INTRODUÇÃO
As polícias civil e militar são competentes para elaborarem o termo circunstanciado. A população não está preocupada com a divisão das polícias, mas espera um serviço de qualidade que atenda as suas necessidades.
"No Estado de Direito, a polícia possui um papel relevante junto a sociedade. Somente uma força policial integrada e preparada é capaz de combater a criminalidade(...) A tranqüilidade e a paz social são essenciais para a realização dos objetivos do país, que devem estar voltados para o interesse público e o bem comum". (Paulo Tadeu Rodrigues Rosa) advogado em Ribeirão Preto, mestrando em Direito Administrativo pela Unesp, especialista em Direito Administrativo pela Unip
Portanto, não há que se falar em ilegalidade de termo circunstanciado lavrado por policial militar no exercício da atividade de polícia, que deve estar voltada para o interesse público e o bem comum.
APRESENTAÇÃO
Ao considerar a celeuma surgida quanto ao artigo 69 da Lei nº 9.099/95, que aborda em caráter amplo o conceito de autoridade policial, para fins de lavratura de Termo Circunstanciado nas infrações de menor potencial ofensivo;
Ao considerar a posição assumida por alguns renomados profissionais da carreira jurídica, que entendem ser apenas Autoridade Policial, aqueles profissionais bacharéis em direito, que exercem a carreira de Delegado de Polícia;
Ao considerar as alegações de que a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu esfera de competência da Polícia Civil, definida no artigo 144, § 4º, da Constituição Federal de 1988, no momento em que passou a confeccionar os Termos Circunstanciados;
Ao considerar o questionamento quanto à validade do Provimento 758/01, de 23 de agosto de 2001, que regulamenta a fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais;
Ao considerar o surgimento da indagação quanto à capacitação profissional dos policiais militares para confeccionar o Termo Circunstanciado, devidamente supervisionado por Oficiais da Polícia Militar;
Entendemos que:
1. Por ocasião da edição da Lei Federal nº 9.099/95, entende-se que buscou o legislador constituinte ao criar o Juizado Especial Criminal, artigo 98, I, da CF/88, proporcionar ao cidadão brasileiro a materialização do seu direito constitucional de ter acesso à Justiça, face à atual dificuldade enfrentada pelo Poder Judiciário brasileiro, que emperrado por um elevado número de processos, um universo de recursos que burocratizam a aplicação do Direito ao caso concreto, demonstra ter ficado patente que a oferta de justiça é muito inferior à demanda.
Consciente dessa situação e tal qual o próprio judiciário, desejoso de uma Justiça rápida, imparcial, com custos razoáveis para o Estado e o cidadão, que sintetize de forma equilibrada a relação volume processual x eficiência x tempo x aplicação da lei, o legislador optou por um modelo prático, moderno, que efetivamente proporcionasse ao cidadão a correta e imediata prestação jurisdicional à sua necessidade concreta.
Nesse prisma então, entende-se que o JECrim, em sua essência, visa instituir um procedimento baseado em princípios como a simplicidade, economia processual, informalidade, celeridade e oralidade, contrariando e até mesmo buscando suprimir um sistema arcaico que há tempos tem se mostrado insuficiente, improdutivo e somador do emperramento da estrutura judicial, que é o próprio Inquérito Policial, que na sua definição, deixa de existir nos casos das infrações de menor potencial ofensivo, face a total suplantação pelo Termo Circunstanciado, que reúne em si todos os elementos necessários à propositura da ação penal.
2. Uma vez criada e aclamada pela sociedade e pela Justiça, a Lei 9.099/95, para tornar efetivo o alcance de sua eficiência e de seus princípios, definiu em seu artigo 69, em caráter amplo, o conceito de autoridade policial, que tanto causou controvérsias.
Vale lembrar que no texto desse mesmo artigo, a expressão autoridade policial não está restrita a uma determinada força policial e que para a Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, conclusão nº 09, "A expressão autoridade policial, referida no art. 69, compreende quem se encontra investido em função policial, não diferenciando policiais militares de civis".
