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O Estado em juízo.

Prescrição de ações judiciais contra a Administração

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01/01/2003 às 00:00
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1. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

            O presente trabalho está calcado nas disposições vigentes do Código Civil de 1916, tendo em vista que a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (DOU de 11.1.2002), que instituiu o novo Código Civil, somente entrará em vigor após um ano a contar da data da sua publicação (período de vacatio legis do novel diploma). Assim sendo, observar-se-á que o exame da matéria aqui constante foi realizado à luz do diploma legislativo em vigor (Código Civil de 1916).

            Quando o fator tempo impede o ajuizamento da respectiva ação para operacionalizar um direito ou interesse, na esfera do Poder Judiciário, temos a prescrição externa, ou judiciária, que é válida para obstar a revisão de qualquer ato jurídico em qualquer sede, inclusive a dos atos administrativos pelo Judiciário ou até pela própria Administração.

            A prescrição vista do ângulo de direitos contra a Administração, invocados em ações perante o Judiciário, recebe a denominação de prescrição qüinqüenal, pois, como o próprio adjetivo está a indicar, o prazo em que ocorre é de cinco anos.

            A elaboração imprecisa dos textos legais que disciplinam a prescrição qüinqüenal redundou em ampla elaboração jurisprudencial e doutrinária.

            A regra geral concernente ao prazo de prescrição das ações está no art. 177 do Código Civil:

            "As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez) entre presentes, e entre ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas".

            A regra geral sobre prescrição pode ser delimitada da seguinte forma: a) as ações pessoais prescrevem ordinariamente em vinte anos; b) as ações reais prescrevem ordinariamente em dez anos, entre presentes; c) as ações reais prescrevem ordinariamente, em quinze anos, entre ausentes.

            O Código Civil de 1916, no art. 178, estabelece, ao longo dos seus parágrafos, uma série de exceções à regra geral do art. 177.

            O Código Civil, no capítulo em que arrola diversos prazos prescricionais, fixou no art. 178, §10, VI, o tempo de cinco anos nas ações contra o Poder Público, nos seguintes termos:

            "Art. 178. Prescreve:

            ..................................

            §10. Em cinco anos:

            VI – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, e bem assim toda e qualquer ação contra a Fazenda (2) Federal, Estadual ou Municipal, devendo o prazo de prescrição correr da data do ato ou fato do qual se originar a mesma ação".

            O texto menciona as dívidas passivas da União, Estados e Municípios, com o sentido de obrigações ou prestações que devem cumprir. Refere-se a toda e qualquer ação contra a Fazenda Pública, o que para alguns indicaria separação entre ações relativas a direitos de natureza patrimonial (contra a Fazenda) e ações referentes a direitos de outro tipo, e fixa o início do prazo prescricional a partir do ato ou fato que possibilitar o ajuizamento da ação.

            O poder público goza de situação privilegiada no que concerne às prescrições. Nesta matéria, cumpre distinguir a prescrição das dívidas ativas do poder público, da prescrição das suas dívidas passivas.

            A prescrição das ações a favor ou contra a Fazenda Pública rege-se pelos princípios do Código Civil, salvo as peculiaridades estabelecidas em leis especiais. (3)

            Regulam a prescrição qüinqüenal, em favor da Fazenda Pública, a Lei nº 5.761, de 25 de junho de 1930, o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, o Decreto-Lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942, e a Lei nº 2.221, de 31 de maio de 1954.

            A matéria das dívidas ativas é disciplinada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional (4)– Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, onde se estabelece o lapso de cinco anos.

            A análise da dívida ativa refoge ao objeto do presente trabalho.

            O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 tem a seguinte redação:

            "Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou do fato do qual se originarem".

            A prescrição qüinqüenal abrange, ainda, as dívidas passivas das autarquias ou entidades ou entidades e órgãos paraestatais criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como todo e qualquer direito e ação contra os mesmos (art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597, de 19.8.42).

            A seguir, enfrentaremos o tema da distinção entre direitos reais e pessoais para efeito do alcance do Decreto 20.910/32, em face da Fazenda Pública.

            1.1 O Decreto nº 20.910/32: âmbito de aplicação.

            Inicialmente urge estabelecer a distinção entre direitos reais e pessoais.

            A classificação dos direitos em reais e pessoais não é questão fácil para os juristas, constituindo-se uma das denominadas vexatae questiones do Direito Civil.

