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A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII, do art. 7°, da Constituição Federal de 1988

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11/09/2016 às 14:08

Resumo:


  • O direito fundamental da proteção em face da automação está ancorado em um amplo conjunto de direitos e garantias trabalhistas da Constituição, protegendo o trabalhador contra o uso excessivo de tecnologia.

  • Essa proteção busca preservar empregos e assegurar a dignidade da pessoa humana, efetivando a saúde e segurança no ambiente de trabalho, além de garantir oportunidades de trabalho digno.

  • A norma constitucional sobre proteção em face da automação deve ser aplicada de forma direta e imediata, especialmente nas relações de emprego, onde a desigualdade entre as partes é evidente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Dimensão subjetiva

Essa perspectiva tem como foco principal o sujeito titular do direito. Desta maneira, os direitos fundamentais geram direitos subjetivos aos seus titulares, permitindo que estes exijam comportamentos, negativos ou positivos, dos destinatários.

Nesse aspecto, os direitos fundamentais atuam como garantias da liberdade individual e são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, ou seja, são direitos de abstenção Estatal. Tal característica implica na demarcação de uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia privada em face de seu poder.

Desta forma, é correto concluir que a exigibilidade de um direito fundamental está ligada à ideia da existência de uma dimensão subjetiva desse direito, isto é, a possibilidade de emanação de direitos subjetivos exigíveis e justiciáveis. No escólio de Marmelstein:

Os direitos fundamentais, por serem normas jurídicas, são direitos exigíveis e justiciáveis, ou seja, podem ter sua aplicação forçada através do Poder Judiciário. É o que os constitucionalistas chamam de ‘dimensão subjetiva’, expressão que simboliza a possibilidade de os direitos fundamentais gerarem pretensões subjetivas para os seus titulares, reivindicáveis na via judicial. Assim, caso o Poder Público deixe de cumprir com os deveres de respeito, proteção e promoção a que está obrigado, poderá ser compelido a fazê-lo forçadamente por força de um processo judicial.[12]

Os direitos fundamentais são permissões para o uso de faculdades humanas existenciais. O caráter individual de tais direitos não pode relegado para um plano inferior, já que as pretensões vitais de cada indivíduo devem ser atendidas com a máxima eficiência do Estado.

Assim, segundo os ensinamentos de Paulo Bonavides[13], as dimensões objetiva e subjetiva mantêm relação de remissão e de complemento recíproco, de modo que um direito fundamental somente alcançará a universalidade se satisfazer individualmente os seus destinatários.

De qualquer sorte, somada à dimensão objetiva, a perspectiva subjetiva indica a necessidade de observância do núcleo essencial do direito fundamental para um sujeito determinado, tendo em vista que é ele, e não a coletividade indeterminada, o titular desse direito fundamental.

Nesse passo, calha mencionar acerca da dimensão subjetiva da proteção em face da automação. Em primeiro plano, tal direito cuida da proteção individual do trabalhador em face da automação abusiva. Esse amparo individualista só é alcançado se a própria legislação confere garantias mínimas ao próprio empregado, como, por exemplo, estabilidade no emprego e ferramentas que proporcionem abonação de sua saúde física e mental.

Considerando que o trabalhador é detentor de uma gama de direitos fundamentais e indisponíveis, nada melhor que a tutela judicial individual para resguardar tais direitos. Ora, o sistema processual vigente privilegia sobremaneira a tutela individual em detrimento da tutela coletiva. Tanto é verdade que o trabalhador pode fazer uso de inúmeros instrumentos processuais, como, por exemplo, o jus postulandi e a reclamação verbal trabalhista, enquanto que na via coletiva, quer por desconhecimento, quer por falta de estímulo, não há a satisfação eficaz do interesse perseguido pelo obreiro.