É óbvio que o interesse maior em aplicar a lei é do Estado, e este por sua vez não pode permitir que argumentos baseados em conceitos parciais e acalentadores de interesses corporativos e oriundos de uma suposta disputa, venham a ter como vítima, mais uma vez, a sociedade como um todo.
É notório que todo agente do Poder Público é aquele com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural e a existência do qualificativo militar refere-se apenas à sua localização no âmbito estatal, inserindo-o no plano jurídico naquilo que toca ao policiamento preventivo ou repressivo, como é o caso do Policial Militar.
Conforme bem assevera o mestre Desembargador Álvaro Lazzarini: "Podemos dizer que o policial militar, como agente público, é servidor como tal denominado de policial militar, como o considera a legislação federal pertinente:
a) É órgão do Estado;
b) exerce, efetivamente, o poder público, sendo os seus atos administrativos de polícia dotados de atributos de auto-executoriedade e de inegável e irresistível coercibilidade;
c) age "motu próprio", tomando decisões de polícia, valorizando a atividade policiada e as sanções que deva impor, conforme critérios de conveniência e oportunidade, salvo quando ocorre a hipótese de vinculação de sua vontade;
d) guia-se, para assim proceder, por sua prudência dentro dos limites da lei;
e) traçando normas e ordenando comportamentos a serem observados pelos administrados, certo que;
f) em sua atividade, o policial militar não age como particular e não visa apenas aos meios, mas, como já focalizados, aos próprios fins do Estado de Direito. (...), sem nenhuma dúvida podemos afirmar que o policial militar é autoridade policial, (...), é o titular e portador dos direitos e deveres do Estado, não tendo personalidade, mas fazendo parte da pessoa jurídica do Estado".
Ainda na questão acerca do entendimento de alguns que insistem em deter-se no conceito estrito de autoridade policial, faccionando-o aos delegados de polícia apenas, vemo-nos por óbvio a mais uma vez, referenciar a notável compreensão jurídica do mestre Lazzarini, que em seu vasto conhecimento do Direito, desce aos patamares da dúvida e expõe:
"É o Estado que delega autoridade aos seus agentes. O delegado de polícia é o agente que tem a delegação da chefia das investigações de infração penal cometida e de presidir o respectivo inquérito. O constituinte de 1988 e o legislador infraconstitucional não mais quiseram a desnecessária intervenção do delegado de polícia nas infrações de menor potencial ofensivo, salvo nas hipóteses de ser necessária alguma investigação, como apuração da autoria ou coleta de elementos da materialidade da infração. A autoridade decorre do fato de o agente ser policial, civil ou militar, razão de, na repressão imediata, comum à polícia de ordem pública (militar) e à polícia judiciária (civil), o policial deverá encaminhar a ocorrência ao Juizado Especial, salvo aquelas de autoria desconhecida própria da repressão mediata, que demandam encaminhamento prévio ao distrito policial para apuração e encaminhamento ao juizado competente. Daí concluir pelo acerto do posicionamento daqueles que, diante da filosofia que animou o constituinte e o legislador infraconstitucional para a oralidade, informalidade, economia processual e celeridade do processo, ao policial, militar ou civil, não se deve exigir o seu prévio encaminhamento ao distrito policial e de lá para o Juizado Especial Criminal, prejudicando a atividade da corporação com formalidades burocráticas desnecessárias".
Ao se analisar pelo prisma da lógica e do Direito, é claro que o policial militar é autoridade policial e está inserido no conceito do artigo 69 da Lei 9.099/95, caso que, se entendimento contrário fosse tido por certo, estaríamos voltando os olhos para direção contrária a todos méritos e objetivos a que buscou o legislador com a edição da lei em questão.
