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A compensação de créditos tributários por medidas liminares

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Sumário: INTRODUÇÃO; COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO: CONCEITO E NATUREZA; A COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PREVISTA NO ART. 66 DA LEI 8.383/91; A CERTEZA E LIQUIDEZ DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO À LUZ DA LEI N. 8.383/91; A RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO, A COMPENSAÇÃO E O "SOLVE ET REPETE"; A LEI COMPLEMENTAR N. 104, DE 10 E JANEIRO DE 2001, E O ART. 170-A DO CTN; COMPENSAÇÃO DO FINSOCIAL COM A COFINS: UM DOS EXEMPLOS DAS CONSEQÜÊNCIAS GERADAS PELA GENERALIDADE DA SÚMULA 212 DO STJ PELO NOVEL ART. 170-A DO CTN; A SÚMULA 212 DO STJ: OS PRECEDENTES QUE A FORMARAM E A LIMITAÇÃO GENÉRICA AO DIREITO DE COMPENSAÇÃO; CONCLUSÕES SOBRE A LIMITAÇÃO AO DIREITO DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS POR MEDIDA LIMINAR; REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.


RESUMO

A compensação de créditos tributários é tema controvertido na jurisprudência e doutrina pátrias, embora seja considerada por diversos magistrados, com base na súmula 212 do STJ, como tema já pacificado. Constata-se que a generalidade das normas legais que tratam do assunto dão margem a diversas injustiças praticadas pela Fazenda Pública, perpetradas, infelizmente, pelo Judiciário, sob o manto da legalidade, como, a prática do chamado "solve et repete", que corre o risco de estar sendo inserido, indiretamente, no nosso ordenamento pelo novel art. 170-A do CTN. Verificou-se que a aplicação de "jurisprudência pacificada" dos tribunais não tem sido aplicada com o devido e necessário rigor quando da análise do caso concreto, indeferindo-se generalizadamente todos os pedidos de compensação de créditos tributários, ou a declaração desse direito, por medidas liminares, seja em ação ordinário seja em mandado de segurança. De conseqüência, verificou-se que, por via obliqua, tem-se conferido o chamado efeito vinculante às súmulas dos tribunais superiores, ou seja, com respaldo legal de normas que autorizam o magistrado a negar ou dar provimento a recurso em contrário com jurisprudência ou súmula de tribunal superior, tem-se denegado o direito verdadeiro de contribuinte à imediata restituição do indébito tributário, na forma de liminar compensação. Ficou-se demonstrado, assim, que a compensação de crédito tributário, seja por ser regulada por normas genéricas que contrariam a noção de estrita legalidade, seja porque denegada "indiscriminadamente", não é tema pacificado e sua denegação liminar tem ofendido a Constituição Federal e a Legislação pátria.

Palavras-Chave: compensação; crédito tributário; repetição de indébito; "solve et repete"; súmula 212 do STJ; art. 170 do CTN; art. 170-A do CTN.


INTRODUÇÃO

O instituto da compensação tributária, encontro de débitos do contribuinte com créditos da fazenda, ou vice versa, foi inicialmente tratado em nosso ordenamento pelo art. 170 do CTN e, posteriormente, de forma diversa, pelo art. 66 da Lei n. 8.383/91. Tema controvertido em nossos tribunais, a compensação tem sido a alternativa à ação de restituição do indébito tributário, que, por causa de algumas peculiaridades do judiciário brasileiro, em especial, a morosidade, tornou-se caminho tortuoso e dispendioso ao contribuinte. Na verdade, além de alternativa à ação de indébito, a compensação se mostra como espécie de indébito tributário, e, por isso, o seu indeferimento pode configurar afronta a princípios previstos na Constituição, uma vez que, expropriado indevidamente de seus bens, ou seja, estando parcela de sua propriedade nas mãos do fisco e não podendo usar, gozar ou dispor de seu próprio patrimônio, muitas das vezes vital à sua dignidade, o contribuinte, ao pleitear a sua devolução, vê-se diante de um "inimigo" implacável no direito: o tempo. Na tentativa de reaver o que é seu por direito no menor lapso de tempo possível, o contribuinte pede cumulativamente ao pedido principal, de mérito, medidas liminares. Tais medidas, contudo, só podem ser deferidas se preenchidos alguns requisitos legais, que, com uma outra variação conceitual, em resumo, se representam pela presença concomitante do perigo da demora na prestação jurisdicional e da plausibilidade jurídica do pedido (v.g.: art. 273 do CPC e art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51).