            Para exemplificar, ponha-se de um lado o crédito, e, de outro, a propriedade. No segundo, tem-se manifesto um direito subjetivo absoluto, que significa dizer: ao titular do direito opõem-se, simultaneamente, todos os indivíduos (direito real). No crédito (direito subjetivo relativo), ao credor, que é o titular, opõe-se só o devedor, constituindo-se em obrigação nitidamente pessoal (direito pessoal).

            A expressão direito real e direito pessoal vem de acto in rem e in personam. (5)Da distinção entre os direitos reais e pessoais resulta a distinção entre as ações pessoais e reais.

            As ações reais, oriundas de um direito real, dirigem-se, sempre, contra a pessoa que lesar o direito, mas esta pessoa pode não ser sempre a mesma, dado que a lesão do direito está determinada pela coisa. Estas ações acompanham a res, recebendo a denominação de ambulatórias.

            Como costumavam dizer os medievais, aderem ao objeto, ut lepra corpori. A ação real acompanha a coisa, com quem estiver (jus persequendi), é o chamado direito de seqüela.

            As ações pessoais são aquelas dirigidas contra determinada pessoa. Enquadram-se nos denominados direitos subjetivos relativos, mencionado por San Tiago Dantas. Esses direitos subjetivos relativos dividem-se em pessoais ou de crédito e de família.

            Exemplificando o direito relativo, já citamos o crédito, ou seja, a relação que há entre o credor e o devedor de uma certa quantia. Diz-se relativo porque a relação é da pessoa do credor com o devedor, deixando de fora todos os outros indivíduos que se denominam terceiros na relação jurídica estabelecida.

            A prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública e suas autarquias é de cinco anos, conforme estabelece o Decreto ditatorial (com força de Lei) nº 20.910, de 6.1.32, complementado pelo Decreto-Lei nº 4.597, de 19.8.42.

            As ações pessoais têm por finalidade fazer valer direitos oriundos de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer algo, quer assumida voluntariamente pelo sujeito passivo, quer imposta por norma jurídica. Na acepção que as entende o legislador, são aquelas correspondentes a direitos cujo objeto seja "uma prestação".

            As ações pessoais são ações próprias para a defesa dos direitos creditícios, ou direitos pessoais, na concepção estrita. Não abrangem a garantia dos direitos privados da personalidade, que, embora sejam os direitos pessoais por excelência, são imprescritíveis. As ações reais são as que concernem às coisas corpóreas, ou, na defesa do direito de propriedade ou dos seus desmembramentos.

            A prescrição qüinqüenal constitui a regra em favor de todas as Fazendas, autarquias, fundações públicas e empresas estatais.

            Por força do Decreto-Lei nº 4.597, art. 2º, a prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto nº 20.910 foi expressamente estendida às autarquias e, para as fundações de Direito Público. (6)

            O art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, tem a seguinte redação:

            "Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem".

            Pontes de Miranda observou que esse decreto e o Decreto nº 4.597/42 (que também traz disposições sobre a prescrição qüinqüenal) foram editados em tempo em que o Brasil estava sob regime ditatorial e aconselha a não interpretá-los atribuindo-se mais do que dizem, "nem usando a meia-ciência e a falta de terminologia que caracterizou a legislação, bronca e medíocre, daqueles dois momentos excepcionais e estranhos na vida constitucional do Brasil". (7)

            Afirma, ainda, que a palavra "direito" no art. 1º do Decreto nº 20.910 está em vez de pretensão que seja decorrente de dívida contra a Fazenda Pública. (8)

            O art. 1º do decreto apontado refere-se a "todo e qualquer direito" (9),seja qual for a sua natureza, conferindo, pela terminologia, sentido amplíssimo, o que é insustentável do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial.

            É pacífico o entendimento de que a prescrição qüinqüenal não se aplica nas ações reais contra a Fazenda Pública, baseadas que são no domínio imobiliário; em tais ações o prazo é de 10 anos (entre presentes) ou de 15 anos (entre ausentes) como dispõe o art. 177 do CC.

            Segundo a lição de Pontes de Miranda, (10) a prescrição quinquenal "somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As "ações pessoais"(...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar".

