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A legalidade da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumentos de planejamento tributário

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4. BREVE NOÇÃO SOBRE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Considera-se planejamento tributário, a atividade que, feita de maneira exclusivamente preventiva, prevê, coordena e projeta atos e negócios com objetivo de determinar qual o meio menos oneroso para realização destes mesmos atos e negócios.

Em síntese, o objetivo do planejamento tributário é promover economia de impostos. Antevendo as diversas situações jurídicas que podem se ligar a um determinado ato ou negócio, o empresário/administrador pode procurar a forma menos onerosa do ponto de vista fiscal, orientando, assim, suas decisões administrativas.

O planejamento tributário pode ser utilizado com o fito de (i) retardar ou impedir a ocorrência do fato gerador; (ii) reduzir o montante do imposto devido.

No primeiro caso, o essencial é evitar a ocorrência da situação descrita em lei como fato gerador do tributo, logo, qualquer ação ou omissão deve ser feita antes do fato gerador.

Conforme o exposto no tópico anterior, o caráter preventivo é essencial para colocarmos qualquer forma de economia fiscal dentro dos conceitos de legalidade e legitimidade.

Dada a importância deste aspecto temporal, isto é, a anterioridade em relação ao fato gerador, o planejamento fiscal, inicialmente, deve procurar:

- prever a situação de fato que, ocorrendo em concreto, acarreta conseqüências jurídicas, fazendo nascer a obrigação tributária (fato gerador);

- identificar o período anterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e o período posterior a essa ocorrência. [8]

O contribuinte, visando a um planejamento fiscal, deve, pois, atentar para o período anterior à configuração do fato gerador, para que neste período, possa prever e adotar as opções legalmente disponíveis. Neste sentido, o ponto de referência em termos de planejamento é, sem dúvida, o fato gerador.

Noutro giro, em se tratando da modalidade de economia fiscal referida no segundo caso (redução do tributo), o planejamento tributário refere-se, basicamente, ao cálculo do imposto ou à determinação do valor tributável, sendo possível, apenas, quando a própria lei concede mais de uma opção ao contribuinte. Como já dissemos em outra oportunidade, esta forma de planejamento tributário encontra-se na seara da elisão decorrente de lei, que, frise-se novamente, prende-se mais à Política Tributária.

O planejamento tributário traz à tona uma das discussões mais acirradas do Direito Tributário que é a indagação sobre a licitude do contribuinte adotar determinadas formas jurídicas com o fim exclusivo de promover uma economia de tributos.

Neste sentido, poderíamos nos perquirir: é ilícito realizar fusão, cisão e incorporação de empresas única e exclusivamente para se pagar menos impostos? A resposta, a priori, nos parece ser negativa.

E isto porque, conforme assevera Latorraca, "não se trata, no caso, de simular determinada forma jurídica para instrumentar inadequadamente uma realidade econômica. São atos cuja realização a lei não indaga qual a intenção, isto é, são atos jurídicos cujo elemento subjetivo é irrelevante do ponto de vista fiscal. O agente pode visar a inúmeros objetivos econômicos, sendo válido, inclusive visar unicamente a uma economia fiscal" [9]

Ressalte-se que, em termos de fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumento de planejamento tributário, a forma adotada é típica, o negócio jurídico é válido e eficaz. A única peculiaridade é que o objetivo econômico visado não é apenas fundir, incorporar ou cindir empresas, mas, primeiramente, encontrar uma forma de se pagar menos tributos.

O planejamento tributário, portanto, para ser legítimo e legal, deve, necessariamente, estar estritamente ligado à noção de elisão fiscal, devendo possuir as mesmas características desta forma de economia de tributos.

Neste sentido, o planejamento tributário para ser lícito deve responder afirmativamente a três indagações básicas:

- O planejamento tributário adotado previu e antecipou a ocorrência do fato gerador?

- Os atos praticados pelos contribuintes são lícitos?

- Está afastada qualquer forma de simulação?

Respondendo-se afirmativamente a todas estas três perguntas a legitimidade e licitude do planejamento tributário está resguardada.

É bem verdade que a terceira pergunta é um desdobramento do segundo questionamento, haja vista a simulação ser uma modalidade de ilícito civil. Entretanto, importa notar que a simulação de atos e negócios, dada a sua extrema importância para fins de planejamento tributário, deve ser considerada em tópico à parte.

