1 INTRODUÇÃO
A moralidade administrativa vem revelando-se um tema bastante controvertido, suscitando divergências doutrinárias. A controvérsia do tema evidenciou-se após a promulgação da Carta de 1988, que reservou ao instituto um especial tratamento, elevando-o, pioneiramente, à categoria de princípio de observância obrigatória da atividade da Administração Pública.
Essa inovação repercutiu sobremaneira na esfera jurídica brasileira, acarretando na necessidade de vislumbrar o instituto de forma mais detalhada, com uma amplitude maior à que lhe era conferida até então, posto que consistia em mero princípio geral de direito.
Atualmente, há uma maior preocupação em salientar e fazer cumprir certos preceitos constitucionais, não somente porque a lei o determina, mas também porque o comportamento social tem exigido que as atitudes tomadas por aqueles que ocupam e exercem uma função eminentemente pública sejam morais, na acepção popular da palavra, para que não recaiam sobre eles as sanções impostas pela Lei 8.429/92.
A moralidade administrativa tornou-se não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto. O intervencionismo do Estado na ordem econômica e sua presença constante na ordem social impuseram que a operacionalização de suas novas atividades se comportasse segundo valores éticos coerentes com a definição moral da sociedade.
Enquanto a atuação dos particulares funda-se no princípio da autonomia da vontade, a atuação do Poder Público é orientada por princípios como o da legalidade, da moralidade, da probidade administrativa, da supremacia do interesse público sobre o privado, e da indisponibilidade dos interesses públicos.
É nesse contexto que se insere o tema do presente trabalho, ou seja, a importância do estudo de princípios como o da moralidade administrativa na esfera da improbidade administrativa, visando limitar a atuação da Administração Pública e fazer com que se atenda o espírito da lei.
O objetivo é tentar interpretar as violações, à luz da lei de improbidade administrativa, que estabelece o dever de observância e de cumprimento dos princípios, especificamente os da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade), neles incluídos o da honestidade, da imparcialidade, da legalidade e da lealdade.
2. EVOLUÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Etimologicamente, corrupção deriva do latim rumpere, equivalente a dividir, vindo a gerar o termo corrumpere, que significa deterioração, depravação, alteração, sendo uma consequência, cuja causa primeira reside na ruptura de valores, operada no domínio da conduta humana.
Antes do advento do Código Penal de 1940, a corrupção não era tratada sob essa designação, adotando-se na legislação anterior ao Código, as expressões “peita” ou “suborno”, reduzindo o alcance da corrupção a essas duas formas específicas de improbidade.
Desde o final da década de 1950, o Brasil já enfrentava problemas sérios de corrupção na gestão dos negócios públicos, revelando-se impossível precisar o quantum do Tesouro Nacional já foi lapidado até os dias atuais.
A probidade administrativa tem sido disciplinada em distintos degraus da pirâmide normativa, a começar pelo próprio texto constitucional.
As normas que precederam a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429, de 02 de junho de 1992) não tinham muita eficácia, até a edição desta, tendo este diploma legal prestado certo avanço no tocante a reparação judicial dos danos causados pelos maus administradores, porém não resolveu definitivamente o problema.
2.1 ANTECEDENTES LEGISLATIVOS
2.1.1 Âmbito constitucional
Historicamente, pode-se afirmar que o tema improbidade administrativa foi concebido juridicamente desde a Constituição Republicana de 1891, quando estabeleceu como crime de responsabilidade os atos do Presidente atentatórios à probidade da administração.
A Constituição de 1934 manteve a matriz penalística no tratamento da improbidade administrativa, dispondo no mesmo sentido quanto à responsabilidade do Presidente por atos contrários à probidade da administração. Além disso, destaca-se, nesta Constituição, o fato de ter criado a ação popular, em que qualquer cidadão detinha legitimidade para pleitear a anulação ou nulidade dos atos lesivos ao patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.
Já com a Constituição de 1937, houve uma inversão desta tendência extra penal de analisar os atos de improbidade, pois silenciou-se a respeito do direito de ação popular. Teve, além desse, outro aspecto negativo, que consistiu no fato de ter previsto como crime de responsabilidade apenas os atos do Presidente da República, sem atribuir como crime de responsabilidade passiva os crimes praticados pelos Ministros de Estado.
Na Constituição de 1946, tratou-se de restabelecer o direito de ação popular, além de dispor expressamente que os atos dos Ministros de Estado, assim como os do Presidente contrários à probidade na administração e a guarda e o legal emprego do dinheiro público eram considerados crimes de responsabilidade. Destaca-se, ainda, por marcar o tratamento da tutela extra penal dos atos atentatórios à probidade da Administração. Assim estabelece o art. 151 da Constituição de 1946:
“Art. 151 – Aquele que abusar dos direitos individuais (...), e dos direitos políticos para (...) praticar a corrupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa.”
O texto constitucional de 1967, menos abrangente, estabelecia, em seu art. 150, § 11, 2ª parte: “a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função pública”.
Diferentemente dos textos anteriores, a Constituição de 1988 confere maior liberdade ao legislador ordinário.
Vislumbra-se que a Carta Constitucional de 1988 inovou no sentido de denominar os atos, até então chamados meramente de corrupção, de atos de improbidade administrativa, posto que estes abarcam, ainda, além da suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, não sendo numerus clausus.
Juntamente com o advento da Constituição de 1988, observou-se a “juridicização” da moralidade administrativa, pela primeira vez na história das Constituições brasileiras. Essa inovação, trazida pela redação emprestada ao artigo 37, caput, anteriormente citado, fez com que a moralidade administrativa enfrentasse severas modificações no que concerne à construção doutrinária que a ela era destinada até então.
Inicialmente a nossa lei maior tratava apenas do “enriquecimento ilícito”. Porém, atualmente essa espécie de ato encontra-se abrangida pelo gênero improbidade administrativa.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho assenta o entendimento da desnecessidade do inciso V do artigo 15 da Constituição Federal, tendo em vista que o artigo 37 do mesmo diploma legal já tratou de disciplinar o assunto. O autor assegura que esse parágrafo exprime a revolta do povo brasileiro relativamente à corrupção instalada nos escalões governamentais.
Essa forma de resposta por atos ilícitos praticados contra a Administração Pública sempre foi passível de punição no âmbito da legislação penal, em que as penas acessórias também se fazem presentes como, por exemplo, suspensão de direitos ou perda da função pública, e pela obrigação de ressarcimento do dano causado, o que é apurado pelo direito civil.
Todavia, é importante frisar que a Constituição Federal atual, no seu artigo 15, veda expressamente a cassação de direitos políticos; contudo, deixa explicitado que a perda ou suspensão dela decorrentes verificar-se-ão apenas nos casos ali arrolados (incisos I a V), dentre os quais encontra-se a improbidade administrativa.
O Ministro Demócrito Ramos Reinaldo , assinala de maneira muito correta que se abandonou (ou pelo menos tem-se observado essa tendência) as teorias que vinculavam a moralidade ao desvio de poder, como uma maneira de estabelecer a moralidade dentro da esfera da legalidade.
A autonomia conferida à moralidade é inegável, bem como é autônoma a sua aplicação. Assim, a partir dos Mandamentos Constitucionais, o controle do ato administrativo imoral independe da existência de qualquer resquício de ilegalidade. A moralidade administrativa, sob a perspectiva do Texto Constitucional, é, por si só, motivo suficiente para viciar qualquer ato administrativo que não a observe.
Sob esta perspectiva, assevera José Augusto Delgado:
“O princípio da moralidade administrativa não deve acolher posicionamentos doutrinários que limitem a sua extensão. (...) O interesse jurídico contido no ato administrativo deve se subordinar ao interesse jurídico da moralidade. O simples fato do administrador usar de suas atribuições para fins diversos daqueles conferidos por lei, implica em uma violação direta ao princípio da moralidade.(...) Não há, assim, possibilidade de não se reconhecer a sua supremacia.”
Dessa forma, tem-se que a moralidade administrativa, ao lado dos outros princípios elencados no caput do artigo 37 da Carta Magna, quais sejam a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência, constituem pressupostos da ação administrativa. São “princípios regentes da Administração Pública”, e deverão, obrigatoriamente, constar como elementos intrínsecos da atuação administrativa, sob pena de invalidação.
2.1.2 Normas infraconstitucionais
2.1.2.1 Lei nº. 3.164/57
A primeira Lei Federal foi a Lei nº. 3.164, de 1º de junho de 1957, conhecida como Lei Pitombo-Godói Ilha, cuja ementa segue: “provê quanto ao disposto no parágrafo 31, segunda parte, do artigo 141 da Constituição Federal, e dá outras providências”, vinda para regulamentar o artigo 141, § 31, da Constituição Federal de 1946. Referida lei já outorgava ao Ministério Público e a qualquer pessoa a possibilidade de ingressar em juízo, antecipando-se à Lei da Ação Popular, promulgada apenas em 1965. Ainda, instituiu a obrigatoriedade de registros públicos dos valores e bens pertencentes ao patrimônio privado de quantos exercessem cargos ou funções públicas da União e das entidades autárquicas, eletivas ou não, consoante seu artigo 3º.
Ademais, conforme percebe-se da leitura do artigo 1º, in fine, da Lei em comento:
“Muito claro que se tratava de sanção de natureza civil, já que aplicada independentemente da responsabilidade criminal e mesmo que ocorresse a extinção da ação penal ou a absolvição do réu.”
2.1.2.2 Lei nº. 3.502/58
A Lei nº. 3.502, de 21 de dezembro de 1958, conhecida como Lei Bilac Pinto, tinha como ementa: “regula o sequestro e o perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função”.