            As ações reais, como vimos, que são as que objetivam proteger os direitos reais, prescrevem em dez anos, entre presentes, (11) e, entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas. Por entre presentes entender-se-á os que residem no mesmo município, e, por entre ausentes, as partes domiciliadas em municípios diferentes.

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            A prescrição das ações reais contra a Fazenda Pública tem sido considerada pelos tribunais como sendo a comum de dez ou quinze anos, e não a qüinqüenal do Decreto nº 20.910/32, a teor do art. 177 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.55. (12)

            Esse entendimento vigora para as ações indenizatórias por desapropriação indireta também denominadas por apossamento administrativo. (13)

            Verdadeiramente, admitir-se a prescrição qüinqüenal nas ações reais importaria em estabelecer um usucapião de cinco anos em favor da União, dos Estados e dos Municípios, o que redundaria em nova forma de aquisição, não permitida em lei. (14)

            É o que se extrai da jurisprudência do STF, conforme a seguir:

            "O STF tem decidido reiteradamente que a prescrição quinquenal, estabelecida em favor da Fazenda Pública, não se aplica à desapropriação indireta" (15)

            Em termos de prescrição, entendia-se que na desapropriação indireta o prazo não é o quinquenal, previsto no Decreto nº20.910/32, e sim o prazo de 20 anos que o Código Civil estabeleceu para o usucapião extraordinário (RTJ 37/297, 47/134, 63/232). Embora se pleiteie indenização, argumentava-se que o direito do proprietário permanece enquanto o proprietário do imóvel não perde a propriedade pelo usucapião extraordinário em favor do poder público; considerava-se o prazo desse usucapião e não o do ordinário porque o poder público não tem, na hipótese, justo título e boa-fé, já que o apossamento decorre de ato ilícito.

            Leciona Hely Lopes Meirelles:

            "Contrariando esse entendimento do STJ (Súmula 119) e ampliando os casos de prescrição quinquenal a favor da Fazenda Pública, a MP nº 1.997-33, de 14.12.99, art. 1º, acrescentou parágrafo único ao art. 10, do Dec. - Lei nº 3.365/41 (Lei Geral das Desapropriações), estabelecendo que "extingue-se em cinco anos o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem como ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público".

            Recentemente, todavia, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 2260-DF, deferiu medida cautelar para suspender a redução do prazo prescricional para as ações de indenização por desapropriação indireta ou apossamento administrativo. Com isso, continua em vigor a Súmula n. 119, do Superior Tribunal de Justiça, que rege o prazo prescricional de vinte anos à ação de desapropriação indireta, por ser este o prazo do usucapião extraordinário, consoante preceitua o art. 550 do Código Civil Brasileiro de 1916.

            1.2.A SÚMULA 443 DO STF E A PRESCRIÇÃO DAS PARCELAS DE TRATO SUCESSIVO.

            A doutrina e a jurisprudência têm sufragado a chamada teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o denominado "fundo do direito" (art. 1º do Decreto nº 20.910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal).

            Este é um outro aspecto do tema, pleno de indagações por parte da doutrina e da jurisprudência, e que refere-se à prescritibilidade dos direitos que integram a própria relação jurídica do funcionário, tais como direito ao cargo, direito a férias, direito aos vencimentos.

            Com efeito, prevalece o entendimento de que a situação jurídica do funcionário público é objetiva, estatutária ou regulamentar. (16)

            Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes (o chamado "fundo do direito") sendo atingidos pela prescrição, tão somente, alguns de seus efeitos. (17)

            A norma contida no art. 1º do Decreto nº 20.910, enfaticamente, menciona "qualquer direito ou ação". Urge laborar importante distinção entre o direito e os efeitos de um direito.

            O direito se constitui, conserva-se, modifica-se ou se extingue com base em acontecimento histórico, denominado suposto fático. De todo direito decorrem efeitos, reunidos no complexo de faculdades e obrigações contrapostas.

            Nem todos os efeitos, todavia, são idênticos. Alguns são instantâneos (direito que se constitui e, como tal, mantém-se no tempo). Outros, no entanto, reproduzem, periodicamente, a obrigação da contraparte. São as conhecidas obrigações de trato sucessivo. Nestas, renova-se a obrigação de tempo em tempo. Daí se inferir que, nas obrigações de trato sucessivo, recomeça novo prazo, cada vez que surge a obrigação seguinte.