Diante da presença dos requisitos autorizadores da medida liminar, o magistrado, atento às peculiaridades do caso concreto, deve deferi-la, ou denegá-la fundamentadamente. Ocorre que magistrados, em se tratando do instituto da compensação tributária, têm genericamente indeferido os pedidos de medidas liminares. Como fundamento maior ao indeferimento liminar da compensação ora utilizam a SÚMULA 212 do STJ, que de forma genérica proíbe a compensação de créditos tributários por qualquer tipo de medida liminar, ora o novel art. 170-A do CTN, incluído pela Lei n. 104/2001.

A compensação de créditos tributários por medida liminar, não obstante a existência de normas proibitivas, não pode ser tratada de forma pacificada e genérica, como tem acontecido, pois, assim o sendo, se mostra medida não condizente com os princípios constitucionais da estrita legalidade tributária (art. 5º, II, c/c o art. 150, I, ambos da CF/88), da propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88) e da moralidade administrativa (art. 37 da CF/88). De outro lado, o trabalho também aborda como a jurisprudência de nossos tribunais tem sido, irresponsavelmente, mal aplicada aos casos concretos, servindo de fundamento, também, ao indeferimento da medida liminar para compensação de crédito tributário e caracterizando, na prática, no mínimo, verdadeira "jurisprudência vinculante", com o infeliz respaldo da lei e do judiciário. Isso tem causado grandes transtornos aos contribuintes, em especial às empresas, que se encontram, não raro, "entre a vida e a morte". De corolário, cria-se um sistema paradoxal, onde, ao mesmo tempo em que se quer desenvolver-se a economia, quer-se aumentar a arrecadação com sacrifício das empresas.

O trabalho, então, tem por objetivo demonstrar que há possibilidades para se deferir, por medidas liminares, o pedido de compensação de crédito tributário, muito embora a jurisprudência, em sua grande maioria com base na SÚMULA 212 do STJ, e, mais atualmente, com base no art. 170-A do CTN, tem reiteradamente decidido por sua impossibilidade; e que o pedido de compensação por meio de medidas liminares, por diversos motivos, encontra respaldo direto na jurisprudência e na Constituição Federal, não sendo plausível denegá-lo com arrimo em "normas processuais genéricas", em total desrespeito a princípios constitucionais, que, em princípio, devido à obediência ao princípio da legalidade estrita, inerente à matéria tributária, não poderiam ser aplicadas.

Para melhor demonstração do problema ora discutido, serão testadas, com base em método analítico-qualitativo-comparativo de jurisprudência e doutrina, as seguintes hipóteses:

I- Se há demora na restituição do que foi pago indevidamente ou a maior, então, caracterizados estão o "solve et repete" e a ofensa ao direito constitucional de propriedade, da legalidade estrita e da moralidade administrativa, uma vez que a Fazenda Pública está injustificadamente em poder de parte do patrimônio do particular.

II- Se é vedada a compensação antes do trânsito em julgado da decisão judicial (art. 170-A do CTN), então não é possível deferi-la por medida liminar.

III-Se o princípio da legalidade estrita rege todos os atos no direito tributário, então não há razão para se editar norma genérica negativa de direito, pois se mostra contrária à obediência de referido princípio.

IV-Se há normas proibitivas ao deferimento da compensação por medida liminar, então, elas não são pertinentes à declaração do direito de compensar.

