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O subfaturamento nas aquisições de matérias-primas:

aspectos jurídicos e repercussões no custo industrial e no fluxo financeiro

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CAPÍTULO II: DOCUMENTOS FISCAIS QUE ACOBERTAM AS OPERAÇÕES MERCANTIS

            2.1 A EMISSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS – VERDADE FORMAL

            São admitidas cinco situações para a efetivação de qualquer operação mercantil:

            - 1º caso - formalmente o documento fiscal expressa as quantidades e valores compatíveis com a verdade material;

            - 2º caso - formalmente o documento fiscal expressa as quantidades compatíveis com a verdade material, porém com valores unitários inferiores aos efetivamente praticados;

            - 3º caso - formalmente o documento fiscal expressa os valores unitários compatíveis com a verdade material, porém em quantidades inferiores aos efetivamente praticados;

            - 4º caso – formalmente o documento fiscal expressa valores unitários e quantidades inferiores aos efetivamente praticados;

            - 5º caso – não há emissão de documentos fiscais.

            Graficamente cada situação poderia ser representada:

            onde:

            - Vo é o valor unitário das mercadorias ou produtos efetivamente praticados na operação;

            - Qo é a quantidade de mercadorias ou produtos efetivamente praticados na operação;

            - Vs é o valor unitário das mercadorias ou produtos subfaturados consignado no documento fiscal;

            - Qs é a quantidade de mercadorias ou produtos subfaturados consignado no documento fiscal;

            Com exceção do primeiro, em todos os outros casos a verdade material, que funda-se na efetividade da operação mercantil, se distancia da verdade formal.

            Graficamente os retângulos de linhas pontilhadas representam a fração da operação mercantil que não foi registrada nas escritas fiscal e contábil. Apesar da emissão de documento fiscal, este foi parcial, não acobertando a totalidade da operação mercantil.

            O fato de existir um documento fiscal não implica que os elementos quantitativos, qualitativos e monetários estejam integralmente descritos. A legislação fiscal autoriza a emissão da nota fiscal contendo formalmente apenas um dos elementos (valor ou quantidade) para efeito de regularização de diferenças de preços, de peso ou de quantidades porventura detectados. O motivo desta permissão decorre da necessidade de separar os elementos intrínsecos dos bens de comércio. Entretanto, este fracionamento é meramente formal.

            Ora, se é permitido que um dos elementos intrínsecos dos bens de comércio seja suprimido na emissão da nota fiscal-fatura é porque o legislador entendeu que tal documento não é título representativo destes bens. Sendo legalmente admitido a possibilidade da não coincidência da realidade formal com a material, não é estranha a idéia da emissão de documento que efetivamente não represente a operação mercantil. Não é outro o entendimento contido no art. 160, IV e V do RICMS, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97, abaixo transcrito:

            Art. 160 – A nota fiscal será emitida:

            (...)

            IV – no reajustamento de preço em virtude de contrato escrito de que decorra acréscimo do valor das mercadorias;

            V – na regularização em virtude de diferença de preço, de peso ou de quantidade das mercadorias...

            Portanto, não há que se falar que as operações mercantis foram perfeitamente descritas quando a verdade formal difere da verdade material. Apenas uma fração destas, aquela que encontra-se acobertada de documento fiscal, poderá ser registrada (graficamente seria representada pelos retângulos de linhas cheias), já a fração que não foi alcançada por qualquer documento fiscal não poderá ter registro contábil e fiscal (graficamente seria representada pelos retângulos de linhas pontilhadas).

            A unidade material dos bens de comércio, que vem emprestada do direito privado, encontra repercussão nos Princípios Fundamentais da Contabilidade que determinam que a escrituração contábil seja integral e na extensão correta, contemplando os aspectos físicos e monetários.

            2.1.1 A Fatura e a Nota Fiscal

            A legislação comercial é muito incisiva. Nesta seara, a fatura é um mero meio de prova do contrato mercantil de compra e venda.

