A súmula vinculante 25 e seus reflexos no processo de execução fiscal

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12/01/2015 às 21:54
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A mudança de entendimento da E. Suprema Corte brasileira acerca da prisão do depositário infiel, por meio dos precedentes HC 72.131/RJ e HC 87.585/TO, culminou na aprovação da SV n. 25 que impossibilita a prisão do depositário infiel.

RESUMO

Este trabalho acadêmico de graduação trata da mudança de entendimento da E. Suprema Corte brasileira acerca da prisão do depositário infiel que, atualmente, posiciona-se no sentido da impossibilidade da prisão deste. Esse posicionamento está consubstanciado na Súmula Vinculante n. 25, tendo como pressupostos, por exemplo, os julgados HC 72.131/RJ e HC 87.585/TO, que em seu bojo trazem a análise dos princípios vigentes na Constituição Federal de 1988, da alteração dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno (Pacto de São José da Costa Rica), bem como do art. 5°, §§ 1° e 2° da Carta Magna, sendo estes últimos dispositivos legais os responsáveis por dar um caráter imediato e constitucional às normas de direitos humanos advindos de tratados internacionais. Essa evolução jurídica foi decorrente da análise e aplicação das garantias constitucionais vigentes. Como consequência a execução fiscal sofreu uma alteração em seus procedimentos, vez que hoje não há mais a possibilidade de ordenar a prisão do depositário infiel.

Palavras-chave: súmula vinculante, depositário infiel, Pacto de São José da Costa Rica, impossibilidade da prisão, execução fiscal.

ABSTRACT

This work deals with the undergraduate academic change of understanding of the illustrious Brazilian Supreme Court on the trustee of the infidel prison, which currently is in the sense of the impossibility of this prison. This position is embodied in the No Binding Precedent 25 It was assumed, for example, judged the HC and HC 72.131/RJ 87.585/TO, which brings in its wake the analysis of existing principles in the Constitution of 1988, the amendment of international treaties in domestic legal system (Pact of San Jose, Costa Rica) as well as art. 5°, §§ 1° and 2°, Federal Constitution. These latter being the legal mechanisms responsible for giving an immediate and constitutional characters human rights standards arising from international treaties. This legal development was a result of the analysis and the application of existing constitutional guarantees. As a consequence the tax execution has undergone a change in its procedures, because today there is no longer possible to order the imprisonment of the faithless trustee.

Keywords: binding precedent, unfaithful depository, Covenant of San Jose, Costa Rica, inability of the prison, execution supervisor.

SUMÁRIO

1 Introdução

2 Princípios Constitucionais concernentes à figura do depositário infiel

2.1.Princípio do Acesso à Justiça

2.2.Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

3 A incorporação dos Tratados e Acordos Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro

3.1 A Constituição Federal como uma Carta Aberta aos Direitos Humanos

3.2 Procedimentos de votação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

4 A Súmula Vinculante 25 e a mudança de entendimento do E. Supremo Tribunal

4.1 Eficácia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito Interno

4.2 Egrégia Suprema Corte e a impossibilidade da prisão do depositário infiel

5  Conclusão

Referências Bibliográficas

Anexo A

Anexo B

Anexo C

1 Introdução

Os direitos humanos como todo o conjunto que compõe a ciência jurídica estão em constante transformação e construção de seus conceitos, estruturas e importância, uma vez que o direito por ser uma ciência social aplicada devem sempre estar adequados às novas realidades sociais vigentes, sob pena de se ter um ordenamento jurídico ultrapassado e caracterizado por ser uma norma vigente, porém ineficaz, sem valor para reger as condutas sociais.

A partir dessa perspectiva, será possível observar que o ordenamento jurídico pátrio tem como norma maior a sua própria constituição, devendo todas as outras normas seguir seus ditames, a fim que se não se dê azo à declaração de sua inconstitucionalidade, ou seja, a sua inadequação frente à Carta Magna vigente.

Visto esses termos, os direitos fundamentais do cidadão previstos na CF/88, onde se percebe a aplicação dos fundamentos e princípios vigentes na Carta Magna, podendo-se observar que dessas garantias constitucionais decorrem todos os outros direitos então previstos, caracterizando-se como princípios estruturantes de acordo com as palavras de J. J. Gomes Canotilho.

A partir disso, o que se vai vislumbrar é que a Carta Magna pátria terá como fundamento maior sempre a proteção dos direitos humanos. No entanto, quando da sua aplicação aos casos concretos que se apresentam ao poder judiciário, inicia-se um processo de discussão das controvérsias que surgem, por exemplo, acerca de quais garantias devem ser inseridas de acordo com as novas realidades sociais vividas, bem como qual será a sua importância e status dentro do ordenamento jurídico pátrio.

Nesse contexto, o que se poderá verificar quanto à questão da controvérsia sobre a prisão do depositário infiel é a discussão acerca da prevalência dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, bem como se dará a inserção de novas garantias na Constituição, principalmente quando advindas de tratados ou acordos internacionais.

 Para tanto, faz-se mister realizar um levantamento histórico acerca da evolução dos princípios constitucionais concernentes à figura do depositário infiel. Todavia, é importante ressaltar que a Magna Carta pátria tem como característica fundamental a interdependência dos seus princípios constitucionais.

Por conseqüência, ao se discutir princípios como do acesso à justiça ou da dignidade da pessoa humana, sua construção e evolução será imprescindível discorrer sobre outros princípios correlatos como o da cidadania, isonomia dentre outros.

A partir dessa perspectiva, poderá se observar que o princípio do acesso à justiça iniciou seu processo de formação já no século XIII, onde a então burguesia, classe social emergente e que ganhava importância política e econômica, começou a impor suas posições políticas e em decorrência disso percebeu-se a necessidade de se criar um órgão independente e soberano ao qual se poderia recorrer para julgar contendas surgidas na sociedade.

No decorrer dos séculos ganhou importância, principalmente, na revolução francesa, com a teoria de Montesquieu sobre a separação dos poderes. Com essa nova perspectiva e com a inerente evolução dos princípios, uma vez que retratam diretamente os valores sociais então vigentes, as constituições modernas observaram o princípio do acesso à justiça.

A própria Constituição pátria, foi também influenciada pelos movimentos internacionais além dos grandes doutrinadores, juristas e cidadãos brasileiros que contribuíram com suas posições ainda na época da Assembléia Nacional Constituinte.

O momento histórico vivido foi importante para o reconhecimento deste princípio constitucional e da sua aplicabilidade, ampla e irrestrita, sendo capaz de reger inclusive o direito que ainda não foi violado nos termos da norma vigente.

Poder-se-á, por fim, quanto ao princípio do acesso à justiça, apontar alguns aspectos que ainda impedem a aplicação ampla e irrestrita aos tribunais pátrios, como por exemplo, as altas custas judiciais e vislumbrar uma possível solução para a maior eficácia dos princípios em epígrafe.

Será exposta, logo em seguida, a recente construção do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual teve como marco principal as duas grandes guerras mundiais e as atrocidades cometidas no período, em que ditadores como Hitler, na Alemanha, Francisco Franco, na Espanha, Antônio Salazar, em Portugal dentre outros que com suas atuações políticas e beligerantes marcaram a história da humanidade.

No Brasil, como se poderá verificar o princípio em epígrafe ganhou um status constitucional logo após as grandes atrocidades vistas durante o período da ditadura militar, e por isso, tornou-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil como está previsto no art. 1° da CF/88, sendo, desta forma, um princípio estruturante da Carta Magna pátria.

Após analisar os princípios constitucionais concernentes à figura do que será, posteriormente, discutido acerca do depositário infiel, inicia-se um estudo sobre a possibilidade inserida na CF/88 de serem adicionadas novas garantias acerca dos direitos humanos.

Isso é possível conforme será visto pelos princípios constitucionais vigentes, como a prevalência dos direitos humanos, o qual foi instituído no art. 4° da CF/88, artigo este específico em relação à conduta do Brasil frente as suas relações internacionais.

Será levantada, ainda, a busca histórica acerca do § 2°, do art. 5° do CF/88, uma vez que, como será visto, tal instituto jurídico advém das influências que o país sofreu de normas, por exemplo, constituídas em países como os Estados Unidos da América, e que por isso, já constava em diversos dispositivos das Constituições Nacionais anteriores.

Dentro dessa perspectiva, ao serem observados os pressupostos de inserção de novos direitos humanos na CF/88, serão estudadas as formas de votação da incorporação de tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a depender do trâmite adotado nas duas casas formadoras do congresso nacional, será possível admitir qual o status da norma jurídica em relação à Carta Magna.

Por fim, quando estudados alguns dos principais pressupostos fundamentadores da nova visão do E. Supremo Tribunal Federal acerca do status constitucional do Pacto de São José da Costa Rica implementada através da Súmula Vinculante n. 25, será percebida qual é a verdadeira eficácia das normas advindas dos tratados internacionais.

Nessa busca pelos pressupostos da decisão do STF, será vista também a classificação das normas advindas de tratados internacionais de direitos humanos, vez que serão consideradas garantias fundamentais, conforme o entendimento que será aprofundado nos estudos relativos ao posicionamento da doutrina pátria, de acordo com o entendimento internacional acerca da Convenção de Viena, tratado este vigente, o qual rege os fundamentos e normas dos tratados internacionais a serem firmados.

E, após isso, se poderá analisar algumas das diversas jurisprudências que culminaram na implementação da Súmula Vinculante n. 25, cujo objetivo era justamente readequar o entendimento pátrio acerca da prevalência dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio e dar maior segurança jurídica nas decisões acerca da impossibilidade da prisão do depositário infiel.

2 Princípios Constitucionais concernentes à figura do depositário infiel.

A constituição Federal da República de 1988 tem como marco, mais evidente, dentre tantos outros observados por todo o seu corpo normativo, a proteção da pessoa humana como jamais havia sido realizado pelas Cartas Magnas anteriores, conforme a seguir transcrito:

Nesse sentido, assinala-se que a Carta de 1988 – a constituição possível – pela primeira vez no constitucionalismo brasileiro, priorizou, formal e materialmente, a posição do ser humano em relação ao Estado. De um lado, as normas constitucionais sobre a matéria desdobradas no extenso rol dos direitos e garantias individuais, sociais, econômicos e culturais, bem como na previsão de direitos e garantias coletivos e difusos inéditos, como o direito ao meio ambiente e direito das minorias, precedem as demais normas de organização política e econômica do Estado. [1]

Utilizando-se, assim, de um dos métodos de interpretação da norma jurídica, qual seja a interpretação histórica, é possível observar todo um contexto histórico-social vigente no país, capaz de refletir em toda a elaboração deste documento, visto que os legisladores originários tinham grande preocupação em garantir uma série de direitos fundamentais aos cidadãos.

