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O papel do Direito na responsabilização de atos ilícitos no campo da produção de informação

Leia nesta página:

O estudo atravessa uma discussão sobre a instabilidade dentro do Direito no que se refere às decisões relacionadas à prática de atos ilícitos no campo da produção de informação, que reflete uma instabilidade vivenciada na própria profissão jornalística.

Introdução

Conforme alerta Traquina (2005), a especialização de um campo profissional e sua consequente diferenciação de outros campos profissionais implicam no domínio de uma linguagem especializada e diferenciada em relação aos “não profissionais”. Desse modo, a especialização significa autoridade e autonomia para aqueles que se dedicam a uma determinada ocupação.

Os problemas da profissionalização jornalística perpassam, dentre outras coisas, o reconhecimento/auto-reconhecimento, a legitimidade e a afirmação do poder de sua base cognitiva e deontológica. A afirmação de que um jornalista que se intitula jornalista, mas não escreve em um jornal, é, ainda assim, jornalista, deságua na conclusão de que basta escrever no jornal para ser jornalista.


Diploma para jornalistas: um impasse jurídico

Muitas incertezas, de ordem jurídica, se apresentam em torno do campo profissional do Jornalismo. Tais incertezas resultam em um estremecimento dos limites da profissão. A constituição brasileira julga que liberdade de expressão e direito à informação são direitos amplos. Com base nisso, o Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2009, extinguiu (por 8 votos contra 1) a obrigatoriedade de diploma para obtenção do registro de jornalista, fragilizando potencialmente a regulamentação profissional do campo e tornando bastante flexíveis as regras para a entrada no mercado de trabalho do jornalismo.

A decisão do STF atendeu ao Recurso Extraordinário 511.961, movido pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Gilmar Mendes, designado relator do caso, entendeu que o Decreto-Lei 972/69, editado durante a ditadura militar, o qual impôs o diploma obrigatório, afrontava a Constituição Federal de 1988.

Em julho de 2009, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) elaborou uma proposta de emenda constitucional (PEC 33/2009) na tentativa de neutralizar a decisão do Supremo Tribunal Federal. Em novembro de 2011, a PEC foi aprovada em primeiro turno no senado e, em 6 de agosto de 2014,  o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional emitiu parecer favorável às Propostas de Emenda à constituição 33/2009 e 386/2009, que determinam a exigência de diploma para exercício da profissão de jornalista.

Os constantes ataques políticos à Lei de Imprensa contribuíram, e continuam a contribuir, para disseminar dúvidas a respeito dos limites de ação para os jornalistas. As transformações das relações de trabalho, a falta de unidade da categoria e as mencionadas incertezas jurídicas, têm desestabilizado as fronteiras que ajudam a configurar a profissão de jornalista no país.


A responsabilização jurídica no contexto de derrubada do diploma profissional do Jornalismo

No campo da comunicação social, o direito à liberdade de expressão e à honra, assegurados pelo artigo 5º da Constituição Federal, podem entrar em colisão, notadamente, quando profissionais da comunicação expressam suas opiniões nos meios midiáticos mais tradicionais. Em um ambiente institucionalizado coexistem filtros e moderadores eficazes, denominados como conselhos editoriais que contribuem, sobremaneira, para evitar, ou pelo menos minimizar, a prática de atos ilícitos relacionados à ofensa e à imagem de fontes e personagens de narrativas jornalísticas.

O conselho editorial perpassa, entre outras coisas, a consideração, no ato de produção jornalística, dos valores-notícia, do news judgement e do saber de procedimento, que norteiam a prática da produção noticiosa. Os três elementos ditam aquilo que é noticiável ou não dentro da perspectiva deontológica da atividade prática do jornalismo.

Por outro lado, a decisão do STF, que dispensou a exigência do diploma para a prática da atividade jornalística no Brasil, promoveu a abertura para o exercício pleno da manifestação de ideias e opiniões em nosso país. Não obstante, também facilitou o exercício abusivo de direitos e a propagação de ofensas e inverdades pelos não profissionais da área de comunicação.

No Brasil é ainda incipiente a regulamentação jurídica que prevê punição, tanto a profissionais quanto aos não profissionais, para atos ilícitos praticados no ambiente virtual. Alguns avanços puderam ser percebidos nos últimos anos no campo do Direito, em direção à responsabilização dos atores incumbidos de produção informativa ilícita em veículos informativos institucionalizados e/ou na rede mundial de computadores.

Exemplo disso, no âmbito civil, foi a aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), em abril de 2014, cuja promessa é contribuir para a responsabilização de provedores e produtores de informações levianas e inverídicas.