V-Se estão preenchidos os requisitos à concessão de medida liminar, então não se pode indeferi-la com base em súmula de tribunal ou lei em genérica.

VI- Se a lei criadora do tributo é manifestamente ilegal, então, o juiz pode, julgando-na inconstitucional, por meio do controle difuso de constitucionalidade das leis, deferir a medida liminar, privilegiando o direito do contribuinte ao excesso de formalismo, que atenta contra princípios constitucionais assegurados ao contribuinte.

Com o teste das tais hipóteses, resta claro, no desenvolvimento do trabalho, como o contribuinte, diante da Fazenda Pública, se vê impossibilidade de ir a juízo pleitear o que não era nem para existir, como o indébito tributário. E, quando o faz, pelo imenso lapso temporal que decorre da propositura da ação até o resultado final, não obstante ainda ter que se curvar ao sistema de precatório e as peculiaridades inerentes ao "Administrativo Público Brasileiro", tem que conviver com a figura do "solve et repete", que parece estar sendo novamente inserida no quadro da legalidade, com a não aplicação responsável do genérico e novel art. 170-A do CTN.

Como se não bastassem a generalidade dos institutos obstadores do direito à compensação: a súmula 212 do STJ e o art. 170-A do CTN, a falta de completa análise e entendimento do caso concreto, repisasse, tem levado os advogados e magistrados, por diversos motivos, a "confundir" o art. 170 do CTN com o art. 66 da Lei n. 8.383/91, o que tem levado, também, a julgados equivocados sobre o tema, gerando jurisprudências equivocadas, cristalizadas pela coisa julgada.

De grande importância para o direito tributário e de certa forma para os direitos financeiro e econômico, porque muitas das vezes representa o dilema de vida ou morte para as empresas, então endividadas com o fisco, que são a razão do sistema capitalista de produção, a compensação não tem tido a importância merecida por parte das autoridades governamentais, nem dos magistrados, que têm aplicado a "jurisprudência pátria" como fundamento ao seu indeferimento liminar.

Assim, sem ter a pretensão de esgotar o tema, que se mostra controvertido e legalmente dinâmico, o presente trabalho demonstrará casos em que o pedido de compensação de crédito tributário se mostra perfeitamente em consonância com a Constituição e com o bom senso, muito embora a jurisprudência, em sua grande maioria com base na SÚMULA 212 do STJ, e, mais atualmente, com base no art. 170-A do CTN, tem reiteradamente decidido por sua impossibilidade.


COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO: CONCEITO E NATUREZA

O conceito de compensação, como forma extintiva de dívidas recíprocas, nos é emprestado pelo art. 1.009 do Código Civil de Buzaid: "Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem". Em se tratando, todavia, de relação tributária, a compensação, regida pelo princípio da legalidade estrita, só pode se verificar por meio da "legislação tributária", mesmo porque, só para constar, o Código Civil, exclui expressamente a compensação de "dívidas fiscais da União, do Estado e dos Municípios" (art. 1.017, CCB).

Ainda no campo civil, MARIA HELENA DINIZ conceitua compensação como "um modo de extinção de obrigações, até onde se equivalerem, entre pessoas que são, ao mesmo tempo, devedora e credora uma da outra" [1].

Passando ao campo tributário, a compensação perde seu contorno genérico, delimitando-se pelo princípio maior que rege as relações jurídico-tributárias: o da legalidade estrita.

O CTN trata da compensação em seu art. 170, incluindo-a como forma de extinção do crédito tributário (capítulo IV do CTN):

"Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos, ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública." [2]

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A compensação genérica prevista no art. 170 do CTN, devida a previsão de autorização legal para sua concessão, ficou, então, a depender de promulgação de lei, que regulamentasse o seu exercício.