            No caso de responsabilidade civil da Administração, por exemplo, decorrente de acidente de trânsito, a obrigação de indenizar dano material conta-se da respectiva data e a prescrição, aí tem o seu termo a quo. Em se tratando de vencimento de funcionários, porque se repete mês a mês, cada vez que não for efetuado, ou pago a menor, começa novo prazo.

            Ilustre-se esse entendimento com a Súmula 163 do Colendo STF:

            "Nas relações jurídicas de trato sucessivo, em que a Fazenda Pública figure como devedora, somente prescreve as prestações, vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação".

            O art. 3º, do Decreto nº 20.910/32, é incisivo:

            "Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações, à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto".

            Em acórdão já clássico, o Min. Eloy da Rocha teve voto vencedor ao defender a tese seguinte:

            "A relação estatutária do servidor público compõe-se com todos os direitos e obrigações. Os direitos não se sujeitam à prescrição. O que pode prescrever são os efeitos produzidos, as prestações(...) Mas o direito que se insere na relação, não se pode separar dela, nada sofre, não é atingido pela prescrição". (18)

            Em posição contrária, Themistocles Brandão Cavalcanti, quando Ministro do STF, assim se posicionou:

            "O direito decorrente da relação de emprego sofre modificações legais, essas modificações se refletem sobre a posição do servidor no serviço público e no seu patrimônio. Dentro do regime estatutário, a relação de emprego obedece a um regime jurídico fixado pela lei e que se manifesta, principalmente, nos efeitos sobre a vida funcional e o patrimônio do funcionário. A prescrição não corre sobre o direito do funcionário à função, mas sobre a relação jurídica disciplinada pela lei e seus efeitos". (19)

            Necessário tecer considerações sobre o art. 3º, do Decreto nº 20.910, que dispõe o seguinte:

            "Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações, à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto".

            A diretriz básica sobre a prescrição quinquenal, sobretudo em matéria de ações relativas a direitos de servidores públicos, situa-se na Súmula 443 do STF:

            "A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado ou a situação jurídica de que ele resulta".

            O enunciado da Súmula 443, de difícil compreensão, foi paulatinamente esclarecido em decisões do STF.

            No voto proferido no RE 101.082, julgado em junho/84, o Min. Aldir Passarinho observou:

            "A jurisprudência desta Corte, aliás, tem-se mantido firme no sentido de que, não havendo prazo fixado, no ato concessivo do direito, para o exercício deste, e não havendo decisão explícita ou implícita negando a prescrição... o que prescrevem são as parcelas de trato sucessivo anteriores ao quinquênio e não o próprio fundo do direito". (20)

            Fundo do direito é expressão utilizada para significar o direito de ser servidor (situação jurídica fundamental) ou os direitos a modificações que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direitos a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviços de natureza especial etc.

            A situação jurídica fundamental – ser servidor estatutário – não é estática, imutável. Ela se modifica no tempo, por força de promoções, acessos, reclassificações. O direito a essas modificações, à semelhança do que ocorre com a própria situação jurídica básica – ser servidor – é suscetível de ser violado, nascendo, daí, a pretensão para que se afaste tal ofensa, pretensão essa que prescreve dentro de cinco anos a contar da violação.

            A pretensão ao fundo do direito prescreve, em Direito Administrativo, em cinco anos a partir da data da violação da lei, pelo seu não reconhecimento inequívoco.

            Ao passo que, o direito de perceber as vantagens pecuniárias decorrentes dessa situação jurídica fundamental ou de suas modificações ulteriores é mera consequência daquele e sua pretensão, que diz respeito ao quantum, renasce cada vez em que este é devido e, por isso, se restringe às prestações vencidas há mais de cinco anos nos termos exatos do art. 3º do Decreto nº 20.910/32.

            Não há, por conseguinte, prescrição do fundo de direito, se não foi indeferida, expressamente, pela Administração, a pretensão ou o direito reclamado. Neste caso, prescrevem as prestações anteriores ao quinquênio que precede à citação para a ação.

            Na mesma linha, o acórdão do STF, prolatado no RE 96.340, julgado em fevereiro/83, que apresentou a seguinte ementa:

            "Não há que falar-se em prescrição apenas de parcelas anteriores ao quinquênio se houve como de fato ocorreu manifestação da Administração que representa inequívoca negativa à pretensão vindicada. Em tal caso, há de ter-se como atingido o próprio fundo do direito, não se aplicando assim, à hipótese a jurisprudência referente a prestações de trato sucessivo".