Entende-se pela chamada que esta lei foi promulgada, visando regular o sequestro e a perda dos bens nos casos de enriquecimento ilícito. Contudo, ela não revogou a anterior, surgindo mais como complemento àquela, uma vez que enumera no artigo 2º as hipóteses que caracterizam o enriquecimento ilícito. Além disso, tratou de conferir maior abrangência e/ou aplicabilidade ao dever constitucional de probidade administrativa.
Igualmente à lei anterior, a sanção aplicável aos servidores públicos, ou aos dirigentes ou os empregados de autarquias (já que apenas com a edição do Decreto-Lei n. 200 de 1967 as empresas públicas e sociedades de economia mista passaram a fazer parte do sistema jurídico-normativo) tinha natureza civil, aplicável independentemente da responsabilidade criminal, segundo o artigo 4º, caput, da Lei:
”Art. 4º - O enriquecimento ilícito definido nos termos desta Lei equipara-se aos crimes contra a administração e o patrimônio público, sujeitando os responsáveis ao processo criminal e à imposição de penas, na forma das leis penais em vigor.”
Foi também outorgado ao Ministério Público, bem como a qualquer cidadão, após o prazo de 90 dias da apuração dos fatos, a legitimidade para propositura da ação.
2.1.2.3 Ato Institucional nº. 5/68
Menos de 2 anos após a Constituição de 1967 foi decretado o Ato Institucional nº. 5, de dezembro de 1968. Extremamente arbitrário, o AI 5 permitia ao Presidente do governo militar, sem as limitações previstas na Constituição de 1967, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos, além de poder cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais (art. 4º do AI 5), dentre outras arbitrariedades.
A este Ato sucederam-se outros, bem como Emendas Constitucionais que fulminaram, com o enfraquecimento dos militares, na aprovação da Emenda Constitucional nº. 26, de 27 de novembro de 1985, convocando a Assembléia Nacional Constituinte, que aprovou o texto constitucional de 1988 – responsável pela abertura democrática do país e marco efetivo no combate à improbidade administrativa.
2.1.2.4 A Lei nº. 4.717/65
Além das Leis nº.s 3.164/57 e 3.052/58, não se pode deixar de mencionar o “relevante papel desempenhado pela Lei nº. 4.717/65, diploma que disciplinou as hipóteses de cabimento e a forma de utilização da ação popular para a anulação ou a declaração de nulidade dos atos lesivos ao patrimônio Público”.
Esta lei também não estabelecia sanções diretas ao agente, mas tão somente a obrigação de recompor o patrimônio público, ressarcindo o dano causado.
2.2 DA LEI Nº. 8.429/92
A Lei nº. 8.429, de 03 de julho de 1992, também conhecida como “Lei de Improbidade Administrativa”, ou “Lei do Colarinho Branco”, é composta de vinte e cinco artigos, podendo ser subdividida da seguinte forma:
a) arts. 1º, 2º e 3º - sujeitos dos atos de improbidade;
b) arts. 4º, 5º e 6º - dever jurídico de observar os princípios regentes da atividade estatal, de não causar dano ao patrimônio público e de não enriquecer ilicitamente;
c) art. 7º - possibilidade de indisponibilidade dos bens do ímprobo e a legitimidade do Ministério Público para requerê-la em juízo;
d) art. 8º - responsabilidade patrimonial dos sucessores do ímprobo;
e) arts. 9º, 10 e 11 - tipologia dos atos de improbidade;
f) art. 12 - sanções cominadas;
g) art. 13 - obrigatoriedade de todos os agentes públicos apresentarem declaração de bens;
h) arts. 14 e 15 - procedimento administrativo para apuração dos atos de improbidade;
i) arts. 16 e 17 - disposições processuais relativas às medidas cautelares e à ação principal passíveis de serem ajuizadas em face do ímprobo;
j) art. 18 - ente a quem reverterão os bens retirados do ímprobo ou a indenização paga por este;
k) art. 19 - tipo penal em que incorrerá aquele que formular representações cujo conteúdo souber ser inverídico;
l) art. 20 - momento de eficácia das sanções e possibilidade de afastamento cautelar do agente de seu cargo;
m) art. 21 - irrelevância da ocorrência de dano e do fato de serem aprovadas as contas do agente pelo Tribunal de Contas para fins de aplicação da lei 8.429/92;
n) art. 22 - providências a serem adotadas pelo Ministério Público;
o) art. 23 - lapso prescricional para o ajuizamento de ações em face do ímprobo;
p) art. 24 - vigência da lei;
q) art. 25 - revogação das disposições em contrário.
Com a aprovação do projeto e a publicação da Lei nº. 8.429/92, o sistema normativo de prevenção e combate a improbidade administrativa restou enfim fortalecido.
Inovou para melhor ao estabelecer que atos de improbidade administrativa não mais se restringem ao enriquecimento ilícito, para comportarem tantos os atos dolosos ou culposos que causam lesão ao erário, como aqueles atentatórios aos princípios que regem a Administração Pública.
Com efeito, o objetivo maior da Lei de Improbidade Administrativa é proteger o administrado, e não apenas a administração pública, aqui considerada em relação ao seu patrimônio moral e material.
Conforme assevera Leon Frejda Szklarowsky , a doutrina tem pinçado falhas na Lei nº. 8.429. Entretanto, não há lei perfeita, como produto de cultura que é, devendo o operador do direito aplicá-lo, da melhor forma, desbastando-o com o cinzel da sabedoria.
O art. 1º demonstra a elasticidade desse diploma legal, de sorte que qualquer ato de improbidade praticado por agente público, servidor ou não, contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer das esferas de poder, inclusive dos Territórios, está sujeita à sua incidência.
A prática dos atos tipificados na lei implicará a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, de conformidade com a forma e a gradação legal.
A lei é precisa e determina, em cumprimento aos cânones constitucionais, o zelo pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
3 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.1 CONCEITO
A improbidade é fenômeno que acompanha o homem em sua trajetória no tempo. O tema, portanto, é antiquíssimo e ao mesmo tempo atual. Em toda parte não existem soluções mágicas ou acabadas para o combate à corrupção.
O vocábulo improbidade é de origem latina – improbitate – e significa falta de probidade, mau caráter, que provoca prejuízos de diversas ordens, tais como econômico, financeiro e moral. O vocábulo veio a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto – “improbus administrator.”
Trata-se da conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo.
Nada mais é do que o exercício público de função – esta no seu sentido mais amplo – sem a verificação dos princípios administrativos-constitucionais básicos, restando descaracterizado o bom andamento e o respeito à coisa de todos – a res pública.
Conforme a doutrina, entende-se por improbidade:
“Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.”
De forma geral, a improbidade administrativa não reclama tanta elaboração para que seja reconhecida. Estará caracterizada sempre que a conduta administrativa contrastar qualquer dos princípios fixados no art. 37, caput da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade), independentemente da geração de efetivo prejuízo ao erário.
Cretella Júnior ensina que:
"A probidade é espécie do gênero "moralidade administrativa" a que alude, verbis gratia, o artigo 37, caput e seu § 4º da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa, verdadeiro norte à administração em todas as suas manifestações. Se correta estiver a análise, podemos associar, como o faz a moderna doutrina do direito administrativo, os atos atentatórios à probidade como também atentatórios à moralidade administrativa. Não estamos a afirmar que ambos os conceitos são idênticos. Ao contrário, a probidade é peculiar e específico aspecto da moralidade administrativa."
Trata-se, portanto, de conduta humana positiva ou negativa, ilícita, que, também, poderá acarretar uma sanção civil, administrativa e penal, em virtude dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Para estar configurada a improbidade administrativa basta que haja afronta aos princípios insculpidos no caput do artigo 37 do Texto Maior, não sendo imperiosa a necessidade de que haja prejuízo financeiro ao erário.
3.2 SUJEITOS DA IMPROBIDADE NO ÂMBITO DA LEI Nº. 8.429/92
Os sujeitos da improbidade são divididos em duas classes: os ativos, ou seja, aqueles que por ação ou omissão praticam atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito, que causem prejuízo ao erário ou, ainda, que atentem contra os princípios da Administração Pública; e os passivos, que arcam com as consequências dos atos na lei dispostos como ilícitos.
3.2.1 Sujeito Ativo
A lei de improbidade administrativa considera como sujeitos ativos o agente público (art. 1º) e o terceiro que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade, ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º).
Qualquer agente público poderá vir a ser o sujeito ativo. Os agentes públicos vêm conceituados no art. 2º, sendo todo aquele que, exercendo, mesmo que transitoriamente, ou sem remuneração, por eleição, contratação, designação ou qualquer outra forma de vínculo ou investidura, mandato, cargo ou função nas entidades indicadas no art. 1º.
Como se verifica, não é preciso ser servidor público, com vínculo empregatício, para enquadrar-se como sujeito ativo da improbidade administrativa. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público.
Com relação aos terceiros referidos no art. 3º, eles estão sujeitos às sanções cabíveis, desde que de alguma forma tenham concorrido para a prática do ato de improbidade, ainda que não tenham obtido qualquer vantagem em seu próprio benefício.
3.2.2 Sujeito Passivo
A Administração Pública direta, indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, eficiência, moralidade, publicidade e todos os demais previstos na Constituição, advertindo o § 4º do art. 37 que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento do erário público, sem prejuízo da ação penal cabível.
O sujeito passivo é toda pessoa jurídica de direito público interno – União, Estados, Distrito Federal, Municípios e autarquias. A lei inclui o Território. Também o são os entes públicos ou privados que participem direta ou indiretamente do dinheiro público, de seu patrimônio ou da receita anual.
“Assim, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, fazendo parte da administração indireta, não estão alijadas da esfera de ação da lei, bem como as entidades para cuja criação o Tesouro Público haja contribuído ou contribua com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Neste caso, a sanção patrimonial limita-se aos prejuízos causados aos cofres públicos”.