Ricardo Mariz de Oliveira, Diretor Executivo do Instituto Brasileiro de Direito Tributário da USP, em recente artigo escrito para a Revista de Estudos Tributários, salientando a importância da não configuração da simulação como requisito de licitude do planejamento tributário, afirma:

"É obvio que quando falo que os atos têm que ser lícitos e, depois, afirmo que eles têm que ser reais e não simulados, estou aproximando as duas coisas, porque, evidentemente, um ato simulado é um ato ilícito, passivo de anulação pelo Código Civil.

Gosto de destacar esta necessidade da não simulação e, boa parte dos estudiosos sobre planejamento tributário também o faz, porque, em matéria de planejamento tributário, reside exatamente na simulação o grande problema.

Então, essa ilicitude que poderia ter parado na segunda parte do problema, assume uma importância tão grande que merece ser colocada em destaque." [10]

Esta distinção tem razão de ser, como já anteriormente frisado, por ser a simulação uma forma de ilícito onde o emprego de meios escusos e fraudulentos se dá de forma disfarçada. Em sua aparência exterior, os atos simulados revestem-se de uma capa de licitude, o que torna difícil descobrir a verdadeira intenção do agente que se escuda em um negócio jurídico que aparenta ser algo que realmente não é.

Neste aspecto, em termos de planejamento fiscal, a verificação da não ocorrência de atos simulados é vital para que a economia de tributos seja feita dentro dos moldes legais, permitindo o contribuinte economizar no pagamento de tributos, sem, entretanto, enveredar-se pelo caminho da sonegação e evasão fiscal.

Assim, em termos de planejamento tributário, primeiro apura-se se houve a realização de atos ilícitos, confirmando-se que não ocorreram atos ilícitos, verifica-se se estes atos que receberam um "carimbo" de lícitos realmente foram praticados ou são meros atos simulados.

Por fim, uma última e breve consideração deve ser feita, especificamente, no que toca ao fundamento e legitimidade do planejamento tributário, utilizando para tanto, novamente, a posição de Mariz de Oliveira: [11]

"Diria, e nesse ponto tenho uma posição peculiar, que o direito nasce, em primeiro lugar e fundamentalmente, do direito de propriedade. Considerando-se que o tributo seria uma espécie de agressão à propriedade privada – e ninguém discute que a propriedade privada é um bem garantido pela Constituição em mais de um artigo, estando elencada no artigo 5º como um direito individual tão importante quanto a garantia à vida. No prisma estritamente jurídico, o direito à propriedade está relacionado junto a diversos outros direitos fundamentais.

(...)

O confisco é a subtração imotivada do patrimônio e propriedade individual. O tributo, por sua vez, é motivado pelo fato gerador previsto na lei de acordo com a competência constitucional. Quer dizer, são situações em que a própria Constituição autoriza o Poder Público a se apossar de parte do patrimônio individual, se o contribuinte tiver praticado o fato gerador. O artigo 114 do Código Tributário Nacional, dentro desta linha, afirma que o fato gerador é aquela situação necessária e suficiente à ocorrência da obrigação tributária. De tal forma que, se não se configurar essa situação necessária e suficiente, não há fato gerador e não há obrigação tributária.

O que distingue o tributo do confisco é exclusivamente a liberdade que o indivíduo tem de praticar ou não o fato gerador. Se fossemos obrigados, por exemplo, a aplicar nosso dinheiro no mercado financeiro para pagarmos IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) ou Imposto de Renda, não teria necessidade de se prever fatos geradores. Bastaria o Fisco impor que o contribuinte entregue parte de seu patrimônio.

Se formos tangidos, obrigatoriamente, a praticar o fato gerador, deixaríamos de ser um cidadão livre para sermos escravos ou servos do Estado, supridores inevitáveis das necessidades estatais. "

Portanto, o que fundamenta a idéia de planejamento tributário é o direito de propriedade aliada à liberdade que gozam os cidadãos de um Estado Democrático de Direito.


5. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DOS ATOS E DO ABUSO DE FORMAS

O planejamento tributário, assim como a própria elisão fiscal, tem aceitação, ainda, bastante controvertida. O apetite arrecadatório do Fisco e a vontade dos contribuintes de recolher menos tributos contrapõe-se de maneira mais contundente quando estamos diante do planejamento tributário e da figura da elisão fiscal.

