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A improbidade administrativa

01/04/1999 às 00:00
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INTRODUÇÃO

Os quadros públicos no Brasil, desde a sua colonização até 1988, eram formados por pessoas, geralmente, despreparadas para as respectivas funções. O interesse político-partidário, as amizades e o favoritismo, determinavam o preenchimento desses quadros. Nenhum outro critério era observado; sequer havia um controle da atuação desses funcionários.

O s primeiros indícios de controle vieram com a Constituição de 1934, no seu art. 113, quando estabelecia a legitimidade para que qualquer cidadão pleiteasse a anulação de atos lesivos ao patrimônio da União, Estados e Municípios. A Constituição de 1946 ampliou a previsão do diploma de 1934, quando instituiu, também, o controle das autarquias e das sociedades de economia mista. Previu, ainda, o seqüestro e o perdimento dos bens oriundos do enriquecimento ilícito, por abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica.

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da organização do Estado, dedica o capítulo VII à regência superior da Administração, com base nos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e, agora, da eficiência. Com base n a Carta Magna e nas Leis Complementares nº. 8.112/90 e nº. 8.429/92, analísa-se neste trabalho de maneira sucinta, a improbidade administrativa.


A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Entende-se por Administração Pública em sentido global, segundo Meirelles (1998), " todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas."

Partindo desse princípio, espera-se que o administrador público obrigue-se a desempenhar a sua função dentro dos preceitos do Direito e da Moral administrativa, já que o objetivo a ser atingido é o bem comum da coletividade. Nessa perspectiva, faz-se necessário, diz Bandeira de Mello (1992), "inibir que a Administração se conduza perante o administrado de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas, a submergir-lhe direitos ou embaraçar-lhe o exercício e, reversamente, impor-lhe um comportamento franco, sincero, leal."

A Administração Pública deve ser regulada e exercida dentro do que determinam a Constituição Federal e suas leis complementares. À Administração são concedidos direitos, porém limites são estabelecidos, não devendo os mesmos, jamais, ser extrapolados.

O sistema jurídico, objetivando salvaguardar a integridade administrativa , aciona os seus mecanismos no combate ao abuso que vem sendo largamente praticado em diversos setores. Assim o fazendo, protege os direitos subjetivos pessoais daqueles que lhe estão sujeitos. Defendendo uma administração honesta e preocupada com as transformações sociais, - porque já não se passa um dia sem que os escândalos administrativos ocupem as páginas dos jornais, os noticiários de rádio e de televisão- a eficácia desses mecanismos de controle externo da Administração Pública vai ser um freio na improbidade praticada no exercício dos cargos, das funções e empregos públicos, principalmente, nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista. Nesse sentido, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm que agir com o rigor que lhes compete.

A Lei nº. 8.429/92, embasada no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, confere legitimidade ao Ministério Público, para agir na defesa da moralidade administrativa, na área cível, sem prejuízo das pessoas jurídicas interessadas.


A AÇÃO DOS ADMINISTRADORES

Para Pazzaglini Filho (1998), "a improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da Ordem Jurídica ( Estado de Direito, Republicano e Democrático), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante concessão de obséquios e privilégios ilícitos."

Apesar das discussões em torno da Lei nº. 8.429/92, chamada de babel jurídica, por ser composta de normas de Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Econômico, Direito Penal e de Direito Processual Penal e, principalmente, pelas confusões geradas na redação dos arts. 9º, 10 e 11, ela vem surtindo um efeito bastante visível na sociedade.

Os mecanismos de controle externo, como os Tribunais de Contas, junto ao Ministério Público, têm infundido uma maior seriedade no que diz respeito à coisa pública. Com a obrigatoriedade dos concursos públicos, já é possível imprimir independência nos atos praticados pelos membros dessas instituições controladoras. Desaparecem os velhos comprometimentos políticos dos "indicados" com os "que indicam." Hoje já se pode vislumbrar um futuro administrativo com mais seriedade. A sujeira não pode mais ser varrida para debaixo do tapete, com a mesma facilidade anterior. Sem esquecer que a vigilância e o exercício da cidadania de um povo, na sua total extensão, são imprescindíveis, porque como disse Ihering (1987), " a luta pelo direito é um dever do indivíduo para consigo mesmo (...). A defesa do direito constitui um dever para a comunidade (...). Ao defender seu direito o titular também defende a lei, e com ela a ordem essencial à vida em sociedade, ainda haverá quem negue que tal defesa representa um dever para a sociedade?( ...) A justiça e o direito não florescem num país pelo simples fato de o juiz estar pronto a julgar e a polícia sair à caça dos criminosos; cada qual tem de fornecer sua contribuição para que isso aconteça (...). Todo homem é um combatente pelo direito, no interesse da sociedade."

