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Meritocracia e desigualdade

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Notas

[1] Tomado e modificado levemente do original «Metáforas para hablar de lo que está prohibido», http://www.jotdown.es/.

[2] O conceito de meritocracia foi cunhado, em sua versão moderna, pelo sociólogo e ativista  britânico Michael Young, «The rise of the meritocracy» (1958).

[3] Some-se a isso que a dificuldade para dar-se conta do que ocorre impede ao indivíduo viver plenamente todos aqueles fenômenos que têm relação com a satisfação pessoal, o diferimento do desejo ou a capacidade para calibrar as consequências dos próprios atos. Tudo isso favorece um processo de autoidentificação negativa e “la desconexión entre la atención hacia el exterior y la que se dirige al interior dificulta el proceso de sincronía, entorpece el contraste y la conciliación armónica entre la visión del mí mismo junto a la visión que tiene el otro de mí” (B. Ortín). Esta falta de integração supõe uma dificuldade na experiência de “dar-se conta da realidade”. Mais que não ter capacidade, competência ou talento, o problema de muitas pessoas é que não sabem que méritos, habilidades ou talentos devem ter. O certo é que para qualquer indivíduo é essencial aceder a um lugar dentro de seu sistema grupal e isto se costuma fazer mediante o desempenho de comportamentos construtivos. Mas se não logra culminar um processo de identificação positiva porque o contexto não lhe deixa, tenderá a desenvolver comportamentos inadaptados que atraiam a atenção sobre ele: é fácil, rápido e barato. Tudo antes que o exílio.

[4] No livro V da República Platão apresenta ao horror de seus leitores a imagem de um possível filósofo (possível, claro está, na aborrecida democracia) que é caldeireiro de ofício e, naturalmente, pouco mais ou menos, feio, baixo, barrigudo e calvo. Vinte e tantos séculos mais tarde, no elegante salão de uma grande Madame da Paris do séc. XVIII, e talvez recordando esta passagem de Platão, Voltaire deixou cair entre displicentes suspiros de afetação «parvenu»: “Ah! Madame, quand la canaille se mêle de penser, tout est perdu.”[Em uma carta à M. Damillaville (1er avril 1766) Voltaire repete a assertiva: «Je crois que nous ne nous entendons pas sur l'article du peuple, que vous croyez digne d'être instruit. J'entends par peuple la populace, qui n'a que ses bras pour vivre. Je doute que cet ordre de citoyens ait jamais le temps ni la capacité de s'instruire; ils mourraient de faim avant de devenir philosophes. Il me paraît essentiel qu'il y ait des gueux ignorants. Si vous faisiez valoir comme moi une terre, et si vous aviez des charrues, vous seriez bien de mon avis. Ce n'est pas le manœuvre qu'il faut instruire, c'est le bon bourgeois, c'est l'habitant des villes; [...] Quand la populace se mêle de raisonner, tout est perdu.»].

[5] Os seres humanos se estão comparando continuamente: somos umas máquinas de comparar-nos, uma «necessidade» que tem que ver com a necessidade de conhecer e de controlar. O problema é que estas comparações nos dividem: aos que têm mais ou estão mais arriba na hierarquia lhes invejamos, e aos que têm menos lhes depreciamos ou sentimos inclusive asco. A inveja e o desprezo são emoções que ninguém quer ter, que não gostamos de reconhecer e/ou sentir, porque nos deixam mal e dão uma vil e indigna imagem de nós mesmos: a inveja revela nossas carências e desgraças, e o desprezo nossa catadura e debilidade moral. Daí a precisa observação de Adam Smith (1759): “la disposición a admirar y casi venerar al rico y al poderoso, y a despreciar, o por lo menos a rechazar, a las personas en condiciones de pobreza, aunque necesaria para establecer y mantener la distinción de rangos y el orden de la sociedad, es, al mismo tiempo, la mayor y más universal causa de la corrupción de nuestros sentimientos morales”. Pois bem, embora o desprezo seja mais difícil de reconhecer, é algo comprovado que as pessoas de mais status recebem muito mais atenção que as de abaixo. Está no interesse dos subordinados controlar o que fazem os dominantes pelo que lhes pode passar. Já os dominantes não necessitam preocupar-se de controlar  aos débeis. De fato, o silêncio é a expressão mais perfeita de desprezo, como dizia George Bernard Shaw. O desprezo é a ausência de respeito, a falta de atenção, a bruta indiferença e a incapacidade de considerar ao outro. Susan Fiske (2011), por exemplo, estudou a imagem cerebral da inveja e o desprezo. Um descobrimento surpreendente é que há uma parte de nosso cérebro que se ativa (ou «acende») quando encontramos outra gente, sobretudo quando pensamos em seus sentimentos e pensamentos: o córtex pré-frontal medial. Sem embargo, as pessoas ou os grupos sociais que produzem desprezo e/ou asco não fazem com que se nos ative ou «acenda» o córtex pré-frontal medial. É como se não lhes atribuíramos uma mente e não esperáramos interagir com eles; como se os houvéramos desumanizado e lhes negáramos os atributos tipicamente humanos. Dito de forma mais simples: o córtex pré-frontal medial de nosso cérebro não se ativa quando pensamos nas ou na presença de pessoas que depreciamos. Também no que se refere à firma neurológica do desprezo o que se verifica é uma ativação da ínsula, uma estrutura que parece estar especialmente relacionada com o asco. Reagimos ante os marginados, perdedores ou fracassados como se estivessem contaminados, tanto moral como fisicamente. E na «schadenfreude», o que se vê é uma ativação do sistema de recompensa do cérebro; quer dizer, a desgraça de uma pessoa invejada ativa o circuito do prazer do cérebro.

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Sobre os autores
Atahualpa Fernandez

Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher.

Athus Fernandez

Advogado proprietário do escritório Athus Fernandez Advocacia em Ribeirão Preto/SP; Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP; Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho do Curso PROORDEM em Ribeirão Preto/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Atahualpa ; FERNANDEZ, Athus. Meritocracia e desigualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4229, 29 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35770. Acesso em: 22 dez. 2024.

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