constitui delito mais grave que a injúria. André Estefam[54] salienta que na injúria há o assaque de expressões ofensiva enquanto que no racismo o agente nega o exercício de algum direito ao ofendido por motivos de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.

Devemos ainda ressaltar que a injúria deve ser direcionada a uma pessoa específica. Quando o agente proferir palavras pejorativas genericamente a toda uma raça, etnia etc. estaremos diante do crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89.

No caso do crime de injúria qualificada pelo preconceito, a ação penal será pública condicionada à representação da vítima ou de seu representante legal.

Se num mesmo contexto fático o agente praticar injúria qualificada pelo preconceito e o crime de racismo da lei 7.716/89, aquele será absorvido por este em razão do princípio da consunção. Não é outro o entendimento jurisprudencial:

QUEIXA-CRIME - INJÚRIA QUALIFICADA VERSUS CRIME DE RACISMO - ARTIGOS 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL E 20 DA LEI Nº 7.716/89. Se a um só tempo o fato consubstancia, de início, a injúria qualificada e o crime de racismo, há a ocorrência de progressão do que assacado contra a vítima, ganhando relevo o crime de maior gravidade, observado o instituto da absorção. Cumpre receber a queixa-crime quando, no inquérito referente ao delito de racismo, haja manifestação irrecusável do titular da ação penal pública pela ausência de configuração do crime. Solução que atende ao necessário afastamento da impunidade. (STF. Processo: Inq 1458 RJRelator:MARCO AURÉLIO Julgamento:14/10/2003Órgão Julgador:Tribunal Pleno Publicação:DJ 19-12-2003PP-00050 EMENT VOL-02137-01 PP-00077)

Pelo que fora exposto, podemos concluir que o agente que xinga especificamente um jogador de futebol de “macaco” durante uma partida, não incorre no crime de racismo e sim no de injúria qualificada pelo preconceito, nos termos do artigo 140 §3º do Código Penal.

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Sobre a autora
Aline Albuquerque Ferreira

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-Advogada. Pós-graduada em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Pós- graduanda em Direito Público. Possui graduação em direito pela Universidade Paulista (2011). Aprovada no IV Exame da Ordem. Tem experiência em direito, com ênfase em direito penal e direito do consumidor.Foi estagiária concursada do Ministério Público Estadual (área criminal) e Ministério Público Federal (área: tributária, constitucional). Foi estagiária da magistratura estadual de São Paulo na área criminal, estagiária na vara das execuções criminais de São Paulo e Vara das Execuções Fiscais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Publicação anterior: FERREIRA, Aline Albuquerque. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3263, 7 jun. 2012. Disponível em: .

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