Estão também sujeitos às penalidades da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público.
3.3 ATOS DE IMPROBIDADE NA LEI Nº. 8.429/92
O ato de improbidade consiste em uma ação ou omissão de um agente público, servidor ou não, conforme preceitua o artigo 2º da Lei de Improbidade, que, em detrimento do interesse público, adota comportamentos escusos e, não raras vezes, possibilitam a obtenção de vantagens para si ou para outras pessoas, sejam elas do seu círculo familiar ou com as quais esteja envolvido socialmente. Contudo, para a caracterização desse ato, dispensa-se a necessidade da efetiva ocorrência do dano para que se identifique a lesividade atribuída à improbidade administrativa.
Logo, infere-se que para a caracterização do ato ímprobo – se este tenha sido praticado (positivo) ou, ainda, no caso da omissão tenha sido deixado de praticar (negativo) – basta que exista a intenção de lesar o erário, que o infrator volitivamente atente contra os princípios da administração ou que se verifique qualquer outra conduta que se enquadre como tal na legislação infra-constitucional. Vê-se, portanto, que para o legislador não há a necessidade essencial do atingimento da finalidade pelo agente que praticou o ato, pois mesmo não sendo concretizado o efetivo dano ao erário, ainda assim subsistirá como suficiente a vontade deliberada daquela prática danosa que, uma vez estampada, poderá fazer recair sobre ele todas as sanções decorrentes dos dispositivos legais existentes, como está compreendido no caput e no inciso I do art. 21: “A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público”, pois sabe-se que a finalidade da Lei 8.429/92 é tutelar à probidade e à honestidade (integridade moral) no trato com a coisa pública.
Contudo, importante explicitar que ao tratar da ação da improbidade, ainda que se utilize o vocábulo ato, este difere de ato administrativo, pois poderá, eventualmente, corresponder a um desses, assim como poderá ser uma conduta ou uma omissão de um agente.
A Lei nº. 8.429/92 conhece três tipos de atos ímprobos na administração, a saber:
1) Atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito;
2) Atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário;
3) Atos de improbidade que atentem contra os princípios da administração pública.
3.3.1 Dos atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito
A primeira forma encontra-se disposta no art. 9º, caput, e incisos da Lei, sendo que enriquecimento ilícito é auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º da lei.
No entender de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves , como derivação lógica e consequência inevitável dos atos de corrupção, tem-se o enriquecimento ilícito, sendo aquela o principal meio de implementação deste. Em geral, o enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei.
Nesse sentido, o não enriquecimento sem causa, verdadeiro princípio de direito, há muito é estudado e coibido, tendo fincado raízes no Direito Romano e mantido, desde então, indiscutível atualidade. Objetivando delimitar o campo de aplicação deste princípio, foram construídas as seguintes teorias :
a) a vedação do enriquecimento ilícito funda-se unicamente no princípio de eqüidade, o que justifica a vedação do enriquecimento em detrimento do patrimônio alheio: essa doutrina, também denominada “teoria do patrimônio”, não teve ampla aceitação, pois omite as situações em que não tenha ocorrido uma transferência de ordem patrimonial, mas tão-somente uma vantagem correlacionada à ação ou omissão de outrem;
b) o fundamento reside na necessidade de “equilíbrio dos patrimônios” ou de “segurança estática de fortunas”, os quase são rompidos sempre que haja um deslocamento de valores sem uma correspondente “força-causa” ou “energia criadora” que o justifique: essa teoria, em essência, erige-se sobre os mesmos alicerces da anterior, sendo merecedora de idênticas criticas;
c) trata-se de uma gestão de negócios anormal, em que a pessoa enriquecida se contenta em aproveitar os efeitos da atividade de outrem sem que haja uma ação direta sua: por limitar demasiadamente o princípio do não-locupletamento, essa teoria também não foi aceita, pois várias são as situações em que é divisado o enriquecimento sem gestão alguma, inexistindo qualquer obrigação do locupletador para com o lesado – o que é próprio da gestão de negócios – agindo este voluntariamente e por conta de seu próprio interesse;
d) o enriquecimento ilícito está relacionado à responsabilidade civil, pois aquele que se locupletou à custa alheia praticou um ato ilícito, tendo o dever de ressarcir: em muitos casos, o locupletamento pode existir com uma atitude passiva do locupletador, sem o concurso da vontade deste, o que, aliado ao fato de a indenização não ultrapassar o montante da riqueza obtida, torna esta situação inconciliável com os princípios da responsabilidade civil;
e) o enriquecimento ilícito tem esteio na responsabilidade civil pelo risco criado, sendo derivada do lucro procurado e independe da configuração da culpa: por ser excessivamente casuística e por não abranger as situações em que o proveito não seja perseguido, essa teoria não foi aceita;
f) o não-locupletamento ilícito reside em um dever moral que deve nortear as relações sociais, sendo consectário dos princípios da Justiça e do Direito.
À luz dessa ultima teoria, o enriquecimento sem causa pode advir tanto de uma ato que apresente adequação ao princípio da legalidade, como de um ato ilícito. Assim o princípio do não-locupletamento indevido reside na regra de eqüidade que veda a uma pessoa enriquecer às custas do dano, do trabalho ou da simples atividade de outrem, sem o concurso da vontade deste ou o amparo do direito – e tal ocorrerá ainda que não haja transferência patrimonial.
Esta primeira espécie de atos de improbidade administrativa compreende os seguintes:
1) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
2) receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
3) perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado; perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
4) utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
5) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
6) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
7) adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
8) aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
9) perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
10) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
11) incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
12) usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei.
3.3.2 Dos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário
Os danos causados ao patrimônio publico podem advir de atos dissonantes dos princípios regentes da atividade estatal, ou mesmo de conduta em que tenha ocorrido estrita observância destes.
Os atos lesivos ao patrimônio público, previstos no art. 10 da Lei nº. 8.429/92, são os seguintes:
1) facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
2) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
3) doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
4) permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
5) permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
6) realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
7) conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
8) frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
9) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
10) agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
11) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
12) permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
13) permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
Não haverá que se falar em improbidade se fatores externos concorreram para a causação de dano ao erário, ou mesmo se a ocorrência deste transcendeu a esfera de previsibilidade do agente, o qual, apesar de ter valorado adequadamente todas as circunstâncias presentes por ocasião da pratica do ato, não pode evitar o resultado danoso. Inexistindo dolo ou culpa, não haverá que se falar na incidência do art. 10 da Lei de Improbidade.
Como consequência da infração às normas vigentes, ter-se-á a nulidade do ato, o qual será insuscetível de causar efeitos jurídicos validos. Tem-se, assim, que qualquer diminuição do patrimônio público advinda de ato invalido será ilícita, culminando em caracterizar o dano e o dever de ressarcir.
3.3.3 Dos atos de improbidade que atentem contra os princípios da administração pública
A terceira classe dos atos de improbidade administrativa contempla os atos que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente os seguintes:
1) praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
2) retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
3) revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
4) negar publicidade aos atos oficiais;
5) frustrar a licitude de concurso público;
6) deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
7) revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
Na sistemática da Lei de Improbidade, o dever jurídico de observar os princípios regentes da atividade estatal é inicialmente visualizado em seu art. 4º: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afectos”.
Trata-se de preceito que repetiu literalmente o núcleo do art. 37, caput, da Constituição da República. Ulteriormente, a redação do dispositivo foi alterada pela emenda Constitucional nº. 19, de 04/06/1988, a qual inseriu no referido rol o princípio da eficiência.
O dever jurídico previsto no art. 4º da Lei nº. 8.429/92 é complementado e integrado pelo art. 11 do mesmo diploma legal, dispositivo este que instituiu a tipologia legal dos “atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública”, conforme citado anteriormente.
A leitura do caput do dispositivo denota claramente que a improbidade poderá estar consubstanciada com a violação aos princípios da legalidade e da imparcialidade, o mesmo ocorrendo com a inobservância dos valores de honestidade e lealdade às instituições, derivações diretas do princípio da moralidade. A moralidade, por sua vez, concentra o sumo de todos os valores extraídos dos princípios regentes da atividade estatal, o que permite dizer que a tipologia constante do art. 11 da Lei nº. 8.429/92 a todos alcança, ainda que advenham de princípios implícitos no sistema. Evidentemente, o rol de princípios constante do art. 11 é meramente exemplificativo, pois não seria dado ao legislador infraconstitucional restringir ou suprimir aqueles previstos na Constituição.
Conclui-se, assim, que os arts. 4º e 11 da Lei nº. 8.429/92 assumem relevância ímpar no estudo dos atos de improbidade, permitindo a identificação e a coibição dos atos que venham a macular os princípios administrativos, vetores indissociáveis de todos os atos do Poder Público. Subsumindo-se a conduta à tipologia do art. 11, estará o agente público sujeito às sanções do art. 12, III, da Lei nº. 8.429/92.
3.4 ELEMENTOS SUBJETIVOS: DOLO OU CULPA
Para que seja procedido o enquadramento de uma conduta, omissiva ou comissiva, em um dispositivo legal, faz-se necessário inicialmente que o sujeito ativo tenha agido com dolo ou culpa. Esses são os elementos subjetivos, o nexo causal, existentes entre a conduta do agente e o dano causado.
Fala-se em culpa lato sensu e stricto sensu, sendo a primeira a culpa em sentido amplo, que compreende o dolo, e a segunda, a vontade não dirigida do agente, mas provocada por falta de cuidado e diligência na prática de determinados atos. Assim, para que seja possível estabelecer o referido enquadramento com a necessária clareza, importa que seja levado em conta o animus do agente.