O Professor HUGO DE BRITO MACHADO resume oportunamente o conceito do instituto da compensação:

"A compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário". [3]

Convém ressaltar, contudo, que, ao contrário de alguns doutrinadores pátrios, como MARIA HELENA DINIZ, acima citada, HUGO DE BRITO MACHADO, não obstante o art. 170 do CTN, como já dito, estar inserido nas "formas de extinção do crédito tributário", entende e ensina que:

"O Código Tributário Nacional não estabelece a compensação como forma de extinção do crédito tributário. Apenas diz que a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Sendo vincendo o crédito, do sujeito passivo, a lei determinará, para efeito de compensação, que se apure o montante do crédito, não podendo determinar redução superior.

O Código Civil disciplina a compensação como forma de extinção das obrigações. Diz, entretanto, que a mesma não se aplica aos débitos para com a Fazenda Pública, salvo o estipulado na legislação própria (CC, art. 1.017). Assim, suas normas não seriam invocáveis pelo contribuinte. Nas relações fisco-contribuinte, portanto, a compensação dependeria de lei específica, que estipulasse as condições e as garantias a serem exigidas, ou dar à autoridade administrativa competência para fazê-lo, em cada caso." [4]

Não é contraditória a posição do ilustre professor, mesmo porque se estava pendente de lei o art. 170 do CTN para sua regulamentação, não seria ilegal lei nominar a compensação como modalidade diversa da extinção do crédito.

Se de natureza extintiva do crédito tributário, ou não, encontramos no conhecido "Curso de Direito Tributário", do mestre ALIOMAR BALLEIRO, ensinamento que, lembrando-nos do que é a ciência jurídica, dispõe:

"A compensação não é categoria da lógica formal, nem da teoria geral. É instituto, assim como a obrigação, da dogmática ou da ciência jurídica. Ora, a ciência do Direito é uma ciência empírica, que tem como objeto um dado empírico, que é ordem jurídica positiva, em vigor, ‘cic et nunc’. Os princípios, noções, institutos e instituições com que trabalha a ciência do direito são, assim, extraídos e deduzidos do Direito positivo e, é claro, sendo modificado o seu objeto, ipso facto, alteram-se aquelas noções e institutos. Como ensina Souto Maior Borges, certas categorias lógicas ou de teoria geral independem do conteúdo material das normas positivadas. Já os conceitos da Ciência do Direito (no caso, especificamente, da Ciência do Direito Tributário) somente se sustentam quando confirmados ou reconfirmados na ordem positiva, enfim, quando explicativos e compreensivos da realidade jurídica vigorante (Cf. Obrigação Tributária).

Portanto, o delineamento legislativo completo da compensação pode ser diferente, em aspectos acessórios ou complementares, em ramos jurídicos distintos, adaptando-se a funções peculiares que cumpre o instituto em cada setor do Direito. As condições e as garantias da compensação, criadas pelo legislador tributário, podem ser peculiares e singulares. É que, no Direito Tributário, sendo imperativos os princípios da segurança jurídica, da indisponibilidade dos bens públicos e da moralidade administrativa, o direito à compensação é, e deve ser, modelado na lei, que lhe dita os pressupostos e requisitos essenciais. Como se sabe, o princípio da legalidade é rigoroso e extenso nesse campo jurídico. A compensação autorizada em lei é a espécie ordinária de compensação vigorante no Direito Tributário, em que a extensão, a oportunidade e as condições à compensação podem ser modeladas pelo legislador de forma não coincidente com as regras aplicáveis ao Direito Privado." [5]

Depreende-se, então, que a compensação é instituto jurídico inserto no Direito como um todo, assim como nos faz crer o trecho acima, agindo nos seus ramos de acordo com as peculiaridades inerentes a cada um, daí porque, no caso, é feliz a leitura do art. 109 do CTN: "os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para a definição dos respectivos efeitos tributários". Donde se conclui estar correto o pensamento do professor HUGO DE BRITO MACHADO, pois o legislador pode dar natureza diversa à compensação que não extintiva do crédito tributário, prevista, apenas, no art. 170 do CTN.