Assim, constata-se que a tutela judicial individual, por vezes tachada de morosa e burocrática, ainda é um forte mecanismo de viabilização de direitos e garantias fundamentais, mormente no que diz respeito à salvaguarda de pretensões vitais de cada postulante. Portanto, não há dúvidas de que antes de universalizar a fruição dos direitos fundamentais por meio de programas e políticas estatais, é necessário realizar a satisfação individual dos destinatários das normas fundamentais.


4. Dimensão Objetiva

Admitir uma dupla dimensão aos direitos fundamentais é considerar que estes se revelam como direitos subjetivos individuais essenciais à proteção da pessoa humana, bem como expressão de valores objetivos de atuação e compreensão de todo o ordenamento jurídico.

Nas palavras de Marinoni:

Afirmar a dupla dimensão – objetiva e subjetiva – dos direitos fundamentais não significa dizer que o direito subjetivo decorre do direito objetivo. O que importa esclarecer, aqui, é que as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade.[14]

Nesse ínterim, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais consiste basicamente em conferir universalidade na fruição destas garantias, criando para o Estado o dever permanente de concretizar e realizar o conteúdo de tais direitos.

A objetividade destinada aos direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que tais direitos, além de imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram também os valores mais importantes em uma comunidade política.

Nesse mesmo sentido, colhe-se a lição de André Ramos Tavares:

Podem-se assinalar como consequências decorrentes da concepção objetiva dos direitos fundamentais, a sua ‘eficácia irradiante’ e a ‘teoria dos deveres estatais de proteção’. A eficácia irradiante obriga que todo o ordenamento jurídico estatal seja condicionado pelo respeito e pela vivência dos direitos fundamentais. A teoria dos deveres estatais de proteção pressupõe o Estado (Estado-legislador; Estado-administrador e Estado-juiz) como parceiro na realização dos direitos fundamentais, e não como seu inimigo, incubindo-lhe sua proteção diuturna.[15]

Os direitos fundamentais devem ser vistos, ao mesmo tempo, na perspectiva individual e também no compromisso que possuem de realizar as chamadas tarefas sociais. O aspecto objetivo dos direitos fundamentais tem o condão de viabilizar o acesso de toda a sociedade à ordem jurídica justa, conferindo ao jurisdicionado a realização da conclamada justiça substancial, na qual os direitos fundamentais servem como parâmetro de solução para todo e qualquer litígio.

Tem relevância, na espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à proteção em face da automação. Segundo esse aspecto objetivo, o Estado está obrigado a impor limites ao uso desenfreado de tecnologias, justamente para resguardar interesses coletivos legítimos, como a universalização do emprego e a proteção do meio ambiente do trabalho.

Lado outro, a ordem constitucional vigente dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5°, inciso XXXV, CF). Como se vê, basta a existência em favor de alguém de um direito, ainda que não individual, portanto também direito e interesses coletivos ou difusos, para poder exigir do Estado a tutela jurisdicional.

Isto significa que a Constituição conferiu ao dispositivo uma dimensão ilimitada, quebrando o conceito individualista do direito a tutela jurisdicional. Assim, a dimensão subjetiva do direito fundamental pode ser resguardada não só por políticas estatais universalizantes, mas também por meio de ações que primam pela tutela de direitos transindividuais.

5. Aspecto multifuncional

Nota-se, hodiernamente, a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Quer-se afirmar que um mesmo direito, a um só tempo, cumpre diversas funções no ordenamento jurídico. Dessa maneira, os direitos fundamentais são estudados tanto pela ótica do direito de defesa, quanto pela ótica dos direitos prestacionais.

A multifuncionalidade dos direitos fundamentais está atrelada ao fato de que estes mandamentos constitucionais não constituem mais meros direitos públicos subjetivos, nem simples direitos de defesa contra o Estado, mas se consubstanciam também em valores objetivos básicos e metas de ação positiva dos poderes públicos.