Existem três modalidades na forma culposa, quais sejam: negligência, imprudência ou imperícia. A primeira delas traduz-se por desatenção, descuido, desprezo, incúria, menosprezo e falta de diligência necessária, ou seja, o agente não observou a correta forma de proceder em determinado ato.
A segunda, a imprudência, é a falta de cautela, falta de precaução, de ponderação, de sensatez; ela está presente quando o indivíduo age sem moderação ou comedimento; é quando o agente não apenas realizou um ato com falta de atenção mas que, sobretudo, deixou de tomar as providências necessárias para evitar uma conseqüência danosa.
Por fim, tem-se a imperícia, que resulta na falta de competência, experiência ou habilidade, sendo permitido falar-se na falta de conhecimento de técnicas que, se se fizessem presentes, o dano poderia ser evitado.
Dessa forma, enquadra-se na forma culposa stricto sensu aquele administrador que age com negligência, imprudência ou imperícia, inexistindo vontade dirigida para a provocação de um ato.
Difere do dolo, considerando-se que aqui está desenhada uma intenção prévia, um desejo, uma vontade consciente do agente para a realização de um objetivo que, no caso aqui tratado, seria determinante para a ocorrência da ilicitude por tratar-se de um ato de má-fé, pois o agente tem plena consciência dos riscos oferecidos pelo ato, passa para a sua prática e quer os resultados dali advindo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona que, dentre os dispositivos legais que definem os atos de improbidade administrativa, somente os artigos 5º e 10 tratam da ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou terceiro na ocorrência de lesão ao erário. A autora entende que houve diversidade de tratamento entre as espécies de práticas de atos de improbidade; ressalta, contudo, que apenas a falha do legislador poderia justificar essa diversidade, pois é de grande relevância a existência do elemento subjetivo na prática do ato ímprobo, eis que “sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.”
Nesse compasso, depreende-se que não há a possibilidade da existência de culpa somente no sentido estrito, isto é, sem o dolo, pois seria difícil explicar o enriquecimento ilícito de uma pessoa – que causou prejuízo ao erário e infringiu os princípios norteadores da administração pública – somente pelo fato de ter agido com culpa por meio de um dos seus três elementos fundamentais (negligência, imprudência ou imperícia). E porque ninguém deixa de ser honesto, simplesmente, por desatender a qualquer um daqueles três requisitos, é que resulta de grande valoração a existência da vontade do agente, sabendo-se, contudo, que existem correntes divergentes no que tange ao entendimento de que o elemento subjetivo da improbidade seja dolo e culpa ou somente dolo.
A renomada autora ressalta, ainda, que:
“o enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto.”
Dessa lição, extrai-se a corrente que aceita tanto o dolo quanto a culpa como elemento subjetivo, pois há necessidade de que se configure um desses elementos na prática da conduta desonesta.
Assim, entende-se que esta corrente é a mais plausível, posto que a própria lei contempla no caput dos artigos 5º e 10º a necessidade desses elementos subjetivos, concordando com o entendimento da autora citada, no que tange aos outros dois dispositivos legais, artigo 9º e 11, que tratam de outras formas de improbidade que também comportam a exigência da existência de dolo ou culpa, ainda que não tragam, explicitamente, em seu bojo essa definição, já que não haveria razão para existir essa diversidade no tratamento dos três atos de improbidade sancionáveis.
Assim foi o entendimento do TJ/RS e do TJ/SP, conforme ementas que seguem:
27115007 – APELAÇÃO CÍVEL, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – TRANSPORTE ESCOLAR MUNICIPAL – LICITAÇÃO – CARTEL – AFFECTIO E CONCILIUM FRAUDIS – 1. Preliminares. 1.1. Agravo retido não conhecido a ausência de reiteração nas razões recursais. 1.2. Nulidade do processo não declarada por responder o Prefeito, nos casos de ação, visando ao reconhecimento de improbidade administrativa (matéria cível e não penal), perante o juízo cível de primeiro grau. Competência. O foro por prerrogativa de função estatuído no inc. X, do art. 29, da atual Constituição Federal, anteriormente inc. VIII, diz respeito tão-somente a hipóteses delitivas praticadas pelo Prefeito. A busca da conduta improba na esfera civil não é alcançada pelo dispositivo constitucional, respondendo no foro originário do fato-improbo. Preliminares alijadas. 2. Mérito. 2.1. Recurso do Prefeito improvido por ausente circunstância que exclua sua participação culposa no agir ímprobo consistente em lesão ao erário, por ação e omissão, fraude a licitação, permitindo, por isso, locação de bem por preço superior ao de mercado. Inteligência do disposto no art. 10, V, da Lei nº. 8429/92. Comissão julgadora da licitação destituída das condições mínimas de cognição para o exercício do mister. Negligência. Designação pelo Prefeito Municipal. Culpa. Superfaturamento de licitação com base em elemento fraudulento consistente planejamento divisor de linhas de coletivos adredemente inventariadas e distribuídas modo a participar só um concorrente de uma licitação por local com preços elevados, sem parâmetros na licitação. Fraude evidenciada a licitação. Violação dos princípios da moralidade, impessoalidade e probidade, além da legalidade no que tange a escolha da modalidade licitatória levada a efeito como tomada de preços ao invés de concorrência pública (art. 22, I, da Lei n. 8666/93). Conduta e nexo/liame culposo evidenciado. Recurso improvido. 2.2. Recurso do Órgão do Ministério Público. 2.2.1. Aplicação de pena de suspensão dos direitos políticos. Aplicação de pena que tal exige fato grave, conseqüências graves e pelo menos culpa civil grave o suficiente “in concreto” cuja intensidade revele necessidade e proporcionalidade relativamente a conduta diligente que se exigia, razoavelmente, frente aos fatos. O juiz não deve se reduzir a condição de automático aplicador de dispositivos normativos. O disposto no art. 12, parágrafo único, da Lei nº. 8429/93, deve ser aplicado com observância do “arbitrium regulatum” jurisdicional na forma do art. 93, X, da Constituição Federal, cotejados os critérios da necessidade e proporcionalidade da conduta-fato a pena. Improcedência do recurso neste particular. 2.2.2. Responsabilidade dos servidores públicos cuja conduta evidenciada como ilegal. Participação no procedimento licitatório modo negligente e civilmente doloso. Recurso provido neste particular. 2.2.3. Responsabilização dos transportadores que se uniram em “consilium fraudis”. Prova insuficiente para caracterizar condutas individualizado com base na prova jurisdicional produzida, desconsiderada a prova produzida em CPI por não se traduzir no “due process of law”. Reserva da jurisdição para a produção da prova como princípio do juiz natural. Recurso improvido neste tópico. (34fls.) (TJRS – APC 599260908 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Juiz Carlos Roberto Lofego Canibal – J. 10.05.2000).”
“13039818 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ajuizamento pelo Ministério Público, objetivando reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa por servidor público. Improcedência bem decretada em primeiro grau. Suposta percepção de vencimentos integrais, sem o desconto de dias não trabalhados. Dados essenciais da vida funcional do demandado não trazidos à colação pelos autores, carecendo de comprovação satisfatória a presença de alguma situação sancionável prevista na Lei nº 8.429/92. As severas cominações da legislação especial devem ser reservadas aos atos praticados com desvio de poder ou de finalidade, que interfiram no regular funcionamento da Administração, o que não se delineou nos autos. Recursos dos autores não providos. (TJSP – AC 101.085-5 – São Paulo – 9ª CDPúb. – Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti – J. 06.10.1999 – v.u.).”
3.5 AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº. 8.429/92
Incorrendo em atos de improbidade, o agente público fica sujeito, independentemente da aplicação de outras penalidades na esfera, criminal, cível e administrativa, às sanções cominadas no artigo 12 da Lei nº. 8.429/92, dependendo da gravidade de seu ato.
A primeira delas é a perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente.
Trata-se de consequência natural e a primeira providência a ser tomada nos casos de enriquecimento ilícito e danos ao erário público, dispostos nos arts. 9 e 10, respectivamente, da Lei nº. 8.429/92, com o objetivo de devolver ao acervo patrimonial do Estado ou Município tudo aquilo que foi retirado.
A segunda espécie de sanção é o ressarcimento integral do valor do dano, aplicada aos atos de improbidade dispostos no art. 10 da Lei nº. 8.429/92.
Essa penalidade, no entanto, se refere a todos casos de danos provocados ao patrimônio público, pois a Lei não especifica que tipos de dano, desde que economicamente relevante.
A terceira penalidade é o pagamento da multa civil.
Essa sanção traduz, claramente, a natureza cível da improbidade administrativa e se volta especificamente ao patrimônio do agente da improbidade, independentemente do tipo de infração por ele cometida.
A aplicação da sanção ao caso concreto, no entanto, é graduada pela natureza da falta cometida da seguinte forma: nas hipóteses de enriquecimento ilícito, de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial; nas hipóteses de danos ao erário, de até 2 (duas) vezes o valor do dano; e, nos casos de violação aos princípios da administração, de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração do agente.
A quarta espécie de penalidade é a perda da função pública, que é aplicável genericamente a todos os atos de improbidade previstos na Lei 8.429/92.
A questão que emerge da aplicação direta dessa sanção está no cargo ocupado pelo agente da improbidade, posto que, em determinados casos, a Lex Mater indica textualmente a forma e os limites dessa penalidade, por razões políticas e de segurança nacional.
A quinta sanção prevista na Lei de improbidade administrativa é a proibição de contratar com a Administração Pública ou receber benefícios fiscais ou creditícios.