            A jurisprudência, dessarte, diferenciou a prescrição que atinge o denominado "fundo do direito" (21) da prescrição de prestações sucessivas ou vincendas, (22) como ressaltam no mesmo sentido as seguintes ementas:

            "Prescrição quinquenal – Vantagem não incorporada (adicionais por tempo de serviço) – Prescrição do direito – Decreto nº 20.910/32, art. 1º - Distinção entre simples prescrição do fundo do direito, prevista no art. 1º, que está em causa – Jurisprudência do STF consubstanciada em que a prescrição, pelo próprio princípio da actio nata, atinge o próprio direito instituído quando não reclamado opportuno tempore" (RE 102.071). (23)

            "Administrativo. Servidor Público. Gratificação Funcional. LC nº 218/79. Prescrição. Fundo de direito.

            Havendo ato positivo da Administração suprimindo a gratificação pretendida pelos servidores a prescrição atinge o próprio fundo de direito, se a ação é proposta após o quinquênio legal". STJ - Resp 86.345. (24)

            "Prescrição. A prescrição do art. 1º do Decreto nº 20.910/32 refere-se ao próprio direito, não se confundindo com a prescrição de prestações. Assim, o direito a que a Administração Pública pratique um ato, de que decorrem benefícios a funcionários, prescreve em cinco anos" (RE 99.544). (25)

            A Jurisprudência, nesse sentido, é farta e esclarecedora, conforme a seguir:

            "Ação ordinária ajuizada por funcionário público visando à correção de cálculos de sua remuneração, com o pagamento de atrasados. Acolhimento do pedido na instância ordinária, excluídas as vantagens pecuniárias alcançadas pela prescrição qüinqüenal. Na espécie verificou-se a prescrição do próprio direito de ação, eis que são decorridos mais de 5 (cinco) anos sem que fosse reconhecido o enquadramento pleiteado. Recurso provido". (STF - RE 97.547-1-SP - 2ª T. - Rel. Min. DJACI FALCÃO, in DJU de 26.11.82).

            "Prescrição qüinqüenal. Dec. 20.910/32, art. 1º. Estabilidade. Enquadramento. Magistério Oficial. Art. 177, par. 2º da CF. A inércia do titular em exercitar o direito ao enquadramento, subseqüente ao direito à estabilidade, prevista no art. 177, par. 2º, da CF, importa a extinção desse direito pelo decurso do qüinqüênio prescricional. Recurso extraordinário conhecido e provido". (STF - RE - 99.294-4-SP, Rel. Min. RAFAEL MAYER, in DJU de 17.6.83).

            "Direito contra a Fazenda Pública. Prescrição. Prazo. Decreto-Lei 20.910/32. Conta-se da data do ato ou fato do qual se originou o direito contra a Fazenda Pública o prazo qüinqüenal da prescrição. Se o interessado não reclamou da supressão de vantagem de que usufruía em razão da lei revogada por outra lei, no lapso de cinco anos a partir da vigência desta, o que prescreve é o fundo de direito e não apenas as prestações que se vencerem. Recurso conhecido e provido". (STF - RE - 115.462-SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, RTJ 126, p. 827).(grifamos)

            "A prescrição qüinqüenal a favor da Fazenda Pública, estabelecida pelo art. 1º do Decreto 20.910, de 1932, alcança todo e qualquer direito e ação, seja qual for a sua natureza, sem excetuar os assegurados por lei ao servidor público. A prescrição apenas das prestações pressupõe que a Administração não tenha praticado ato de que decorra o não pagamento delas. Recurso Extraordinário conhecido e provido". (STF - RE - 96.732-RJ, Rel. Min. SOARES MUENO, RTJ 106, p. 1.095).

            "Prescrição qüinqüenal. Aposentadoria. Adicionais por tempo de serviço. Decreto 20.910/32. A prescrição do art. 1º do Decreto 20.910/32 se refere ao próprio direito fundamental reclamado e atinge a todos os direitos pessoais contra a União, Estados e Municípios. Não se confunde com a prescrição relativa às prestações de trato sucessivo, originadas de um direito reconhecido, ou de uma situação permanente, previstas no art. 3º do mesmo Decreto. Recurso Extraordinário conhecido e provido". (STF - RE - 99.127, Rel. Min. RAFAEL MAYER, DJU de 15.4.83).