Tal fato evidenciou-se, à época da elaboração da CF/88, muito em razão do processo histórico vivido pelos brasileiros, onde a partir do golpe de 1964, realizado pelos militares, os brasileiros se viram em um estado de repressão constante, onde não se tinham direitos básicos como de livre manifestação (artística, política, cultural dentre outras), liberdade de ir e vir, vedação da censura, proibição de prisões arbitrárias, ou seja, um conjunto de direitos humanos já internacionalmente aceitos no resto do mundo, principalmente, no mundo ocidental, onde a construção desses direitos foi mais forte e evidente através dos inúmeros movimentos sociais e que no Brasil foram suprimidos ou limitados pelo governo Militar, conforme a seguir transcrito: ‘‘Afinal, é de verificar-se que a promulgação da Constituição Federal de 1988 encerra o longo processo de transição de um regime autoritário para a consolidação da democracia política no País.’’[2]

Esse Estado repressor estendeu-se pelas décadas de 60, 70 e 80. E no início da década de 80, os movimentos populares de toda ordem existentes no Brasil começaram um processo de abertura política e da discussão do fim do Governo Militar, a fim de alcançar a tão sonhada transição política para ascensão do governo Civil e a surgimento do estado democrático de direito, o que acorreu em 1985, como pode ser observado nas palavras do Ilustre Autor Dalmo Dallari:

Profundo conhecedor da matéria, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, também diz que a Constituição Federal de 1988 nasceu das lutas contra a ditadura militar. “Iniciou-se uma reação por parte das pessoas contra as violências do período, que passaram a exigir um novo tipo de sociedade para viver, agora sem injustiça. Além de se discutir o que seria uma sociedade justa, nasceu a necessidade de colocar a definição dessa sociedade numa Constituição verdadeiramente democrática”, ressalta Dallari.[3]

Passados esses fatos, em 1° de fevereiro de 1987, foi instalada a Comissão Nacional Constituinte e a composição da mesma era a seguinte: 559 congressistas (senadores e deputados federais, eleitos, de forma direito, no ano anterior), e, então, presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Nesses termos, verifica-se como uma das maiores peculiaridades para elaborar a atual Carta Magna, justamente, a colaboração direta da população brasileira, a qual se dava a partir de sugestões elaboradas, tendo como requisitos necessários para sua validade, a assinatura de alguma entidade (associação, sindicatos e assim por diante), bem como a assinatura de mais de 30 mil pessoas demonstrando sua concordância com o pleito que seria apresentado junto à Comissão Constituinte, o que demonstrou um grande salto da sociedade brasileira, no sentido de se instalar um real Estado Democrático de Direito no país, o que se revelou crucial também para a inserção dos mais diversos direitos fundamentais do cidadão. Isso pode ser observado nas palavras do Iminente autor José Afonso da Silva, a seguir transcrito:

Como resultado desse contexto histórico, José Afonso disse enxergar muitas qualidades na Lei Maior brasileira. “Ela é preocupada em garantir os direitos do cidadão. E quando estabelece a organização do Estado e dos Poderes, ela o faz em função dos direitos fundamentais da pessoa humana”, diz. “Foi de longe a Constituição brasileira com maior participação popular. Foi também a mais democrática da nossa história”, completa Dallari.[4]

Isso se deu muito em virtude das influências de diversos documentos internacionalmente aceitos sobre direitos humanos, bem como da construção e ampliação que tais direitos sofreram, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, o período da guerra fria e da corrida armamentista, em que o continente europeu juntamente com os Estados Unidos da América iniciaram um processo de estudos através de seus iminentes pensadores, além das grandes revoltas populares em busca de proteção de direitos fundamentais, os quais reconheceram a importância dos direitos humanos aos seus cidadãos, inserindo-os em suas constituições, como já foi ressaltado.

Nesse sentido, vislumbram-se, primeiramente, como influência da CF/88 a Declaração de Direitos Humanos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789, em meio à Revolução Francesa, em que listou um rol de garantias os quais refletiam todo o ideal do movimento social, qual seja, liberdade, igualdade e fraternidade, sendo este um dos documentos considerados mais importantes para a ampliação dos direito humanos.

Outro importante marco dos direitos sociais, os quais influenciaram na elaboração e na inserção dos princípios constitucionais então vigentes nesse país, é, justamente, a proclamação da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a qual evidenciou o surgimento da Organização das Nações Unidas – ONU e o consequente repúdio as inúmeras atrocidades cometidas na II Guerra Mundial.

A partir destes dois documentos, as constituições ocidentais modernas elencaram uma série de garantias fundamentais do cidadão sempre no sentido de efetivar o Estado Democrático de Direito idealizado, mesmo que de forma embrionária pela revolução francesa.

Assim, algumas constituições dos países europeus como Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, França, além da constituição mexicana e americana, não se podendo olvidar das próprias Constituições Federais anteriores, influenciaram na elaboração e os rumos tomados pelos legisladores originários os quais culminaram na promulgação da Constituição Federal de 1988, como pode ser observado a seguir:

José Afonso revela que, a fim de materializar a demanda por direitos, a Carta Magna foi bastante inspirada nos regimentos de Portugal e da Espanha e, em menor escala, no italiano e no alemão. “Também se usou como base as Constituições brasileiras anteriores, mas, apesar dos modelos seguidos, a Lei Maior nacional não pode ser considerada uma cópia de nenhuma outra, pois ela possui uma identidade própria”.[5]

Logo, com o seu advento, no ano de 1988, em seu art. 5°, LXVII, vedou-se a possibilidade da prisão civil por dívida, ressalvando os casos apenas do devedor alimentício e do depositário infiel, sendo, posteriormente, interpretado de maneira diferente, quanto ao infiel depositário, conforme será oportunamente explicado.

Por tudo o que foi acima exposto, a atual Magna Carta brasileira é denominada de Constituição Cidadã, pois assegurou diversos direitos sociais até então inexistentes no país, bem como buscou efetivá-los, através dos mais diversos mecanismos legais, com o objetivo de dar a esta norma jurídica superior do ordenamento jurídico pátrio o respeito de todos os seus termos.

Desse fato, é possível observar uma série de garantias asseguradas a todo e qualquer cidadão, as quais derivam dos princípios constitucionais previstos em todo o corpo da CF/88, dentre os quais, tem-se o princípio do acesso à justiça e o princípio da dignidade da pessoa humana a seguir expostos.

2.1. Princípio do Acesso à Justiça

O Princípio do acesso à justiça pode ser constatado já nas primeiras cartas do século XIII, no qual se iniciou um processo para garantir a igualdade política entre a burguesia nascente e a nobreza de até então. Nessas cartas, constata-se que este princípio tornou-se apenas um direito sem pouca efetividade para o cidadão, pois garantia apenas os direitos dos cidadãos afortunados da época.

Com o passar dos séculos e com a dinâmica inerente ao ordenamento jurídico, que reflete, também, a evolução social, este princípio foi inserido nas diversas constituições emergentes nos países do ocidente, já no século XX, como uma forma de dar maior efetividade a esses direitos.

No Brasil, o princípio do acesso ao judiciário foi inserido na Constituição Federal de 1988, no Título II, dos Direitos Fundamentais, que são garantias classificadas como cláusulas pétreas, ou seja, são normas que tem como características principais a imutabilidade e a inafastabilidade do texto Constitucional.

Tais circunstâncias revelam a importância do princípio do acesso à justiça para o ordenamento jurídico pátrio. Mas não somente isso mostra também o valor deste direito para a garantia da justiça para todo cidadão.    

Nesse contexto, tal princípio tem como fundamento maior o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, que estabelece, in verbis:

Art. 5º:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.

[...]

Não obstante a isso, vê-se que esse princípio é de elevada importância, pois ao mesmo tempo em que dá a possibilidade de qualquer pessoa ter um acesso digno ao judiciário e assim poder buscar os seus direitos, dá também acesso a um julgamento justo. Percebe-se nesta passagem, a influência de outro princípio ligado ao acesso à justiça, neste caso o princípio da igualdade. Como acentua Kazuo Watanabe:

A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o aceso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti. [6]

Na posição deste ilustre autor, vê-se que ele propõe como um dos caminhos para a solução do efetivo acesso ao judiciário, não só uma reforma plena das normas jurídicas então vigentes, ou então a retida de normas que são recorrentemente usadas para postergar a solução do litígio, mas propõe também uma reforma cultural no sentido de proteger e inserir o cidadão no mundo jurídico de forma mais efetiva.

Vislumbram-se ainda, sobre este tema, os dizeres de Robson Flores Pinto: “A garantia constitucional da assistência jurídica aos hipossuficientes tem por escopo o princípio da igualdade, de forma a dotar os desiguais, economicamente, de idênticas condições para o pleito em juízo.” [7]

Pode-se então vislumbrar a extensão alcançada por uma conquista democrática, pois possibilitar a exigência deste direito significa mais que apenas um litígio entre duas ou mais partes, abrange o respeito para com o próximo, a liberdade legal de negociação, o cerceamento de possíveis exploradores, além de uma liberdade democrática ampla. Isso possibilita uma evolução social, ou seja, gera uma consciência de respeito às leis vigentes e assim ocorre um desenvolvimento social amplo, organizado e principalmente legal.

Dentro deste conceito observa-se que todo cidadão está constitucionalmente protegido, no entanto, alguns são alijados do acesso à justiça e ao julgamento justo, por motivos diversos. Isso nos leva a crer que seja necessária uma mobilização do Poder Judiciário para transformar as leis em um elemento vivo e eficaz, a fim de facilitar a procura do judiciário para julgar as diversas lides.

Por isso fala-se muito na responsabilidade dos aplicadores da lei em buscar novos meios e métodos que possam levar o acesso à justiça às pessoas marginalizadas desse processo, visando sempre o máximo de sua efetividade. Isso certamente garantirá novas perspectivas na vida dessas pessoas, pois possibilita uma existência mais digna e pode até mesmo quebrar o ciclo de pobreza de uma sociedade. Nesse sentido atesta o autor Luís Roberto Barroso:

Operosidade, a seu turno, significa que todos os envolvidos na atividade judicial devem atuar de forma a obter o máximo de sua produção para que se atinja o efetivo acesso à justiça. Esse princípio se aplica no campo subjetivo a partir de uma atuação ética de todos os sujeitos do processo, os quais devem sempre zelar pela efetividade da atividade processual. [8]

Mas apesar de toda essa relevância ainda existem alguns entraves, como acima ressaltado, os quais tornam restrito o acesso ao judiciário. Dessa forma podemos citar: os altos custos processuais, principalmente para as pequenas causas, a pouca celeridade processual, falta de informação e/ou dificuldade em reconhecer um direito exigível e voltando-se para a nossa região a dificuldade de deslocamento. Isso é retratado pela renomada autora Ada Pellegrini Grinover:

Todavia, é preciso reconhecer o grande descompasso entre a doutrina e a legislação de um lado, e a prática judiciária de outro. Ao extraordinário progresso científico da disciplina não correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da Justiça. A sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização da Justiça, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que deixa de fazer uso dos poderes que o Código lhe atribui; a falta de informação e de orientação do patrocínio gratuito, tudo leva à insuperável obstrução das vias de acesso à Justiça, e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários. [9]

Em relação às custas processuais, observa-se um alto valor pago pelo litigante, onde há situações que  para o litigante ter seu pedido apreciado pelo juízo competente deve, primeiramente, pagar uma taxa judicial. E em caso de não ter êxito no processo, deve ao final da lide pagar a sucumbência.

Outro fator ligado aos custos que os processos geram são os deslocamentos que a parte deve fazer para comparecer as audiências, os quais são mais onerosos quanto maior o tempo para a decisão do litígio.

No contexto da dificuldade de locomoção e do ônus gerado, a região amazônica sofre um maior peso para quem deseja exigir um direito, pois a região é eminentemente cortada por inúmeros rios.

E essa é a realidade de muitos municípios do interior do estado onde não se tem uma infra-estrutura adequada, o que restringi ao meio fluvial a depender, ainda da cheia ou vazante dos rios. Ressalta-se também a existência das longas distâncias a serem percorridas, o que eleva o número de dias apenas para chegar ao foro competente.

Vale lembrar que nos interiores da região amazônica, as economias locais são pouco desenvolvidas, muitas vezes apenas para subsistência, impondo uma forte restrição ao acesso pleno ao poder judiciário.

Outro fator também importante é a pouca celeridade do processual, como conseqüência a justiça perde a sua credibilidade, agindo de forma direta para desestimular a procura do poder judiciário. 

Mas vale ressaltar que é preciso encontrar um caminho para essa maior celeridade processual, pois a de se ter sempre em mente o respeito aos outros princípios coligados ao acesso ao judiciário, como o princípio da igualdade e o da razoabilidade para que efetivamente se tenha um julgamento justo, assim como meios reformas normativas para evitar que recursos e formalismos sejam utilizados para impedir o normal prosseguimento do feito.

Neste sentido averba, brilhantemente, J. J. Gomes Canotilho:

Note-se que a exigência de um direitos sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça acelerada. A aceleração da proteção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias) pode conduzir a uma justiça pronta, mas materialmente injusta. [10]

Por fim, há ainda a falta de informação, que na região amazônica também é um fator importante para impedir a procura do poder judiciário. Nos interiores inúmeros cidadãos possuem pouca ou nenhuma formação escolar, isso faz delas alvos fáceis para a exploração, por exemplo, no âmbito trabalhista e assim estes ribeirinhos por desconhecimento, não procuram zelar pelos seus direitos.

Para que isso seja inibido nas relações processuais é necessário que haja maior informação e esclarecimento para os cidadãos, principalmente, a população que tem maiores dificuldades em obter tais informações, como por exemplo, é feito no Juizado Especial Federal, onde há espaço para a orientação e informação as pessoas que procuram o programa.

2.2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Trata-se de um princípio relativamente novo, pois a sua fundamentação e sua constitucionalização começou a ser implementada na era pós-Hitler. Isso aconteceu em virtude das atrocidades cometidas por nações como a italiana, espanhola e, principalmente, a Alemã, palco do Holocausto, da segregação racial e do enaltecimento da raça ariana, fatos estes que causaram na humanidade grande horror e comoção social.