É também imposta a todo ato de improbidade administrativa previsto na Lei de improbidade administrativa, cujo prazo varia de 3 (três) anos para os casos de violação aos princípios administrativos; 5 (cinco) anos para as hipóteses de danos ao erário público; e, finalmente, de 10 (dez) anos para atos de improbidade administrativa que envolvam enriquecimento ilícito.
Por fim, tem-se a sexta e última sanção, correspondente à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 3 (três) a 5 (cinco) anos, nos casos previstos no art. 11; de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, nas hipóteses do art. 10; e, de 8 (oito) a 10 (dez) anos, nos casos previstos no art. 9º da Lei 8.429/92.
Trata-se de sanção inspirada no próprio texto constitucional (art. 37, § 4º), no qual se enquadra o agente público toda vez que incorrer em um dos casos de improbidade administrativa previstos na lei, restando apenas ao julgador aplicar a penalidade por um período correspondente à gravidade de seus atos.
4 DOS PRINCÍPIOS REGENTES DE PROBIDADE
Tradicionalmente, os princípios vêm sendo estudados pela Teoria Geral do Direito, tendo se irradiado pelos diferentes ramos da ciência jurídica e assumido grande importância na atividade de aplicação das regras jurídicas, atuando como mecanismos que viabilizam sua interpretação e integração.
Para os positivistas, que se baseiam na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen , os princípios, em essência, são proposições básicas, verdadeiros alicerces do sistema jurídico, sendo utilizados para limitar e direcionar sua aplicação. Podem ser explícitos ou implícitos, conforme estejam expressamente previstos no direito positivo ou dele sejam extraídos com a utilização de um processo hermenêutico, o que permitirá que sejam aclarados e declarados pelo intérprete. A identificação dos princípios não prescinde da norma, antes se apresentam como o alicerce fundamental que a sustenta e que deflui de sua estrutura. É neste sentido que se fala em princípios gerais de Direito, ou, como preferem os italianos , em princípios gerais do ordenamento jurídico, nomenclatura esta que torna mais clara sua origem, associando-os aos princípios implícitos.
Percebe-se, assim, que os princípios podem ter sua origem no ordenamento jurídico, sendo explícitos ou implícitos, conforme encontrem previsão expressa no direito positivo ou, apesar de não terem sido expressamente previstos, defluam do sistema - neste último caso, tem-se os denominados princípios gerais de direito.
No entender de Emerson Garcia:
“Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo (dever ser). Sendo cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será inválido, consequência esta que representa a sanção para a inobservância de um padrão normativo cuja reverência é obrigatória”.
O mesmo autor ressalta, ainda, que:
“A adoção dos princípios tornará a norma mais fluida e indeterminada, pois revestem-se de um grau de abstração e generalidade mais acentuado do que as regras; por outro lado, a menor determinação do campo de aplicação da norma será compensada com uma adequação mais célere aos valores que disciplina, o que também exige maior responsabilidade do operador do direito ao sopesar sua axiologia e densificar seu conteúdo. De forma sintética, pode-se dizer que a aplicação das regras se esgota em uma operação de subsunção, enquanto que os princípios possibilitam um exercício de ponderação, permitindo que sejam sopesados os valores que informam determinada situação fática, culminando com a identificação da solução justa para o caso concreto”.
Os princípios incidirão diretamente sobre a esfera de determinado bem jurídico, permitindo a integração da regra, aclarando o seu significado linguístico e delimitando o seu objeto. É nesse sentido que avulta a importância dos princípios, pois o Poder Público deve sempre atuar em conformidade com a norma, e esta é integrada por regras e princípios, o que permite dizer que a imperatividade destes elementos, cada qual com seu grau de determinação, haverá de ser observada pelo agente. Além dessa função normativa, a concreção da regra, delineada e limitada pelos princípios, terminará por indicar a otimização, e consequente correção, do comportamento do agente público. Em uma palavra, sua probidade.
Conforme explicitado anteriormente, o art. 4º da Lei de Improbidade Administrativa dispõe que os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no trato dos assuntos que lhe são afetos.
Atentar contra princípios jurídicos é muito mais grave que violar regras; significa agredir todo o sistema. Justamente por isso, o texto do art. 4º da Lei de Improbidade, ao exigir que os agentes públicos cumpram e façam cumprir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, repercute o disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Os princípios constitucionais da Administração são fontes do ordenamento jurídico positivo; traçam as feições da Constituição nesse aspecto. Esta nada mais é senão sua anfitriã instrumental que, simultaneamente, informa o programa de Estado neles proposto e enuncia sua operatividade.
“Postos para serem determinantes de comportamentos públicos e privados, não são eles arrolados como propostas ou sugestões: formam o Direito, veiculam-se por normas e prestam-se ao integral cumprimento. A sua inobservância vicia de mácula insanável o comportamento, pois significa a negativa dos efeitos a que se deve prestar. Quer-se dizer, os princípios constitucionais são positivados no sistema jurídico básico para produzir efeitos e deve produzi-los”.
Em matéria de princípios, o elenco do art. 37 não se esgota no caput. Querendo evitar dúvidas sobre a existência de outros princípios administrativos, o próprio constituinte os declara ao usar a expressão e também ao seguinte, para designá-los em seus incisos e parágrafos:
1) da licitação para contratação de obras e serviços;
2) do concurso público para admissão de servidores;
3) da prescritibilidade dos atos ilícitos administrativos;
4) da responsabilidade civil da Administração.
Mesmo com a clareza do texto constitucional, não se esgota a matéria. Nem só o art. 37 porta princípios norteadores da Administração Pública. Ao longo do texto constitucional, eles alojam-se em diversos dispositivos de forma explícita e implícita.
A Lei nº. 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo Federal), no artigo 2º, faz referência aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Além disso, outras leis esparsas fazem expressa referência a princípios específicos de determinados processos, tal como ocorre com a Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, sobre licitação e contrato, e com a Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, sobre concessão e permissão de serviço público.
Serão a seguir comentados alguns dos princípios explícitos da Administração Pública, regentes de probidade:
4.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Este princípio entronca-se com a própria noção de Estado de Direito. Estado de Direito é aquele que se submete ao próprio direito que criou, razão pela qual não deve ser motivo de surpresa constituir-se o princípio da legalidade um dos sustentáculos fundamentais do Estado de Direito.
Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição de tais direitos em beneficio da coletividade.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa idéia corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789:
“a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei”.
No entender de Celso Ribeiro Bastos , com relação à Administração, não há princípio de liberdade nenhum a ser obedecido. É ela criada pela Constituição e pelas leis como mero instrumento de atuação e aplicação do ordenamento jurídico. Assim sendo, cumprirá melhor o seu papel quanto mais atrelada estiver à própria lei, cuja vontade deve sempre prevalecer.
De tudo ressalta que a Administração não tem fins próprios, mas há de buscá-los na lei, assim como, em regra, não desfruta de liberdade, escrava que é da ordem jurídica.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei.
Neste ponto, porém, convém observar que em determinadas hipóteses é reconhecida à Administração a possibilidade de exercer uma apreciação subjetiva sobre certos aspectos do seu comportamento. Isto porque a lei nesses casos está a lhe deferir uma margem de atuação discricionária que exerce na determinação parcial de alguns de seus atos.
Diz-se parcial porque o ato administrativo nunca pode ser integralmente discricionário, pois envolveria uma margem tão ampla de atuação subjetiva que certamente faria pôr em debandada o próprio princípio da legalidade.
Em síntese, a discricionariedade não chega a ser uma exceção à legalidade. É no máximo um abrandamento ou uma atenuação das suas exigências que não deita por terra a validade ampla do princípio da legalidade como informadora de todo atuar administrativo.
Finalmente, o princípio da legalidade submete tanto a Administração direta quanto a indireta e a fundacional. Não obstante isso, é forçoso reconhecer que aquelas entidades que se regem pelo direito privado, fundamentalmente, se submeterão por igual forma a um princípio da legalidade em função de parâmetros privatísticos com as exceções decorrentes da própria Constituição, que sujeita tais entidades a certos tipos de controle a que jamais se submeteriam se entidades autenticamente privadas fossem.
4.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
No entender de Maria Sylvia Zanella di Pietro , exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração.
No primeiro sentido, o principio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.
No segundo sentido, o princípio significa que:
“os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”
A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa regra, quando, no § 1º do artigo 37, proíbe que conste nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.
Na Lei nº. 9.784/99, o princípio não aparece expressamente mencionado, porém, está implicitamente contido no artigo 2º, parágrafo único, inciso III, nos dois sentidos assinalados, pois se exige “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades”.
Outra aplicação desse princípio encontra-se em matéria de exercício de fato, quando se reconhece validade aos atos praticados por funcionário irregularmente investido no cargo ou função, sob fundamento de que os atos são do órgão e não do agente público.
É oportuno lembrar, ainda, que a Lei nº. 9.784/99, nos artigos 18 a 21, contém normas sobre impedimento e suspeição, que se inserem também como aplicação do princípio da impessoalidade e do princípio da moralidade.
4.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE
A moralidade administrativa é definida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração; implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há a moral administrativa, que é imposta de dentro e vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo o discricionário.
A imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades meta jurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente.
A Lei nº. 9.784/99 prevê o princípio da moralidade no artigo 2º, caput, como um dos princípios a que se obriga a Administração Pública; e, no parágrafo único, inciso IV, exige “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”, com referência evidente aos principais aspectos da moralidade administrativa.
Mesmo os comportamentos ofensivos da moral comum implicam ofensa ao princípio da moralidade administrativa.
Além disso, o princípio deve ser observado não apenas pelo administrados, mas também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública.
Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa, que será melhor analisado posteriormente, em capítulo próprio.