As duas concepções – tanto do Fisco, quanto a dos contribuintes – são amparadas por posições doutrinárias que divergem quanto a legitimidade e possibilidade de se pagar menos tributo diante da adoção de caminhos outros, capazes de driblar fatos geradores ou atenuar suas conseqüências.

Neste contexto, amparando a visão arrecadatória das Fazendas Públicas, apresentam-se as teorias da interpretação econômica das leis fiscais e a teoria do abuso de formas.

Inicialmente, tratando-se da teoria da interpretação econômica dos atos e leis fiscais, temos que esta corrente funda-se no pressuposto de que situações econômicas iguais devem, necessariamente, sofrer tributações iguais. Este postulado baseia-se na idéia de que o tributo visa, essencialmente, atingir situações econômicas substanciais e não exteriorizações de formas jurídicas.

Como salienta Sampaio Dória, o problema da adoção da teoria em questão e a contraposição com a noção de planejamento fiscal já se apresenta de antemão pois, "honestamente, na elisão (extensível também ao planejamento tributário), o que existe é uma manipulação de formas jurídicas, para se alcançar a um mesmo resultado econômico." [12]

Segundo a teoria da interpretação econômica dos atos e leis fiscais, os atos, fatos, contratos e negócios, previstos na lei tributária como base de tributação, devem ser interpretados de acordo com seus efeitos econômicos e não de acordo com sua forma jurídica. Neste sentido, os efeitos tributários dos atos, contratos ou negócios jurídicos decorrem da lei tributária e não poderiam ser modificados pela vontade das partes. Não podendo ser modificado pela vontade das partes e sendo a lei geral e abstrata, portanto, impondo-se a todos, atos e negócios jurídicos com efeitos econômicos idênticos devem possuir tributação idêntica.

É bem verdade que a teoria da interpretação econômica dos atos e leis fiscais tem sua razão de ser na isonomia tributária de situações economicamente similares. Todavia, diante da existência de dois caminhos para realização de uma determinada operação, não teria sentido o intérprete e aplicador da lei, relegando a segundo plano a existência de mais de uma forma jurídica, pretender cobrar um tributo de um contribuinte que, habilmente, organizando sua vida tributária, conseguiu, por uma via não convencional, livrar-se da incidência de um fato gerador.

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A teoria da interpretação econômica, nada obstante basear-se na idéia de isonomia tributária, acaba por fazer tábula rasa dos princípios da legalidade e da regra segundo a qual a obrigação tributária nasce do fato gerador.

O princípio da legalidade, ícone da segurança jurídica e da proteção dos cidadãos contra o arbítrio do Estado, apregoa que ao Poder Público só é dado fazer aquilo previsto em lei. Lei esta, entendida em sentido formal, como ato emanado de competente Casa Legislativa, composta de representantes eleitos pelo povo.

Em termos tributários, como é sabido, o princípio da legalidade toma contornos ainda mais rigorosos, tomando a feição de legalidade estrita. Neste sentido, a exigência de um tributo só pode ser feita se a lei, anteriormente, prescreveu que, ocorrendo determinada situação, há a incidência de tributos. Ademais, diante da legalidade estrita, a incidência de tributos só é possível se a operação tributada ocorrer, de fato, nos moldes minuciosos traçados pela lei. Assim, e.g, se há previsão de tributação para o arrendamento mercantil, não é dado ao Fisco exigir impostos se, na verdade, houve uma operação de ‘leasing.’, salvo se a própria lei determinar que os efeitos fiscais do leasing e do arrendamento mercantil são os mesmos.

Neste particular, pode-se afirmar que "o legislador pode, é verdade, equiparar institutos e sacar efeitos específicos ao fazer a lei. Mas é o próprio programa da lei que está em foco, sem nenhuma interpretação econômica. Não será, pois, caso de interpretação, mas de legislação (princípio da legalidade)." [13] A lei ao determinar em seu texto que a realização do negócio "A", gera os mesmos efeitos tributários que a realização do negócio "B", ainda que "A" e "B" sejam em sua forma jurídica distintos, mas redundam em mesmo efeito prático, não está a prestigiar a teoria da interpretação econômica. Neste caso, o aplicador e intérprete da lei podem equiparar situações com o mesmo deslinde econômico pois a lei, soberanamente, assim determinou.