A primeira nação a reconhecer expressamente a dignidade da pessoa humana como valor fundamental foi a da República Alemã. O artigo 1°, n° 1, da Constituição Alemã, de 23 de maio de 1949, declara: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais.[11]

As novas constituições que foram homologadas após o terror vivido em países da Europa na Segunda Guerra Mundial já contavam com o princípio da dignidade da pessoa humana como direitos fundamentais, cujo objetivo era impedir novas manifestações de desrespeito aos valores sociais, ou seja, aos valores inerentes aos cidadãos, como pode ser atestado na passagem deste artigo de Pedro Pereira dos Santos Peres:

A defesa da dignidade da pessoa humana e das condições mínimas de uma vida digna, atualmente, tomaram uma conotação internacional, com um movimento no sentido da constitucionalização de tal princípio, sobretudo após o advento da Segunda Guerra Mundial, onde pessoas eram mortas em série sem qualquer respeito à vida, à dignidade de cada ser humano. Assim, eis algumas das Constituições que normatizam a dignidade da pessoa humana: Constituição da República Portuguesa, promulgada em 1976 (art. 1º); Constituição da Espanha; Constituição da Alemanha; Constituição da Bélgica; Constituição da República da Croácia, de 22 de dezembro de 1990 (art. 25); Preâmbulo da Constituição da Bulgária, de 12 de julho de 1991; Constituição da Romênia, de 08 de dezembro de 1991.

(art. 1º); Lei Constitucional da República da Letônia, de 10 de dezembro de 1991 (art. 1º); Constituição da República eslovena, de 23 de dezembro de 1991 (art. 21); Constituição da República da Estônia, de 28 de junho de 1992 (art. 10º); Constituição da República da Lituânia, de 25 de outubro de 1992 (art. 21); Constituição da República eslovaca, de 1º de setembro de 1992 (art. 12); Preâmbulo da Constituição da República tcheca, de 16 de dezembro de 1992; Constituição da Federação da Rússia, de 12 de dezembro de 1993 (art. 21).[12]

A importância desse princípio é tão elevada que nestas constituições, a dignidade da pessoa humana foi inserida logo no início das constituições européias, isso indica que este princípio tornou-se estruturante, como observa Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy:

Há seção inicial indicativa de direitos fundamentais (Die Grundrechte). Orienta-se para a proteção da dignidade da pessoa humana e para a obrigatoriedade do respeito aos direitos fundamentais pelo Poder Público (Mennschenwürde, Grundrechsbindung der staatlichen Gewalt). Indica-se que a dignidade da pessoa humana é inviolável (Die Würde des Menschen ist unantasbar) e que toda a autoridade pública terá o dever de respeitá-la e de protegê-la [13].

Fato parecido ocorreu no Brasil, separadas as devidas proporções. No tempo da ditadura militar houve um total desrespeito com a dignidade da pessoa humana, assim numa tentativa de recuperar esse valor e positivá-lo, a constituinte inseriu esse princípio como fundamento da República Federativa do Brasil.

Sendo assim, reconhece-se o valor da dignidade como essencial, além de embasar as relações sociais em todo o país. Nesse sentido procurou-se positivá-lo para que fosse mais uma forma de limitar futuros ditadores, além de elevar o Estado a uma instituição de respeito, tanto no âmbito das políticas internas como no âmbito das políticas externas, a exemplo dos acordos internacionais, dos quais o Brasil faz parte.

E para que a dignidade possa prosperar tanto socialmente como constitucionalmente é preciso criar condições mínimas como: cultura, alimentação, trabalho e uma sociedade equilibrada, pois assim haverá meios para que a sociedade possa evoluir a passos largos enquadrando-se no objetivo do direito que é possibilitar o desenvolvimento social.

Trata-se de um atributo supremo que se confunde com a natureza humana, como se pode observar em passagem de José Afonso da Silva: “É um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” [14].

E ainda afirma:

O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais[15].

Assim, ao falar em dignidade, diz-se que é um atributo intrínseco, ou seja, inerente ao homem, faz parte do seu ser e por isso é o único ser capaz de entender esse valor, superior a qualquer preço que não admite uma substituição, ou seja, é um valor indispensável, irrevogável.

Todavia, não se esgotam, como se pode observar, tão somente nesses dois princípios constitucionais a questão relativa ao depositário infiel, vez que a atual Carta Magna brasileira tem uma série de princípios todos vigentes e interdependentes entre si, tendo alguns, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho, a denominação de princípios estruturantes, os quais dão suporte a todos os demais.

É, justamente, nesse sentido que através da interpretação dos princípios constitucionais, por exemplo, se pode chegar à conclusão da validade da mudança da Constituição Brasileira a partir de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, não sendo possível, desta forma, o país escusar-se de cumprir seus exatos termos em razão da alegação de contrariedade do ordenamento jurídico interno, como é internacionalmente aceito.

Nesse contexto, é o que se passa a discutir a partir de então, onde se vislumbrará a possibilidade e legalidade dos tratados e acordos internacionais realizarem mudanças dentro do ordenamento jurídico interno.

3 A incorporação dos Tratados e Acordos Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

A partir de uma série de mudanças internacionais acerca dos direitos do cidadão e a consequente construção e ampliação do significado e importância dos direitos humanos, passou-se a discutir no Brasil os mais diversos tratados internacionais, principalmente sobre o tema acima ventilado, os quais traziam em seu corpo diversas mudanças de entendimento sobre o indivíduo enquanto cidadão a ser protegido pelo seu país.

Nesse sentido, ampliou-se o debate acerca dessas normas internacionais, consubstanciadas através de tratados e acordos internacionais, cada vez mais freqüentes com a era da globalização e dos acordos multilaterais entre nações, para a questão referente aos impactos desses acordos internacionais sobre as normas do ordenamento jurídico interno, principalmente, quanto a mudanças na própria Carta Magna de 1988.

3.1 A Constituição Federal como uma Carta Aberta aos Direitos Humanos

Assim sendo, ainda na fase de subcomissões da Assembléia Nacional Constituinte o legislador originário buscou uma série de opiniões de grandes especialistas nos mais diversos assuntos a fim de construir o formato da nova constituição brasileira.

Dentre os mais diversos especialistas, encontrava-se um em destaque, qual seja, o iminente jurista Antonio Augusto Cançado Trindade, no papel de conferencista, momento no qual o ilustre professor deixou a clara recomendação de se adotar um modelo aberto à proteção do cidadão, de acordo com o que já era internacionalmente aceito nas constituições modernas do ocidente, como se verifica a seguir:

Seria de todo indicado, para concluir, recordando uma vez mais a compatibilização entre esses tratados (referindo-se aos pactos de direitos humanos das nações unidas e à Convenção Interamericana de Direitos Humanos que na ocasião ainda não tinham sido ratificadas pelo Brasil) e o direito interno, que a nova constituição explicitasse, dentre os princípios que regem a conduta do Brasil nos planos nacional e internacional, a promoção e a proteção dos direitos humanos, entendidos estes como abrangendo tanto os consagrados na própria constituição ou os decorrentes do regime democrático que ela estabelece, quanto os consagrados nos tratados humanitários em que o Brasil é Parte e nas declarações internacionais sobre a matéria de que o Brasil é signatário.[16]

A partir, então, da crescente importância dos direitos humanos, bem como do repúdio dos brasileiros as mais diversas atrocidades cometidas durante as duas grandes guerras mundiais, guerra fria e a própria história recentes com a ditadura militar, vislumbrou-se a oportunidade de colocar o cidadão como figura central de proteção de direitos, criando-se uma série de mecanismos capazes de garantia da eficácia de tais direitos.

Nesse sentido, o legislador ordinário, mais especificamente os participantes da subcomissão de direitos humanos da Assembléia Nacional Constituinte, adotaram a idéia da incorporação de tratados e acordos internacionais firmados pelo país, momento no qual a República Federativa do Brasil passa a assumir as obrigações deles concernentes, nos termos do que será oportunamente exposto.

Tal fato se evidencia quando observado o disposto no § 2° do art. 5° da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”[17]

O dispositivo acima epigrafado é, justamente, o grande fundamento constitucional para a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro quando homologados os Decretos Legislativos concernentes ao assunto em questão.

Nesses termos, não se pode olvidar que tal instituto jurídico já aparecia claramente nas Constituições anteriores. O dispositivo legal estava expresso no art. 78 da Constituição de 1891: A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluem outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna.

No art. 114 da Constituição de 1934, tinha-se: A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adota.

No art. 123 da Constituição de 1937, o qual adotou uma escrita mais extensa em razão do Regime Vargas, in verbis:

Art. 123 - A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição.

No art. 144, da CF de 1946, já com a redação original do texto normativo: A especificação, dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.

No § 35, do art. 150 da CF de 1967, in verbis:

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] 

§ 35 - A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.

E, por fim, no § 36 do art. 153 da E.C 1/69, in verbis:

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

[...]

§ 36. A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.[18]

Ainda sobre essa busca histórica das influências sobre a chamada Constituição Cidadã e da importância disposta na mesma sobre os direitos fundamentais do cidadão, faz-se mister ressaltar que os dispositivos acima transcritos sofreram clara influência da nona emenda à Constituição Norte Americana, a qual determinava: “A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo.”[19]

Nesse sentido, segue o mesmo raciocínio o autor Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy ao ressaltar o que se segue: ‘‘A emenda nº 9 indica que direitos enumerados na constituição não excluem outros. ’’[20]

É nesse contexto que se fala em influências do direito francês e português, bem como do direito norte-americano para a construção e elaboração do texto da Constituição Federal promulgada em 1988.

Vistos esses termos, quais sejam, a clara possibilidade da inserção de direitos advindos de tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, impõe-se, a partir dessa hipótese, ressalvar que os direitos não insertos na CF/88, não excluem outros decorrentes do regime ou dos princípios nela dispostos.

Percebe-se, então, que os direitos e garantias hoje previstos, estão em pleno desenvolvimento e construção, em razão da inerente transformação que ocorre nas relações sociais. Segue nesse mesmo sentido a ilustre Professora Silvia Loureiro:

Entretanto, o próprio parágrafo em questão, ao afirmar que os direitos e garantias expressos nesta Constituição (ou seja, não apenas aqueles expressos no Título II), não excluem outros decorrentes do regime ou dos princípios nela consagrados, deixa transparecer que o rol de direitos e garantias expressos no Texto Magno ultrapassam o rol dos direitos e garantias enumerados ao longo do art. 5°, ou mesmo dos artigos que compõem o respectivo Título Segundo.[21]

Todavia, a partir disto, diverge-se quanto à questão da eleição dos possíveis direitos e garantias fundamentais não previstos na Constituição, mas que podem fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro em razão dos princípios constitucionais adotados e do regime democrático então vigente, conforme se verifica no entendimento abaixo exposto:

Em síntese o verdadeiro esforço hermenêutico está em identificar quais seriam, então, os direitos e garantias fundamentais não enumerados na Constituição, mas que decorrem do regime democrático e do princípio por ela adotados, como, exemplificativamente, o princípio da prevalência da dignidade da pessoa humana (Título I). [22]

O ponto crucial que se discute é se há possibilidade de fechar um rol de direitos e garantias fundamentais para não haver a transformação interpretativa das normas previstas, todavia, esse tipo de pensamento não deve imperar em razão de o direito ser uma ciência social aplicada.

Dessa forma, as relações sociais estão em plena e contínua transformação e se houver um rol fechado de direitos, fatores como as evoluções tecnológicas e científicas que ainda são desconhecidas, por serem futuras e incertas, podem vir a deixar de ser reguladas, por ser a norma jurídica incapaz de se adequar as novas realidades sociais, evidenciando uma Carta Magna que se revelaria como uma letra morta, sem função no ordenamento jurídico.

3.2 Procedimentos de votação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

Visto os termos até aqui expostos, é possível observar que no processo de elaboração e homologação da CF/88, o legislador ordinário adotou um sistema aberto aos novos direitos e garantias adquiridas por meio de, por exemplo, tratados internacionais.

Tal fato se deve em razão da inserção do § 2° do art. 5°, como já foi exaustivamente relatado.