4.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
A publicidade dos atos estatais e mais restritamente no caso dos atos da Administração tem sido uma preocupação constante no Estado de Direito. Só a publicidade permite evitar os inconvenientes necessariamente presentes nos processos sigilosos. O conhecimento, portanto, da atuação administrativa é indispensável tanto no que diz respeito à proteção dos interesses individuais como também aos interesses da coletividade em exercer o controle sobre os atos administrativos.
A publicidade vem a ser, pois:
“a divulgação que é feita das decisões administrativas, excetuadas aquelas de interesse exclusivamente interno. Embora a publicidade seja um ato material, dela defluem consequências importantes. A sua própria eficácia é normalmente condicionado requisito da publicação. Os mecanismos destinados a possíveis recursos, quer administrativos, quer jurisdicionais, quer se trate de insurgência do interesse individual, quer do coletivo, também apenas são ativáveis se se tratar de decisão devidamente publicada na forma da lei”.
O veículo de divulgação é o órgão oficial que vem a ser aquele que tem por destinação normal
a publicação dos atos estatais. A publicidade em órgão oficial deve ser de rigor exigida, salvo as hipóteses em que seja comprovada a incapacidade econômica e financeira.
O princípio comporta exceções. Diógenes Gasparini elenca as principais:
“A essa regra escapam os atos e atividades relacionados com a segurança nacional, os ligados a certas investigações, a exemplo dos processos administrativos disciplinares, e os pedidos de retificação de dados (CF, art. 5º, LXXII, b). Também refoge a esse princípio os atos de superior interesse da Administração Pública, cujos processos hão de ser previamente declarados sigilosos, como é exemplo o art. 59 da Constituição de São Paulo. Essas exceções não são privilégios do Executivo. Existem no Judiciário (segredo de justiça – arts. 155 do CPC e 5º , LX, da CF) e no Legislativo (sessões secretas)”.
Vê-se que as ressalvas que se possam reconhecer no princípio da publicidade não visam propriamente a assegurar qualquer privilégio de sigilo por parte da Administração, mas sim o direito dos particulares à intimidade, bem este, também, constitucionalmente garantido.
Entram na mesma linha de proteção do direito de inteirar-se dos atos e intenções do Poder Público outros incisos do Texto Constitucional, tais como o LX, o XIV, o XXXIII e o XXXIV do art. 5º.
4.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
A Emenda Constitucional nº. 19, de 04 de junho de 1998, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput. Também a Lei nº. 9.784/99 fez referência a ele no art. 2º, caput.
Helly Lopes Meirelles fala na eficiência como um dos deveres da Administração Pública, definindo-a como:
“o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”.
Acrescenta-se que esse dever de eficiência corresponde ao “dever de boa administração”.
O princípio da eficiência apresenta dois aspectos: pode ser considerado em relação modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Vale, ainda, dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.
5 DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
5.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
5.1.1 Direito e Moral
Diversas são as teorias que tratam da questão da moral e do Direito. Enquanto alguns autores concentram seus esforços em demonstrar a total distinção entre os dois institutos, outros, por sua vez, sustentam a íntima relação do Direito com a moral.
Dada a complexidade do tema, tentar-se-á demonstrar, tão somente, as semelhanças e diferenças observadas nos dois conceitos, utilizando-se os ensinamentos de Adolfo Sánchez Vázquez.
Consoante apregoado pelo autor, Direito e Moral aproximam-se em alguns aspectos: ambos constituem normas reguladoras do comportamento humano que visam “garantir certa coesão social” , tendo, por consequência, um caráter imperativo. Aos dois institutos é conferida uma dinamicidade que se encontra vinculada à história. “Assim como varia a moral de uma época para a outra, ou de uma sociedade para outra, varia também o direito” .
Quanto às diferenças, o autor evidencia a interioridade da moral e a exterioridade do direito. Enquanto a moral não possui codificação e é observada em função de uma convicção interna que garante o seu cumprimento, no direito a codificação faz-se imprescindível e o seu cumprimento dá-se independentemente da existência de qualquer convicção íntima, em função da coação exercida pelo Estado.
Ressalta ainda o autor que o campo da moral é indubitavelmente mais amplo que o do direito, posto que o primeiro regula todas as formas do comportamento humano e o segundo regula apenas aquelas que têm relevância para o Estado. Assim, em função da distinta relação da moral e do direito com o Estado, nota-se que a moral poderá vir a confrontar-se com o poder estatal, enquanto que o Direito estará sempre em conformidade com o Estado, posto que depende diretamente dele.
“Em conclusão: a moral e o direito possuem elementos comuns e mostram, por sua vez, diferenças essenciais, mas essas relações, que ao mesmo tempo possuem um caráter histórico, baseiam-se na natureza do direito como comportamento humano sancionado pelo Estado e na natureza da moral como comportamento que não exige esta sanção estatal e se apóia exclusivamente na autoridade da comunidade, expressa em normas e acatada voluntariamente.”
5.1.2 Moral e Ética
A experiência histórica tem demonstrado que, antes de qualquer diferenciação que se possa dar aos dois termos, a utilização preponderante de um ou de outro foi em grande parte influenciada pela sua origem. Nota-se, portanto, que povos de cultura católica privilegiam a utilização da palavra moral, enquanto os povos de influência protestante dão mais ênfase à palavra ética.
Justifica-se, assim, o fato de que na antiguidade, a utilização de tais termos variava de acordo com o idioma adotado, porém ambos “compreendiam tanto os costumes como os códigos destinados a reger a conduta humana e a exortação a sua obediência e, ainda, a reflexão filosófica sobre tais costumes e comportamentos e os códigos que os regulam.”
Já na atualidade, uma gama de autores continua adotando os termos moral e ética indistintamente. Alguns, porém, apegam-se à tentativa de diferenciá-los.
O entendimento mais preponderante proclama ser a ética a ciência da moral, cabendo a esta o “estudo da conduta moral do homem” . Desta forma, ética e moral diferenciam-se e se relacionam enquanto “uma ciência específica e seu objeto.”
Adolfo Sánchez Vázquez confere à ética um caráter de generalidade:
“O que nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve valer para a moral da sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa comunidade humana moderna. É isso que assegura o seu caráter teórico e evita sua redução a uma disciplina normativa ou pragmática. O valor da ética como teoria está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas.”
A partir desses ensinamentos pode-se compreender que enquanto a moral é concebida como um conjunto de regras da conduta humana, e portanto, tem uma função prática, a ética é eminentemente teórica, limitando-se a explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes.
Isso não significa entender a ética como algo imutável. A ética varia de acordo com o seu objeto de estudo, tendo, portanto um caráter extremamente dinâmico, já que a moral, como visto anteriormente, sofre constantes modificações que acompanham a história do homem.
5.2 MORALIDADE ADMINISTRATIVA – HISTÓRIA DE UM CONCEITO
Desde a antiguidade os povos já se preocupavam com a existência da moralidade no trato da coisa pública. No decorrer da história, essa preocupação apenas evidenciou-se, posto que, como assevera Cláudio Ari Mello, “a ampliação das zonas de liberdade de ação do Poder Público produziram diversos problemas, (...)” , dentre eles uma propensão a atuações desprovidas de honestidade.
Apesar de se encontrar, já no direito romano, “a interseção da moral no direito em termos de aplicação” , que se deu através da doutrina do abuso do direito , na esfera do direito público, a moralidade veio a se instalar muito tempo depois, apenas no começo do presente século, em 1914, com as anotações feitas por Maurice Hariou acerca do pronunciamento do Conselho de Estado Francês, cúpula do sistema do contencioso administrativo desse país, no caso Gommel. Conforme apregoa Antônio José Brandão, a partir dessas anotações, Hariou “desenvolveu, com maior brilhantismo do que transparência, a seguinte tese audaciosa: a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade desses atos aos princípios basilares da ‘boa administração’, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da ‘moralidade administrativa’.”
No Brasil, conforme informa Caio Tácito , a presença da moralidade administrativa em norma de equivalência constitucional surge, pioneiramente, entre nós, com o Decreto nº. 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu o Governo Provisório da República dos estados Unidos do Brasil, cujo artigo 7º mantinha as leis, obrigações e direitos da esfera pública em vigor "salvo os que, submetidos a revisão, contravenham o interesse público e a moralidade administrativa".
É, contudo, a Constituição de 1988 que realça e destaca, em diversos de seus preceitos, a importância da moralidade administrativa entre os pressupostos máximos do sistema constitucional.
A Constituição de 1988 previu a moralidade administrativa em dois artigos. Art. 5º, LXXIII (quando fala da ação popular), e no art. 37 (quando trata dos princípios da administração pública). Das Constituições que influenciaram de alguma forma a nossa (Alemanha, Portugal, França, Espanha, Itália), nenhuma trouxe o nome “moralidade administrativa”, nem consta que algum país desenvolvido a contenha, conforme salienta José Guilherme Giacomuzzi .
Na Constituição Federal a lesão à moralidade administrativa é fundamento expresso para a anulação de ato lesivo ao patrimônio pela via da ação popular (art. 5º, inciso LXXIII) e o art. 14, § 9º admite, em defesa da moralidade para o exercício do mandato eleitoral, possa lei complementar estabelecer a inelegibilidade em proteção à probidade administrativa que é igualmente resguardada na enumeração dos crimes de responsabilidade atribuíveis ao presidente da República (art. 85, nº. V), sobre os quais dispõe o art. 9º da Lei nº. 1.709, de 10 de abril de 1950.
Assim, no campo da Administração Pública, a moralidade tem como diretrizes o dever de boa administração, a garantia dos bons costumes e a noção de equidade no confronto entre o interesse público e o dos administradores.