A compensação, então, ora pode ser tida como forma de extinção do crédito tributário, ora não, mesmo porque, caso o tributo seja cobrado indevidamente, ele, em verdade, nunca poderia ter existido no mundo jurídico, por isso que não há falar em extinção do que não era para existir, o que, no caso, daria à compensação o enfoque de restituição do indébito.

Prevista a compensação no art. 170 do CTN, far-se-ia necessária sua regulamentação, em obediência ao princípio da legalidade estrita e ao comando inserto em seu caput, uma vez que sua simples previsão legal não era suficiente à sua pronta aplicabilidade.


A COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PREVISTA NO ART. 66 DA LEI 8.383/91

A compensação tributária descrita no CTN é instituto que só pode ser autorizado por meio de edição de lei, nas hipóteses e condições por ela estipuladas. No entanto, a previsão do art. 170 do CTN não se mostrou suficiente aos anseios e necessidades dos contribuintes, pois sua previsão não era suficiente à sua pronta aplicação, causando diversas pendengas judiciais, que pareciam estar, em parte, perto do fim com a edição da Lei n. 8.383/91.

Iniciando a compensação descrita pela Lei n. 8.383/91, é necessário trazer à baila nota elucidativa sobre a compensação do CTN, constante do Direito Tributário Brasileiro, do renomado tributarista ALIOMAR BALEEIRO:

"O art. 170 do Código Tributário Nacional não concede compensação genérica ou individual em relação a nenhum tributo, federal, estadual ou municipal. Como norma geral, tal como dispôs para a moratória, a remissão ou anistia, o citado art. 170 apenas antecipa as duas espécies distintas de compensação (genérica ou individual) a serem disciplinadas em lei própria da pessoa competente.

Se, entretanto, garantias, limites e condições à compensação podem ser criados lei a lei, a compensação em si é o que é. Dar-se-á entre créditos tributários, de que é titular o ente estatal, e créditos do sujeito passivo, de outra natureza, líquidos, e certos, vencidos ou vincendos. É preciso, assim, ter claras as notas essenciais ao conceito de compensação.

As dívidas recíprocas devem se originar de títulos diversos, serem homogêneas, exigíveis, líquidas e certas. São essas as mesmas notas essenciais adotadas na lei civil ou tributária." [6]

BALEEIRO complementa seu conceito, discorrendo sobre os requisitos essenciais à compensação:

"Não apenas a diversidade de títulos, mas também a reciprocidade de dívidas entre credor e devedor, a homogeneidade ou fungibilidade, a certeza e as liquidez são requisitos essenciais à compensação. Evidentemente, em qualquer caso, a certeza e a liquidez (que podem ser representados pela presença simples de critérios para tornar líquido ou condição de liquidação) são imprescindíveis à extinção das obrigações envolvidas. A peculiaridade está em que, no Direito Tributário, sendo a compensação legal a forma ordinária de compensação, tem o legislador discricionariedade para determinar que (a) ela se restrinja a certos setores, a certos tributos (da mesma espécie, por exemplo), como dispõe a Lei n. 8.383/91; (b) mas possa se estender a todos os tributos de espécie diferentes (Lei n. 9.430/96); (c) a certeza e a liquidez sejam apuradas pelo próprio sujeito passivo tributário [7](Lei n. 8.383/91), desencadeando uma extinção "provisória" do crédito tributário, sob condição resolutória de homologação posterior, tácita ou expressa dos atos por ele efetuados; (d) ou sejam a certeza e a liquidez apuradas e controladas pela Fazenda Pública (Lei n. 9.430/96), mediante solicitação do sujeito passivo, desencadeando uma extinção definitiva do crédito; (e) abranja a compensação os créditos vincendos dos contribuintes, desde que sejam definidos os critérios para a sua liquidação e respeitados os limites do parágrafo único do art. 170 do CTN."