Na esteira de Robert Alexy[16], os direitos fundamentais devem ser estudados como feixes de posições jusfundamentais, ou seja, é preciso observar cada direito fundamental em seu conjunto. Parte-se da premissa de que os direitos fundamentais são polivalentes, não se podendo lhes associar apenas uma única função; a cada direito fundamental podem ser agregadas variadas funções, servindo a função precípua por ele desempenhada como critério para classificá-lo.

Independente da classificação adotada, cada direito fundamental, visto como unidade, exerce uma série de funções, o que revela a dinamicidade das relações sociais por eles regidas.

Dessa forma, pode-se desmembrar o direito fundamental à proteção em face da automação em duas vertentes interpretativas. A primeira, atinente à empregabilidade, refere-se ao contingente de mão de obra disponível no mercado de trabalho que perdeu espaço pelo crescente incremento da automação nos diversos setores da economia. Já a segunda, não menos importante que a vertente primeva, está relacionada ao meio ambiente do trabalho, na medida em que busca proteger a higidez física e mental do trabalhador dos efeitos deletérios oriundos do trato com a máquina.

Calha mencionar que, muito embora de maneira bastante despretensiosa, o direito fundamental da proteção em face da automação encontra-se permeado pela ordenamento jurídico infraconstitucional, como se pode entrever da lei 9.956/2000, a qual proíbe o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis, em nítida proteção dos empregos dos frentistas, bem como da seção XI, do capítulo V, da CLT (arts. 184 a 186), pormenorizada pela Norma Regulamentadora n° 12 do Ministério do Trabalho e Emprego, que dispõe sobre segurança no trabalho em máquinas e equipamentos.

Na jurisprudência, já é perceptível a distinção de tais emanações interpretativas, como é o caso do referido aresto:

PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL - PROTEÇÃO EM FACE DA AUTOMAÇÃO - REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES AO TRABALHO - MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS - DISPOSITIVO DE SEGURANÇA - CULPA RECÍPROCA. O princípio da proteção em face da automação não se dirige apenas ao emprego, mas também à segurança na operação de máquinas e equipamentos contra acidentes do trabalho. Os dispositivos de segurança das máquinas e equipamentos devem impedir a ocorrência do acidente do trabalho.[17]

Como se vê, o mandamento contido no art. 7°, inciso XXVII, da Constituição, implica em reconhecer dois tipos de direitos fundamentais ali legiferados. O primeiro, correspondente ao emprego, destina-se à proteção do mercado de trabalho em razão do crescente uso de tecnologias, o que, sem sobra de dúvidas, classifica-se como um direito prestacional, já que exige lei e iniciativa do Aparelho Estatal para o correto cumprimento do plano constitucional ali instituído. De outra parte, o segundo direito extraído do comando, dedica-se ao amparo da saúde e segurança do trabalhador em relação ao maquinário empreendido na produção, o que significa tratar-se de nítido direito de defesa do meio ambiente do trabalho, justamente por produzir como consequência um dever de abstenção do empregador no uso de tecnologias nocivas.

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6. Plano da eficácia

De início, a norma insculpida no art. 7°, inciso XXVII, da CF, é classificada como norma de eficácia limitada, justamente por depender da emissão de uma normatividade futura, em que o legislador ordinário, integrando-lhe a eficácia, mediante lei, lhe dê capacidade de execução em termos de regulamentação dos interesses visados.

As normas constitucionais de eficácia limitada contêm eficácia jurídica indireta, independentemente de regulamentação, pois revogam a legislação anterior contrária aos ditames da nova Constituição, bem como impossibilitam a elaboração de leis e atos normativos contrários à Ordem Constitucional.

Entretanto, a norma contida no § 1°, do art. 5°, da Constituição Federal, constitui verdadeiro mandado de otimização, estabelecendo a aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais.

A doutrina tradicional da aplicabilidade das normas constitucionais[18], que contempla categorias de normas de eficácia limitada, cria um entrave inexorável à efetivação dos direitos fundamentais, justamente por tolher um ativismo judicial salutar.