A partir dessa conclusão, é imperioso ressaltar que essas garantias advindas de tratados internacionais, cujas normas versem sobre direitos humanos, até o ano de 2004, eram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro com um status de norma constitucional de uma forma indistinta, sem que houvesse qualquer diferenciação procedimental na sua inserção, quando considerados somente os §§ 1° e 2° do art. 5° da CF/88, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Averba o eminente Professor Cançado Trindade, em sua obra “A proteção Internacional dos Direitos Humanos: Fundamentos Jurídicos e Instrumentos Básicos”:

Se para os tratados internacionais em geral, tem-se exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano de ordenamento jurídico interno, distintamente, no tocante aos tratados de direitos humanos em que o Brasil é Parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os arts 5 (2) e 5 (1) da Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno. Por conseguinte, mostra-se inteiramente infundada, no tocante em particular aos tratados de direitos humanos, a tese clássica – ainda seguinda em nossa prática constitucional – da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional.[23]

Do texto acima indigitado, é possível perceber que bastava tão somente seguir o rito de votação em turno único nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal), com um quorum comum, ou seja, com a presença da maioria absoluta, retirada do número total dos integrantes das duas casas, podendo ser aprovada pela maioria absoluta dos presentes.

Após tais procedimentos, passa-se então para a discricionariedade do Presidente da República em homologar, o até então Projeto de Decreto Legislativo, e passar a ser parte de um tratado internacional, acarretando em todos os direitos e deveres concernentes a ratificação do documento já citado.

Sendo inclusive este o rito seguido para aprovação e homologação do Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992, o qual ratificou no direito interno brasileiro o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Após os procedimentos acima descritos, em 25 de setembro de 1992 foi realizado o ultimo ato necessário para o início da vigência dos termos da Convenção, qual seja, o seu depósito, como se confirma no trecho a seguir transcrito: Por conseguinte, a vigência do tratado no plano internacional, através do deposito do instrumento de adesão ou ratificação, coincide, por força do dispositivo mencionado, com a vigência deste ato internacional no plano do direito interno brasileiro.[24]

Considera-se, a partir deste ato, que o país parte do tratado tem a obrigatoriedade do cumprimento de seus termos, sob pena de ser responsabilizado pelo descumprimento. É inclusive nesse sentido que seguem os diversos doutrinadores pátrios, como é amplamente aceito no direito internacional, conforme se percebe a seguir, nas palavras da Ilustre Flavio Piovesan: ‘‘A ratificação é, pois, ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade no âmbito internacional e interno.’’[25]

Esse fato, inclusive, advém de norma internacionalmente aceita, uma vez que está prescrita na Convenção de Viena, em seu art. 27, o qual determina a impossibilidade do país parte em alegar a existência de norma no direito interno contrária a norma internacional para se desobrigar a cumprir o tratado internacional, conforme a seguir transcrito: “ Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a não-execução de um tratado.”

Nesse sentido, pode-se observar que a Carta Magna Brasileira de 1988 não estatuiu expressamente qual seria o posicionamento hierárquico das normas internacionais incorporadas ao direito brasileiro, quando se tratar de direitos humanos, cabendo tal tarefa à doutrina, a jurisprudência ou aos legisladores pátrios, como se vê nas palavras de autor Cristiano Kinchescki:

Afora o artigo 5º, § 2º, que se aplica aos direitos humanos fundamentais, a Constituição de 1988 não havia estatuído, em seus dispositivos, o posicionamento hierárquico do direito internacional perante o direito interno, ficando esta incumbência a cargo da doutrina e da jurisprudência.[26]

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No entanto, ao se ter por base o rito para votação acima mencionado e a mudança da CF/88, com a inserção do § 3° do art. 5°, da CF/88, iniciou-se uma série de discussões acerca do status das garantias previstas na Convenção diante da Constituição Federal de 1988, o que será detalhadamente discutido no momento oportuno.

A partir, então, desse momento histórico, qual seja a inserção do § 3° do art. 5°, da CF/88, através da aprovação da Emenda Constitucional n. 45/04, o direito brasileiro em termos de Tratados Internacionais de Direitos Humanos passou a ter um novo marco em relação à sua hierarquia dentro do ordenamento jurídico brasileiro, quando confrontado com a Carta Magna de 88, uma vez que se o tratado internacional versar sobre direitos humanos, a depender do rito de votação, pode ser equivalente a uma Emenda Constitucional ou, então, ser equivalente a lei ordinária, ou seja, norma infraconstitucional.

De uma forma mais detalhada, a partir da EC n. 45/04, conhecida como reforma do judiciário, o texto constitucional passou a figurar da seguinte forma:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Desta forma, através da norma indigitada, incluiu-se no direito brasileiro uma diferenciação que de certa forma dificultou em muito a inclusão de novas garantias constitucionais advindas de tratados internacionais no direito brasileiro.

O procedimento se inicia na Câmara dos Deputados com a leitura da Mensagem Presidencial, momento no qual é formalizado um processo para ser encaminhado para a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.

A partir disso, é designado um relator para apreciar tanto o relatório como o parecer que propõe um projeto de decreto legislativo sobre o texto do tratado internacional. Se aprovado, passa-se, então, para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação para novo exame.

Passados tais procedimentos e se aprovado os termos até então apresentados, o projeto é submetido à discussão e votação em dois turnos no Plenário da Câmara dos Deputados, com quorum qualificado, ou seja, três quintos.

Se aprovado, retorna o processo para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação para redação final, encaminhando o texto aprovado para o Senado Federal para apreciação nos mesmos termos e procedimentos da Câmara dos Deputados. Deve-se, entretanto, mencionar que no caso de emenda ao texto do Projeto de Decreto Legislativo realizado pelo Senado deve o processo retornar à Câmara dos Deputados para nova votação em plenário dos novos termos e seguir novamente para o Senado em caso de aprovação.

Votado então em dois turnos e com quorum qualificado, em caso de aprovação, encaminha-se ao Presidente do Senado, como Presidente do Congresso Nacional, para promulgação e publicação do Decreto Legislativo.

Em caso de todos esses passos serem devidamente seguidos, o Tratado Internacional de direitos humanos é aceito no direito brasileiro como uma norma constitucional, pois equivale a uma Emenda Constitucional.

Fica, nesses termos, a crítica sobre o agravamento do processo legislativo, ato este necessário e essencial para a entrada de norma externa no direito interno, para inserção de novas garantias fundamentais, uma vez que se trata de direitos humanos e a própria ciência jurídica estar em constante transformação, adequação às novas realidades sociais, demonstrando-se desnecessário se ter um procedimento mais gravoso para este tipo de situação.

Válido então mencionar que no caso de ser um tratado internacional versando sobre direitos humanos, o qual não siga o rito de dois turnos de votação nas duas casas, ou não atinja um quorum de três quintos, será a norma equivalente tão somente a uma lei ordinária, ou seja, com status infraconstitucional, o que não se afigura correto quando observados os demais termos da Constituição Federal, quais sejam, o art. 1°, III e art. 4°, II, ambos da CF/88, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos;

Têm-se, ainda, os próprios termos dos §§ 1° e 2° do art. 5° da CF/88, já acima transcritos, bem como os termos do art. 49, I da CF/88: Desta forma, é da competência exclusiva do Congresso Nacional, resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

E, ainda, o art. 84, VIII, também da CF/88: Compete privativamente ao Presidente da República, celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Inclusive, desses dois últimos atos normativos, é possível observar que a CF/88 jamais diferenciou quaisquer tipos de tratados internacionais, bem como o rito para aprovação, o que corrobora para a impropriedade do § 3° do art. 5° da Constituição Federal.

Essa posição é defendida por inúmeros autores como se pode observar no artigo da Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, na sua nona edição, a seguir transcrito:

Note-se, nesse sentido, que os dispositivos referentes ao processo constitucional de incorporação de tratados, quais sejam, artigo 49, I e artigo 84, VIII, não fazem qualquer distinção quanto à natureza do tratado a ser incorporado, sendo o referendo congressual realizado na forma de decreto legislativo.

Nem mesmo o artigo 60 da Constituição que trata do processo legislativo de emendas previu a necessidade da equivalência do rito adotado no seu parágrafo 2º para incorporação de tratados internacionais sobre direitos humanos. [27]

E assevera, ainda: ‘‘Ademais, dito procedimento gravoso dificulta a inserção de novos tratados sobre direitos humanos no futuro, os quais, se não tiverem sua aprovação segundo os obstáculos procedimentais, ficarão sujeitos às inconstâncias da legislação ordinária.’’[28]

Apesar de todas essas críticas e outras que se faz em relação ao rito legislativo para inserção de novas garantias advindas de tratados internacionais no direito interno, passou-se a adotar após a promulgação da EC n. 45/04 tais regras de equiparação de tais normas às emendas constitucionais, bem como os tratados que foram incorporados e seguiram o rito acima mencionado também foram assim considerados.

Todavia, dentro dessa perspectiva, levantou-se a hipótese para discussão acerca dos tratados internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao direito pátrio antes da promulgação da EC n. 45/04 e sem que seguissem o rito posteriormente adotado, como se questiona no trecho a seguir transcrito:

Neste diapasão, é imprescindível citar as três situações distintas relativas aos supracitados tratados que foram elencadas pelo douto Ministro, referindo-se às lições de Celso Lafer, verbis:

“(...) 1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição;

2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o ‘iter’ procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição);

3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é ‘a somatória daquilo que se adiciona à Constituição 199 escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados).[29]

Nesse sentido, inclusive, questionava-se a constitucionalidade da equivalência de tais tratados a uma norma constitucional, se deve assim ser protegida e respeitada, pois estariam fora dos ditames legais determinados pela própria Carta Magna a partir da EC n. 45/04, o que ainda será detalhadamente defendido no momento oportuno.

4 A Súmula Vinculante 25 e a mudança de entendimento do E. Supremo Tribunal

Passados os termos anteriormente vistos, já é possível observar alguns aspectos importantes acerca do que se passará a comentar a seguir, uma vez que a interpretação dos dispositivos expostos na Constituição Federal da República de 1988 pode sofrer modificações a partir dos novos contextos surgidos nas relações sociais, bem como das novas legislações posteriormente sancionadas no país.

Todavia, antes de qualquer coisa, é imperioso conceituar a figura do depositário. Para tanto, deve-se observar duas legislações para se chegar a uma conclusão acerca do instituto jurídico acima mencionado.

Primeiramente é preciso observar os termos do art. 1363, I do Novo Código Civil, onde fica claro que antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza.

Nos termos da norma indigitada, é possível perceber que o depositário é aquele que após o vencimento de uma dívida, tornando-se assim um devedor, fica obrigado a guardar uma coisa móvel alheia, empregando as suas expensas e risco toda diligência necessária para resguardar o bem da forma como recebeu, até que lhe seja exigida a devolução do mesmo.

Inclusive, essa norma jurídica advém do instituto jurídico disposto no art. 1282, I do Código Civil de 1916, o qual permaneceu vigente até o ano de 2002, caracterizando-se como uma evolução jurídica acerca do entendimento do instituto do depositário, conforme a seguir transcrito:

Art. 1.282.  É depósito necessário:

I - o que se faz em desempenho de obrigação legal (art. 1.283);

II - o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio, ou o saque.

Art. 1.283.  O depósito de que se trata no artigo antecedente, no I, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio, ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário (arts. 1.265 a 1.281).

Logo, é possível asseverar que o depositário torna-se infiel, quando o devedor não emprega a diligência necessária a um bem móvel alheio, após receber a ordem legal de devolver o bem que estava sob sua guarda.

É nesse mesmo sentido que a Lei n. 8.866/94, em seu art. 1°, § 2° (inteiro teor no Anexo A), conceitua o depositário infiel para a fazenda pública no âmbito das execuções fiscais, nos termos abaixo transcritos:

Art. 1º. É depositário da Fazenda Pública, observado o disposto nos arts. 1.282, I, e 1.283 do Código Civil, a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos, impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social.

§ 2º. É depositária infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, no termo e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária.

É possível, desta forma, verificar que o depositário infiel é toda pessoa que obrigada a reter ou receber de terceiro, impostos, taxas e contribuições e não o entrega à Fazenda Pública quando legalmente obrigado.

Dentro desses termos, faz-se mister ressaltar o caso do Pacto de São José da Costa Rica, cuja natureza jurídica é de um tratado internacional de direitos humanos e que foi ratificado por todos os países integrantes da Organização dos Estados Americanos, dentre eles o Brasil, que em 1992 ratificou o referido tratado, incorporando-o, no mesmo ano, ao direito interno brasileiro através do Decreto n. 678/92 (inteiro teor no Anexo B).

