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Do termo inicial de contagem da prescrição qüinqüenal na repetição de indébito tributário

01/11/2002 às 00:00
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Desde o Império, pelo menos, a ordem jurídica brasileira consagra a prescrição qüinqüenal contra a Fazenda Pública (1).

O Código Civil, de 1916, reafirmou a premissa, tradicional no direito brasileiro, da prescrição qüinqüenal das chamadas "dívidas passivas" das Fazendas Públicas. Este importantíssimo diploma legal estabeleceu com precisão o marco inicial do prazo de contagem da prescrição ("da data do ato ou fato do qual se originou a mesma ação") (2).

Seguindo nesta linha, o conhecido Decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, mais uma vez fixou que "prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram" as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios (3).

Já o Decreto-Lei n. 4.597, de 19 de agosto de 1942, manda aplicar expressamente a prescrição qüinqüenal firmada pelo Decreto n. 20.910, de 1932, às dívidas passivas das autarquias, entidades ou órgãos paraestatais (4).

A prescrição contra a Fazenda Pública, especificamente no campo tributário, não destoa, quer quanto ao prazo, quer quanto ao marco inicial de contagem, das regras gerais antes postas. Com efeito, os arts. 165 e 168 do Código Tributário Nacional assim determinam, in litteris:

"Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no §4o do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória."

"Art. 168 - O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória." (destaques inexistentes nos originais).

A clareza solar dos dispositivos, a princípio, não deixaria margem para dúvida quanto ao marco inicial aplicável na contagem da prescrição qüinqüenal. Este momento, em regra, seria o da extinção do crédito tributário pelo pagamento. Destaque-se, pagamento, só pagamento, sem qualquer adjetivação. A intercalação presente no dispositivo legal ("seja qual for a modalidade do seu pagamento") afasta questionamentos dos mais recalcitrantes e férteis intérpretes da legislação tributária.

Ocorre que vingou, ao menos momentaneamente, a tese de que o pagamento antecipado, típico dos tributos submetidos ao lançamento por homologação, não era hábil para produzir a extinção do crédito. Apenas com a homologação, expressa ou tácita, teríamos a extinção e, a partir daí, o início da contagem do prazo prescricional qüinqüenal.

O raciocínio não poderia ser mais equivocado. Afinal, como destacamos, a norma é clara ao se referir a qualquer modalidade de pagamento, impedindo as distinções por capricho do intérprete. Ademais, o pagamento antecipado "... é desde logo válido e eficaz, extinguindo a obrigação tributária, não dependendo de qualquer requisito suplementar", na voz da abalizada doutrina de ALBERTO XAVIER (5). Confirma a correção da assertiva anterior o fornecimento de certidão negativa ao contribuinte quando este declara e confessa dívida tributária e faz seu pagamento (antecipado). Na pior das hipóteses, somente para argumentar, o ato de homologação seria meramente declaratório, com efeitos retroativos à data do pagamento.

Este entendimento é confirmado pelo princípio da actio nata (6). Afinal, com o recolhimento/pagamento indevido nasce a possibilidade de perseguir em juízo a restituição do indébito. A correspondência entre o nascimento da ação e o início da prescrição encontra aqui aplicação exemplar (7).

Vê-se, portanto, que o entendimento outrora chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça consagra uma simples construção teórica, afastada, muito afastada, do necessário e indispensável embasamento legal. Não se trata de um processo de interpretação de normas, buscando a regra de incidência no caso concreto, eventualmente dependente da conjugação de comando legais distintos. Temos, isto sim, uma construção teórica sem referência clara na ordem jurídica nacional.

Não há como tergiversar. Os valores recolhidos há mais de cinco anos da propositura da ação competente estão prescritos. A aplicação dos arts. 156, 165 e 168, todos do Código Tributário Nacional, não permitem conclusão diversa.