5.3 MORALIDADE E LEGALIDADE
A partir da análise do instituto da moralidade administrativa, torna-se mais compreensível que certos autores tenham vinculado o conceito da moralidade administrativa à legalidade, em função de sua origem, quando esteve diretamente ligada à ideia de desvio de poder.
Mesmo com o decorrer do tempo e o amadurecimento da doutrina acerca do tema, há ainda uma corrente tradicional que sustenta essa vinculação, defendendo ser o vício de moralidade tão-somente uma das hipóteses da ilegalidade, qual seja a ilegalidade concernente aos fins (desvio de poder). Em consequência, o controle da moralidade por parte do Poder Judiciário restringir-se-ia a essa modalidade de ilegalidade, restando seu exame enquanto elemento isolado prejudicado, posto que tais autores vislumbram que, enquanto elemento da disciplina interna da Administração, a análise da moralidade dos atos administrativos caberia, igualmente, à esfera interna da Administração.
Talvez seja esse entendimento um tanto quanto cômodo, já que a imprecisão do conceito da moralidade administrativa torna difícil não só a sua compreensão, mas principalmente a sua conceituação e, portanto, a sua caracterização. Assim, enquanto elemento absorvido pela própria noção de legalidade, sua configuração não ensejaria tantas ponderações, já que a legalidade é, sem dúvida, um conceito de muito mais fácil apreensão.
Apesar de todas essas considerações, o entendimento ora exposto, revela-se descabido após o avanço dos estudos doutrinários sobre o tema. É certo que a moralidade administrativa constitui um conceito demasiadamente vago e que transcende a esfera jurídica, porém essas dificuldades não podem impedir que a sua importância seja efetivamente consagrada.
Seguindo essa linha de raciocínio é que a doutrina sofreu um visível amadurecimento, e acabou por conferir à moralidade um caráter indubitavelmente mais amplo e distinto da legalidade, tornando, por conseguinte, cada vez mais viável a apreciação da moralidade administrativa nas mais diversas esferas, incluindo aí a judicial.
Os autores simpatizantes dessa corrente deixam bem clara a distinção existente entre a moralidade e a legalidade, o que não significa concebê-los como elementos estanques. Não resta dúvida de que diversos fatores por vezes os aproximam, a começar pelo fato de ambos constituírem motivo suficiente para a invalidade de um ato administrativo por violação de seus postulados.
No entanto, é necessário entendê-los enquanto elementos autônomos. Defendendo esse entendimento é que José Augusto Delgado ensina:
“Enquanto o princípio da legalidade exige ação administrativa de acordo com a lei, o da moralidade prega um comportamento do administrador que demonstre haver assumido como móbil da sua ação a própria ideia do dever de exercer uma boa administração. No cumprimento do princípio da legalidade, o administrador não tem necessidade de dedicar a sua atenção com o motivo da própria ação, pois, suficiente que se encontre autorizada por lei. O contrário, porém, acontece como princípio da moralidade, que exige do administrador uma postura que faça com que os seus atos exteriorizem a própria idéia do dever de haver atuado com base em ‘regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa’.”
A doutrina brasileira vem adotando igual posicionamento, sob influência clara do texto da atual Carta Magna que, através de seu artigo 37, não deixa dúvidas ao conceder à moralidade e à legalidade a autonomia que lhes é necessária.
Ao comentar o dispositivo constitucional ora mencionado, Demócrito Ramos Reinaldo assinala:
“O constituinte, portanto, estabeleceu nítida distinção: jurisdicionou a ‘moralidade’, definindo-a como ‘princípio’, para viger, paralelamente, com o da ‘legalidade’. A distinção é evidente e necessária. A moralidade administrativa integra o direito (constitucional) como elemento de observância indeclinável (irretorquível), mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui corolário. O legislador constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou do mero ‘reenvio’ da norma legal à norma moral, mas atribui à moralidade administrativa relevância jurídica, de eficácia plena e mandamental autônoma – e de vida própria. Nessa linha de raciocínio, há que se distinguir a ordem jurídica positiva, que caracteriza a legalidade, da ordem jurídica positiva, que caracteriza a moralidade – ambas compondo a mesma ordem jurídica integral – porque nem tudo que é ‘legal é moral’.”
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Weida Zancaner manifesta-se sobre a posição adotada pela nossa Constituição da seguinte forma:
“Esta posição, isto é, a compreensão do princípio da moralidade com um plus ao princípio da legalidade, inclusive enquanto autônomo em relação a este, é a aceitação de valores éticos e morais pelo sistema jurídico, valores que se espraiam por todo sistema porque ajudaram a compor o perfil constitucional do Estado adotado por uma determinada sociedade em uma determinada época.”
Assim, interpretando a Constituição de 1988, conclui-se que cabe ao agente administrativo a conformação de todos os seus atos com a lei. Porém, tal assertiva não é suficiente, já que, além de obedecer aos imperativos legais a que está subordinado, o agente deverá fazê-lo imbuído do senso de interesse público, tendo em vista que todas as vezes que estiver agindo dentro da lei, porém com interesses diversos do bem comum, estará infringindo a moralidade a que está igualmente subordinado e seu ato será passível de invalidação.
5.4 MORALIDADE E PROBIDADE
Há quem confunda probidade com moralidade ou, correspondentemente, improbidade com imoralidade.
Há autores que empregam os termos indistintamente, conferindo-lhes o mesmo significado. Por outro lado, há os que, distinguindo nitidamente as duas noções, entendem ser a moralidade o gênero do qual a probidade seria uma espécie.
Flávio Sátiro Fernandes, defensor da primeira corrente, expõe que:
“A probidade é (...) o gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela Constituição Federal e pela legislação ordinária. De fato, examinando-se o que a Constituição de 5 de outubro de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm a respeito dos princípios aqui aludidos, verifica-se que probidade e moralidade administrativas são conceitos que se não podem (sic) confundir e que a segunda dessas noções está contida na primeira.”
A corrente majoritária, por sua vez, vem seguindo os ditames de José Afonso da Silva, que discorre acerca da probidade administrativa da seguinte forma:
“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de ‘o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.” (grifos no original).
Já a moralidade administrativa, como visto anteriormente, deve ser sacada da própria noção de "boa administração”, o que torna tal conceito indubitavelmente mais abrangente. Dessa forma, partindo do pressuposto de que a improbidade é espécie do gênero moralidade administrativa, conclui-se que o dever da moralidade traz como uma de suas consequências lógicas o dever da probidade, que pode ser tratado como “uma das possíveis formas de externalização da moralidade.”
Assim, entende-se que: a) moralidade e probidade administrativas são noções bem claramente distintas, que se não podem confundir ante os textos legais que, a partir da Constituição Federal, a elas se referem; b) por esses mesmos textos, é forçoso reconhecer, como demonstraremos a seguir, que a probidade é que é o gênero, do qual a moralidade é espécie, haja vista a maior amplitude e o maior alcance emprestados à primeira, pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.
De fato, examinando-se o que a Constituição de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm a respeito dos princípios aludidos, verifica-se que probidade e moralidade administrativas são conceitos que se não podem confundir e que a segunda dessas noções está contida na primeira.
A evidência maior de que a probidade administrativa abarca o princípio da moralidade está na maneira como a Lei nº. 8.429/92 define os atos de improbidade administrativa. De acordo com o mencionado diploma legal, a improbidade na administração se verifica quando se praticam atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, definidos no artigo 37, § 4°, da CF, entre os quais está incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, além de outros que, mesmo não apontados, explicitadamente, no citado dispositivo, mas distribuídos por todo o texto constitucional, também se aplicam à condução dos negócios públicos.
Caberia, aqui, deixar clara a distinção entre uma e outra.
O ato de imoralidade afronta a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, a dignidade humana e outros postulados éticos e morais.
A improbidade, por sua vez, significa a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a pública administração.
Em suma, podemos dizer que todo ato contrário à moralidade administrativa é ato configurador de improbidade. Porém, nem todo ato de improbidade administrativa representa violação à moralidade administrativa.
5.5 CARACTERIZAÇÃO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
A caracterização da moralidade administrativa vem se demonstrando uma tarefa de árdua consecução, tendo em vista a vagueza e imprecisão do conteúdo deste princípio. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, ao tecer apontamentos acerca de tal dificuldade, assevera que para se conhecer um ato imoral, que o autor denomina “vício da não moralidade” “há sutilezas que pedem constatação hermenêutica, inclusive o exame prático da intenção administrativa e o porque psicológico de seu desvirtuamento.”
Apesar da complexidade ora apontada, vários são os autores que vêm se empenhando no estudo do tema. José Augusto Delgado, por exemplo, tece algumas considerações referentes à caracterização do ato imoral. Como assinalado pelo autor, “(...) imoral é o ato administrativo que não respeita o conjunto de solenidades indispensáveis para a sua exteriorização; quando foge da oportunidade ou da conveniência de natureza pública; quando abusa no seu proceder e fere direitos subjetivos públicos ou privados; quando a ação é maliciosa, imprudente, mesmo que somente no futuro essas feições ou alguma delas se tornem reais.”
Entretanto, observa-se que a caracterização da moralidade administrativa requer a análise conjunta de diversos elementos. Partindo de todas essas observações e utilizando os ensinamentos de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto ocupou-se do que ele próprio denomina “problema da caracterização da moralidade administrativa.”
De acordo com o autor, dita caracterização pressupõe o entendimento que a moralidade administrativa convive em estreita ligação com o inafastável objetivo dos atos administrativos, qual seja o interesse público. No entanto, o interesse público (entendido enquanto elemento finalidade de qualquer ato administrativo) não poderá receber uma análise isolada, já que a sua realização não é suficiente na configuração da moralidade administrativa.
Justificando esta afirmação, aponta que por vezes observa-se a manipulação dos elementos motivo e objeto, o que acaba por dar a falsa impressão de que o interesse público almejado foi alcançado.