Nesse sentido, no que se refere especificamente a este tratado internacional, tem-se um aspecto importante, o qual deve ser ressaltado, em razão da controvérsia surgida em torno do tema que se estendeu por dezessete anos até que a jurisprudência pátria firmasse um entendimento concreto e uníssono sobre o assunto.

Esse tema é claramente a questão relativa ao depositário infiel, pois no Pacto de São José da Costa Rica foi expressamente determinada a ilegalidade a prisão do infiel depositário, ficando ressalvada a permissão tão somente da prisão civil por dívida do devedor de alimentos, nos termos do artigo 7°, 7 do referido tratado, conforme a seguir abaixo transcrito:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.[30]

Todavia, a controvérsia se deu a partir da incompatibilidade entre a norma internacional sobre direitos humanos, qual seja o artigo acima transcrito do Pacto em epígrafe incorporado ao direito interno e o art. 5°, LXVII da CF/88, o qual determina a proibição da prisão civil por dívida, ressalvado os casos de pensão alimentícia e da própria prisão do depositário infiel.

A partir dessa constatação, iniciou-se uma serie de demandas jurídicas acerca da validade do tratado internacional e sua aplicabilidade no país, principalmente, após a vigência do § 3°, do art. 5° da CF/88, acrescentado pela E.C n. 45/04, e a partir disso, o E. Supremo Tribunal Federal – STF passou a utilizar-se de diversos pressupostos para firmar um entendimento acerca do assunto acima ventilado.

Nesses termos, antes de adentrar especificamente na análise da Súmula Vinculante n. 25 do STF, é preciso ressaltar a efetividade das normas internacionais sobre direitos humanos quando incorporados ao direito interno e os deveres do estado concernentes a tais fatos, o que se passa a fazer a partir de então.

4.1 Eficácia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito Interno

Após serem descritos os procedimentos de incorporação dos tratados internacionais concernentes aos direitos humanos, verificou-se que a partir da forma em que são votados e da época em que foram votados, tem-se uma diferenciação quanto a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, podem ser considerados como uma Emenda Constitucional, como norma supralegal ou mesmo uma lei ordinária, obedecidos respectivamente o quórum qualificado, a votação de tratado internacional antes da Emenda Constitucional n. 45/04 ou mesmo um quórum simples.

Ao considerar tais fatos, percebe-se através da leitura da Carta Magna de 1988 que seja qual for a forma de incorporação da norma ao direito interno e a partir do momento em que a mesma seja vigente, incorrerá o estado brasileiro em uma série de obrigações diante dos princípios adotados pela Constituição Federal da República.

Ao se verificar, por exemplo, que o Brasil nas suas relações internacionais rege-se pela prevalência dos direitos humanos, nos termos do art. 4° da CF/88, eleva-se a importância do assunto a um status de grande relevância tanto ao se considerar o texto legal em si como o próprio cidadão, comprometendo-se, desta forma, em obedecer e proteger os direitos fundamentais quando assim considerados.

Desta forma, não pode o estado brasileiro utilizar-se de reservas ou mesmo do seu direito interno para não cumprir os termos do que foi acordado, conforme se percebe nas palavras do Autor Cristiano Kinchescki:‘‘Os tratados internacionais apresentam como fundamento da sua obrigatoriedade a norma pacta sunt servanda, um dos princípios constitucionais da sociedade internacional. ’’[31]

E complementa o Eminente autor Hans Kelsen: ‘‘segundo a qual os Estados ficam vinculados aos tratados por eles celebrados, qualquer que seja o conteúdo que eles dêem às normas pacticiamente criadas. ’’[32]

Assim, o pacta sunt servanda se caracteriza pelo respeito por parte dos países pactuantes ao que foi livremente acordado entre os mesmos no âmbito dos acordos internacionais, tendo como tradução literal, os pactos devem ser respeitados.

Todavia, não se pode olvidar que existem ainda outros princípios no que concerne às normas de direito internacional e sobre a questão assevera o Professor Cristiano Kinchescki: ‘‘A plena observância, pelo Estado, do tratado de que é parte, consagra o princípio da boa-fé.’’[33]

E complementa a Autora Flávia Piovesan:‘‘na medida em que, no livre exercício de sua soberania, o Estado contraiu obrigações jurídicas no plano internacional’’[34]

Assim, como já observado o tratado internacional tem a obrigatoriedade de ser cumprido a partir do momento em que é incorporado ao direito interno do país pactuante após ser homologado pelo Presidente da República, pois tal ato se caracteriza por ser uma ação de soberania externa do Estado, como nas palavras de Flavia Piovesan:

É assim que documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta das Nações Unidas, e, ao nosso ver, o Pacto de São José da Costa Rica fazem parte, para a doutrina dominante, do jus cogens internacional, constituindo direito imperativo a ser observado pelos Estados. Este direito internacional imperativo representa a aceitação pela comunidade internacional, de calores fundamentais, e de regras básicas em que ela se funda, compondo uma ordem pública internacional.[35]

Outro aspecto a ser observado é o princípio da boa-fé, pelo qual se coaduna com o princípio do pacta sunt servanda, vez que como já explicitado o estado pactuante sempre terá a liberdade de fazer parte de um tratado ou não, e no caso de aceitação deve então cumpri-lo de acordo com o aquele princípio.

Esse pressuposto está expressamente previsto na Convenção de Viena, a qual regula as regras acerca da formalização dos tratados internacionais, como pode ser visto a seguir: Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé.[36]

E acrescenta o ar. 27 da Convenção acima referida, in verbis:

Artigo 27

Direito Interno e Observância de Tratados

Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.[37]

O que se vê, desta forma, é que os acordos internacionais trazem inerentemente a sua homologação e consequente incorporação ao direito interno a obrigação do estado em respeitar o pactuado e cumprir os seus termos de acordo com os princípios internacionalmente aceitos, bem como os vigentes na Carta Magna pátria.

Vistos esses termos, é possível observar que o estado brasileiro tem como obrigação cumprir os termos do tratado ratificado, cabendo aos poderes da União, nos termos do art. 2° da CF/88, zelar pela efetivação dos direitos incorporados.

Neste caso, o Poder Executivo tem como dever a estruturação dos seus órgãos e agentes para observar os direitos vigentes na Carta Magna pátria e garanti-los de forma que todos os seus cidadãos possam usufruir dos mesmos, conforme assevera o Eminente autor Cançado Trindade:‘‘organizar o poder público para garantir a todas as pessoas sob sua jurisdição o livre e pleno exercício de tais direitos.’’[38]

Já em relação ao Poder Legislativo, lhe resta fornecer subsídios necessários para a adequação das normas internas aos novos preceitos internacionais incorporados, ou seja, deve ser realizada a adequação das normas jurídicas às novas realidades sociais, assim como assevera a Professora Silvia Loureiro: ‘‘Para o Poder Legislativo, o dever geral de proteção dos direitos e liberdades, consagrados na Convenção traduz-se no dever de adequação do direito interno à normativa internacional de proteção dos direitos humanos.’’[39]

Por fim, no que concerne ao Poder Judiciário, cabe-lhe julgar os casos interpostos em tempo hábil e aplicando as normas de direito internacional em conjunto com as normas de direito interno respeitando os princípios da razoabilidade proporcionalidade, conforme Cançado Trindade:

Ao Poder Judiciário, por sua vez, compete a interpretação e aplicação harmoniosa das normas constantes dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos com as normas do direito interno, em conformidade com os princípios e calores democráticos que lhes são peculiares [...].[40]

Assim, conforme se viu a eficácia das normas de tratados internacionais no direito interno deve ser aplicado e garantido pelo estado brasileiro conforme as regras internacionalmente aceitas como o pacta sunt servanda e a boa-fé, visto que os direitos humanos se caracterizam por serem normas jus cogens e, por isso, cabe ao estado cumprir seus termos de forma imediata a partir da sua incorporação ao direito interno, conforme estatuído no art. 5°, §§ 1° e 2° da CF/88.

4.2 Egrégia Suprema Corte e a impossibilidade da prisão do depositário infiel

A partir de tudo o que foi até então discutido é possível observar que a incorporação do Pacto de São José da Costa Rica causou ao direito brasileiro um grande dilema acerca da questão do depositário infiel, o que trouxe aos tribunais pátrios inúmeras ações discutindo a hierarquia do tratado internacional de direitos humanos frente à Constituição Federal.

Colocou-se, inclusive, em questão a constitucionalidade da norma prevista no art. 7°, n. 7 do Pacto de São José da Costa Rica, pois segundo a visão de uma parte da doutrina a CF/88 tinha um valor supremo, inclusive quando comparado com os tratados internacionais.

Iniciou-se, assim, um processo de revisão da interpretação das normas constitucionais pelos egrégios tribunais, a fim de que ocorresse uma maior segurança jurídica no direito brasileiro acerca do tema em epígrafe.

Para tanto, considerou dentre outras acepções o que já foi anteriormente exposto, como por exemplo, a primazia da dignidade da pessoa humana, uma vez que este princípio é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil nos termos do art. 1°, III, da CF/88, a seguir transcrito, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Bem como considerou ainda o art. 4°, II da CF/88, in verbis: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos”.

Em conjunto com a análise dos §§ 1° e 2° do art. 5° da CF/88 e o controverso § 3° da CF/88, pois como já mencionado a Carta Magna brasileira é sim uma carta aberta aos direitos humanos.

Primeiramente, o posicionamento clássico (monista moderado nacionalista) do E. STF era no sentido de obedecer aos termos da Carta Magna pátria, art. 5°, LXVII da CF/88 e considerando a norma internacional como tão somente uma lei ordinária. Tal fato faz com que o ato da incorporação não gerasse modificação significativa no sistema judiciário brasileiro, uma vez que a constituição era considerada norma suprema, conforme pode ser observado no acórdão proferido pela E. Corte no HC n. 72.131-RJ, abaixo transcrito:

Na realidade, inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativo dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se propõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a lei fundamental da República.[41]

E ainda asseverou:

Impõe-se acentuar, neste ponto, e sempre reconhecendo a necessária submissão hierárquico-normativa dos tratados internacionais à ordem jurídica subordinante consubstanciada na Lei Fundamental da República, que não há como emprestar à cláusula inscrita no art. 5°, § 2°, da Carta Política um sentido exegético que condicione, que iniba ou, até mesmo, que virtualmente impossibilite o Congresso Nacional de exercer, em plenitude, as típicas funções institucionais que lhe foram deferidas pelo documento constitucional, especialmente quando este outorga ao Poder Legislativo expressa autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel.[42]

No mesmo sentido conclui a Professora Silvia Loureiro, conforme passagem a seguir transcrita:

Por ocasião do julgamento em Plenário do Habeas Corpus n. 72.131 e, posteriormente, do Recurso Extraordinário n. 206.482, esta Corte firmou o entendimento majoritário de que, mesmo em face da Constituição Federal de 1988, é constitucional a prisão civil do depositário infiel em contratos de alienação fiduciária em garantia, mencionando ainda o citado argumento segundo o qual o Pacto de São José da Costa Rica não pode contrapor-se à previsão constitucional do inciso LXVII do art. 5º da Carta Magna de 1988 por estar equiparado a uma norma infraconstitucional (lei ordinária). Ademais, acrescenta-se que o Pacto de São José da Costa Rica, embora equivalente às normas infraconstitucionais e apesar de ser norma posterior, não pode derrogar as normas infraconstitucionais sobre prisão civil do depositário infiel, pois estas são normas especiais e aquela convenção internacional contém normas gerais.[43]

Seguindo esse entendimento o STF negou veementemente a aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais, confrontando diretamente os termos do art. 5º, § 1º da CF/88, bem como a exclusão do direito advindo do tratado internacional, como está previsto no art. 5º, § 2º da CF/88, no mesmo sentido da passagem a seguir transcrita:

[...] por conseguinte, por um lado, nega-se eficácia à cláusula final inscrita na parte final do § 2º do art. 5º da Carta de 1988 e, por outro, recusa-se a aplicabilidade direta e imediata ao texto de tratados internacionais de direitos humanos devidamente ratificados pelo Estado brasileiro.[44]

Todavia, a partir da crescente importância do direito internacional, tanto política quanto juridicamente, com os novos contextos do neoliberalismo e da globalização, os estados passaram a tratar do assunto de acordo com a manifestação da vontade demonstrada quando da ratificação de tratado internacional sobre direitos humanos.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal passou a ter opiniões dissonantes, as quais se caracterizavam como correntes minoritárias, que ao passar dos anos e com o afloramento das discussões passaram a ganhar força dentro do tribunal, culminando em uma reavaliação da interpretação dado ao texto constitucional.