            "Prescrição qüinqüenal. Pretensão ajuizada dezesseis anos após o transcurso do prazo prescricional. Prescrição do direito. Decreto 20.910/32, art. 1º. Segundo o princípio da actio nata, prescreve, no qüinqüênio, o próprio direito não postulado oportunamente e não as prestações sucessivas e não alcançadas pelo decurso do tempo. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e provido." (STF - RE - 116.732-RJ, rel. Min. CARLOS MADEIRA, RTJ 129, p. 431).

            "Funcionalismo. Prescrição. A prescrição do artigo 1º do Decreto 20.910, de 1932, refere-se ao próprio direito, não se confundindo com a prescrição de prestações. Assim, o direito a que a Administração Pública pratique um ato de que decorrem benefícios a funcionários prescreve em cinco anos". (STF - RE - 99.544-SP, RTJ 117, p. 122).

            "Prescrição. Vantagens financeiras outorgadas a funcionários públicos por lei de 1968 e só pleiteadas, judicialmente, em 1983. Prescreve a própria ação para o reconhecimento do fundo de direito e não apenas o pagamento das prestações sucessivas". (STF - RE - 107.503-MG, rel. Min. OCTÁVIO GALOTTI, RTJ 117, p. 1.325).

            A orientação do STF fica patenteada com a leitura, entre outros, do acórdão proferido no RE 92.879-1-SP, cuja ementa, tem os seguintes termos:

            "A imprescritibilidade de direito decorrente de relação de emprego público permite ao funcionário, pleitear, a qualquer tempo, esse direito, prescrevendo apenas, no prazo de cinco anos, as prestações pecuniárias"; em seu voto acolhido por unanimidade, o Min. Cunha Peixoto ponderou: "Todavia, no caso do art. 3º, prescrevem, apenas as prestações vencidas e, como não se admite dispositivo inútil em lei, a única conclusão a se chegar é que existem direitos que não prescrevem e, entre estes, não se pode deixar de incluir aqueles que integram a própria relação jurídica do funcionário. A imprescritibilidade da relação jurídica do funcionário deve ser entendida, no entanto, no sentido de que ele pode, em qualquer tempo, exigir seu direito, pois é à própria administração que compete, na hipótese, aplicar a lei ao caso concreto. Entretanto, se ele provoca, sem sucesso, a administração, daí passa a fluir o prazo prescricional, que finda em cinco anos". (26)

            A imprescritibilidade da relação jurídica do servidor deve, assim, ser entendida, no sentido de que ele pode, em qualquer tempo, exigir seu direito, pois é à própria Administração que compete, aplicar a lei no caso concreto.

            Exemplificando: se a Administração deve praticar, de ofício, ato de reenquadramento, e o pratica, excluindo o interessado, desse ato nasce a ofensa a direito e a conseqüente pretensão a obter judicialmente a satisfação dele. Se a Administração, que deve agir de ofício, se omite e não há prazo para que pratique o ato, pelo que a omissão não corresponde à recusa, ainda não corre a prescrição.

            Entretanto, se o interessado provoca, sem sucesso, a Administração (que nega o direito expressamente), daí passa a fluir o prazo prescricional, que finda em cinco anos. Em verdade, é necessário que haja uma denegação, um repúdio ao pedido de reconhecimento do direito, para que a prescrição comece a fluir. (27)

            Nesse sentido se pronunciou o Pretório Excelso:

            "Como quer que seja, desde que inexiste despacho denegatório do reconhecimento do direito (...), não há que cogitar de prescrição". (28)

            Decidiu nossa Corte Suprema que aquilo a que o aposentado faz jus, ex vi das leis vigentes ao tempo da causa de sua aposentadoria, pode ser a qualquer tempo pedido "de vez que permanece vinculado ao Estado, como servidor inativo, com todos os direitos resultantes dessa condição, (...) Apenas, (...) do reconhecimento dessa situação não pode decorrer a percepção dos atrasados com retroação, além dos cinco anos imediatamente anteriores à postulação". (29)

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Sobre a autora
Elody Nassar de Alencar

procuradora do Estado do Pará, professora de Direito Administrativo da Universidade Federal do Pará, mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Elody Nassar. O Estado em juízo.: Prescrição de ações judiciais contra a Administração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3561. Acesso em: 24 abr. 2024.

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