Vê-se, pois, que a idéia da legalidade estrita há de sempre prevalecer. Neste sentido, forçoso é entender que não se pode, para atribuir efeitos fiscais a determinado instituto ou operação, distorcer conceitos a fim de impor uma tributação, fundamentalmente quando estes institutos provêm do Direito Privado – Civil e Comercial.

Assim assevera Sacha Calmon, transcrevendo os artigos 109, 110 e 118 do Código Tributário Nacional:

‘Art. 109 – Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para a definição dos respectivos efeitos tributários.’ (destacamos)

‘Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.’

‘Art. 118 – A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelo contribuinte, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.

II – dos efeitos efetivamente ocorridos.

"Dos textos acima transcritos infere-se que: os princípios gerais do Direito Privado prevalecem para a pesquisada da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos de Direito Privado, de tal sorte que ao aludir a tais institutos sem lhes dar definições próprias para efeitos fiscais (sujeito à limitação do artigo 118), o legislador tributário ou o aplicador ou intérprete da lei tributária deverá ater-se ao significado desses princípios como formulados no Direito Privado, mas não para definir efeitos tributários de tais princípios; exemplo: se a lei tributária é silente na matéria, e apenas alude, como elemento de conexão ou gênese de obrigação tributária a ‘titularidade dominial’ prevalece, para caracterizar a situação que ele definiu, o conceito privatístico de titularidade dominial.(...)

Absurdo é, ao que penso, dizer que para efeitos tributários pode ser abusivo o recurso a formas de Direito Privado que neste campo são legítimas, pois a abusividade não decorre da prescrição legal, senão, e apenas, da convicção de algum agente da Administração Pública ou de magistrado de que o legislador teria querido dizer, ao expedir a lei, muito mais que efetivamente disse. É claro que a realidade econômica se apresenta como pressuposto lógico relevante dos tributos, mas só é presente na obrigação tributária se tiver sido jurisdicizado pela lei, dado o princípio da legalidade." [14]

Dado isto, estando a doutrina ciente das maléficas conseqüências da adoção de uma postura teórica nitidamente controvertida e que coloca em risco direitos assegurados ao contribuinte, tudo isto acompanhada da insegurança jurídica advinda da adoção da referida interpretação econômica dos atos e leis fiscais, os autores pátrios tem assentado o entendimento de que a doutrina da interpretação econômica não sentou praça em nosso ordenamento jurídico.

Sampaio Dória, pois, é rigoroso em afirmar:

"Não cremos que seja o momento para desenvolvermos uma crítica a teoria da interpretação econômica. O problema desta teoria, a nosso ver, é que ela é exatamente imprecisa e ambígua, oferecendo uma latitude de ação ao intérprete de tal amplitude que o converte em legislador. No direito brasileiro o tributo só decorre da lei. Se o intérprete ou o aplicador da lei puder ter essa ação, ele estará invadindo uma esfera de competência legislativa.

Em segundo lugar, essa teoria é muito ambígua no que seja o conceito de identidade de efeitos econômicos. Os efeitos econômicos reduzem-se a certas formas de exteriorização de renda: a renda auferida, a renda despendida e a renda poupada. Se os tributos forem definidos em função apenas do seu substrato econômico, reduzir-se-ão a três ou quatro tributos, quando na realidade todos os ordenamentos positivos, na maioria dos casos, seguiam não pela realidade econômica subjacente, mas pela exteriorização formal desses fenômenos econômicos.

Em terceiro lugar e último – e nos parece um argumento bastante importante, não se vê por que se deva tanto presumir que o legislador, quando indicou uma certa fórmula jurídica como tributável, tivesse pretendido tributar todas as outras fórmulas jurídicas análogas, isto é, fórmulas que permitissem atingir o mesmo resultado econômico, quando ele poderia, facilmente, indicar essa intenção, se quisesse. O que torna legítima a adoção de uma forma jurídica menos onerosa é, justamente, o direito fundamental, garantido em sede constitucional, da preservação da propriedade." [15]

No mesmo sentido é a lição de Bilac Pinto:

"A admissão da tese de que as autoridades fiscais podem opor uma apreciação econômica à definição legal do fato gerador ou que lhes é facultado eleger, por meios de critérios econômicos subjetivos, um devedor do imposto diverso daquele a quem a lei atribui a obrigação de pagar o tributo, equivale a esvaziar o princípio da legalidade do seu conteúdo.