Em meio a estas opiniões, no ano de 2004, através da promulgação da E.C n. 45, foi acrescentado o § 3º do art. 5º da CF/88, o qual se caracterizou por um agravamento do processo de votação para considerar um tratado de direito internacional sobre direitos humanos uma emenda à constituição, como já foi devidamente discutido.

Tal fato acentuou a discussão acerca da hierarquia normativa do Decreto n. 678/92 frente à Constituição Federal da República de 1988, visto que o rito para a aprovação do referido decreto ocorreu com quórum simples e votação em turno único nas duas casas, ou seja, em desacordo com o § 3º do art. 5º da CF/88, norma esta muito posterior.

No entanto, não se pode olvidar que a Pacto de São José da Costa Rica tem como objeto direitos e garantias fundamentais. Como assim assevera a ilustre professora Silvia Loureiro:

Assim sendo, em tese, esses novos preceitos estariam incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, com status de normas constitucionais de aplicabilidade direta e imediata, por força do § 1° e da cláusula final do § 2° do art. 5°. Por conseguinte, a possibilidade de prisão civil do devedor fiduciante, que tem natureza jurídica de garantia de obrigação civil contratual, estaria definitivamente afastada, inclusive, comprometendo-se o legislador ordinário a não mais editar normas que a prevejam.[45]

Nesses termos, com as inúmeras demandas acerca da prisão de depositário infiel e as acalentadas discussões da doutrina pátria, em razão da importância do assunto para o direito, principalmente quando se discutia a maior relevância dos tratados internacionais, o Egrégio Tribunal percebeu a necessidade do amadurecimento da posição de suas decisões.

Para tanto, utilizou-se da mutação constitucional, processo pelo qual os aplicadores do direito, quais sejam, os operadores das normas jurisdicionais utilizam-se da interpretação para modificar o texto constitucional sem alterar uma palavra sequer da norma original.

Nas palavras de Uali Bulos a mutação constitucional é:

Ao exercer a jurisdição constitucional, portanto, o Judiciário interpreta a Constituição e, nesse mister, existe a possibilidade de atribuir à letra da Lex Legum novos sentidos, conteúdos ainda não ressaltados, mudando a substância dos comandos prescritos pelo legislador, sem afetar-lhe a forma.[46]

          A partir deste conceito, em posição contrária ao que se tinha até então como posicionamento predominante na E. Corte, o Ministro Sepúlvida Pertence, no Habeas Corpus n. 79.785-RJ, deu nova interpretação à redação constitucional vigente ao aceitar a supralegalidade das normas de tratados internacionais de direitos humanos.

Tal fato pode ser observado na passagem a seguir transcrita do HC supramencionado:

Ainda sem certezas suficientemente amadurecidas, tendo assim – aproximando-me, creio, da linha desenvolvida no Brasil por Cançado Trindade (e.q., Memorial cit., ibidem, p. 43) e pela ilustrada Flavia Piovesan (A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, em E. Boucault e N. Araujo (órgão), Os Direitos Humanos e o Direito Interno – a aceitar a outorga da força supralegal às convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta a suas normas – até, se necessário, contra lei ordinária – sempre que se ferir a Constituição, a complementem, especificando e ampliando os direitos e garantias nelas constantes.[47]

A partir desse momento iniciou-se um novo processo para o entendimento da incorporação de normas internacionais de direitos humanos no direito interno brasileiro, pois o entendimento predominante do STF passou a ser o da supralegalidade, ou seja, as novas normas incorporadas estão acima da legislação ordinária, tendo certo valor constitucional, todavia, ainda abaixo dos pressupostos previstos na Constituição Federal da República de 1988.

No mesmo sentido, o Ministro Celso de Melo mudou seu entendimento acerca do assunto e no Habeas Corpus n. 87.585-TO averbou:

As razões invocadas nesse julgamento, no entanto, Senhora Presidente, convencem-me da necessidade de se distinguir, para efeito de definição de sua aplicação hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre convenções internacionais sobre direitos humanos (revestidas de ‘‘supralegalidade’’, como sustenta o eminente Ministro GILMAR MENDES, ou impregnadas de natureza constitucional, como me inclino a reconhecer), e tratados internacionais sobre as demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com as leis ordinárias).

Isso significa, portanto, examinada a matéria sob a perspectiva da ‘‘supralegalidade’’, tal como preconiza o eminente Ministro GILMAR MENDES, que, cuidando-se de tratados internacionais sobre direitos humanos, estes hão de ser considerados estatutos situados em posição intermediária que permitia qualificá-los como diplomas impregnados de estrutura superior à das leis internas em geral, não obstante subordinadas à autoridade da Constituição da República.[48]

Firmado assim o entendimento supra as inúmeras demandas jurídicas que chegavam à E. Suprema Corte brasileira tinham as decisões sempre no mesmo sentido, qual seja, na impossibilidade da prisão do depositário infiel, em virtude do que preconizava o Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao direito brasileiro através do Decreto n. 678/92, o qual por ter esse caráter supralegal e de certa forma constitucional, tornava tal ato coercitivo ilegal do estado brasileiro.

Nesse sentido, a fim de dar maior segurança jurídica ao caso, dar maior celeridade processual aos casos em que se discute a prisão do infiel depositário, bem como depois de todo o amadurecimento acerca da importância do tratado internacional de direitos humanos e de tudo o que foi anteriormente discutido, o STF, através da Proposta de Súmula Vinculante n. 31, propôs a Súmula Vinculante n. 25, com a seguinte redação: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

Assim, como se percebe o pensamento jurídico mais moderno do aplicador da norma jurídica brasileira repousa no sentido da total proteção dos direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro, seja ele advindo do direito interno, seja do direito internacional, consubstanciado nos tratados internacionais de direitos humanos, conforme pode ser visto nas palavras do eminente autor Luiz Flavio Gomes, a seguir transcrita:

Em síntese: a nova postura jurisprudencial do STF finca suas raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da internacionalização dos direitos humanos já não pode ser (jurassicamente) ignorada. No Estado constitucional e humanista de direito não cabe prisão civil contra o depositário infiel, judicial ou não. A única prisão civil admitida pelo direito internacional é a relacionada com alimentos. É a única que vale hoje no direito interno brasileiro, ou seja, a única que ainda faz parte do direito ‘‘vivente’’. [49]

Tal fato se deu em razão da análise da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, nos termos do art. 4°, II, da CF/88 e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil ser justamente a dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1°, III da CF/88, dando-se relevância ao princípio do acesso à justiça, visto que os direitos fundamentais do cidadão devem ser garantidos e protegidos pelo estado brasileiro.

Consubstanciando-se, desta forma, na supralegalidade dos direitos humanos advindos de tratados internacionais, coadunando a aplicabilidade imediata de tais direitos conforme preconiza a Carta Magna brasileira com o agravamento do processo de votação dos tratados internacionais de direitos humanos, conforme preconiza o § 3° da CF/88.

Portanto, ao se ter esse posicionamento como o vigente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, da impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, tal fato acarretou, por conseguinte, vários reflexos nos processos de execução, e dentre eles, o processo de execução fiscal, o qual previa a possibilidade da prisão do depositário que não cumprisse com a sua obrigação legal, com fundamento no art. 5º, LXVII, da CF/88 c/c a Lei 8.866/94, já mencionada.

Tal fato acirrou em muito as discussões acerca das medidas de coerção ainda cabíveis contra os devedores. Todavia, por ser um tema ainda recente, não se chegou a um posicionamento concreto acerca de qual das medidas seria a mais coerente para serem aplicadas a partir da publicação da Súmula Vinculante n. 25.

5 Conclusão

O legislador originário dentro do processo de elaboração da Constituição Federal da República de 1988 deixou clara a posição no sentido de proteger os direitos humanos, consubstanciado tanto pela prevalência da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, prevista no art. 1°, III CF/88, bem como por todo o seu corpo normativo.

Nesse sentido, com a promulgação da Carta Magna pátria, iniciou-se um processo de transformação do entendimento acerca dos princípios constitucionais vigentes e do seu alcance nos mais diversos âmbitos sociais.

Para tanto, o princípio da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça, fundamentam, por exemplo, a mudança de entendimento acerca do depositário infiel, como será a seguir comentada.

Nessa perspectiva, tem-se que os tratados internacionais sobre direitos humanos quando incorporados ao direito interno pátrio causam impacto direto nas normas então vigentes, visto que podem alterar, inclusive, a Constituição Federal de acordo com os termos do art. 5°, § 3° da CF/88, a depender do rito de votação do processo legislativo.

No entanto, é possível observar que em relação aos direitos humanos advindos de tratados ou acordos internacionais após a instituição da E.C n. 45/04 sofreram agravamento em seu rito necessário para modificação das normas constitucionais, ou seja, da inserção de novos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio.

Esse novo procedimento criado para inserção de direitos humanos advindos dos tratados internacionais, igualando-os a uma emenda constitucional, se revela inadequado e contrário aos ditames dos §§ 1° e 2° da CF/88, vez que tais direitos deveriam ter seus efeitos respeitados de forma imediata, sendo considerados direitos fundamentais do cidadão, nos termos do art. 5°, §§ 1° e 2° da CF/88.

Passados esses termos, é possível concluir que os termos do Pacto de São José da Costa Rica, tratam claramente de direitos humanos do cidadão, e pelos termos do art. 7, n. 7 do referido pacto, ficou instituído a impossibilidade da prisão do depositário infiel.

Após, então, a homologação do Decreto n 678/92, tal tratado internacional adentrou no ordenamento jurídico interno, todavia, sem alterar o procedimento da prisão do depositário infiel.

Nesses termos, após o amadurecimento da idéia acerca dos direitos humanos e da internacionalização das normas jurídicas, em razão dos inúmeros tratados internacionais vigentes, passou-se a interpretar tais direitos de forma a alterar inclusive a interpretação da CF/88.

É, desta forma, que a jurisprudência pátria entendeu o Pacto de São José da Costa Rica como uma norma supralegal de acordo com os julgados HC 79.785/RJ e HC 87.585/TO, sendo capaz tão somente de transformar a interpretação através da mutação constitucional, apesar de entender que por serem normas fundamentais de acordo com os termos da própria constituição, devem ser tratados como normas de status Constitucional, como entende o ilustre autor Cançado Trindade.

Iniciou-se, dessa forma, um processo para garantir maior segurança jurídica à impossibilidade da prisão do depositário infiel, e assim, o STF definiu a questão através da publicação da Súmula Vinculante n. 25.

Tal fato impactou diretamente no processo de execução fiscal, vez que o julgador perdeu o poder de decretar a prisão depositário infiel, não se chegando, ainda há uma conclusão concreta sobre o melhor procedimento para imputar sanção para aqueles que descumprem a lei, se aplicam multas (astreintes) ou se reúnem as provas para que fundamentar um futuro oferecimento de denúncia pelo cometimento de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal.

Todavia, o que se entende, após serem explicitados todos os argumentos acima discorridos, é que as normas sobre direitos humanos advindas de tratados internacionais devem sim ser consideradas normas constitucionais, independentemente de rito processual necessário para inserção do direito em questão no ordenamento jurídico pátrio.

Apesar do que está disposto na legislação brasileiro com o § 3º do art. 5º da CF/88, esta regra vai de encontro ao disposto na Carta Magna, vez que esta se caracteriza claramente por ser uma carta aberta aos direitos humanos, onde há a prevalência da dignidade da pessoa humana.

Portanto, por serem esses os fundamentos da República Federativa do Brasil cabe a jurisprudência reformar seu entendimento no sentido de aceitar a constitucionalidade das normas de direitos humanos advindas de tratados internacionais, criando maior segurança jurídica à inserção de novos direitos, bem como consubstanciando a impossibilidade da prisão do depositário infiel como norma de status constitucional, vez que advém do Pacto de São José da Costa Rica.

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ANEXO A- LEI N° 8.866 DE 11 DE ABRIL DE 1994- DISPÕE SOBRE O DEPOSITÁRIO INFIEL DE VALOR PERTENCENTE À FAZENDA PÚBLICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

LEI Nº 8.866, DE 11 DE ABRIL DE 1994.

Dispõe sobre o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública e dá outras providências.

Faço saber que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA adotou a Medida Provisória nº. 449, de 1994, que o Congresso Nacional aprovou, e eu HUMBERTO LUCENA, Presidente do Senado Federal, para os efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição Federal, promulga a seguinte lei:

Art. 1º. É depositário da Fazenda Pública, observado o disposto nos arts. 1.282, I, e 1.283 do Código Civil, a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos, impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social.