Quanto aos ilustres delegados de polícia, cuja capacidade jurídica é inquestionável, o fato de legar a confecção do Termo Circunstanciado à Polícia Militar, nas infrações de menor potencial ofensivo, não diminui sua parcela de autoridade ou prestígio, antes busca facultar-lhes a disponibilidade de estarem voltados às questões de maior relevo, cujo teor deve ser alvo de sua bagagem jurídica, diminuindo a burocracia, permitindo que a prestação jurisdicional seja feita com excelência ao cidadão, que o efetivo de policiais esteja mais dedicado à comunidade e não perca tanto tempo em procedimentos junto ao Distrito Policial, os quais podem ser de pronto resolvidos entre o miliciano e os cidadãos, com a certeza da completa e rigorosa fiscalização dos oficiais da Polícia Militar e do Poder Judiciário.
É preciso trabalhar em conjunto, visando os fins públicos e não disputas corporativas. Dado o valor e importância de ambas polícias, é notório que este é o caminho a ser seguido.
3. Em um outro aspecto, veicula-se que a Polícia Militar invadiu a esfera da Polícia Civil, por ocasião da confecção do TC, desrespeitando a Carta Magna, que atribui a polícia judiciária (investigatória) à Polícia Civil.
Cumpre ressaltar nesse sentido, o ciclo de polícia. Ao ocorrer o ilícito penal, os atos de polícia sobre ele incidente, têm natureza de polícia judiciária, portanto, polícia repressiva. Esta por sua vez, auxilia a repressão criminal que é exercida e privativa do Poder Judiciário, consubstanciando-se por meio da pena. Considerando que a diferenciação entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária está na ocorrência ou não do ilícito penal, o policial civil ou militar, no momento da eclosão do delito, reger-se-á pelas normas do Direito Processual Penal, de sorte que seus atos de polícia estarão sob a égide do Poder Judiciário, que irá apreciar a ocorrência, sem mencionar ainda, o controle externo por parte do Ministério Público.
As providências tomadas pelo policial militar na eclosão de delito, tem natureza de repressão imediata, são de ofício, independendo de autorização superior, e buscam em seu fim último, restabelecer a ordem pública.
Partindo desse pressuposto, ao verificarmos que o policial militar age durante e após a eclosão do delito, no sentido de reconstituir a normalidade social, e que seus atos incidentes sobre o ilícito penal têm natureza judiciária, sob o crivo do Poder Judiciário, não há que se falar que a confecção do TC seja invasão de competência, posto que a lei determina, no caso do artigo 69 da Lei 9.099/95, que qualquer autoridade policial que tomar conhecimento de ocorrência de fato delituoso, deverá confeccionar o TC. Desta forma, o policial militar, autoridade policial que é, estará dando cumprimento ao diploma legal, na forma que ele estabelece e dentro de suas atribuições conforme se verifica pelo ciclo de polícia.
Somente estaria deixando sua seara de competência para invadir aquela inerente à Polícia Civil, quando praticasse atos externos àqueles que fugissem aos limites do Termo Circunstanciado, que seriam os casos de autoria desconhecida e negativa de compromisso em comparecer ao JECrim, situações que caberia então o encaminhamento ao Distrito Policial para apreciação do Delegado de Polícia e providências decorrentes. Portanto, dizer que a Polícia Militar invade a competência da Polícia Civil, é mero melindre, posto que a milícia paulista é por tradição legalista e dá fiel cumprimento à lei e aos fins do Estado de Direito.
4. Muito vêm sendo falado e discutido sobre a validade do Provimento 758/2001 do Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que esse Provimento, ato do poder Judiciário, "invadiu" a esfera de responsabilidade do Poder Executivo, porém tais discussões não têm levado em conta que tal provimento, apesar de ter sido provocado por uma Autoridade Policial Militar (Cmt Geral da Polícia Militar), é apenas um parecer no âmbito de Poder Judiciário, em que foram chamados a um debate, as autoridades interessadas, ou seja, o Comandante Geral da PM, o Delegado Geral da Polícia Civil, o Secretário da Segurança Pública e Magistrados Superiores, para que tomassem conhecimento de um novo posicionamento do Poder Judiciário, em que foi levado em conta tudo o que já foi dito acima e mais os problemas de descrédito e lentidão do Poder Judiciário.