A substituição do critério jurídico, que é objetivo e seguro, pelo conteúdo econômico do fato gerador implica trocar o princípio da legalidade por cânones de insegurança e arbítrio, incompatíveis com o sistema constitucional brasileiro." [16]

Vê-se, assim, que a interpretação econômica, tal como delineado pela doutrina, não deve ser um método interpretativo que deva participar da exegese jurídica pátria, sobretudo quando se está diante de matéria afeita à seara fiscal.

Além da controvérsia envolvendo a interpretação econômica das leis fiscais, há um outro grande problema ligado ao planejamento tributário, qual seja, a teoria do abuso de formas ou teoria da utilização atípica das formas.

Para esta teoria, a elisão fiscal, assim como algumas modalidades de planejamento tributário, são, como se convencionou chamar, formas abusivas de realização de negócio jurídico. O negócio abusivo é um negócio típico com um fim atípico, ou seja, utiliza-se uma forma jurídica típica, para atingir resultado outro que aquela determinada forma jurídica, normalmente, não atingiria ou não permite.

A teoria do abuso de formas parte da premissa que o planejamento tributário, assim como a elisão fiscal, importam sempre em um resultado que a forma jurídica adotada não previa nem permitia.

O planejamento tributário, como já frisamos, é a utilização de uma fórmula jurídica menos onerosa para realizar determinado ato ou negócio que, realizado pela via convencional, mostra-se mais oneroso. Como no planejamento tributário a fórmula escolhida não é necessariamente a utilizada convencionalmente, para se atingir o resultado perseguido torna-se imperioso promover certas adaptações na fórmula jurídica adotada.

Para esclarecermos, lancemos mão de um exemplo dado pelo Professor Sampaio Dória:

Imaginemos que o indivíduo "A" quer fazer uma venda, mas a venda é tributada. Pode-se, então, optar por uma troca, caso esta troca não seja tributada ou sofra tributação menor que a venda. Entretanto, o indivíduo que deseja vender algo, não quer efetuar uma troca. Dado isto, é preciso rearranjar o molde jurídico adotado, para que nele se enquadre sua nova finalidade, que normalmente não tem.

Em razão desta manipulação, a teoria do abuso de formas entende que este manejo de moldes jurídicos deve ser impugnado pelo Fisco, uma vez que seria contrário ao espírito da lei.

O grande problema relacionado com a teoria do abuso de formas reside no fato desta teoria ser mais ambígua que a teoria da interpretação econômica, posto que parte do pressuposto que a fórmula jurídica válida é a que, normalmente, se utiliza para a realização de um negócio.

Este fundamento sobre o qual se assenta a teoria do abuso de formas mostra-se subjetivo e empírico. Não se pode atrelar a validade de um negócio jurídico aos conceitos de negócio normal ou negócio anormal. Entra-se, pois, na discussão: se o negócio "X" é normal ele é válido, mas se optarmos pelo negócio "Y", que não é comumente usado, o negócio é passível de ser impugnado pelo Fisco. Ora, se o caminho adotado, mesmo não sendo aquele usualmente utilizado, não é defeso em lei e não havendo qualquer espécie de simulação, não há como se impugnar este negócio jurídico.

De fato, não se refuta, a teoria do abuso de formas surgiu para coibir abusos existentes e cometidos com freqüência pelos contribuintes. Entretanto, a teoria do abuso de formas carrega em si um grau muito acentuado de subjetividade. Havendo o chamado abuso de formas, e aqui não negamos que ele exista, estes atos abusivos devem ser passíveis de impugnação. Todavia, esta penalização deve ser orientada pela idéia de simulação fiscal, que pauta-se em critérios mais objetivos para se apurar o desvio fiscal ilícito.

Além disso, como assevera Geraldo Ataliba, "essa teoria do abuso de formas quer dizer que os chamados atos abusivos nada mais são que atos simulados, isto é, atos em que as partes têm a intenção determinada de praticar um negócio, mas em sua exteriorização formal, praticam outro. Por exemplo, pretendem celebrar uma venda e na verdade celebram uma doação, usando de subterfúgios, naturalmente, não desta forma primária. Este seria um ato abusivo, quando, em direito, tradicionalmente, seria um ato simulado. A simulação é um conceito estratificado há muitos séculos, o fato é que tem contornos muito mais nítidos do que a chamada teoria do abuso de formas, e, portanto, permite atingir os resultados que a teoria do abuso de formas pretendia atingir, de maneira muito mais eficaz." [17]

Dadas estas considerações, conclui-se que o planejamento tributário, apesar de uma certa polêmica quanto a possibilidade ou não de se promover economia de tributo, parece-nos ser um método que o contribuinte pode-se utilizar para reduzir a carga tributária incidente sobre si.