Com efeito, após tecer esses comentários iniciais, Diogo de Figueiredo Moreira Neto explicita, objetivamente, seu método de verificação do ato imoral, designando várias espécies de motivos e objetos que viciam o ato administrativo por serem incompatíveis com a moralidade administrativa. Preleciona o jurista que o chamado “vício da moralidade” encontra fundamento sempre que, no ato administrativo, for observado motivo inexistente, insuficiente, inadequado, incompatível ou desproporcional à finalidade pública, bem como quando o objeto analisado for impossível, desconforme ou ineficiente.
Cumpre assinalar, assim, as definições deduzidas pelo autor acerca de mencionados motivos e objetos. Quanto aos motivos, discorre:
“O motivo inexistente (...) não pode suportar a realização de qualquer finalidade pública. (...) O motivo insuficiente (...) dificilmente poderá suportar a realização de um interesse público, pelo menos nos termos pretendidos por seu agente. (...) O motivo inadequado (...) decorre da falta da necessária correspondência entre o que deveria motivar o ato e a natureza categorial do seu objeto. (...) O motivo incompatível (...) é aquele que não guarda adequação com o objeto do ato. (...) O motivo desproporcional (...), por fim, revelará imoralidade administrativa sempre que, embora declinado verdadeiramente, for erroneamente estimado pelo agente para servir de fundamento para sua ação, levando a um resultado incompatível com o atendimento de interesse público específico a que deveria visar o ato.”
Já em relação aos objetos, tece as seguintes considerações:
“O objeto é impossível (...) quando o resultado jurídico visado pelo agente não se compatibiliza com o ordenamento jurídico.(...) O objeto é desconforme (...) quando ocorrer uma incompatibilidade lógica entre sua escolha (discricionária) e o interesse público contido na regra da finalidade.(...) O objeto é ineficiente (...) quando ocorrer grave comprometimento do interesse público pela desproporcionalidade entre custos e benefícios.”
Assim, a caracterização da moralidade administrativa deve realizar-se a partir do estudo do interesse público em total e íntima relação com os elementos motivo e objeto dos atos administrativos, já que o ato administrativo que acompanha os preceitos da moralidade deverá trazer em seu bojo os elementos motivo e objeto coadunados com o elemento finalidade pública.
5.6 A MORALIDADE E OS ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO
Os atos administrativos devem apresentar plena adequação ao sistema normativo que os disciplina e ter sua finalidade sempre voltada à consecução do interesse público. A partir da presença de determinada situação fática, deve o agente público, nos limites de sua competência, praticar o ato administrativo que se ajuste à hipótese. Esta adequação, por sua vez, deve ser por ele demonstrado com a exteriorização dos motivos que o levaram a praticar o ato, o qual deve necessariamente visar a uma finalidade pública.
Não obstante presentes os elementos do ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) e a plena compatibilidade entre eles e a lei, em muitos casos será vislumbrada a inadequação dos motivos declinados e da finalidade almejada com a realidade fática e o verdadeiro elemento volitivo do agente.
Para que o ato praticado em consonância com a lei esteja em conformidade com a moralidade administrativa, é imprescindível que haja uma relação harmônica entre a situação fática, a intenção do agente e o ato praticado, sendo analisadas no contexto deste a motivação declinada e a finalidade almejada.
A intenção do agente deve surgir estritamente vinculada ao propósito de atingir o bem comum, escolhendo um fim que se harmonize com a previsão abstrata da norma e permitindo que o ato, em sua gênese, se apresente, a um só tempo, em conformidade com a lei e a moralidade administrativa.
A conduta do agente deve ser juridicamente possível e estar em harmonia com os efeitos jurídicos previstos na norma, o que, aliado à real intenção de atingi-los, conferirá licitude ao ato. No entanto, ainda que haja completa adequação da conduta à norma e esta possa produzir determinados efeitos, o ato será ilícito se for viciada a intenção do agente em relação aos reais efeitos que pretende alcançar, pois somente na aparência haverá adequação à lei.
“Para que seja identificada a real intenção do agente, a qual poderá revelar a verdadeira motivação do ato e o objetivo colimado com a sua prática, afigura-se impossível a penetração no psiquismo do mesmo, o que conduzirá à análise de tal elemento volitivo a partir da situação fática embasadora do ato e dos caracteres externos - ainda que não declinados - que venham a influir na sua prática. A intenção, assim, é indício aferidor da moralidade do ato, sendo também verificada a partir da compatibilidade entre a competência prevista na norma e a finalidade pretendida com a prática do ato”.
O ato formalmente adequado à lei, mas que vise, em essência, a prejudicar ou beneficiar a outrem, será moralmente ilegítimo, em virtude da dissonância existente entre a intenção do agente, a regra de competência e a finalidade que deveria ser legitimamente alcançada com esta.
Assim, constata-se que, para a identificação da moralidade do ato, será sempre necessário analisar o motivo e o objeto em cotejo com o interesse público consubstanciado na finalidade, o que permitirá a identificação de possíveis vícios dos atos discricionários ou mesmo a presença de abuso de poder.
Estará ausente a moralidade administrativa quando o agente praticar o ato fundando-se em motivo inexistente (ausência da situação de fato ou de direito que determine ou autorize a prática de um ato), insuficiente (o valor dos motivos não denota a necessidade do ato), inadequado (falta de correspondência entre o que deveria motivar o ato -causa- e a natureza categorial de seu objeto - efeito), incompatível (ausência de adequação com o objeto do ato) e desproporcional (valoração irrazoável dos motivos, levando a um resultado incompatível com o interesse público específico a que deveria visar o ato); identificando-se igual vício quando o objeto for impossível (o resultado jurídico almejado não se compatibiliza com o ordenamento jurídico ou com a realidade física), desconforme (incompatibilidade lógica entre a escolha e o interesse público contido na regra da finalidade) ou ineficiente (grave comprometimento do interesse público pela desproporcionalidade entre custos e benefícios).
5.7 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA
Em sua obra “Improbidade Administrativa”, os autores Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves enumeram as inúmeras oportunidades em que os tribunais têm sido instados a analisar a compatibilidade dos atos do Poder Público com o princípio da moralidade administrativa. A seguir, alguns atos que, à luz da jurisprudência pátria, infringem tal princípio:
a) realização de gastos excessivos, a pretexto de outorga de títulos e honrarias, com bebidas, comestíveis, peças de vestuário etc.;
b) alienação de lotes de terrenos pertencentes à municipalidade, contíguos a outros de propriedade do Prefeito, e posteriormente por ele adquiridos pelo valor da avaliação, acarretando a valorização da área contínua quando agregada à primitiva;
c) concessão de aposentadoria especial a vereadores, após o curto lapso de 8 (oito) anos de contribuição, com desvio de verba pública para cobrir déficit técnico;
d) resolução de Câmara de Vereadores que fixou os subsídios destes, em época de congelamento de preços e salários instituído no plano federal, em quantia exorbitante;
e) o custeio, pela municipalidade, das despesas de viagem ao exterior da esposa do Prefeito, em companhia dele, o que não representa nenhum benefício para o Município, ainda que ela dirigisse algum órgão público; sendo idêntica a conclusão em relação às despesas com viagens do Prefeito não autorizadas pela Câmara Municipal;
f) ato de Câmara Municipal que, sob o argumento de "oferecer exemplo à coletividade", reduz a remuneração dos edis para a legislatura seguinte, após a realização da eleição em que a grande maioria não foi reeleita;
g) omissão deliberada da Administração Pública, sob a alegação de discricionariedade, deixando de convocar o estágio probatório que consubstancia condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, tendo feito com que exercessem tarefas próprias dos postos mais elevados sem a contrapartida salarial devida);
h) a participação de Juiz integrante de Tribunal Regional do Trabalho em eleição destinada a compor lista tríplice para preenchimento de vaga de juiz togado quando um dos candidatos é filho do mesmo;
i) fixação da remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores para viger na própria legislatura em que fora estabelecida, o que também importa em violação ao art. 29, VI, da Constituição da República;
j) abertura de conta corrente em nome de particular para movimentar recursos públicos, independentemente da demonstração de prejuízo material aos cofres públicos.
6 CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou abordar um tema de grande preocupação dos cidadãos. Trata-se do dever que os agentes públicos têm de fazer o melhor uso possível da sua competência, justificando a atribuição que lhe foi dada pela ordem jurídica. É também o dever daquele a quem não foi atribuída qualquer competência de não influenciar e de não ser beneficiado pelo desvio dos fins previstos no sistema. É o dever, como dito ao longo do trabalho, de probidade.
Assim, não há agente público no ordenamento jurídico brasileiro que não tenha o dever de estrita observância da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e da probidade.
Atualmente, a administração pública está sob o foco dos seus tutelados, ou seja, a população, com a maior divulgação e ampliação dos seus direitos, exige uma conduta ilibada revestida na moralidade dos seus administradores, visando sempre o interesse coletivo e, tornando a administração pública, dessa maneira, um trabalho conjunto, onde ambos os pólos são beneficiados. Vale ressaltar que, como pressuposto de validade para qualquer ato administrativo a moralidade firma-se, ainda mais, se o administrador, além de associar esta e a improbidade como ato consequência, encontra em seu âmago todo o fervor de concretizar, juntamente com a população, os ideais e interesses coletivos, afim de colaborar na melhoria constante da democracia contemporânea.
O objetivo aqui foi tentar interpretar as violações, à luz da lei de improbidade administrativa, que estabelece o dever de observância e de cumprimento dos princípios, especificamente os da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade), neles incluídos o da honestidade, da imparcialidade, da legalidade e da lealdade.
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