O problema da improbidade administrativa, mesmo com falhas da aludida Lei Complementar, adquiriu nova dimensão a partir da Constituição Federal de 1988. Vive-se, sem dúvida, um momento de conscientização, principalmente dos órgãos de controle externo que fazem jus às prerrogativas a eles conferidas. Nesse contexto, vê-se alterar o velho panorama. O administrador, hoje, pensa duas vezes antes de cometer uma irregularidade, antes de descumprir os preceitos constitucionais – legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. O cumprimento dessas determinações legais é o mínimo que se espera do administrador público. Tais princípios norteadores, são como marcos de um caminho a ser percorrido. Não se atinge o marco 2 evitando-se o marco 1. Não se atinge o objetivo maior, que é a boa administração, sem o cumprimento de todos os preceitos.

A legalidade é o suporte e o limite da atuação do gestor; seus atos somente terão validade com a observância da lei. Difere da Administração Privada, onde tudo ou quase tudo é permitido. Para esta, a lei é um poder; para a outra, a lei é um poder–dever, porque a concessão por lei, do poder discricionário esbarra em limites que, uma vez ultrapassados, levam ao abuso do poder. O poder discricionário não é um poder arbitrário, é uma liberdade que não ultrapassa a conveniência e a oportunidade, fundadas na norma jurídica, embora muitos entendam diferentemente. Ou seja, é uma forma de ajustar o procedimento ao interesse público.

Há uma grande diferença entre poder discricionário e poder arbitrário, como assinala Silva (1997) " O poder discricionário é previsto na lei, é delimitado pelo direito, é resultado, por conseguinte, de um comando legal, que tem sua própria natureza na Lei Maior. É também ação livre na administração sob o Império da Lei (...). O arbitrário não tem a proteção jurídica e não existe no Estado de Direito."

A moralidade dentro da Administração Pública complementa a legalidade. Ela permite a distinção entre o que é honesto e o que é desonesto. Todos os atos do bom administrador visam ao interesse público; logo, o comportamento impessoal não atende aos interesses pessoais ou de terceiros. As medidas casuísticas são evitadas. Uma vez atendidos os interesses da coletividade, todos serão beneficiados eqüitativamente, cumprindo os velhos preceitos de Ulpiano: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere."- que carregam, em si, conteúdo moral e jurídico.

Na Administração, os atos carecem de divulgação, para que o povo em geral e alguns interessados diretos, conhecedores desses atos, possam exercer o controle através das garantias constitucionais que lhes são concedidas. Da mesma maneira que o administrador de uma empresa privada há que prestar contas ao seus sócios, assim também o administrador público há que prestar contas ao povo.


AÇÕES ÍMPROBAS

Como a cultura do favorecimento no nosso país está muito arraigada, da mesma maneira que levou tempo se solidificando, vai levar tempo para ser exterminada. As coisas tomaram um rumo tal que as pessoas, na sua grande maioria, aceitam com naturalidade a improbidade. A "lei do Gerson" para muitos não é demérito. A coisa pública parece pertencer aos mais espertos, e os que não levam vantagem em tudo são tachados de imbecis. Nesse sentido vem a afirmação de Montesquieu (1979), La corruption augmentera parmi les corrupteurs, et elle augmentera parmi ceux qui sont déjà corrompu ..." (1)

A Lei nº. 8. 429/92, no seu art. 9º e incisos, tipifica doze atos de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito. Essas modalidades não admitem forma culposa; todas têm forma dolosa, porque quem as pratica tem consciência e quer o resultado. Na sua redação, os aludidos dispositivos assim dispõem:

Art.9º: "Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão de exercício do cargo, mandato, função ou emprego, ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem, móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

(...);

IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no Art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V – receber vantagem (...) para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou aceitar promessas de tal vantagem;

VI – receber vantagem direta ou indiretamente (...), para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou características de mercadorias ou bens fornecidos...

(...);

VII – adquirir para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

(...).

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Apesar da pretensão do legislador, louvável, sem sombra de dúvida, o diploma dá margem a que certos agentes públicos, verdadeiros experts da improbidade, encontrem meios para continuar dilapidando o erário. Esses cidadãos sabem como enviar dinheiro para contas no exterior, registrar bens em nome de membros da família, realizar as mais sofisticadas operações, com truques capazes de deixar qualquer cidadão atônito.

Fatos existem às dezenas, como exemplos a serem citados. Há muito tempo houve-se falar nas " forças ocultas" que dominam o poder político. As relações pessoais tendo como finalidade precípua o atendimento aos interesses de grupos, formam essas redes de intermediação. Através delas, redes é feito o encaminhamento dos interesses individuais. São os elos de ligação entre os interessados e o Estado. Os mediadores estabelecem as relações. Dentro dessas redes circulam livremente os bem-apessoados e inteligentes homens públicos.

Nesses jogos de favores, tudo é possível, desde a paralisação ou agilização de processos, intervenções pessoais, até os mais vltosos negócios financeiros. O poder discricionário carrega, na maioria das vezes, um sentido de "tudo pode," e o público confunde-se com o privado.