No que diz respeito ao âmbito penal, a Lei 12.737/2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, foi sancionada em novembro de 2013 e passou a tipificar como crime a conduta de:

Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Pena: 03 (três) meses a 01 (um) ano de detenção. (LEI 12.737/2012)

A responsabilidade civil é regulada nos arts. 186 e 927, do Código Civil brasileiro. Basicamente, todo aquele que comete ato ilícito (contra a lei civil) e cause dano (material e/ou moral) a outrem é obrigado a reparar o prejuízo. A responsabilização civil acarreta uma condenação sempre patrimonial e consiste no pagamento de uma indenização à vítima pelos danos sofridos. (RIZZARDO, 2009). 

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Entretanto, as penas atribuídas para os crimes descritos nesta lei são relativamente brandas, o que não têm inibido algumas pessoas de cometerem ilegalidades na esfera de produção informativa.

Em sua decisão, o STF considerou o jornalismo uma ocupação na qual liberdade de expressão e liberdade de profissão têm a mesma natureza. Baseado na ideia de que em um país democrático não deve haver regulamentação prévia da liberdade de expressão, o tribunal supremo decidiu que não deve existir nenhum tipo de regulamentação estatal na profissão de jornalista. No jornalismo, especificamente, a profissão é relacionada à liberdade de expressão, imperando, portanto, o princípio constitucional de não interferência do Estado no setor. Alguma interferência seria caracterizada como censura e crime contra a liberdade de expressão no país.

As disputas judiciais em torno da obrigatoriedade do diploma para o exercício legal da profissão refletem, de um lado, a relação da profissão com o Estado e com o mercado e, de outro lado, as complexas práticas sociais que se inserem/modificam com as tecnologias e as oportunidades de manifestação de opinião. Via de regra, no Direito, as decisões proferidas dialogam com costumes sociais enraizados e amadurecidos. Isso revela que quanto mais regulares forem as práticas, tanto mais definidas e maduras serão as regras do jogo e o tipo de verdade jurídica que elas criam. Para o Direito, é mais importante estabelecer uma verdade controlável, uma vez que esta verdade possibilita a pacificação das relações sociais.

Ora, com a instabilidade vivenciada pela profissão ao longo de 13 anos e a crescente desvalorização do saber deontológico daqueles que informam, o Estado de Direito não conseguiu, por força de sua dificuldade de jurisdicionar relações sociais instáveis (temerárias), construir uma verdade jurídica que seja capaz de estabelecer paradigmas claros na distinção da responsabilização de profissionais e não profissionais da área jornalística. Contudo, a aprovação do Marco Civil e da Lei Carolina Dieckman, citadas anteriormente, evidenciam a construção de relações jurídicas mais previsíveis e seguras. Entretanto, constitui-se ainda como um processo em formação.

A instabilidade replicada no Direito, fruto da própria instabilidade da prática profissional jornalística, tende a perdurar até o momento em que a pacificação social não estiver comprometida. Em 2013, a Polícia Federal e o Ministério Público registraram mais de 240 mil crimes virtuais no Brasil (Rodrigues, 2014), número expressivo para um país onde a popularização do uso da internet ocorreu há pouco mais de uma década. Em 2013, o instituto de pesquisa americano, ComScore,  divulgou um relatório informando que o Brasil já ocupava, naquele ano, a quinta posição no ranking mundial de acesso à internet.

Na ausência de uma legalidade específica, os tribunais têm estendido a responsabilidade tradicional dos profissionais para os não profissionais. Os internautas não profissionais (proprietários de blogs ou de páginas em redes sociais) podem assumir responsabilidades civis e criminais quanto ao conteúdo do que é divulgado em suas plataformas, devendo, por esta razão, exercer um policiamento de suas próprias opiniões, além de uma filtragem do conteúdo produzido por terceiros.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em 10/09/2014

CORREIA, J. C. O Ethos jornalístico: da técnica à reflexão crítica. In: Revista Verso e Reverso (UNISSINOS, São Leopoldo, Brasil) - Ano XXIII - 2009/3 - Número 54 , 2009.

RIZZARDO, A. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2009.

TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. v.2. A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular/UFSC, 2005.

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Sobre os autores
Paulo Antonio Rodrigues Martins

Mestre em Direito e Relações Internacionais pela PUC/GO. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp. Advogado atuante em assessoria jurídica empresarial na cidade de Rio Verde, Estado de Goiás.

Anielle Aparecida Fernandes de Morais

Jornalista formada pela Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. Mestre em Letras pela Universidade Federal de São João Del-Rei, Minas Gerais. Jornalista e Professora na cidade de Rio Verde, Estado de Goiás.

Anielle Aparecida Fernandes de Morais

Jornalista formada pela Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. Mestre em Letras pela Universidade Federal de São João Del-Rei, Minas Gerais. Jornalista e Professora na cidade de Rio Verde, Estado de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Paulo Antonio Rodrigues ; MORAIS, Anielle Aparecida Fernandes et al. O papel do Direito na responsabilização de atos ilícitos no campo da produção de informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4862, 23 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35794. Acesso em: 26 abr. 2024.

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