§ 1º. Aperfeiçoa-se o depósito na data da retenção ou recebimento do valor a que esteja obrigada a pessoa física ou jurídica.

§ 2º. É depositária infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, no termo e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária.

Art. 2º. Constituem prova literal para se caracterizar a situação de depositário infiel, dentre outras:

I - a declaração feita pela pessoa física ou jurídica, do valor descontado ou recebido de terceiro, constante em folha de pagamento ou em qualquer outro documento fixado na legislação tributária ou previdenciária, e não recolhido aos cofres públicos;

II - o processo administrativo findo mediante o qual se tenha constituído crédito tributário ou previdenciário, decorrente de valor descontado ou recebido de terceiro e não recolhido aos cofres públicos;

III - a certidão do crédito tributário ou previdenciário decorrente dos valores descontados ou recebidos, inscritos na dívida ativa.

Art. 3º. Caracterizada a situação de depositário infiel, o Secretário da Receita Federal comunicará ao representante judicial da Fazenda Nacional para que ajuíze ação civil a fim de exigir o recolhimento do valor do imposto, taxa ou contribuição descontado, com os correspondentes acréscimos legais.

Parágrafo único. A comunicação de que trata este artigo, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, caberá às autoridades definidas na legislação específica dessas unidades federadas, feita aos respectivos representantes judiciais competentes; no caso do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a iniciativa caberá ao seu presidente, competindo ao representante judicial da autarquia processual de que trata este artigo.

Art. 4º. Na petição inicial, instruída com a cópia autenticada, pela repartição, da prova literal do depósito de que trata o art. 2º, o representante judicial da Fazenda Nacional ou, conforme o caso, o representante judicial dos Estados, Distrito Federal ou do INSS requererá ao juízo a citação do depositário para, em dez dias:

I - recolher ou depositar a importância correspondente ao valor do imposto, taxa ou contribuição descontado ou recebido de terceiro, com os respectivos acréscimos legais;

II - contestar a ação.

§ 1º. Do pedido constará, ainda, a cominação da pena de prisão.

§ 2º. Não recolhida nem depositada a importância, nos termos deste artigo, o juiz, nos quinze dias seguintes à citação, decretará a prisão do depositário infiel, por não superior a noventa dias.

§ 3º. A contestação deverá ser acompanhada do comprovante de depósito judicial do valor integral devido à Fazenda Pública, sob pena de o réu sofrer os efeitos da revelia.

§ 4º. Contestada a ação, observar-se-á o procedimento ordinário.

Art. 5º. O juiz poderá julgar antecipadamente a ação, se verificados os efeitos da revelia.

Art. 6º. Julgada procedente a ação, ordenará o juiz a conversão do depósito judicial em renda ou, na sua falta, a expedição de mandado para entrega, em 24 horas, do valor exigido.

Art. 7º. Quando o depositário infiel for pessoa jurídica, a prisão referida no § 2º. do art. 4º. será decretada contra seus diretores, administradores, gerentes ou empregados que movimentem recursos financeiros isolada ou conjuntamente.

parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, a prisão recairá sobre seus representantes, dirigentes e empregados no Brasil que revistam a condição mencionada neste artigo.

Art. 8º. Cessará a prisão com o recolhimento do valor exigido.

Art. 9º. Não se aplica ao depósito referido nesta lei o art. 1.280 do Código Civil.

Art. 10. Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória nº. 427, de 11 de fevereiro de 1994.

Art. 11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário.

Senado Federal, 11 de abril de 1994; 173º. da Independência e 106º. da República.

ANEXO B – DECRETO N° 678 DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992- PROMULGA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA), DE 22 DE NOVEMBRO DE 1969.

DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992

Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

        O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e   Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74;

        Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de adesão a essa convenção em 25 de setembro de 1992;  Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 , de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu art. 74;

        DECRETA:

        Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.

        Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado".

        Art. 3° O presente decreto entra em vigor na data de sua publicação.

        Brasília, 6 de novembro de 1992; 171° da Independência e 104° da República.

ANEXO C- PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

 PREÂMBULO

Os Estados Americanos signatários da presente Convenção,

Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais;

Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos;

Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional;

Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; e

Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à própria Carta da Organização de normas mais amplas sobre os direitos econômicos, sociais e educacionais e resolveu que uma Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria;

Convieram no seguinte: 

PARTE I - DEVERES DOS ESTADOS E DIREITOS PROTEGIDOS

Capítulo I - ENUMERAÇÃO DOS DEVERES

Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Capítulo II - DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Artigo 3º - Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica

Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

Artigo 4º - Direito à vida

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.

3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.

4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.

5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.

Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente.

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

Artigo 6º - Proibição da escravidão e da servidão

1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.

3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:

a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

b) serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;

c) o serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bem-estar da comunidade;

d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.

4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.

7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade

Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o deliquente deverá dela beneficiar-se.

Artigo 10 - Direito à indenização

Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença transitada em julgado, por erro judiciário.

Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade

1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Artigo 12 - Liberdade de consciência e de religião

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.

2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.

3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Artigo 14 - Direito de retificação ou resposta

1. Toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.

2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.

3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável, que não seja protegida por imunidades, nem goze de foro especial.

Artigo 15 - Direito de reunião

É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

Artigo 16 - Liberdade de associação

1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

2. O exercício desse direito só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

3. O presente artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia.

Artigo 17 - Proteção da família

1. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não-discriminação estabelecido nesta Convenção.

3. O casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre e pleno dos contraentes.

4. Os Estados-partes devem adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, serão adotadas as disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos.

5. A lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento, como aos nascidos dentro do casamento.

Artigo 18 - Direito ao nome

Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário.

Artigo 19 - Direitos da criança

Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

Artigo 20 - Direito à nacionalidade

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.

3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la.

Artigo 21 - Direito à propriedade privada

1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social.

2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei.

3. Tanto a usura, como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser reprimidas pela lei.

Artigo 22 - Direito de circulação e de residência

1. Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir, em conformidade com as disposições legais.

2. Toda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país.

3. O exercício dos direitos supracitados não pode ser restringido, senão em virtude de lei, na medida indispensável, em uma sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivo de interesse público.

5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional e nem ser privado do direito de nele entrar.

6. O estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado-parte na presente Convenção só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei.

7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais.

8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.

9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros.

Artigo 23 - Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Artigo 24 - Igualdade perante a lei

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei.

Artigo 25 - Proteção judicial

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

2. Os Estados-partes comprometem-se:

a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;

b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e

c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.

Capítulo III - DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo

Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

Capítulo IV - SUSPENSÃO DE GARANTIAS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

Artigo 27 - Suspensão de garantias

1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por terminada tal suspensão.

Artigo 28 - Cláusula federal

1. Quando se tratar de um Estado-parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial.

2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua Constituição e com suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.

3. Quando dois ou mais Estados-partes decidirem constituir entre eles uma federação ou outro tipo de associação, diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo contenha as disposições necessárias para que continuem sendo efetivas no novo Estado, assim organizado, as normas da presente Convenção.

Artigo 29 - Normas de interpretação

Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

Artigo 30 - Alcance das restrições

As restrições permitidas, de acordo com esta Convenção, ao gozo e exercício dos direitos e liberdades nela reconhecidos, não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas.

Artigo 31 - Reconhecimento de outros direitos

Poderão ser incluídos, no regime de proteção desta Convenção, outros direitos e liberdades que forem reconhecidos de acordo com os processos estabelecidos nos artigo 69 e 70.

Capítulo V - DEVERES DAS PESSOAS

Artigo 32 - Correlação entre deveres e direitos

1. Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade.

2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.

PARTE II - MEIOS DE PROTEÇÃO

 Capítulo VI - ÓRGÃOS COMPETENTES

Artigo 33 - São competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes nesta Convenção:

a) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Comissão; e

b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte.

Capítulo VII - COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Seção 1 - Organização

Artigo 34 - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos compor-se-á de sete membros, que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos.

Artigo 35 - A Comissão representa todos os Membros da Organização dos Estados Americanos.

Artigo 36 - 1. Os membros da Comissão serão eleitos a título pessoal, pela Assembléia Geral da Organização, a partir de uma lista de candidatos propostos pelos governos dos Estados-membros.

2. Cada um dos referidos governos pode propor até três candidatos, nacionais do Estado que os propuser ou de qualquer outro Estado-membro da Organização dos Estados Americanos. Quando for proposta uma lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado diferente do proponente.

Artigo 37 - 1. Os membros da Comissão serão eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos um vez, porém o mandato de três dos membros designados na primeira eleição expirará ao cabo de dois anos. Logo depois da referida eleição, serão determinados por sorteio, na Assembléia Geral, os nomes desses três membros.

2. Não pode fazer parte da Comissão mais de um nacional de um mesmo país.

Artigo 38 - As vagas que ocorrerem na Comissão, que não se devam à expiração normal do mandato, serão preenchidas pelo Conselho Permanente da Organização, de acordo com o que dispuser o Estatuto da Comissão.

Artigo 39 - A Comissão elaborará seu estatuto e submetê-lo-á à aprovação da Assembléia Geral e expedirá seu próprio Regulamento.

Artigo 40 - Os serviços da Secretaria da Comissão devem ser desempenhados pela unidade funcional especializada que faz parte da Secretaria Geral da Organização e deve dispor dos recursos necessários para cumprir as tarefas que lhe forem confiadas pela Comissão.

Seção 2 - Funções

 Artigo 41 - A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições:

a) estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;

b) formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos;

c) preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções;

d) solicitar aos governos dos Estados-membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;

e) atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes solicitarem;

f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e

g) apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Artigo 42 - Os Estados-partes devem submeter à Comissão cópia dos relatórios e estudos que, em seus respectivos campos, submetem anualmente às Comissões Executivas do Conselho Interamericano Econômico e Social e do Conselho Interamericano de Educação, Ciência e Cultura, a fim de que aquela zele para que se promovam os direitos decorrentes das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.

Artigo 43 - Os Estados-partes obrigam-se a proporcionar à Comissão as informações que esta lhes solicitar sobre a maneira pela qual seu direito interno assegura a aplicação efetiva de quaisquer disposições desta Convenção.

Seção 3 - Competência

 Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.

Artigo 45 - 1. Todo Estado-parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção, ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece a competência da Comissão para receber e examinar as comunicações em que um Estado-parte alegue haver outro Estado-parte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção.

2. As comunicações feitas em virtude deste artigo só podem ser admitidas e examinadas se forem apresentadas por um Estado-parte que haja feito uma declaração pela qual reconheça a referida competência da Comissão. A Comissão não admitirá nenhuma comunicação contra um Estado-parte que não haja feito tal declaração.

3. As declarações sobre reconhecimento de competência podem ser feitas para que esta vigore por tempo indefinido, por período determinado ou para casos específicos.

4. As declarações serão depositadas na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, a qual encaminhará cópia das mesmas aos Estados-membros da referida Organização.

Artigo 46 - Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário:

a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos;

b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva;

c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e

d) que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição.

2. As disposições das alíneas "a" e "b" do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando:

a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos.

Artigo 47 - A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 quando:

a) não preencher algum dos requisitos estabelecidos no artigo 46;

b) não expuser fatos que caracterizem violação dos direitos garantidos por esta Convenção;

c) pela exposição do próprio peticionário ou do Estado, for manifestamente infundada a petição ou comunicação ou for evidente sua total improcedência; ou

d) for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional.

Seção 4 - Processo

Artigo 48 - 1. A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue a violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira:

a) se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação, solicitará informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso;

b) recebidas as informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação. No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente;

c) poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou comunicação, com base em informação ou prova supervenientes;

d) se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados lhe proporcionarão, todas as facilidades necessárias;

e) poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá, se isso for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os interessados; e

f) pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos reconhecidos nesta Convenção.

2. Entretanto, em casos graves e urgentes, pode ser realizada uma investigação, mediante prévio consentimento do Estado em cujo território se alegue houver sido cometida a violação, tão somente com a apresentação de uma petição ou comunicação que reúna todos os requisitos formais de admissibilidade.

Artigo 49 - Se houver chegado a uma solução amistosa de acordo com as disposições do inciso 1, "f", do artigo 48, a Comissão redigirá um relatório que será encaminhado ao peticionário e aos Estados-partes nesta Convenção e posteriormente transmitido, para sua publicação, ao Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos. O referido relatório conterá uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada. Se qualquer das partes no caso o solicitar, ser-lhe-á proporcionada a mais ampla informação possível.

