Por que a pena de morte não existe?

22/01/2015 às 11:44
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O presente estudo visa a analisar a nomeada "pena de morte" sob a ótica da teoria da pena, apresentando as características essenciais a este meio de punição específico, bem como analisando a sua possível inexistência.

1. INTRODUÇÃO

A intitulada "pena de morte" há muito constitui-se em assunto capaz de gerar acalorada discussão, dividindo opiniões dentro da sociedade brasileira. Enquanto uns defendem a total impossibilidade de aplicação deste instituto penal baseados na premissa de que o Estado não pode ceifar de um indivíduo humano a sua vida, outros pregam a "pena de morte" como uma alternativa para o combate dos elevados índices de marginalidade social e, baseados na premissa psicológica de ser impossível recuperar a mentalidade de algumas pessoas, creem que tais seres "irrecuperáveis" devem ser retirados da sociedade para a preservação do bem comum.

Neste diapasão, é comum escapar à comunidade geral uma questão que, apesar de ser aparentemente terminológica, é essencial à compreensão jurídica deste aparente instituto: sob uma ótica teórico-penal, a morte pode, de fato, ser resultado de uma pena?

Nesta conjectura, desenvolve-se o presente estudo, de modo a apresentar sucintamente as características dogmáticas essenciais a uma pena dentro de uma ordem juridicamente segura, bem como buscando analisar a "pena de morte" sob tal ótica teórica, a fim de se descobrir se esta realmente existe.


2. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA PENA

A pena, dentro de uma dogmática jurídico-penal, corresponde à resposta dada pelo Estado à sociedade perante a ocorrência de uma conduta que a esta seja ofensiva, ou seja, diante da existência de um comportamento que seja considerado um crime, dentro da ótica restritiva do Direito Penal.

Por ser uma construção de um Estado Democrático de Direito, ser aplicada dentro de um contexto de segurança jurídica, ser uma verdadeira resposta à sociedade e ser instituto de um ramo do Direito que lida diretamente com a liberdade dos cidadãos, direito este assegurado constitucionalmente no Brasil, a pena dota-se de três características a si inerentes: prevenção, punição e ressocialização.

A prevenção é a dimensão da pena pela qual o Estado busca evitar que uma determinada conduta delituosa volte a ocorrer. Desta forma, na aplicação da pena, é possível que seja adotada uma medida que impeça o infrator de realizar novamente a conduta para a qual surgiu a pena, de modo que o Estado não só evita atuar para punir novamente o cidadão, como também preserva a sociedade de observar novamente uma conduta que a denigra.

A punição é a característica da pena pela qual o indivíduo infrator recebe um ônus teoricamente equivalente ao dano que trouxe à sociedade através de sua conduta criminosa. Comumente, a punição é observada quando o Estado retira do indivíduo a sua liberdade, decretando a sua prisão (reclusão ou detenção) em um estabelecimento criminal.

A ressocialização surge diretamente como uma consequência da punição, sendo a característica da pena pela qual o Estado busca reinserir o indivíduo punido na sociedade, proporcionando-lhe a possibilidade de voltar a ter uma vida comum. É importante ressaltar que esta característica adquire um caráter dúplice, de modo que o Estado deve buscar não só reinserir um cidadão criminoso socialmente, como também deve proporcionar meios para que os indivíduos atingidos diretamente pela conduta criminosa possam retornar à sociedade da melhor forma possível.

Desta forma, para que uma resposta do Estado possa ser considerada uma pena, identificam-se as dimensões da prevenção, punição e ressocialização como suas características essenciais, de modo que apenas a existência integrada destas três permite classificar a resposta a uma conduta como uma pena.


3. ANÁLISE DOGMÁTICO-PENAL DA "PENA DE MORTE"

Estabelecida esta base, é essencial que se realize a análise da denominada "pena de morte", a fim de que se identifique se esta é realmente uma modalidade de pena ou se representa uma simples conduta repressiva.

A dimensão da punição pode ser facilmente identificada na pena de morte, visto que o indivíduo, ao ser ceifado de sua vida por uma atuação estatal, recebe o ônus de não mais poder viver, tanto física como socialmente, de modo que ficará totalmente impossibilitado de realizar qualquer atividade.

A dimensão da prevenção, entretanto, é questionável. Existe uma chance de o Estado, retirando definitivamente um indivíduo criminoso de alta periculosidade da sociedade, conseguir reduzir a incidência de crimes nesta. Entretanto, não parece razoável que um Estado Democrático de Direito, inserido no contexto de afirmação e declaração dos Direitos Humanos, opte por reduzir a criminosidade através de um ato tão definitivo como a morte, visto que, além de ser possível a ocorrência de um erro judicial (do qual o Estado nunca se eximiria caso optasse pela morte de um suposto infrator), um Estado "carrasco" pode ser um motivo para que a violência seja incitada, fato este que se demonstraria temerário à manutenção ideal de uma sociedade.

A dimensão da ressocialização, por sua vez, é inexistente na pena de morte. No momento em que a vida de alguém é retirada, há a impossibilidade de que este seja reinserido na sociedade como um ser social, sendo a si impossibilitado o retorno a uma vida comum. Tampouco o Estado se permite atuar de forma a que um indivíduo infrator possa auxiliar no processo de reinserção das pessoas atingidas pela conduta criminosa na sociedade, ou seja, retira-se do Estado uma alternativa para a ressocialização dos diretamente ofendidos.

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Desta forma e sob uma ótica dogmático-penal, a morte não pode resultar de uma pena, visto que, além de tornar questionável a existência de uma prevenção, impede a presença da ressocialização. Nesta perspectiva, entende-se que não existe uma "pena de morte", mas sim uma "punição de morte" àqueles que pelo primeiro nome são condenados, visto que a resposta do Estado, neste caso, não é uma pena, mas sim uma punição.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Incitado pelas grandes discussões realizadas acerca da "pena de morte" dentro da sociedade e, principalmente, pela suspeita de que tal espécie não fosse verdadeiramente uma pena, desenvolveu-se o presente estudo.

Para tanto, foram apresentadas as dimensões essenciais para a caracterização de uma resposta oriunda de um Estado Democrático de Direito como uma pena, a saber a prevenção, a punição e a ressocialização.

Em sequência, partiu-se à análise da suposta "pena de morte" sob a ótica das características da pena. Percebendo-se que este instituto atende claramente apenas à dimensão da punição, não observando o caráter ressocializador e preventivo da pena, deduziu-se que a "pena de morte" não existe: o que se observa é a existência de uma "punição de morte".

Desta forma, espera-se que este singelo estudo seja de valia, permitindo não só o engrandecimento científico, como também que a discussão social sobre a "pena de morte" possa adquirir contornos jurídicos, de modo que todos possam contribuir, dentro do sistema de legalidade e garantias fundamentais em que vivemos, para a construção de uma sociedade melhor.

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Sobre o autor
Péttrus de Medeiros Lucena

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CERES – Campus de Caicó.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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