Prevista a compensação tributária no art. 170 do CTN, passou ela a depender de lei que a regulamentasse e a autorizasse, por própria previsão sua, por isso que, para parcial alívio dos contribuintes, em 30 de dezembro de 1991, editava-se a Lei n. 8.383, que previa o "instituto da compensação" em seu art. 66:

"art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.

§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.

§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição." [8]

Alívio passageiro, a Lei n. 8.383/91 passou (e ainda passa) por diversas pendengas judiciais, que tem por objetivo, em grande parte, assegurar o direito do contribuinte à compensação que, deveras, é atacado fatalmente pela Fazenda Nacional, respaldada, infelizmente, em muitos casos, pelo Judiciário. Tudo a pretexto, equivocado, da tão necessária e então famigerada legalidade estrita. Demonstrando a submissão deste último àquele.

Ocorre que uns pensavam ser o art. 66 da Lei n. 8.383/91 a regulamentação do art. 170 do CTN; e outros, pensavam tratar de compensação diversa daquele da prevista no art. 170. Essa dúvida causou e tem causado, para aqueles que ainda vêem alguma, alguns transtornos para o contribuinte, que, a todo momento, se vê lesado em seus direitos, uma vez que em muitos casos os magistrados não fazem a diferenciação entre os tipos de compensação. Porém, não é difícil perceber as diferenças existentes.

Elucidando o tema, o professor HUGO DE BRITO MACHADO discorre a respeito:

"Como se vê, esse dispositivo legal não cuidou da compensação a que se refere o art. 170 do CTN. Cuidou de compensação bem mais específica, como adiante será demonstrado. Sem razão, portanto, os que afirmam que a Lei nº 8.383/91 não revogou o art. 170 do CTN, que é lei complementar, e por isto se há de exigir, como pressupostos para a compensação, a liquidez e a certeza do crédito do contribuinte, a serem por este demonstradas e comprovadas. Na verdade, o art. 66 da Lei nº 8.383/91 não revogou o art. 170 do CTN, mas não por ser aquele lei complementar, e sim porque tratou de matéria diversa. As duas normas, portanto, convivem no sistema sem qualquer conflito, porque "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. A compensação ampla a que se refere o art. 170 do Código Tributário Nacional está a depender de lei, enquanto a compensação mais específica, autorizada pelo art. 66, da Lei nº 8.383/91, em face das divergências que a interpretação desse dispositivo tem suscitado, faz oportuno o exame de algumas questões, na tentativa de afastar persistentes equívocos" [9]

O ilustre professor, por isso, não poupou palavras sobre a compensação da Lei n. 8.383/91:

"É possível dizer-se, sem exagero, que o art. 66, da Lei nº 8.383/91 foi a maior conquista do contribuinte brasileiro, nos últimos cinqüenta anos, em sua luta contra os abusos do fisco. Entretanto, pode-se dizer também que por desconhecimento, ou por má vontade, muitos obstáculos têm sido colocados contra o exercício do direito à compensação, que permanece sendo um tema de grande interesse para os que trabalham com a relação tributária (...) [10]"

O eminente Ministro do STJ ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO, no julgamento do REsp 98.295/PR, teve a feliz sensibilidade, não encontrada ao acaso, de distinguir a compensação do CTN daquela prevista no art. 66 da Lei n. 8.383/91:

"TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. Contribuição para o FINSOCIAL e contribuição para o COFINS. Possibilidade. Lei nº 8.383/91, art. 66. Aplicação.

I - Os valores excedentes recolhidos a título de FINSOCIAL podem ser compensados com os devidos a título de contribuição para o COFINS.

II - Não há confundir a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional com a compensação a que se refere o art. 66 da Lei nº 8.383/91. A primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por homologação.

III - A compensação feita no âmbito do lançamento por homologação, como no caso, fica a depender da homologação da autoridade fiscal, que tem para isso o prazo de cinco anos (C.T.N., art. 150, § 4º). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar o contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar, de ofício, se entender indevida a compensação, no todo ou em parte."