            Almeida (1997, p.148-149) ao se referir aos meios de provas dos contratos comerciais assim escreve:

            ... provam-se os contratos comerciais (art. 122 do Cód. Comercial) por:

            I – escritura pública;

            II – escritura particular;

            III – notas dos corretores e certidões extraídas dos seus protocolos;

            IV – correspondências epistolar;

            V – livros do comerciante;

            VI – testemunhas.

            A estes meios devem-se acrescentar as presunções (arts. 305, 432, 433 e 434 do Cód. Comercial), a confissão, que é o reconhecimento daquilo em que a parte contrária se funda, e, finalmente, a fatura.

            (...)

            A fatura, como meio de prova de um contrato comercial, surgiu no direito mercantil por força do art. 219 do Código Comercial.

            (...)

            A fatura é assim uma nota do vendedor, descrevendo a mercadoria, discriminando sua qualidade e quantidade, fixando-lhe o preço. É, portanto, uma prova do contrato de compra e venda mercantil. Daí dizer Carvalho de Mendonça que a fatura é escrito unilateral do vendedor e acompanha as mercadorias, objeto do contrato, ao serem entregues ou expedidas.

            Prosseguindo, Almeida (1997, p.150) ainda diz que a fatura não constitui título representativo da mercadoria, mas documento que positiva contrato de compra e venda mercantil.

            Aliás, este entendimento é unanime na doutrina comercial, posto que a fatura não se constitui em título representativo de mercadorias, pois é antes o documento do contrato de compra e venda (Doria, 1995, p.109).

            Doria (1995, p.109-110), ao se referir à fatura, escreve:

            Com efeito, ainda hoje a fatura é, como se sabe, o rol, a relação das mercadorias vendidas, com a discriminação de sua qualidade, quantidade e preço.

            (...)

            A nossa lei não estabeleceu os requisitos que a fatura deve conter, obrigando-se apenas à menção das mercadorias vendidas. Nesta expressão, todavia, se há de compreender a referência ao preço, prazo e lugar do pagamento.

            A doutrina jurídica nos fornece as definições de fatura e de nota fiscal:

            FATURA. 1. Direito comercial. a) relação das mercadorias vendidas, contendo sua quantidade, qualidade, marca, peso, preço, condições de pagamento etc., que acompanha sua remessa ao serem expedidas ao comprador. Trata-se de nota de venda (Diniz, 1998, p.523, v.2).

            NOTA FISCAL. Direito tributário e direito comercial. Documento exigido pela legislação fiscal que comprova uma compra, com indicação do preço, e serve de controle ao fisco de toda e qualquer operação realizada pela empresa-contribuinte que constitua fato gerador de tributo ou tenha relevância para a fiscalização tributária (Diniz, 1998, p.377, v.3).

            Coelho (1995, p.268) entende por fatura como sendo a relação de mercadorias vendidas, discriminadas por sua natureza, quantidade e valor.

            Apesar da fatura não se confundir com a nota fiscal, já que a primeira atende à legislação comercial e a segunda à legislação fiscal, as duas, por apresentarem informações semelhantes, foram unificadas em um único documento chamado Nota Fiscal – Fatura. É ainda Coelho (1995, p.269) quem esclarece:

            Em 1970, por convênio celebrado entre o Ministério da Fazenda e as Secretarias Estaduais da Fazenda, com vistas ao intercâmbio de informações fiscais, possibilitou-se aos comerciantes a adoção de um instrumento único de efeitos comerciais e tributários: a "nota fiscal – fatura". O comerciante que adota este sistema pode emitir uma única relação de mercadorias vendidas, em cada operação que realizar, produzindo, para o direito comercial, os efeitos da fatura mercantil e, para o direito tributário, os da nota fiscal.

            Aliás, expressamente o § 7º, do art. 159 do RICMS / PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97, dispõe:

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            Art. 159 –

            (...)

            § 7º - A nota fiscal poderá servir como fatura, feita a inclusão dos elementos necessários no quadro "FATURA", caso em que a denominação prevista nas alíneas "n" do inciso I e "d " do inciso IX, passa a ser Nota Fiscal Fatura.