Com efeito, o intérprete da lei está vinculado ao dever de tutela e promoção da pessoa humana, não podendo frustrá-lo em sua atividade de concretizar normas jurídicas. Assim, a interpretação jurídica, para ser considerada legítima, deve encontrar a solução ao litígio que assegure a máxima proteção aos direitos fundamentais.

Ora, ao se interpretar um direito fundamental, como é o caso da proteção em face da automação, deve-se buscar esgotar todo o seu conteúdo normativo, com o fim útil de maximizar as potencialidades axiológicas ali subentendidas.

A tradicional teoria da norma programática não foi acolhida pela ordem constitucional instaurada pela Constituição Federal de 1988. A normatividade assegurada pelo comando da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais, expresso no § 1° do art. 5° da Carta Maior, faz com que surja uma vinculação de todos os sujeitos sociais, no sentido de respeitar tais direitos, independentemente da edição de qualquer ato legislativo ou administrativo posterior.

As normas consagradoras de direitos fundamentais afirmam valores, os quais incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e servem para iluminar as tarefas dos órgãos judiciários, legislativos e executivos, apresentando uma eficácia irradiante sobre toda a ordem jurídica.[19]

A eficácia irradiante dos direitos fundamentais traduz-se, pois, na garantia de que o ordenamento jurídico seja resguardado por um arcabouço de direitos e garantias mínimas. Neste sentido, Daniel Sarmento afirma que:

A eficácia irradiante enseja a ‘humanização’ da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento de aplicação, reexaminadas pelo aplicador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substantiva e da justiça social, impressas no tecido constitucional.[20]

O aperfeiçoamento dos direitos fundamentais depende sobremaneira de longo e árduo caminho a ser percorrido, pelo qual ainda boa parte da sociedade persiste em não trilhar. Hodiernamente, o desafio posto é o de juridicizar e garantir os direitos sociais básicos, sem os quais não se há de falar em desenvolvimento humano sustentável.

Em se tratando de jurisdição constitucional, torna-se medida de extrema necessidade a adoção de mecanismos jurídicos que propaguem o alcance e o respeito dos direitos fundamentais. A força normativa da Constituição, atrelada à sua posição de supremacia no ordenamento jurídico, permitem estabelecer uma política de promoção social, impondo a maximização da eficácia de todos os direitos fundamentais.[21]

A relação de emprego é uma relação desnivela e assimétrica, na qual o empregado encontra-se vinculado na dinâmica empresarial, segundo os comandos advindos do poder diretivo de seu empregador. Surge daí, então, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que diz respeito à forma como o trabalhador deve, no âmbito empresarial, ter respeitados os seus direitos mínimos garantidos pelo ordenamento constitucional vigente.[22]

Portanto, proteger a classe trabalhadora dos influxos da automação abusiva é uma necessidade premente há décadas. A proteção em face à automação, antes de aguardar qualquer regulamentação sobre o assunto, o que, aliás, é bastante escassa, deve ser aplicada de forma direta e imediata, sobretudo nas relações de emprego, onde o desnível entre as partes é evidente. Nesse agir, alcança-se o escopo constitucional maior da dignidade da pessoa humana, tutelando de forma efetiva a saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, bem como a disponibilização de empregos e trabalhos dignos.

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Sobre o autor
Wagson Lindolfo José Filho

Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-assistente de Gabinete de Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. Ex-Professor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. Ex-Professor da Escola Superior de Advocacia do Estado de Rondônia. Professor de cursos de Pós-graduação. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Católica Dom Bosco-MS. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI-SC. Máster Universitario en Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidad de Alicante-España. Autor de artigos científicos e obras jurídicas. Criador do Blog Magistrado Trabalhista (www.magistradotrabalhista.com.br).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOSÉ FILHO, Wagson Lindolfo. A eficácia do direito fundamental da proteção em face da automação previsto no inciso XXVII, do art. 7°, da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4820, 11 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35702. Acesso em: 22 dez. 2024.

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