Artigo 50 - 1. Se não se chegar a uma solução, e dentro do prazo que for fixado pelo Estatuto da Comissão, esta redigirá um relatório no qual exporá os fatos e suas conclusões. Se o relatório não representar, no todo ou em parte, o acordo unânime dos membros da Comissão, qualquer deles poderá agregar ao referido relatório seu voto em separado. Também se agregarão ao relatório as exposições verbais ou escritas que houverem sido feitas pelos interessados em virtude do inciso 1, "e", do artigo 48.

2. O relatório será encaminhado aos Estados interessados, aos quais não será facultado publicá-lo.

3. Ao encaminhar o relatório, a Comissão pode formular as proposições e recomendações que julgar adequadas.

Artigo 51 - 1. Se no prazo de três meses, a partir da remessa aos Estados interessados do relatório da Comissão, o assunto não houver sido solucionado ou submetido à decisão da Corte pela Comissão ou pelo Estado interessado, aceitando sua competência, a Comissão poderá emitir, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, sua opinião e conclusões sobre a questão submetida à sua consideração.

2. A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe competir para remediar a situação examinada.

3. Transcorrido o prazo fixado, a Comissão decidirá, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, se o Estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou não seu relatório.

Capítulo VIII - CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Seção 1 - Organização

 Artigo 52 - 1. A Corte compor-se-á de sete juízes, nacionais dos Estados-membros da Organização, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos.

2. Não deve haver dois juízes da mesma nacionalidade.

Artigo 53 - 1. Os juízes da Corte serão eleitos, em votação secreta e pelo voto da maioria absoluta dos Estados-partes na Convenção, na Assembléia Geral da Organização, a partir de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados.

2. Cada um dos Estados-partes pode propor até três candidatos, nacionais do Estado que os propuser ou de qualquer outro Estado-membro da Organização dos Estados Americanos. Quando se propuser um lista de três candidatos, pelo menos um deles deverá ser nacional do Estado diferente do proponente.

Artigo 54 - 1. Os juízes da Corte serão eleitos por um período de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez. O mandato de três dos juízes designados na primeira eleição expirará ao cabo de três anos. Imediatamente depois da referida eleição, determinar-se-ão por sorteio, na Assembléia Geral, os nomes desses três juízes.

2. O juiz eleito para substituir outro, cujo mandato não haja expirado, completará o período deste.

3. Os juízes permanecerão em suas funções até o término dos seus mandatos. Entretanto, continuarão funcionando nos casos de que já houverem tomado conhecimento e que se encontrem em fase de sentença e, para tais efeitos, não serão substituídos pelos novos juízes eleitos.

Artigo 55 - 1. O juiz, que for nacional de algum dos Estados-partes em caso submetido à Corte, conservará o seu direito de conhecer do mesmo.

2. Se um dos juízes chamados a conhecer do caso for de nacionalidade de um dos Estados-partes, outro Estado-parte no caso poderá designar uma pessoa de sua escolha para integrar a Corte, na qualidade de juiz ad hoc.

3. Se, dentre os juízes chamados a conhecer do caso, nenhum for da nacionalidade dos Estados-partes, cada um destes poderá designar um juiz ad hoc.

4. O juiz ad hoc deve reunir os requisitos indicados no artigo 52.

5. Se vários Estados-partes na Convenção tiverem o mesmo interesse no caso, serão considerados como uma só parte, para os fins das disposições anteriores. Em caso de dúvida, a Corte decidirá.

Artigo 56 - O quorum para as deliberações da Corte é constituído por cinco juízes.

Artigo 57 - A Comissão comparecerá em todos os casos perante a Corte.

Artigo 58 - 1. A Corte terá sua sede no lugar que for determinado, na Assembléia Geral da Organização, pelos Estados-partes na Convenção, mas poderá realizar reuniões no território de qualquer Estado-membro da Organização dos Estados Americanos em que considerar conveniente, pela maioria dos seus membros e mediante prévia aquiescência do Estado respectivo. Os Estados-partes na Convenção podem, na Assembléia Geral, por dois terços dos seus votos, mudar a sede da Corte.

2. A Corte designará seu Secretário.

3. O Secretário residirá na sede da Corte e deverá assistir às reuniões que ela realizar fora da mesma.

Artigo 59 - A Secretaria da Corte será por esta estabelecida e funcionará sob a direção do Secretário Geral da Organização em tudo o que não for incompatível com a independência da Corte. Seus funcionários serão nomeados pelo Secretário Geral da Organização, em consulta com o Secretário da Corte.

Artigo 60 - A Corte elaborará seu Estatuto e submetê-lo-á à aprovação da Assembléia Geral e expedirá seu Regimento.

 Seção 2 - Competência e funções

Artigo 61 - 1. Somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à decisão da Corte.

2. Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso, é necessário que sejam esgotados os processos previstos nos artigos 48 a 50.

Artigo 62 - 1. Todo Estado-parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.

2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma a outros Estados-membros da Organização e ao Secretário da Corte.

3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso, relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção, que lhe seja submetido, desde que os Estados-partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial.

Artigo 63 - 1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

2. Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.

Artigo 64 - 1. Os Estados-membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.

2. A Corte, a pedido de um Estado-membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.

Artigo 65 - A Corte submeterá à consideração da Assembléia Geral da Organização, em cada período ordinário de sessões, um relatório sobre as suas atividades no ano anterior. De maneira especial, e com as recomendações pertinentes, indicará os casos em que um Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças.

 Seção 3 - Processo

 Artigo 66 - 1. A sentença da Corte deve ser fundamentada.

2. Se a sentença não expressar no todo ou em parte a opinião unânime dos juízes, qualquer deles terá direito a que se agregue à sentença o seu voto dissidente ou individual.

Artigo 67 - A sentença da Corte será definitiva e inapelável. Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance da sentença, a Corte interpretá-la-á, a pedido de qualquer das partes, desde que o pedido seja apresentado dentro de noventa dias a partir da data da notificação da sentença.

Artigo 68 - 1. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.

2. A parte da sentença que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.

Artigo 69 - A sentença da Corte deve ser notificada às partes no caso e transmitida aos Estados-partes na Convenção.

Capítulo IX - DISPOSIÇÕES COMUNS

Artigo 70 - 1. Os juízes da Corte e os membros da Comissão gozam, desde o momento da eleição e enquanto durar o seu mandato, das imunidades reconhecidas aos agentes diplomáticos pelo Direito Internacional. Durante o exercício dos seus cargos gozam, além disso, dos privilégios diplomáticos necessários para o desempenho de suas funções.

2. Não se poderá exigir responsabilidade em tempo algum dos juízes da Corte, nem dos membros da Comissão, por votos e opiniões emitidos no exercício de suas funções.

Artigo 71 - Os cargos de juiz da Corte ou de membro da Comissão são incompatíveis com outras atividades que possam afetar sua independência ou imparcialidade, conforme o que for determinado nos respectivos Estatutos.

Artigo 72 - Os juízes da Corte e os membros da Comissão perceberão honorários e despesas de viagem na forma e nas condições que determinarem os seus Estatutos, levando em conta a importância e independência de suas funções. Tais honorários e despesas de viagem serão fixados no orçamento-programa da Organização dos Estados Americanos, no qual devem ser incluídas, além disso, as despesas da Corte e da sua Secretaria. Para tais efeitos, a Corte elaborará o seu próprio projeto de orçamento e submetê-lo-á à aprovação da Assembléia Geral, por intermédio da Secretaria Geral. Esta última não poderá nele introduzir modificações.

Artigo 73 - Somente por solicitação da Comissão ou da Corte, conforme o caso, cabe à Assembléia Geral da Organização resolver sobre as sanções aplicáveis aos membros da Comissão ou aos juízes da Corte que incorrerem nos casos previstos nos respectivos Estatutos. Para expedir uma resolução, será necessária maioria de dois terços dos votos dos Estados-membros da Organização, no caso dos membros da Comissão; e, além disso, de dois terços dos votos dos Estados-partes na Convenção, se se tratar dos juízes da Corte.

PARTE III - DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Capítulo X - ASSINATURA, RATIFICAÇÃO, RESERVA, EMENDA, PROTOCOLO E DENÚNCIA

Artigo 74 - 1. Esta Convenção está aberta à assinatura e à ratificação de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.

2. A ratificação desta Convenção ou a adesão a ela efetuar-se-á mediante depósito de um instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Esta Convenção entrará em vigor logo que onze Estados houverem depositado os seus respectivos instrumentos de ratificação ou de adesão. Com referência a qualquer outro Estado que a ratificar ou que a ela aderir ulteriormente, a Convenção entrará em vigor na data do depósito do seu instrumento de ratificação ou adesão.

3. O Secretário Geral comunicará todos os Estados-membros da Organização sobre a entrada em vigor da Convenção.

Artigo 75 - Esta Convenção só pode ser objeto de reservas em conformidade com as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 23 de maio de 1969.

Artigo 76 - 1. Qualquer Estado-parte, diretamente, e a Comissão e a Corte, por intermédio do Secretário Geral, podem submeter à Assembléia Geral, para o que julgarem conveniente, proposta de emendas a esta Convenção.

2. Tais emendas entrarão em vigor para os Estados que as ratificarem, na data em que houver sido depositado o respectivo instrumento de ratificação, por dois terços dos Estados-partes nesta Convenção. Quanto aos outros Estados-partes, entrarão em vigor na data em que eles depositarem os seus respectivos instrumentos de ratificação.

Artigo 77 - 1. De acordo com a faculdade estabelecida no artigo 31, qualquer Estado-parte e a Comissão podem submeter à consideração dos Estados-partes reunidos por ocasião da Assembléia Geral projetos de Protocolos adicionais a esta Convenção, com a finalidade de incluir progressivamente, no regime de proteção da mesma, outros direitos e liberdades.

2. Cada Protocolo deve estabelecer as modalidades de sua entrada em vigor e será aplicado somente entre os Estados-partes no mesmo.

Artigo 78 - 1. Os Estados-partes poderão denunciar esta Convenção depois de expirado o prazo de cinco anos, a partir da data em vigor da mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário Geral da Organização, o qual deve informar as outras partes.

2. Tal denúncia não terá o efeito de desligar o Estado-parte interessado das obrigações contidas nesta Convenção, no que diz respeito a qualquer ato que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito.

Capítulo XI -

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Seção 1 - Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Artigo 79 - Ao entrar em vigor esta Convenção, o Secretário Geral pedirá por escrito a cada Estado-membro da Organização que apresente, dentro de um prazo de noventa dias, seus candidatos a membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Secretário Geral preparará uma lista por ordem alfabética dos candidatos apresentados e a encaminhará aos Estados-membros da Organização, pelo menos trinta dias antes da Assembléia Geral seguinte.

Artigo 80 - A eleição dos membros da Comissão far-se-á dentre os candidatos que figurem na lista a que se refere o artigo 79, por votação secreta da Assembléia Geral, e serão declarados eleitos os candidatos que obtiverem maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados-membros. Se, para eleger todos os membros da Comissão, for necessário realizar várias votações, serão eliminados sucessivamente, na forma que for determinada pela Assembléia Geral, os candidatos que receberem maior número de votos.

Seção 2 - Corte Interamericana de Direitos Humanos

Artigo 81 - Ao entrar em vigor esta Convenção, o Secretário Geral pedirá a cada Estado-parte que apresente, dentro de um prazo de noventa dias, seus candidatos a juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Secretário Geral preparará uma lista por ordem alfabética dos candidatos apresentados e a encaminhará aos Estados-partes pelo menos trinta dias antes da Assembléia Geral seguinte.

Artigo 82 - A eleição dos juízes da Corte far-se-á dentre os candidatos que figurem na lista a que se refere o artigo 81, por votação secreta dos Estados-partes, na Assembléia Geral, e serão declarados eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados-partes. Se, para eleger todos os juízes da Corte, for necessário realizar várias votações, serão eliminados sucessivamente, na forma que for determinada pelos Estados-partes, os candidatos que receberem menor número de votos.

____________

Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22.11.1969 - ratificada pelo Brasil em 25.09.1992

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Sobre o autor
Erick Drean Pereira da Costa

Graduado em direito pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA, com ênfase em Direito Internacional, com especialização em Direito Civil e Processo Civil, pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA e advogado com atuação focada na área cível.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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