É de suma importância esclarecer que não houve "invasão" de poderes, pois o Provimento serviu apenas de amparo legal para que o Secretário da Segurança Pública determinasse que policiais militares elaborassem o termo circunstanciado, sendo que dessa forma não há nenhum tipo de ilegalidade ou inconstitucionalidade em tal ato praticado pelos policiais militares, visto que, a elaboração do TC se dá com base na Resolução SSP-403, de 26/10/2001 e não com base no Provimento emanado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Tais posicionamentos e determinações têm como amparo legal a Lei Complementar Paulista nº 851, de 09/12/98, que dispõe sobre o sistema de Juizados Especiais, e que no seu artigo 30 determina ao Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral de Justiça e a Secretaria de Segurança Pública que, em atos próprios (incluem-se as Resoluções), disciplinem as atividades dos seus órgãos, funcionários e demais servidores, no âmbito específico da Lei Federal nº 9099/95. Grifo e observação nosso.
Portanto não há que se falar em legalidade ou não do Provimento 758/01, pois ele foi criado para disciplinar as atividades dos funcionários, dos Juizados Especiais Criminais e do próprio Tribunal de Justiça, enquanto que a Resolução SSP-403/01, veio disciplinar as atividades de seus funcionários (policiais militares), sendo que da mesma forma a Resolução SSP-229, de 29/05/2002, veio prorrogar a vigência da Resolução SSP-403/01.
Aliás, "invasão" ou conflito de atribuições entre Poderes Executivo e Judiciário ocorreria caso um funcionário do Poder Executivo entrasse no mérito em questões exclusivas do Poder Judiciário, ou vice versa.
5. Cogitou-se, também, a insuficiente formação do policial militar, ou seja, que ele não possui uma formação jurídica completa para que possa atuar nessas ocorrências, porém, deve-se lembrar que o Termo Circunstanciado é um breve registro oficial da ocorrência, não havendo necessidade da exata tipificação do fato delituoso para a sua validade, nem requer formação jurídica para a sua elaboração.
O BO/PM-TC, diferentemente do boletim de ocorrência da polícia civil, é um instrumento completo e adequado para o registro de fatos tipificados na Lei 9099/95 e seu encaminhamento ao JECrim pois, em seus variados itens, proporciona à autoridade judiciária o espelho da realidade encontrada pelo policial militar que atendeu a ocorrência.
Acima de tudo deve ser lembrado que na Polícia Militar, anualmente, todos os policiais militares são submetidos ao EAP, ou seja, passam por uma atualização profissional, onde vêem desde técnicas policiais básicas até entendimentos jurídicos, e agora com preenchimento dos BO/PM-TC pelos policiais militares, poderão passar por uma avaliação e por novas atualizações capacitando-os, assim, para que cada vez mais possam prestar esse tipo de serviço à população.
CONCLUSÃO
Com tudo o que foi exposto, tentou-se esclarecer certos conceitos e idéias ultrapassadas, através de pareceres, entendimentos e dispositivos legais sobre situações atuais e cotidianas enfrentadas pela polícia.
Contudo deve ser lembrado o conceito maior, o que deu início a todo esse complexo de infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, o objetivo da lei das contravenções penais e que passou a ser também o objetivo da lei 9099/95 que é o de evitar a eclosão de um mau maior, aperfeiçoando o conceito de penas alternativas, onde verifica-se que esse método já é utilizado em muitos outros países e que seu índice de recuperação é maior do que a privação de liberdade para essas "pequenas" infrações.
Por fim é inevitável concluir que a responsabilidade em preencher o Termo Circunstanciado tem que ser do policial (civil ou militar), pois somente assim verificar-se-á qual das duas instituições atenderá da melhor maneira quando for solicitado.