A propósito, quando a matéria ainda era da alçada de competência do Supremo Tribunal Federal, este a declarava (a prescrição) como sendo qüinqüenal, submetida à contagem clássica, conforme se vê na decisão abaixo transcrita:

"ISS. Repetição. Decadência. Correção monetária. Se a ação de repetição do indébito foi proposta a 30 de setembro de 1980, a decadência, em face do disposto nos artigos 165 e 168 do C.T.N., abarca os recolhimentos indevidos até o dia 30, exclusive, do mês de setembro de 1975. Já se firmou jurisprudência do S.T.F. no sentido de que, não obstante o advento da lei 6.899/81, permanece o entendimento de que o início da fluência da correção monetária na repetição do indébito fiscal é a data do recolhimento indevido. Recurso extraordinário conhecido em parte, e nela provido." (Ministro MOREIRA ALVES. RE 102.065-SP. 2a Turma. DJ de 14.09.84)

Vale trazer à colação o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1a. Região, que vem revendo posição anterior, até então alinhada com o Superior Tribunal de Justiça:

"TRIBUTÁRIO. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO (DECADENCIAL) DE REPETIÇÃO. FORMA DE CONTAGEM.

1. Tem o contribuinte o prazo (decadencial) de cinco anos para pedir a restituição de tributo pago indevidamente, contado a partir do recolhimento (art. 168 – CTN), mesmo nos lançamentos por homologação.

2. O prazo decadencial, também quinqüenal, previsto para homologação do lançamento (art. 150, parágrafo 4o – idem), não interfere na contagem do prazo de repetição, para ampliá-lo, pois, sobre tratar-se de prazo destinado à Administração, não quis a lei dar ao contribuinte prazo superior a cinco anos. (Cf. ad instar, Decreto n. 20.910/32, art. 1o).

3. Provimento da apelação e da remessa." (TRF da 1a. Região, 3a. Turma, AC 97.050214-3/DF, Rel. Juiz TOURINHO NETO, DJU 07.08.98)

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em julgados mais recentes, vem reconhecendo a justeza da tese clássica da contagem da prescrição qüinqüenal. Vejamos alguns exemplos (decisões proferidas no final do ano de 2001 e no início do ano de 2002):

"TRIBUTÁRIO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE – PARCELAS INDENIZATÓRIAS – PRESCRIÇÃO – TERMO "A QUO" – PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO.

O prazo prescricional para restituição de parcelas indevidamente cobradas a título de imposto de renda é de cinco anos, contados da extinção do crédito tributário, isto é, de cada retenção na fonte.

Embargos de divergência acolhidos." (Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS. EREsp n. 258.161/DF. 1a. Seção. DJ de 03.09.2001)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. QUANTUM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADAS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. RETENÇÃO DO TRIBUTO.

2. Segundo entendimento pacificado das Turmas integrantes da Primeira Seção deste Superior Tribunal, o termo a quo do prazo prescricional, nas ações visando à restituição de imposto de renda cobrado nas conversões em pecúnia de férias e licença-prêmio, é a data da retenção do tributo na fonte.

3. Recurso conhecido em parte, mas improvido." (Ministra LAURITA VAZ. REsp n. 291.309/DF. 2a. Turma. DJ de 08.04.2002)

Por conseguinte, não há motivo (técnico-jurídico) para afastar a data do pagamento/recolhimento (ou mesmo a da retenção na fonte) como marco inicial de contagem do prazo qüinqüenal para consumação da prescrição do direito à devolução/restituição (ou mesmo de compensação) do tributo supostamente indevido.


NOTAS:

(1) "Art. 1º. A prescripção de 5 anos posta em vigor pelo art. 20 da Lei de 30 de Novembro de 1841, com referência ao capítulo 209 do Regimento da Fazenda, a respeito da dívida passiva da Nação, opera a completa desoneração da Fazenda Nacional do pagamento da dívida, que incorre na mesma prescripção."

(2) "Art. 178. Prescreve: (...)

§10. Em 5 (cinco) anos: (...)

VI - As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, e bem assim toda e qualquer ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal; devendo o prazo da prescrição correr da data do ato ou fato do qual se originar a mesma ação."

(3) "Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."

(4) "Art. 2º. O decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições, exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos."

(5) Na obra Do lançamento no direito tributário. São Paulo. Resenha Tributária. 1977. Pág. 78.