Conforme o entendimento uníssono da doutrina, os dois grandes entraves à aceitação da tese da elisão fiscal e do planejamento tributário – teoria da interpretação econômica e teoria do abuso de formas – não são teorias encampadas pela ordenação jurídica brasileira. Ambas as teorias, adotadas por aqueles que pretendem não só resguardar a tributação de fraudes por parte do contribuinte, mas que almejam, também, aumentar a arrecadação enxergando fatos geradores onde, de fato, não existem, no Brasil, são substituídas pela teoria da simulação dos atos que, conforme já se disse, mostra-se mais segura e justa.

Em se tratando especificamente da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumento de planejamento tributário, estas duas expurgadas teorias, possivelmente, dariam pela ilegalidade deste procedimento fiscal elisivo.

Tomemos, pois, um exemplo;

Imaginemos uma empresa "A" que possua um ativo permanente contabilizado em 1000 unidades, mas que vale, em termos de mercado, 5000 unidades. Se a empresa "A" decidir vender este ativo pelo seu preço de mercado, e logicamente este é o real valor do ativo, terá esta empresa um ganho de capital de 4000 unidades, que será tributado pelo Imposto de Renda e pela contribuição social pelo lucro. Adotando-se uma das formas de reorganização societária, no caso a cisão, pode-se obter o mesmo efeito, pagando-se menos tributo. Basta, para tanto, que o pretenso comprador do bem entre para a empresa "A" como sócio. Faz-se, então, uma cisão parcial, observando as normas legais pertinentes, ficando o pretenso comprador com a parte do ativo que pretendia anteriormente comprar, utilizando, contudo, o valor contábil do ativo, sem pagar tributo algum.

Frise-se que este simplório exemplo é apenas para se mostrar como as terias do abuso de forma e da interpretação econômica atuam.

A primeira teoria, a do abuso de formas, impugnaria a operação exemplificada alegando, sinteticamente, que houve um desvirtuamento do instituto da cisão parcial previsto na Lei de Sociedades Anônimas, uma vez que tal instituto, tal como delineado no Direito Comercial, não se presta a impor uma economia "supostamente" indevida de tributos.

Já a teoria da interpretação econômica afirmaria, por outro lado, que seria lícito ao Fisco exigir impostos sobre a totalidade do ativo, uma vez que a compra e venda normal têm o mesmo efeito econômico da operação realizada, isto é transferiram patrimônio e geraram renda, logo, devem sofrer idêntica tributação.

Analisando-se o exemplo dado, temos que o trâmite legal adotado para cisão de empresas foi adotado na íntegra, pelo que não há que falar em ilegalidade neste ponto. Se não há qualquer questionamento sobre a legalidade que revestiu o negócio, a censura que poderá recair sobre a referida operação está ligada à questão da intenção do agente e/ou à própria interpretação que podemos fazer do caso em comento.

A intenção do agente, tal como nos referimos no capítulo 3, além de não ser um meio seguro para distinguir uma economia fiscal lícita de uma economia fiscal ilícita, não pode ser levada em conta para fins de apuração de infrações, assim como preceitua o artigo 136 do CTN:

"Art.136 – Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato". (ênfase suprida)

Ora, se a intenção do agente é irrelevante para a apuração da infração, deve a mesma ser, também, irrelevante para a apuração da legitimidade de qualquer ato, pois o que vale para fins tributários é o disposto na lei. O fato de o Estado poder exigir tributo e o contribuinte ter de pagá-lo está definido nos moldes legais, não sendo útil, para tanto, a apuração da intenção do agente.

A questão, então, é ligada aos fatores objetivos, quais sejam a forma e os meios adotados.

Em princípio, alegar a existência de abuso de formas é algo contraditório, assim como nos indaga Marco Aurélio Greco:

"Tratando-se de forma jurídica regulada pelo Direito, portanto, de forma lícita, tem sentido afirmar que há abuso? Usar uma forma lícita pode ser considerado ilícito?"