Observadas as diferenças entre o art. 170 do CTN e o art. 66 da Lei n. 8.383/91 ("a primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação de créditos tributários, enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por homologação") [11], percebe-se que a autoridade administrativa, então, não mais pode cercear o direito do contribuinte à compensação sob o pretexto de estabelecer requisitos e condições para a compensação [12].

A única condição imposta pelo art. 66 da Lei n. 8.383/91 para a compensação prevista em seu caput está em seu § 1º, ao dispor que só poderá ser realizada entre tributos (e contribuições) da mesma espécie. Tal condição foi muito discutida à época e ainda tem sido objeto de discussões jurídicas, mas HUGO DE BRITO MACHADO ensina como se identificar a espécie:

"No sistema jurídico estão as normas, integrantes do denominado Direito Financeiro, que cuidam da distribuição dos recursos decorrentes da arrecadação dos tributos. Tais normas, no caso, são de capital importância para o correto entendimento do § 1º do art. 66 da Lei n. 8.383/91. Assim, a expressão tributos e contribuições da mesma espécie deve ser entendida como a dizer tributos e contribuições com a mesma destinação constitucional. A explicação é fácil. Quase desnecessária. Se o tributo pago indevidamente teve destinação diversa daquela que se deixa de pagar, em face da compensação, estará havendo evidente e indevida distorção na partilha das receitas tributárias.

A exigência de que se trate de tributo com mesma destinação constitucional, como condição a viabilizar a compensação (...) passou a fazer parte do texto expresso da lei, por força do art. 39 da Lei n. 9.250, de 26.12.1995, de sorte que hoje é indiscutível." [13]

A única condição, então, para se proceder à compensação de créditos tributários, prevista pelo citado art. 66, é que os créditos sejam de tributos e contribuições com a mesma destinação constitucional, ou seja, o contribuinte é quem faz a compensação, assumindo a responsabilidade de seus atos, não podendo a Fazenda Pública exigir novas condições para a compensação, limitando-se a fiscalizar.

A Lei n. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, que "altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências", citada acima pelo professor HUGO DE BRITO, assim dispõe em seu art. 39:

"A compensação de que trata o art. 66 da Lei n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelo art. 58 da Lei n. 9.9069, de 29 e junho de 1995, somente poderá ser efetuada com o recolhimento de importância correspondente a imposto, taxa, contribuição federal ou receitas patrimoniais da mesma espécie e destinação constitucional, apurado em períodos subseqüentes".

Vale transcrever, elucidando o tema, os art. 73 e art. 74 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que "dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências":

"Art. 73. Para efeito do disposto no art. 7º do Decreto-lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos dos contribuintes e a quitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte:

I – o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir;

II – a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinte ou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição."

"Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração".

Percebe-se, assim, que a compensação prevista no art. 170 do CTN não é a mesma prevista no art. 66 da Lei n. 8.383/91, o que demonstra que a jurisprudência não tem tido o devido cuidado nas análises dos casos concretos. Repisando: a compensação do art. 170 do CTN é genérica e trata de extinção do crédito tributário já regularmente constituído, podendo se dar entre quaisquer créditos do contribuinte com a Fazenda, desde que líquidos e certos, dependendo, contudo, de lei que a regulamente; a compensação do art. 66 da Lei n. 8.383/91 cuida de compensação de créditos sujeitos ao lançamento por homologação, onde, ao invés de se pleitear a restituição em espécie do tributo recolhido indevidamente, pleiteia-se a utilização do crédito para solver uma outra obrigação tributária, desde que de mesma espécie e destinação constitucional.

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Sobre o autor
Leonardo Calmo Fernandes Bortolini

servidor público federal do TRF 1ª região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORTOLINI, Leonardo Calmo Fernandes. A compensação de créditos tributários por medidas liminares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3565. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado como condição para o título de bacharel em direito na Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF), em Brasília.

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