            Portanto, a nota fiscal-fatura é mero instrumento de prova do contrato mercantil de compra e venda, que presta-se a formalização de informações na esfera fiscal.

            A legislação tributária traz os elementos necessários que a nota fiscal-fatura deverá conter. Expressamente o inciso IV, do art. 159 do RICMS / PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97, dispõe:

            Art. 159 – A nota fiscal conterá, nos quadros e campos próprios, observada a disposição gráfica dos modelos 1 e 1-A, s seguintes indicações:

            (...)

            IV – no quadro "DADOS DO PRODUTO":

            (...)

            f) a quantidade dos produtos;

            g) o valor unitário dos produtos;

            h) o valor total dos produtos;

            (...)

            E mais, será considerada inidônea a nota fiscal-fatura que contenha informações que não coincidam com as da operação mercantil efetivamente realizada. Eis o entendimento extraído no art. 143, § 2º, IV, do RICMS / PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97:

            Art. 143 ...

            § 1º - É considerado inidôneo, para todos os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco, o documento que:

            (...)

            IV – contenha declarações inexatas...

            (...)

            2.1.2 A Nota Fiscal e a Verdade Material

            A nota fiscal é o documento que descreve elementos quantitativos, qualitativos e monetários decorrentes das operações mercantis. A verdade material extraí-se da conjunção dos três elementos citados, posto que espelham a realidade efetivamente ocorrida, sendo que esta, normalmente, encontra-se restrita ao conhecimento das partes envolvidas, quais sejam, fornecedor e comprador. Tais fatos passam a gerar interesse à seara jurídica e contábil, uma vez que destas operações decorrem conseqüências tributárias, comerciais e de proteção ao consumo. Faz-se, então, necessário a declaração da existência do contrato mercantil em toda a sua extensão, passando o mesmo a ser formalmente descrita através da nota fiscal – fatura.

            O simples fato de documentos fiscais declararem valores, quantidades e qualidades diferentes da verdade material não os tornam verdadeiros, inclusive podendo ocorrer a emissão de documento fiscal que efetivamente não represente uma operação mercantil, ou ao contrário, a ocorrência de operação mercantil sem a efetiva emissão da nota fiscal. Nestes casos, a verdade material se distanciará da verdade formal.

            Dentre as informações contidas na nota fiscal encontra-se o valor da operação mercantil, que serve de elemento meramente indicativo da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a produção, a circulação, o consumo, os serviços e o faturamento. Apesar da administração fazendária utilizar-se dos elementos formalmente declarados, não será prudente transformar a nota fiscal em documento obrigatório e imprescindível à comprovação da ocorrência do fato gerador e, principalmente, para a determinação da base de cálculo. Estes poderão ser desvendados através de qualquer um dos meios de prova permitidos em lei. Aliás, a própria legislação fiscal, quando da descrição da base de cálculo, preocupou-se com o valor da operação e não com a existência de documento fiscal. Não que a nota fiscal seja preterida, mas, diante da possibilidade da incerteza das informações declaradas, preferiu o legislador a realidade material, ou seja, o valor efetivo da operação mercantil.

            Portanto, importa pouco para efeitos tributários e contábeis a existência ou não da nota fiscal. O que determina o montante devido à fazenda é o real valor da operação, e não o valor formal contido em nota fiscal.

            Desta forma, a simples existência da nota fiscal que acoberte operação mercantil não tem o condão de encerrar a responsabilidade tributária. No máximo tal documento comprova a existência de um contrato mercantil de compra e venda. A operação mercantil poderá, caso necessário, ser trazida à tona através da utilização de outros meios de prova admitidos em lei, desnudando-a, desta forma, em toda a sua extensão valorativa, quantitativa e qualitativa, fazendo emergir a obrigação tributária em toda a sua amplitude, levando a prevalecer, portanto, no direito tributário a verdade material.

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Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. O subfaturamento nas aquisições de matérias-primas:: aspectos jurídicos e repercussões no custo industrial e no fluxo financeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3571. Acesso em: 23 nov. 2024.

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