A Lei da XII Tábuas tipificava o crime de corrupção e era com a pena capital que os magistrados pagavam pelos seus atos de concussão. Com o passar do tempo exigia-se apenas a devolução do indevido. No Império, as leges repetundarum determinavam a repressão do delito. A repetição do indébito era executada com o triplo do recebido, com o confisco dos bens e a deportação.

Hoje, com base no Código Penal, basta que o funcionário solicite a vantagem indevida para se configurar o delito. A solicitação pode ser direta ou indireta A conduta perfaz-se solicitando, recebendo ou aceitando a vantagem indevida. Todo funcionário tem o dever de executar os seus serviços gratuitamente para o público.


CONCLUSÃO

A legislação brasileira é uma das mais ricas em quantidade e, também, em qualidade. O número excessivo de leis concorre para a sua ineficácia. Some-se a isso a falta de vontade das autoridades em mudar o status quo. A idéia do presume-se que todos conhecem a lei permanece pura utopia. Somos um país de analfabetos. A grande maioria do nosso povo ignora a lei, sim senhor; quando a conhece, não a exercita em sua plenitude. Os fatos aí estão, a impunidade continua, mesmo com algumas tímidas e isoladas punições.

O poder econômico continua ditando normas. Oliveira (1996), afirma com muita sabedoria, que "nas sociedades pré-mercado a riqueza estava ao lado do poder, enquanto hoje – sociedade de mercado - o poder está ao lado da riqueza."

O abuso do poder apresenta-se muitas vezes como um ato legal, sob o manto da " discricionariedade" daqueles que têm competência para exercê-lo. O poder econômico sabe bem como persuadir certas autoridades administrativas. No mês de agosto do ano passado foi editada uma Medida Provisória beneficiando as grandes empresas industriais, aliviando-lhes os rigores da lei ambiental, por nada menos de dez anos.

No mundo inteiro, os problemas da Administração Pública, estão sendo pesquisados. Vê-se que são diferentes quanto às suas estruturas, suas tradições, sua cultura, mas semelhantes pelos atos ímprobos praticados por seus dirigentes. Closets (1993), abordando a improbidade na Administração Pública, tece o seguinte comentário: "a mauvaise depense, qui telle une tumeur porte en elle-même as logique de croissance, affaiblit tout le corps social...Dans une entreprise, la mauvaise gestion, les coûts trop lourds, les investissements hasardeux ne dégradent pas seuelement le compte, ils affectent plus encore les mentalités et les comportements. Le personnel Qui voit largent filer dans des gâchis quotidiens, des frais inutiles, des operatios mal conduites, rennonce à tout effort de productivité, à toute recherche d" efficacité. La contagion du laisser-aller se propage de haut en bas de la hierarchie et s" étend du laxisme financier à la néglicence profissionelle." (2). É uma praga, tornada vício, e como tal deve ser combatido. O povo deve exercer a sua cidadania utilizando-se das armas que lhe confere a Lei. Já se faz sentir alguma mudança, e a imprensa, de certa forma, tem desempenhado um papel fundamental nessa nova consciência. Consciência de uma Administração justa e eficiente.


NOTAS

          (1) A corrupção aumentará entre os corruptores, e aumentará entre aqueles que já são corrompidos.

(2) A má despesa, que como um tumor traz em si mesma a lógica do crescimento, enfraquece todo o comportamento social (...). Em uma empresa a má gestão, o custo muito pesado, os investimentos sem plano degradam não somente a contabilidade, elas afetam mais ainda as mentalidades e os comportamentos. O pessoal que vê o dinheiro desaparecer nos conchavos cotidianos, nas despesas inúteis, nas operações mal conduzidas, renuncia a todo o esforço de produtividade, a toda procura de eficácia. O contágio do deixar- seguir se propaga de alto a baixa da hierarquia e se estende do relaxamento financeiro à negligência profissional.


BIBLIOGRAFIA
  1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo

. 4 ed. São Paulo: Malheiros 1992.
  • CLOSETS, François de. Tant et plus! Paris: Gasset/Le Seuil. 1993.

  • IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Liber Juris.1987.

  • MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23 ed.São Paulo: Malheiros. 1998

  • MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. De L’ esprit des lois. Livre VII, chap II. Paris: Garnier/Flamarion. 1979.

  • OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Direito Penal Econômico Brasileiro. Porto Alegre: Abdir. 1996.

  • OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa. 2 ed. Porto Alegre: Síntese. 1998.

  • PAZZAGLINI FILHO et al. Improbidade administrativa. Aspectos jurídicos da defesa do Patrimônio Público. 3 ed. São Paulo: Atlas. 1998.

  • SILVA, José Carlos Sousa. Abuso de poder no Direito Administrativo. Belo Horizonte: Nova Alvorada. 1997

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    Sobre a autora
    Maria do Carmo Leão

    professora da graduação e do mestrado do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    LEÃO, Maria Carmo. A improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/360. Acesso em: 26 dez. 2024.

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