No mesmo sentido:

"Os créditos correspondentes aos impostos indiretos, em torno dos quais se erigiu a teoria do autolançamento ou do lançamento por homologação, extingue-se, a rigor, com o pagamento feito pelo contribuinte, que abre à Administração a possibilidade de eventualmente vir a efetuar o lançamento ex officio para a cobrança das diferenças porventuras existentes". (RICARDO LOBO TORRES. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo. Saraiva. 1998. Pág. 321. Volume 2)

"... a aprovação do ato de pagamento não seria a conditio juris da eficácia do ato de pagar, pois esta já teria nascido pela adequação do valor do tributo recolhido ao exigia a lei que fosse solvido". (CARLOS DA ROCHA GUIMARÃES. Lançamento por Homologação. Revista de Direito Tributário. 1985. Número 31. Págs. 144/145)

"... o pronto cumprimento do dever tributário extingue a sua exigibilidade, quando corretamente efetivado, não havendo qualquer razão lógica ou jurídica, que faça pender a sua eficácia de uma confirmação posterior". (AURÉLIO PITANGA SEIXAS FILHO. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário - A Função Fiscal. Rio de Janeiro. Forense. 1995. Pág. 109)

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"A cobrança ou o pagamento de tributo indevido confere ao contribuinte direito à restituição, e esse direito extingue-se no prazo de cinco anos, contados "da data da extinção do crédito tributário", que se verifica por uma das hipóteses do art. 156 do CTN. Como esse Código, norma com status de lei complementar, não prevê tratamento diferente em virtude dessa ou daquela hipótese, é de se concluir que a decadência opera-se, peremptoriamente, com o término do prazo retrocitado, independentemente da situação jurídica que envolveu a extinção". (MANOEL FELIPE RÊGO BRANDÃO. Parecer PGFN/CAT/n. 1.539, de 1999)

(6) "A regra intuitiva é de que seu início (momento exato em que a prescrição começa a correr) coincide com o instante em que a pretensão pode ser exercida (actioni nondum natae non praescribitur). (ORLANDO GOMES. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro. Forense. 1983. 7a. Edição. Pág. 423)

"A regra é que a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão, ou da ação. A pretensão nasce quando já se pode exigir de alguém ato ou omissão; a ação, quando já pode ser intentada, ou já se pode praticar os atos necessários à sua intentação (propositura)." (PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1970. Pág. 281. Tomo VI)

Como na repetição do indébito tributário é elementar, essencial ou imprescindível a atividade do obrigado estamos diante de um "direito a uma prestação". A pretensão, ante a lesão ou violação patrimonial verificada, é de natureza condenatória, típica ou própria da prescrição. Portanto, não há dúvida de estamos tratando do fenômeno ou instituto da prescrição.

(7) Este também é o fundamento básico para sustentar a irrelevância da decisão do Supremo Tribunal Federal, pela inconstitucionalidade de lei criadora ou majoradora de tributo, no exercício do controle concentrado, na contagem do prazo para propositura da ação de repetição de indébito. Com efeito, a influência da referida decisão do Supremo Tribunal Federal na fixação do início do prazo prescricional somente teria sentido se não houvesse possibilidade (na ordem jurídica nacional) de exercício de controle difuso de constitucionalidade. Esta possibilidade, a rigor, poderá ser materializada ou efetivada pelo contribuinte no instante imediatamente seguinte ao recolhimento/pagamento, independentemente de manifestação da Corte Maior. Neste sentido: AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR (Os Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade das Leis no Prazo de Decadência para a Ação de Repetição de Indébito Tributário. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-33/Artigos/Art_americo.htm>. Acesso em: 5 set. 2002) e RODRIGO NAVARRO DE OLIVEIRA (Sentença n. 511/2002-B. Processo n. 2002.34.00.002970-9).

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Sobre o autor
Aldemario Araujo Castro

Advogado Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF) Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Aldemario Araujo. Do termo inicial de contagem da prescrição qüinqüenal na repetição de indébito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3553. Acesso em: 5 nov. 2024.

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