Noutro sentido é de se perquirir: poderíamos exigir Imposto de Renda da empresa protagonista do exemplo se, de fato, não houve obtenção de renda, mas uma operação onde o pretenso comprador ingressou como sócio da empresa, integralizando suas cotas/ações em montante idêntico ao preço de mercado, depois se retirando dela com o ativo pretendido via processo de cisão? E ainda, poderíamos tributar a operação realizada como se fosse uma compra e venda normal, apenas porque o resultado econômico foi o mesmo?

Pela teoria da interpretação econômica e pela teoria do abuso de forma a questão sob exame torna-se mais tormentosa. Mais simples e conveniente é a adoção da teoria da simulação, pela qual só é lícito o planejamento fiscal quando não composto de atos simulados. Havendo a apuração de que houve a realização de dois negócios jurídicos, um aparente e outro real, o primeiro acobertando o segundo, estamos diante da figura da simulação, sendo lícito ao Fisco impugnar a operação e exigir os respectivos tributos relacionados com a operação simulada.

Entretanto, é importante frisar que a questão não se apresenta de forma tão singela. Quando estamos diante de casos similares ao apresentado a título de exemplo, a substituição das teorias da interpretação econômica e abuso de formas pela teoria da simulação, apesar de resguardar com mais segurança o direito dos contribuintes é, na prática, mais difícil de ser aplicada.

A simulação é caracterizada pela existência de dois negócios jurídicos, um real, querido pelas partes, e outro aparente. O Código Civil, em seu artigo 102, elenca as hipóteses de atos jurídicos maculados pela simulação:

"Art. 102 – Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:

I – Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem, realmente, se conferem ou transmitem;

II - Quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - Quando os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados.

Percebe-se que se contrapormos o exemplo dado com as hipóteses em que o Código Civil arrola como simulação, a utilização da cisão para se pagar menos tributo, ‘in casu’, não pode ser definida, em princípio, como um negócio simulado.

Em verdade, no caso em comento, não houve dois negócios jurídicos. O que se configurou foi uma cisão, feita dentro dos limites previamente traçados em lei, pouco importando se esta forma de reorganização societária redundou em uma economia fiscal. Não há no caso citado, também, qualquer tentativa de enganar ou ludibriar o Fisco. Há apenas a intenção clara e inconteste de se pagar menos tributo. Portanto, o negócio realizado (cisão) não foi usado para conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem, realmente, se conferem ou transmitem, ou mesmo, não utilizou-se de declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.

Optando por uma das formas de reorganização societária, no caso, a cisão, as partes, tiveram que, para fazer um planejamento tributário correto, observar os requisitos e procedimentos previstos na lei comercial, assim como que observaram a legislação tributária no que toca à cisão de empresas, como a antecipação do lucro, a comunicação da operação às autoridades fazendárias, etc. Observadas estas exigências legais, não há como entender que houve uma simulação para prejudicar o Fisco. Havendo dois caminhos, um mais oneroso, outro menos, não há como obrigar o contribuinte adotar aquele que lhe será menos econômico.

A grande questão, então, envolvendo as formas de reorganização societária (fusão, cisão, incorporação), as teorias da interpretação econômica, do abuso de formas e a simulação, deve assim ser entendida:

As teorias do abuso de formas e da interpretação econômica não foram adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, pelo que seu uso deve ser evitado na interpretação tributária, tanto pela ambigüidade que lhes são peculiares, quanto pelo fato de não se compatibilizar com o instituto da legalidade.

Tais teorias devem ser substituídas pela apuração pura e simples da existência ou não de simulação. O conceito de simulação, oriundo do Direito Privado e já amadurecido pela sua longa existência na doutrina jurídica, explica melhor a possibilidade do Fisco impugnar atos onde há a feitura de negócios para ludibriar os cofres públicos.

A simulação, todavia, por ser mais difícil de ser percebida, encontra maior dificuldade para aplicação prática, contudo devendo ser prestigiada pela sua maior segurança aos contribuintes.

Em tempo, é importante aqui consignar que a simulação não pode e não deve ser confundida com o chamado negócio indireto. Esta distinção é essencial para apurar a legalidade da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumento de planejamento tributário.

Desta distinção nos ocuparemos no tópico em seguida.

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Sobre o autor
Adler Anaximandro de Cruz e Alves

advogado em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Adler Anaximandro Cruz. A legalidade da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumentos de planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3583. Acesso em: 18 abr. 2024.

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Trabalho apresentado como monografia de conclusão de curso na UFMG.

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